Apesar do SAG e BAFTA, Fernanda Torres ainda tem chances de indicação ao Oscar
Fernanda Torres fez história na última semana ao se tornar a primeira vencedora brasileira do Globo de Ouro, por sua performance no elogiado Ainda Estou Aqui. É um movimento crucial que auxiliar a atriz em sua campanha para seguir os passos da mãe, Fernanda Montenegro, e garantir uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz.
A vitória de Torres como Melhor Atriz em Filme de Drama no Globo de Ouro é um precursor importante para a indicação, ainda que a atriz tenha falhado em outro ponto crucial: o Screen Actors Guild of America, referenciado popularmente como SAG. Na manhã desta quarta-feira (8), o sindicato dos atores e atrizes de Hollywood divulgou sua lista de indicados - sem a presença da brasileira.
A ausência de Torres não é exatamente uma surpresa, visto que o SAG tende a priorizar atrizes americanas e mais presentes na indústria local. Não é o caso de Torres, que também não apareceu na lista longa do BAFTA, tampouco do Critics’ Choice Awards (onde receberá uma homenagem neste domingo). Dito isso, uma indicação para Fernanda Torres no Oscar não é impossível.
A Academia adora narrativas, e o fato de Montenegro ter concorrido em 1999 por Central do Brasil é algo que já vem favorecendo sua filha na campanha atual. Em uma corrida que ainda não parece ter definido uma favorita (Demi Moore, Mikey Madison e Karla Sofía Gascón são as únicas certezas de indicações até o momento), literalmente tudo pode acontecer. Era de extrema importância que Torres subisse ao palco do Globo de Ouro no último domingo; não por ter votantes da Academia presentes, mas pelo claro motivo de publicidade e visibilidade.
A vitória de Torres repercutiu na mídia, causou surpresa e até curiosidade em celebridades e personalidades da indústria - como por exemplo, um post da influente Jamie Lee Curtis em sua página do Instagram elogiando Ainda Estou Aqui.
A vitória de Torres também ocorreu alguns dias antes do início da votação para os indicados ao Oscar, e historicamente a categoria de Melhor Atriz em Drama do Globo de Ouro costuma trazer indicados para a Academia - apenas 4 vezes na História uma vencedora da categoria não foi ao menos indicada para Oscar.
Apesar das ausências, Fernanda Torres ainda estará lá.
Harry Potter: The Exhibition - Vale a pena conhecer a exposição?
A convite da Eventim, o Bastidores teve acesso exclusivo a um dos eventos mais esperados dos brasileiros fãs da cultura pop: a Harry Potter: The Exhibition. Elaborada originalmente nos Estados Unidos, e com passagem em diversos países ao redor do mundo, a exposição é um prato cheio para fãs da franquia de sucesso criada por J.K. Rowling e desenvolvida pela Warner Bros.
Como a maioria das exposições de cultura pop contemporânea, Harry Potter: The Exhibition oferece um mix imersivo de espaços "instagramáveis", que recriam salas, ambientes e cenas de momentos variados da franquia, e elementos "históricos", ao exibir figurinos originais, objetos e instrumentos utilizados na produção dos filmes. Pelo vasto espaço disponível na Oca do Parque Ibirapuera - onde a exposição está localizada - a visita certamente vale consideração.
A divisão da experiência é bem pensada e coerente dentro do próprio universo da franquia. A entrada no castelo de Hogwarts oferece uma divisão para cada casa da escola: Grifinória, Lufa-Lufa, Corvinal e Sonserina, onde a área de cada casa respectiva contará com curiosidades, elementos e figurinos de algum personagem pertencente à casa; curiosamente, a exposição do trio clássico Harry, Rony e Hermione não trouxe o uniforme tradicional do grupo, mas sim suas roupas de gala vistas em As Relíquias da Morte: Parte 1.
Imersão por completo
Há ainda uma belíssima área que recria o Grande Salão e suas velas flutuantes, um espaço mais sombrio para criar a experiência da Floresta Proibida (sem aranhas gigantes, para alívio deste aracnofóbico que vos escreve) e uma parada acolhedora na cabana de Hagrid, repleta de easter eggs dos filmes. O tour também conta com uma área inteiramente dedicada ao quadribol, com mais atividades interativas, e uma excelente área que aposta em ambientes diversos do Mundo Bruxo; como a sala de Dolores Umbridge, a casa dos Dursley e até mesmo o interior da maleta de Newt Scamander, protagonista de Animais Fantásticos - franquia derivada que, mesmo pouco popular, tem uma presença significativa no evento.
Ainda sobre a experiência de Hogwarts, o tour conta com uma divisão criativa baseada em algumas aulas da franquia. Há salas dedicadas a Poções, Adivinhação, Herbologia e Defesa Contra as Artes das Trevas. Cada sala traz a habitual combinação de figurinos, props e ativações; estas últimas potencializadas pelo cadastro de uma pulseira, que permite participar de uma aula para repelir bichos-papões, ver profecias em bolas de cristal e - o mais divertido - preparar poções famosas da franquia.
Por fim, a Exibição ainda oferece uma olhada nos elementos mais sombrios da saga, trazendo estátuas e figurinos do Torneio Tribruxo, uma recriação atmosférica da Câmara Secreta e uma exploração das Horcruxes de Voldemort e as Relíquias da Morte, todos apresentados em props repletas de detalhes.
Com aproximadamente 1 hora de passeio, a Harry Potter: The Exhibition certamente vale a visita. Há inúmeros detalhes e possibilidades de imersão e um audioguia, que agradarão bastante aos fãs da saga, e até devem despertar a vontade de revisitar os filmes (como foi meu caso).
HARRY POTTER: THE EXHIBITION
Horário: De Terça a Sexta das 10h às 19h | Sábados, Domingos e Feriados das 9h às 19h *Sessões a cada 30 minutos Local: OCA
Endereço: Av. Pedro Álvares Cabral, S/n - Portão 3- Moema, São Paulo - SP, 04094-050 Classificação etária: 12 anos. Menores de 12 anos, somente poderão entrar acompanhados dos pais ou responsáveis.*
*Sujeito a alteração por Decisão Judicial.
Crítica | Deadpool & Wolverine é um festival de fan service!
Quando o lendário acordo que resultou na compra da Fox pela Disney foi finalizado há alguns anos atrás, só uma coisa importava para os fãs de quadrinhos: e os X-Men? Por duas décadas compondo uma franquia de altos e baixo ao longo dos anos 2000, os personagens encontraram um novo boom em 2016 quando Ryan Reynolds encontrou raio engarrafado com seu cômico Deadpool, que revitalizou não apenas o tom da franquia, mas também de todo o subgênero de quadrinhos.
