Crítica | A Maldição da Chorona - Direção se destaca em roteiro fraco e clichê
O terror está mais popular do que nunca. Graças à franquia Invocação do Mal, James Wan conseguiu reformular um modelo de universo compartilhado e franquia estendida. É algo que funcionou apenas para a Marvel Studios e sua gigantesca saga dos Vingadores, mas que agora aplica-se para tornar a arte de se apavorar algo tão antecipado e ambicioso quanto filmes de super-heróis.
Tamanha a proposta, poucos sabiam que este novo A Maldição da Chorona é secretamente parte deste universo de James Wan, o que deve aparecer como uma boa curiosidade para os fãs. Em seu cerne, porém, o filme de Michael Chaves tem pouco a oferecer de novo, ainda que seja uma experiência consistente.
A trama é ambientada na Los Angeles de 1973, onde conhecemos a assistente social Anne (Linda Cardellini), que investiga um caso onde duas crianças foram supostamente afogadas por sua mãe. O que ela descobre, ao ouvir a confissão desesperada da mãe, é que seus filhos foram levados por um espírito maligno conhecido como a Chorona. Agora, o espírito mexicano persegue Anne e seus dois filhos.
É a clássica fórmula de filme de terror, sem qualquer novidade. O roteiro de Mikki Daughtry e Tobias Iaconis não reinventa nada, e o único atrativo está mesmo na criação e exploração da maldição titular - que, em essência, também não é exatamente original. Piorando a situação, nenhum dos personagens é exatamente interessante ou bem escrito, e ainda contam com momentos de exposição embaraçosos para ilustrar suas habilidades ou background - como na deselegante linha de diálogo que revela que o marido de Anne era policial. A exceção fica com o bizarro curandeiro de Raymond Cruz, mas é um daqueles casos onde o personagem é tão absurdo que ultrapassa a linha do ridículo, imediatamente tornando-se a figura mais interessante do longa.
Se há algo que nos faz criar algum apego com os personagens é a performance central de Linda Cardellini, que não aparece com presença tão forte há anos. A atriz traz todo o pavor e senso de proteção a seus filhos de forma intensa e cativante; justamente por nunca deixar de demonstrar o medo que sente diante