Quando a tinta do acordo Disney e Fox seca, a única certeza e garantia era a de que veríamos o Mercenário Falastrão novamente; e, dessa vez, interagindo com as valiosas propriedades do MCU de Kevin Feige, que oferece em Deadpool & Wolverine a primeira produção para maiores de 17 anos da franquia. E, de quebra, trazendo de volta da aposentadoria o grande rosto da saga X-Men, com Hugh Jackman apanhando as garras de adamantium mais uma vez - mesmo depois de ter literalmente estrelado um filme cujo grande intuito era matar o personagem, com o premiado Logan.
Com a Marvel Studios enfim batendo em uma parede criativa com sua infinitude de tramas, personagens e realidades, Deadpool & Wolverine surge como uma espécie de correção de curso. Através do próprio discurso ácido e metalinguístico do protagonista de Reynolds, a saga tenta voltar alguns passos e tentar se concentrar apenas em personagens; abertamente criticando as investidas em multiverses e realidades alternativas.
É tudo feito com muito bom humor e piadas sagazes, de praxe como Reynolds e seus roteiristas colegas, Rhett Reese e Paul Wernick, vêm entregando desde o filme original. Ironicamente, é justamente na crítica ao multiverse que Deadpool & Wolverine encontra sua maior limitação: o excesso de referências e dependência excessiva em piadas de nostalgia e legado. Em outros termos, Deadpool & Wolverine é um grande e saboroso fan service para o cinema de quadrinhos da Fox dos anos 2000 (e até além), que garante participações surpreendentes e divertidas - e que por si só, já garantem a curiosidade.
Porém, pouco sobra além disso. A dinâmica de Reynolds com o sempre excelente Hugh Jackman é divertida e derivativa de clássicos como 48 Horas e Fuga à Meia Noite (o buddy cop ácido feito de forma certa), mas fica a constante sensação de ser um filme perdido em suas intenções. Não parece haver uma história forte e que justifique trazer esses personagens mais uma vez (além do claro interesse mercadológico). A despedida de Jackman em Logan foi emocionante e digna, mas nada em Deadpool & Wolverine (nem o belo traje amarelo ou máscara embaraçosa) parece compensar esse pequeno delito cinematográfico.
Infelizmente, o vazio temático e emocional acaba refletindo na direção de Shawn Levy. Diretor muito competente de obras como Gigantes de Aço e a trilogia Uma Noite no Museu, Levy faz o básico em um trabalho que parece mais confortável em filmes originais do Disney+ do que épicos cinematográficos que a saga mutante já foi capaz de atingir no passado. Com exceção de uma ou outra cena de ação inspirada (apoiada por uma escolha musical certeira), não é um trabalho dos mais brilhantes - e que ainda peca pela fotografia bem apagada de George Richmond.
Mas no fim, parafraseando o próprio protagonista de Reynolds, Deadpool & Wolverine deve entregar exatamente o que os fãs querem. É um banquete de referências, participações e infinitas piadas internas com o estado atual do gênero e a decadência da finada Fox. Uma experiencia ocasionalmente divertida e que decola pelo carisma dos astros, mas que parece vazia e esquecível em todo o resto.
Deadpool & Wolverine (EUA, 2024)
Direção: Shawn Levy
Roteiro: Rhett Reese, Paul Wernick, Ryan Reynolds, Shawn Levy e Zeb Wells
Elenco: Ryan Reynolds, Hugh Jackman, Emma Corrin, Matthew McFayden, Morena Baccarin, Aaron Stanford, Leslie Uggams
Gênero: Aventura, Comédia
Duração: 127 min.
Crítica | Twisters é uma ótima surpresa que vale conferir nos cinemas
Lançado originalmente em 1996, o primeiro Twister foi um tremendo sucesso comercial e cultural. Sob produção de Steven Spielberg e direção do talentoso Jan de Bont, o filme ainda navegava pela empolgação de Hollywood em seus recém descobertos efeitos visuais - frutos do sucesso de Jurassic Park, também de Spielberg. Twister foi concebido meramente pelo entusiasmo da equipe ao perceber o que era possível fazer com a tecnologia: “por que não fazer um filme de tornados?”.
Corta para quase 30 anos depois e Hollywood simplesmente não demonstra mais o mesmo entusiasmo. A tecnologia avançou tanto que literalmente mais nada é capaz de impressionar o público: tudo pode ser feito com efeitos visuais. É por um sentimento inversamente proporcional que Twisters existe: não por artistas imaginando o que pode ser possível, mas sim um desejo desesperado de voltar ao passado e recapturar uma magia difícil de ser replicada.
Apesar de sentimentos pouco nobres, que certamente têm mais interesse no retorno financeiro, é com grata surpresa que este Twisters seja tão bom e divertido, e maior triunfo resida justamente em um saudosismo natural e nada forçado.
Sem nenhuma conexão aparente com o universo ou mitologia do original, o novo Twisters troca a trama de divórcio pendente entre Bill Paxton e Helen Hunt do original por algo mais batido, mas sempre eficiente se contando com o elenco certo: o casal improvável e de polos opostos que acabam se atraindo, aqui representados pela meteorologista correta e segura da ótima Daisy Edgar-Jones e o bad boy aventureiro caçador de tornados Tyler Owen, vivido pelo carismático Glen Powell - em meteórica ascensão após Top Gun: Maverick e Assassino por Acaso.
A dinâmica do casal é pura e divertidíssima, daquelas que marcavam grandes clássicos dos anos 1990, e que raramente vemos funcionando na Hollywood contemporânea. Através de uma dinâmica leve e até sensual, o roteiro bem correto de Mark L. Smith é capaz de trazer surpresas e reviravoltas interessantes, que funcionam graças ao investimento nesses dois excelentes personagens.
No sentido de direção, o coreano Lee Isaac Chung faz um grande salto de seu drama oscarizado Minari: Em Busca da Felicidade para uma produção gigantesca de US$200 milhões. Ao lado do diretor de fotografia Dan Mindel (com um lindo uso de película 35MM), a dupla é bem feliz ao emular o estilo nervoso e destrutivo de Jan de Bont para uma série de sequências mirabolantes e intensas de tornados, cujos efeitos visuais e práticos garantem uma imersão profunda; exacerbada também pela ótima trilha sonora de Benjamin Wallfisch.
Ao contrário de diversas “sequências legado” que apostam em resgatar de forma desengonçada elementos que só funcionavam no passado (seja personagens, figurinos ou objetos), Twisters é mais inteligente ao mirar na “sensação” de seu filme original, e não necessariamente em sua mitologia. O resultado é certeiro e proporciona uma das diversões mais desavergonhadamente pipocas de 2024, perfeitamente bem representada por um momento chave: onde os personagens acabam se refugiando de um tornado gigantesco no clímax?
Em uma sala de cinema, onde mais?
https://www.youtube.com/watch?v=q1OOPPe24uc
35 anos de Batman: o filme que mudou Hollywood
Há exatos 35 anos, em 23 de junho de 1989, chegava nos cinemas dos Estados Unidos o clássico Batman, primeiro grande filme live-action do Homem-Morcego da DC. O longa foi dirigido por Tim Burton e lançado pela Warner Bros em um grande frenesi, já que até aquele momento, a figura mais popular do Batman era a série de TV dos anos 1960 estrelada por Adam West - onde o herói era mais uma figura cômica.
Graças ao filme de Burton, que trouxe Michael Keaton como o soturno Bruce Wayne, a visão do Cavaleiro das Trevas foi restaurada a seu status natural: um herói sombrio e gótico, que enfrenta sua figura mais antagônica na forma do colorido e excêntrico Coringa, vivido com muita energia por Jack Nicholson, na que pode ser considerada a performance mais popular e icônica de sua vasta carreira.
No que diz respeito a adaptações tradicionais de quadrinhos, o Batman de Burton é uma obra que toma suas liberdades criativas e parece bem mais interessada em seu universo. O Coringa de Nicholson facilmente rouba a cena do Batman de Keaton, que ainda assim é capaz de exprimir carisma e energia; muito mais do que o pouco inspirado interesse amoroso na forma da jornalista Vicky Vale, vivida por Kim Basinger.
Batman e a iconografia
O grande trunfo de Batman, e que permanece praticamente imbatível até os dias de hoje, é a construção visual e sonora. A começar pelo inspirado design de produção, que garantiu uma vitória no Oscar, e que aposta em influências do Expressionismo Alemão para criar uma Gotham City saída diretamente dos quadrinhos: gótica, assustadora e altamente imersiva.
De forma similar, o tema musical de Danny Elfman, que toma conta dos momentos heróicos, ainda é a trilha sonora definitiva do Homem-Morcego; que no filme de 1989 ainda contou com um álbum popular produzido por Prince.
Batman foi um verdadeiro fenômeno nas bilheterias mundiais, arrecadando US$411 milhões em 1989. Corrigindo para a inflação de 2024, o número cresce para impressionantes US$1.042 bilhões.
Tamanho sucesso provou a Hollywood que heróis de quadrinhos poderiam ser uma grande fonte de renda e base de história. Ainda que Batman tenha inspirado a adaptação de outros heróis noir (como O Sombra e Dick Tracy) do que necessariamente outros super-heróis - como X-Men e Homem-Aranha fariam anos depois.
Porém, o sucesso de Batman garantiu sua própria franquia, completada por Batman: O Retorno (também de Burton) e os impopulares Batman Eternamente e Batman & Robin, ambos dirigidos por Joel Schumacher.
Seria só com o elogiado reboot de Christopher Nolan em Batman Begins que o herói enfim recuperaria seus tempos de glória, perfeitamente instalados pelo filme de Tim Burton, que permanece uma obra nostálgica e plasticamente perfeita.
Crítica | Bad Boys: Até o Fim é mais um bom rolê com Will Smith e Martin Lawrence
Se aproximando da marca de 30 anos, a franquia Bad Boys é uma das relíquias surpreendentemente resilientes do final dos anos 90. Uma era movida pelo carisma de astros e a força da pirotecnica real, é cada vez mais raro encontrar entretenimento desse nicho no cinema contemporâneo; tão obcecado por quadrinhos, marcas, IP e efeitos visuais.
Ainda mais surpreendente foi o sucesso comercial e popular de Bad Boys Para Sempre em 2020. Adiado e postergado terceiro filme, o longa da dupla belga Adil El Arbi e Bilall Fallah foi uma explosão de energia, carisma e até mesmo uma honesya sentimentalidade. Mesmo que envisionado para encerrar as aventuras dos já envelhecidos "boys" de Will Smith e Martin Lawrence, seu sucesso inquestionável garantiria que o produtor Jerry Bruckheimer encomendasse um quarto filme.
É justamente esse sentimento que permeia cada segundo de Bad Boys: Até o Fim, que traz novamente Adil & Bilall por trás das câmeras. Durante toda a projeção, é evidente que Até o Fim tenta perseguir o nível altíssimo de seu antecessor, mas que fica incapacitado justamente pelo roteiro de Chris Bremner e Will Beall: apesar de básico e de trazer diversos elementos e personagens de volta, acaba preso em uma trama inchada e previsível, que repete o clássico tropo do “policial que atua fora da lei”, a fim de tentar salvar o legado do falecido Capitão Howard de Joe Pantoliano.
Não é a mais brilhante ou aproveitável das premissas, mas ao menos o quarto Bad Boys mantém o bom nível de qualidade em humor e ação. Ver Will Smith e Martin Lawrence juntos, seja improvisando piadas ou apostando em elementos melancólicos (que funcionam tão bem quanto a comédia), é um deleite mais uma vez. Tanto Marcus quanto Mike têm seus próprios arcos para serem resolvidos e explorados, arrancando o melhor de Smith e Lawrence mais uma vez. Apesar de já passarem dos 40, ainda sentimos a energia de “Bad Boys”.
E no lado da ação, a dupla Adil & Bilall segue firmando-se como dois dos mais criativos e audaciosos artistas visuais da geração. Aumentando ainda mais a insanidade do antecessor, a dupla abraça com força o “Michael Bay interior” para uma série de cenas de ação explosivas, inventivas e que sempre se destacam pelo trabalho de câmera; que acopla-se a armas, personagens, objetos e instrumentos de forma impressionante, garantindo uma experiencia que é sempre visualmente deslumbrante.
Bad Boys: Até o Fim não atinge o nível de excelência do terceiro filme, mas ainda tem carisma o suficiente com Will Smith e Martin Lawrence, além de uma direção criativa e que faz o melhor possível para compensar a historinha batida e sem novidades.
Bad Boys: Até o Fim (Bad Boys: Ride or Die, EUA - 2024)
Direção: Adil El Arbi e Bilall Fallah
Roteiro: Chris Bremner e Will Beall
Elenco: Will Smith, Martin Lawrence, Eric Dean, Jacob Scipio, Vanessa Hudgens, Alexander Ludwig, Paola Nuñez, Ioan Gruffudd e Joe Pantoliano
Gênero: Ação
Duração: 115 min
Crítica | Duna: Parte Dois traz Denis Villeneuve mais épico do que nunca
Quando Denis Villeneuve assumiu a gigantesca responsabilidade de adaptar o clássico Duna para as telas, imediatamente teve uma ideia sábia: oferecer 2 filmes para comportar toda a complexidade da obra de Frank Herbert. Se o primeiro era uma longa (e um tanto desequilibrada) introdução ao universo e seus personagens, o épico Duna: Parte Dois é uma expansão ainda mais desafiadora e fascinante.
Com uma história que começa logo após o final do anterior, o novo filme segue acompanhando o jovem Paul Atreides (Timothée Chalamet), que precisa se unir ao povo nômade do deserto do planeta Arrakis, os Fremen, para se converter no grande messias que derrotará os perversos Harkonnen e cumprir uma antiga profecia - que o próprio filme indica ter consequências nada nobres para o restante da galáxia.
Novamente escrito por Villeneuve e Jon Spaihts (agora sem o experiente Eric Roth), Duna: Parte Dois se preocupa mais com emoções e personagens do que o anterior. O romance entre Paul e a jovem Chani (Zendaya, em papel muito mais expansivo) se apresenta como o principal motivador dramático, mas sem um peso tão considerável que justifique as múltiplas cenas mais emotivas entre o casal; Chalamet e Zendaya têm química, mas é um clássico caso de romance abrupto que só acontece por motivos de exigências do roteiro.
Como Villeneuve está adaptando a segunda metade do livro, é difícil tirar a impressão de que Duna: Parte Dois consiste em uma obra sem muita estrutura narrativa: é um longo terceiro ato, com variações estranhas em sua progressão de história. Ao longo dos 160 minutos de projeção, Duna: Parte Dois diversas vezes soa como um amontoado de cenas costuradas, sem muita evolução ou progressão coerente; ainda mais com a exploração de alguns dos conceitos mais esotéricos da obra de Frank Herbert, que forçam o espectador a aprender mais alguns nomes e alegorias religiosas complexas.
Infelizmente, a segunda parte desperdiça também algumas das valiosas adições de elenco: a talentosa Florence Pugh está tão apagada como a Princesa Irulan que faz sua participação em Oppenheimer parecer uma performance central. Já o grande Christopher Walken aparece bem tímido e contido como o temível Imperador, dando a impressão de que o papel poderia ter sido interpretado por qualquer outra pessoa. E se ao menos Léa Seydoux consegue provocar um grande impacto com sua participação reduzida, o carismático Austin Butler surge todo transformado como o maléfico Feyd-Rautha, um dos personagens mais fascinantes do livro, mas cuja caracterização e performance o transformam em um antagonista forçado, exagerado e que diversas vezes me remeteu ao Coringa "atrevido" de Jared Leto em Esquadrão Suicida.
Mas se Villeneuve apresenta algumas questões mais atrapalhadas no texto, o espetáculo técnico e visual de Duna: Parte Dois é de impressionar. Aliando-se mais uma vez ao diretor de fotografia Greig Fraser, Villeneuve oferece alguns dos planos mais deslumbrantes de toda a sua carreira, numa mistura formidável de gravação em locações reais e ótimos efeitos visuais para conceber naves, estações espaciais e grandes vermes de areia. Fraser ainda consegue inovar seu trabalho ao apostar em cenas com fotografia infravermelha (para apresentar o caricato vilão vivido por Austin Butler) e até um criativo efeito alaranjado para representar um eclipse peculiar em Arrakis - muito mais eficiente do que a noite extremamente escura do anterior. Vale também destacar o trabalho sobrenatural de Hans Zimmer com sua trilha sonora absolutamente marcante e original.
Villeneuve também se mostra muito mais à vontade com a ação, que envolve e impressiona muito mais do que as péssimas sequências de luta do anterior. O diretor/co-roteirista também se beneficia de um futuro já escrito, e preenche Duna: Parte Dois de diversos pontos de história que se tornaram mais relevantes no próximo livro de Herbert, O Messias de Duna. Por um lado, isso torna a exploração da clássica trope do Escolhido mais fascinante por flertar com os perigos do fanatismo e da idolatria obsessiva. Por outro, acaba tornando a conclusão da história na inevitável sensação de ser um capítulo do meio.
Crítica | True Detective: Terra Noturna não vai muito além do frio aterrador
Em hiato há sete anos, True Detective retorna para uma quarta temporada na HBO. Uma das joias da coroa no sentido de produções originais da emissora, a antologia policial rendeu 3 histórias distintas sob comando de Nic Pizzolato, com o ano inaugural sendo visto como uma das grandes narrativas seriadas do último século.
Sai Pizzolato e entra a cineasta Issa López, que envisionou uma série original sobre detetives no Alasca, mas cujo projeto acabou sendo “convertido” em uma nova temporada de True Detective, com o subtítulo Terra Noturna. É uma decisão curiosa, já que garante uma atenção consideravelmente maior do público (ao adotar uma marca popular), mas também aumenta exponencialmente a pressão do resultado final, dada a qualidade do trabalho de Pizzolato. E isso fica evidente ao final dos seis episódios de Terra Noturna.
A escrita de López (que também dirigiu todos os episódios) é bem distinta da de Pizzolato, e justamente por estar inserida no universo (com direito a descartáveis referências à primeira temporada), a diferença é praticamente dia e noite. Não há diálogos envolventes, arcos muito impressionantes e nem ao menos personagens envolventes - por mais que Jodie Foster esteja excepcional como a policial Liz Danvers e a ex-lutadora Kali Reis surpreenda como sua parceira esquentada, Evangeline Navarro. A impressão que fica é de um mero genérico policial, extremamente comum e com uma resolução absolutamente decepcionante - ainda mais com alguns episódios sugerindo algum tipo de reviravolta sobrenatural.
https://www.youtube.com/watch?v=G0NsJhJ9UIY
O grande trunfo de Terra Noturna, e talvez esta seja a única característica capaz de rivalizar com as temporadas anteriores, é sua ambientação. Longe de cenários do interior dos EUA ou a selva de pedra de Los Angeles, a cidadezinha de Ennis, no Alasca, mostra-se um palco perfeito para uma história de investigação; ainda mais considerando o desenrolar durante o período de longa noite, onde a luz do sol não aparece por literalmente semanas. Dessa forma, López pega emprestado de clássicos como O Enigma do Outro Mundo e Insônia, e até mesmo um pouco da atmosfera certeira do irregular 30 Dias de Noite. O mistério pode não instigar, mas as sensações, o frio e a fotografia noturna são sempre interessantes de se olhar.
No fim, a grande sina de True Detective: Terra Noturna foi se associar a uma marca de qualidade extremamente alta. O trabalho de Issa López não é ruim, mas fica bem mais abaixo da grandeza dramática e até metafísica que as anteriores já ofereceram.
Crítica | 2001: Uma Odisseia no Espaço
Com Spoilers
I am putting myself to the fullest possible use, which is all I think that any conscious entity can ever hope to do. – HAL 9000
A ficção científica talvez seja o gênero mais ambicioso do cinema. Seus conceitos e rumos idealizados ultrapassam os limites da imaginação e do explicável, especialmente na busca por respostas às perguntas mais enigmáticas da História da humanidade: quem somos nós? De onde viemos? Para onde iremos? E, finalmente, estamos sozinhos no Universo?
Em uma época em que o gênero traduzia cinematograficamente a paranóia da Guerra Fria entre EUA e União Soviética (Guerra dos Mundos e O Dia em que a Terra Parou são apenas alguns exemplos de obras que batem na tecla da invasão norte-americana por uma força desconhecida e o perigo quanto ao uso da bomba atômica), o já controverso Stanley Kubrick se une com o escritor Arthur C. Clarke para adaptar às telas o romance 2001: Uma Odisseia no Espaço.
Já tendo abordado o conflito russo-americano em 1965 com a ótima paródia Dr. Fantástico, Kubrick coloca as questões políticas do evento de lado e parte para responder as perguntas trazidas no início do texto. A trama de 2001 não é das mais fáceis de sumarizar – e muito menos de acompanhar. Seria simples classificá-la como uma história do homem explorando o espaço, mas o mais apropriado seria vê-la como uma história sobre o próprio Homem.
E tal História, cujo percurso levou incontáveis gerações e infinitas descobertas, Kubrick resume em um único corte. A famosa e mais longa transição de tempo já registrada no cinema, quando um dos primatas descobre a ferramenta – e, posteriormente, a arma – ocorre um salto temporal para o futuro, onde observamos um dispositivo nuclear no espaço (que muitos acreditavam tratar-se de uma espaçonave, mas a presença de um armamento faz mais sentido). Um dos recursos visuais que só a Sétima Arte oferece, e nas mãos de um de seus maiores mestres, torna-se uma elegante e sutil ferramenta narrativa.
Como disse há alguns parágrafos acima, a trama de 2001 é complicada. Sua execução requer muita paciência do espectador por não adotar uma narrativa “tradicional”, trazendo poucos diálogos em seu roteiro, abraçando o silêncio (esse talvez seja o único longa do gênero que retrata a ausência de som no espaço, substituindo-o por lindas peças de música clássica) e uma incerteza quanto a seu protagonista. Em quase 1 hora de filme, já fomos apresentados a dois grupos distintos de personagens (os primatas e a equipe de expedição à Lua) e só a partir daí o longa encontra seu “protagonista” definitivo, o astronauta Dave Bowan.
Acompanhado de seu parceiro Frank Poole, Dave comanda a Missão Júpiter, que visa levar – pela primeira vez na História – o homem ao planeta que batiza a missão. Junto com os astronautas, há uma equipe de cientistas em estado de hibernação e uma inovadora unidade HAL 9000, um painel de computador com inteligência artifical e que administra todas as funções da nave. Isso mesmo, os controles, direções e praticamente tudo de relevante à missão é posto nas mãos de uma máquina.
E é essa a grande virada do filme: a revolta de HAL. Ainda que tenha apenas uma luz vermelha como representação física, a espetacular dicção de Doug Rain (intérprete vocal do computador) consegue propocionar ao personagem uma áurea assustadora (sua total inexpressividade ao declarar suas sentenças o tornam quase imprevisíveis) e, em contrapartida, emocional. Reformulo aqui o que havia dito no início do texto sobre a influência da Guerra Fria na produção, e enxergo que tal revolta é uma alegoria do avanço tecnológico – uma corrida armamentista, naquele período – e o perigo de responsabilizar importantes tarefas à criações artificiais. Um alerta atemporal, convenhamos.
Antes que me esqueça, temos o enigmático monolito. Sempre acompanhado da perturbadora “Requiem” de Ligeti (que bolaria uma composição igualmente brilhante para o último trabalho de Kubrick, De Olhos Bem Fechados), o objeto alienígena extraterrestre representa uma forma de inteligência superior; seria alienígena? Seria algo relacionado a Deus? A presença do obelisco assusta pela simplicidade de sua estrutura e pelo inexplicável fascínio que este causa, característica que Kubrick consegue transmitir através dos longos planos em que o monolito “encara” a câmera e os lindos closes em que a mão humana o toca.
E então chegamos àquele final. Aquela monstruosa conclusão que envolve o protagonista.
Não é claro para mim o destino de Dave em 2001. Talvez seja algum tipo de metamorfose ou a suprema forma de evolução, mas o próprio Stanley Kubrick afirmou que seu final não tem uma explicação coletiva; cada espectador tiraria suas próprias conclusões a respeito e formularia suas próprias teorias. Eu não preciso saber o que acontece ao final da projeção. Na minha visão, é algo tão belo e tão grandioso que dispensa explicações e não existem palavras que façam justiça às majestosa imagens que congelam até o mais cético dos espectadores.
É a beleza de 2001: Uma Odisseia no Espaço. Um filme homérico que dispensa explicações e impressiona com suas ideias, naquele que é, sem sombra de dúvida, o filme mais ambicioso do gênero.
2001: Uma Odisseia no Espaço (2001: Uma Odisseia no Espaço - EUA/ Reino Unido, 1968)
Direção: Stanley Kubrick
Roteiro: Stanley Kubrick, Arthur C. Clarke
Elenco: Keir Dullea, Gary Lockwood, William Sylvester, Daniel Richter, Leonard Rossiter, Margaret Tyzack, Robert Beatty
Gênero: Ficção científica
Duração: 149 min.
https://www.youtube.com/watch?v=7E9CD3Hucws
Crítica | Black Mirror - 4ª Temporada - Um Ano de Altos e Baixos
Nada como acabar o ano se sentindo para baixo, certo?
A Netflix enfim liberou a quarta temporada de Black Mirror, série de antologia de Charlie Brooker que veio a se tornar uma das produções mais adoradas e comentadas da atualidade. Por muito tempo se comparou o trabalho do britânico vencedor do Emmy com a impecável Além da Imaginação, de Rod Serling, no que diz respeito ao conceito de antologias e o teste dos limites da condição humana.
Dito isso, vamos à análise dos novos episódios de Black Mirror!
USS Callister
O ano de 2017 foi bastante significativo para Star Trek, ou Jornada nas Estrelas. O universo criado por Gene Roddenberry ganhou basicamente duas séries – uma oficial, Discovery, e outra, The Orville, que basicamente segue a mesma ideia do seriado sessentista estrelado por William Shatner e Leonard Nimoy.
Aproveitando, certamente, desse novo sopro de ar na franquia, eis que Black Mirror nos entrega um capítulo que utiliza como temática a ficção científica espacial que costumamos ver em Star Trek – não se trata bem de algo passado nesse universo, mas claramente a Netflix fez uso da ideia para atrair os fãs da longeva criação de Roddenberry, especialmente quando, no mesmo ano, foi distribuída pelo canal de streaming, Discovery.
Naturalmente que, tratando-se da série de Charlie Brooker, nada seria tão simples. Essa releitura tecnológica de Além da Imaginação mantém seu foco no “lado negro da tecnologia” e apresenta um mundo no qual pessoas podem explorar o Espaço através de um jogo em realidade virtual, que materializa uma versão de si nesse universo digital. A trama gira em torno do programador desse game, Robert Daly (Jesse Plemons) mostrando o quanto ele não é valorizado dentro da empresa que ele fez crescer.
O roteiro de William Bridges e Charlie Brooker, porém, subverte nossa expectativa ao transformar a vítima em vilão. Enquanto ele é praticamente ignorado em sua empresa – na sua residência ele criou uma versão offline desse mesmo jogo, tendo total controle sobre o que acontece ali dentro. Lá ele desconta suas frustrações em relação aos colegas do trabalho, materializando cópias de cada um deles dentro do mundo virtual, criando inteligências artificiais que sofrem, presas ali dentro, enquanto o programador se comporta como um cruel deus para seu micro universo.
USS Callister, sem dúvidas, contava com muito potencial, podendo explorar a problemática envolvendo a inteligência artificial – pode ela ser considerada vida ou não? Além disso, claramente a trama poderia aproveitar todo o discurso de violência gera violência, lidando com o bullying indiretamente, já que Robert Daly somente é cruel porque outros foram cruéis com ele. Ao invés disso, o texto segue por vias maniqueístas, mesmo que quebre nossas expectativas. Tudo o que ele faz é construir – de maneira bastante superficial – seu vilão, colocando como heroína uma das inteligências artificiais presas no jogo.
De fato, todos os personagens apresentados nesse capítulo permanecem no raso. Bom exemplo disso é a protagonista, Nanette (Cristin Milioti), que somente sabemos que é uma programadora que admira Daly - além disso, nada é oferecido ao espectador. Os outros indivíduos em tela seguem pelo mesmo caminho, ou até pior, não há absolutamente nada que nos faça simpatizar com cada um deles a não ser o tratamento cruel que recebem do principal antagonista.
Não bastasse isso, ao lidar com o universo virtual, o roteiro se esquece quase que totalmente do mundo de fora – os personagens apresentados servem apenas para dar um contexto básico para aqueles que vemos dentro do game. Dito isso, conforme progredimos no capítulo, o mundo “real” é deixado de lado, como se, de fato, não importasse. Ao criar tal pressuposto, o roteiro torna insignificante as conquistas ali dentro, já que não afetam, de maneira alguma, a percepção das pessoas reais acerca da I.A. ou até mesmo a relação dos companheiros de trabalho de Daly com o programador chefe da empresa. Tudo, no fim, é mero entretenimento vazio.
Isso não quer dizer, felizmente, que tudo é dispensável no capítulo. Como homenagem a Star Trek, ele funciona plenamente, especialmente quando, nos minutos iniciais, faz tudo parecer como um episódio da série original, dos anos 1960, utilizando até um formato de imagem diferenciado e filtro envelhecido. Naturalmente que todo o figurino e direção de arte seguem a mesma ideia, criando visuais que nos fazem sentir, imediatamente, como se estivéssemos diante da ponte de comando da Enterprise.
O próprio maniqueísmo, a vilania de Daly seguem o estilo dos antagonistas de Jornada nas Estrelas e Jesse Plemons cria um personagem canastrão que perfeitamente combina com essa ideia. Em essência, o episódio se resume ao bem contra o mal, algo que funcionaria em uma série aventuresca de ficção científica, mas que falha em criar as necessárias discussões típicas de Black Mirror.
Não ajuda, claro, o fato da obra se estender por mais tempo que deveria. Setenta e seis minutos ultrapassa e muito o que seria suficiente para desenvolver a história. Isso fica claro quando a tripulação virtual da Callister viaja para um planeta desértico, apenas para deixar clara a vilania do principal antagonista, algo que já ficara bem claro e antes e que depois torna a ser repetido, cansando o espectador, dilatando nossa percepção da obra como um todo, que, no fim, parece muito maior que o seu, já longo, tempo de duração.
Boas intenções, portanto, não necessariamente fazem um bom episódio, como é bem provado por USS Callister. Embora funcione como grande homenagem a Star Trek (ou mera tentativa de “roubar” os fãs dessa série), o capítulo falha em criar a necessária profundidade para que seja criada a discussão acerca das temáticas levantadas. Mais do que tudo Black Mirror precisa incomodar o espectador e o que vemos aqui é a velha luta do bem contra o mal, não se aprofundando nos engajantes pontos levantados pelo roteiro de Bridges e Brooker. (Guilherme Coral)
Arkangel
Um dos nomes de peso da nova temporada, Jodie Foster embarca na direção do perturbador Arkangel. É um exemplo de Black Mirror raiz, com a premissa básica de uma nova invenção tecnológica mostrando-se danosa para a condição humana, seguindo uma linha similar aos ótimos Queda Livre e Toda a Sua História e, felizmente, o resultado alcançado por Foster e o onipresente roteirista Charlie Brooker é igualmente próximo desses citados.
A trama nos apresenta à Marie (Rosemarie DeWitt), uma mãe superprotetora que, após uma experiência traumática, opta por um tratamento ousado para a segurança de sua filha Sara (Brenna Harding). É o programa experimental Arkangel, consistindo no implante de um chip na mente da criança, e que permite aos pais assistirem e monitorarem todas as suas atividadades em um tablet, desde localização via GPS, acesso ao que a pessoa está vendo e até mesmo um bloqueio de conteúdo inapropriado. A partir daí, vemos todo o crescimento de Sara até uma adolescente, à medida em que Marie fica em conflito com as limitações do aplicativo.
Receita para o desastre, e para que Brooker nos ofereça um pouco da boa e velha depressão pós-episódio. Os melhores episódios da série são justamente os que trabalham em cima de um conceito cyberpunk em um ambiente cotidiano, e como a condição humana está sempre disposta a corromper-se em decorrência do mal uso da tecnologia; o Arkangel definitivamente é uma ideia brilhante, e poderia ser usada para bons frutos, mas aqui é mais um exemplo da paranóia, e Brooker é particularmente feliz em jogar esse conceito para uma relação de mãe e filha. O roteiro traz diversas situações do tipo "e se", e que merecem créditos pela originalidade, tal como a mãe desesperada recorrendo ao tablet para descobrir onde sua filha realmente foi - na clássica desculpa do "vou na casa da amiga, mas na verdade estou com garotos" - e com resultados ainda mais memoráveis e chocantes.
A condução de Jodie Foster também ajuda. Através de um trabalho de composição de quadros elegante, a diretora cria belos enquadramentos que ilustram a relação quase doentia de Marie em relação à sua filha, especialmente naqueles onde a mãe assista a visão da filha pela câmera do tablet - recurso usado também para uma revelação quase assustadora. A construção sutil de Foster também ajuda a nos colocar na atmosfera pesada da história, e que vai ficando cada vez mais intensa à medida em que nos aproximamos do fim, e a câmera de Foster nem precisa recorrer a um recurso mais evidente como shaky cam ou cortes excessivos, trabalhando tudo através de planos abertos e uma paleta de cores essencialmente fria. Aliás, é divertido como o design de produção do episódio apresenta uma visão simplista e eficiente para um "futuro quase distante", com um visual praticamente similar ao nosso, mas com pequenos detalhes na tela de celulares, computadores e até uma lousa de sala de aula para construir um cenário futurista.
Por fim, mas não menos importante, vale destacar a ótima performance de Rosemarie DeWitt, que transparece o drama interno de Marie, e mesmo que suas ações sejam erradas, o espectador é capaz de compreendê-las. A jovem Brenna Harding também faz um ótimo trabalho como a versão adolescente de Sara. (Lucas Nascimento)
Crocodilo
Memórias são coisas poderosas. Amigas ou traiçoeiras, são carregadas de uma subjetividade ímpar que, quando exploradas a fundo - por exemplo, por hipnose -, podem desencadear consequências terríveis tanto para aquele que é analisado quanto para quem analisa. E é exatamente disso que Crocodilo, terceiro episódio da nova temporada de Black Mirror, permite-se mergulhar.
É um fato dizer que a conjuntura completa do quarto ano de uma das séries mais aclamadas da Netflix tenha altos e baixos em um equilíbrio episódico quase assustados, mas talvez seja a iteração dirigida por John Hillcoat a mais oscilante de todas. O diretor, conhecido por sua incrível investida western com A Proposta, talvez pudesse ter optado por uma perspectiva mais endossada de seu estilo aqui, mas preferiu seguir em um caminho mais intimista e definitivamente mais aterrador, criando um diálogo necessário para com a identidade do show em si.
Crocodilo conta a história da frieza humana e do quão longe uma pessoa pode chegar para manter-se a salvo. A narrativa gira em torno de Mia Nolan (Andrea Riseborough), uma proeminente arquiteta que cometeu um homicídio culposo quinze anos atrás com seu ex-namorado Rob (Andrew Gower), atropelando um ciclista. E apesar de terem se livrado do corpo da vítima, os fantasmas do passado voltaram para assombrá-la, levando-a a cometer uma série de atrocidades como forma de preservar sua reputação.
Todo esse thriller psicológico conversa com o tema tecnológico e distópico na figura da corretora de seguros Shazia (Kiran Sonia Sawar) que, utilizando um “relembrador” portátil, descobre que Mia matou Rob, o qual queria escrever uma carta anônima para a família do ciclista, mas foi brutalmente eliminado por um súbito ataque de frustração. E é a partir daí que os medos e as inseguranças da protagonista começam a falar mais alto, insurgindo de modo assustador principalmente pela expressão desolada e angustiada.
Riseborough carrega toda a essência do episódio em uma atuação bem delineada e adornada com ápices muito bem demarcados para a compreensão da sua personagem. Apesar da máscara empreendedora, seus gatilhos retornam em um fluxo inenarrável e que, mesmo com um ritmo frenético, é justificado por sua necessidade de proteger a si mesma e à família que lutou para construir. Entretanto, em um escopo mais geral, a narrativa deixa a desejar por manter-se em uma superficialidade ocasional: não há exatamente uma originalidade a ser buscada dentro do episódio. Tudo parece funcionar como uma amálgama do que já existia nos capítulos predecessores - e ainda que Crocodilo tenha um ciclo finito, não se pode dizer que seus convencionalismos foram postos de modo adequado, usando o mesmo do mesmo para não sair da zona de conforto.
Entretanto, se os grandes deslizes permanecem no roteiro, não se pode dizer o mesmo de sua estética. Hillcoat consegue capturar de modo preciso a atemporalidade do cenário islandês ao mesmo tempo em que utiliza as mudanças de tom nas cenas para conversar com a trajetória da personagem. Ainda que toda a violência explícita dentro da trama não seja justificada, a atmosfera depressiva e sombria é reafirmada pela fotografia gradativamente mais escura e mórbida, mesmo pautada na infeliz redundância imagética. (Thiago Nolla)
Hang the DJ
Romance, por mais anacrônico que possa soar de início, também vem se mostrando uma característica forte de Black Mirror. Com os relacionamentos amorosos tendo se tornado tema de diversos filmes e episódios como San Junipero e Volto Já, Charlie Brooker mira em um aspecto muito relevante e atual com Hang the DJ: aplicativos de paquera.
Na trama, somos apresentados a um programa similar a aplicativos com Tinder e Happn, onde casais são aleatoriamente sortidos e combinados, e os respectivos encontros são determinados por uma duração específica - a qual os participantes são obrigados e cumprir, independente do tempo. Nesse cenário, temos a história de Frank (Joe Coel) e Amy (Georgina Campbell), duas pessoas que se conhecem uma vez, mas que colocam à prova o funcionamento do aplicativo ao tentar estender seu tempo determinado.
É uma premissa que imediatamente nos remete a O Lagosta, comédia de humor negro do grego Yorgos Lanthimos que também apostava em uma seleção aleatória de casais com algum tipo de twist bizarra - no caso do filme com Colin Farrell, o fato de que se transformariam em animais e seriam soltos à natureza caso não achassem um par. Brooker aposta em outro tipo de análise, com os protagonistas questionando se tudo aquilo não passa de algum tipo de simulação, e consegue explorar também aspectos mais intimistas; por exemplo, quando Frank e Amy se reencontram, optam por não olhar quanto tempo o aplicativo os concedeu, mas um deles é logo tentado para tentar descobrir a duração exata - e que, sendo Black Mirror, sempre traz consequências devastadoras para esse tipo de ação.
O texto também explora algumas situações inusitadas, como o fato de que Frank é forçado a ficar 1 ano ao lado de uma parceira que não se mostra nem um pouco compatível, e também ao sugerir através de diálogos espertos, de que vivem em uma sociedade isolada do mundo - em mais uma semelhança com O Lagosta. As performances centrais de Joel Coel e Georgina Campbell também são eficientes, especialmente Coel por ilustrar os conflitos internos de Frank e a insegurança de não saber lidar com uma relação sem saber sua data de validade, em mais um interessante comentário social sobre nosso atual status na era digital.
No fim, o episódio acaba decepcionando pela resolução um tanto batida e que trilha por caminhos que o próprio Brooker já explorou, e o fator surpresa acaba perdido, mesmo que a execução seja admirável - especialmente quando nos é revelado o porquê do aplicativo ter precisamente 99.8% de chance de êxito em encontrar a alma gêmea de seus usuários. (Lucas Nascimento)
Metalhead
O destino definitivo para Charlie Brooker: o futuro distópico, desta vez pra valer, e não como vimos no clássico episódio da segunda temporada. Metalhead se destaca dos outros pelo visual impactante: um preto e branco com contraste forte e um frame rate acelerado que nos faz parecer estar assistindo tudo no modo fast foward, uma característica marcante do diretor David Slade (30 Dias de Noite), que entrega aquele que é disparado um dos episódios mais autorais de toda a antologia; e, ainda assim, um dos mais vazios de conteúdo.
O episódio começa em uma paisagem desolada, com um grupo de pessoas cruzando a estrada de carro. Logo temos o contexto de um mundo devastado onde criaturas robóticas conhecidas como "Cães", caçam e neutralizam humanos perdidos. Basicamente, essa é a trama, onde passamos a acompanhar a luta de Bella (Maxine Peake) para escapar de um Cão e sobreviver.
Só pela premissa já reparamos em como ela é rasa se comparada a todos os anteriores. Não há muitos conceitos a serem explorados aqui, tanto de tecnologia quanto de um universo cyberpunk; aqui, o medo de Brooker já está realizado, e as máquinas caçam humanos sem dó em um ambiente claramente devastado por estas. Por um lado, isso garante que Slade conduza um episódio completamente diferente, quase podendo ser comparado a "O Regresso de Black Mirror", justamente por seguirmos uma jornada desesperada e solitária. O visual nunca nos cansa, ainda que os excessos de Slade em seu frame rate possam distrair, e a tensão é sempre mantida ao máximo, especialmente quando a protagonista encontra uma casa vazia que pode ou não lhe oferecer alguma ajuda de seu perseguidor.
Aliás, muito feliz é a decisão de Slade em optar por um antagonista com aparência tão simples, sendo este o aspecto que o torna tão ameaçador. O Cão definitivamente faz jus a seu nome, com as quatro patas, mas seu casco também remete a um atrópode, e a ausência de uma cabeça - e, subsequentemente, um rosto - o torna ainda mais ameaçador, da mesma forma que o xenomorfo de Alien, O Oitavo Passageiro também assustava por essa omissão. Os efeitos visuais também são de primeira, com os movimentos levemente desengonçados remetendo à técnica de stop motion.
Mas, novamente, todo esse apuro técnico acaba sendo em vão: não há nada sob a superfície de Metalhead. (Lucas Nascimento)
Black Museum
Benditas épocas que tínhamos seriados de antologias sci-fi/terror como Além da Imaginação e Contos da Cripta. Cada episódio contava sua história fechada, com reviravoltas impressionantes que flertavam com o melhor e o pior da imaginação humana. As décadas se passaram e o modo que consumidos entretenimento mudou. Com Black Mirror, a série de antologia mais famosa dessa década, pudemos revisitar o formato a convite de Charlie Brooker em seu mundo cheio de caos de tecnologias futuristas.
Para encerrar essa aguardada 4ª temporada, Brooker decidiu que era hora de fazer uma antologia dentro de sua própria antologia. Um episódio quase metalinguístico visando contar histórias diversas em um menor espaço de tempo enquanto tece uma narrativa maior. Black Museum é uma singela carta de amor de Brooker para os mestres de outrora como Rod Serling, Alfred Hitchcock e John Cassir e, também, para seu próprio trabalho, já que temos o cenário do museu recheado de referências de todos episódios de Black Mirror até então.
Na narrativa, uma garota viaja até um lugar distante onde fica o infame Black Museum de Rolo Haynes, um ex-funcionário de tecnologia medicinal que coleciona diversos protótipos que resultaram em finais violentos ou trágicos para seus usuários. Em uma visita guiada pelo próprio proprietário do museu, a garota descobre segredos terríveis de vidas miseráveis.
Para evitar estragar a surpresa, é melhor comentar superficialmente sobre as boas narrativas que Brooker traz aqui. Estranhamente, a primeira história é mais interessante e criativa, jogando um médico fracassado aceitando a proposta de implantar um neurotransmissor de receptação de sensações dos seus pacientes para conseguir apressar o diagnóstico e salvar mais vidas. Com uma dose de humor negro em todo o episódio, o roteirista apresenta um olhar possivelmente inédito a respeito ao vício e suas consequências drásticas ao introduzir reviravoltas que subvertem as regras do jogo. Simplesmente ótima história que merecia um episódio inteiro somente para si.
Já a segunda narrativa tateia novamente sobre a transferência de consciências já exploradas em San Junipero. Aqui, a rotina de um casal e seu primeiro filho é abalada após a mãe ser brutalmente atropelada, a deixando em um estado de coma permanente. Para salvar a consciência da mulher, o marido aceita dividir seu corpo e sua mente com a consciência da esposa. Brooker faz de tudo para provocar, eficientemente, um sentimento de comédia involuntária devido a situação nada funcional que o casal se encontra – que obviamente terminaria mal de qualquer forma.
De modo bastante previsível e óbvio, o desenlace do episódio não é muito impactante, chegando até mesmo a ser monótono devido a uma eventual falta de interesse para o destino de todos aqueles personagens que necessitavam de mais desenvolvimento para se tornarem marcantes. É aqui que as coisas começam a ficar atrapalhadas em Black Museum nos fazendo pensar que talvez a ideia de uma antologia dentro de uma antologia não seja lá uma escolha brilhante.
Isso se torna evidente no desfecho do episódio, inserindo uma reviravolta para justificar a ida da protagonista até um museu tão decrépito. Ela envolve uma terceira narrativa para o item mais precioso do museu de Rolo Haynes, porém, pelo fato de estarmos tão próximos ao limite de duração da história, Brooker tem o mínimo de tempo para desenvolver esse tal item. Ele é relacionado a um assassinato que não sabemos muito bem a origem ou de suas consequências.
Tudo piora quando surge uma tensão de conflito racial nos minutos finais do episódio, em uma visão muito maniqueísta das partes – algo que, nessa temporada, se tornou um problema temático, pois Black Mirror antes ousava escapar dessa visão binária do storytelling. Como não há espaço para acreditarmos na causa da protagonista e das suas intenções, além de Haynes, carismático narrador das desventuras, não ser nada confiável, temos um festim de exposição que o roteirista usa para tentar gerar empatia.
Mesmo com excelentes atuações, principalmente de Douglas Hodge como Haynes, uma direção firme com mudanças necessárias para cada estilo de narrativa, cinematografia apurada e envolvente, além de uma espetacular direção de arte, Black Museum se torna uma experiência inconsistente pela pressa em tentar surpreender o espectador com uma história muito mal firmada em pouquíssimos instantes. Às vezes, o elemento surpresa pode acabar prejudicando uma boa ideia. Ainda mais uma que teve um excelente começo dentro de um conceito cheio de potencial. Matheus Fragata
Black Mirror - 4ª Temporada (EUA/Reino Unido - 2017)
Criado por: Charlie Brooker
Direção: Toby Haynes, Jodie Foster, John Hillcoat, Timothy Van Patten, David Slade, Colm McCarthy
Roteiro: Charlie Brooker, William Bridges
Elenco: Jesse Plemons, Cristin Milioti, Jimmi Simpson, Michaela Coel, Rosemarie DeWitt, Brenna Harding, Andrea Risenborough, Kiran Sonia Sawar, Andrew Gower, Anthony Welsh, Claire Rushbrook, Joe Coel, Georgina Campbell, Maxine Peake, Letitia Wright, Daniel Lapaine, Douglas Hodge, Alexandra Roach, Amanda Warren
Emissora: Netflix
Episódios: 6
Gênero: Suspense/Ficção Científica
Duração: 50/60 min
https://www.youtube.com/watch?v=5ELQ6u_5YYM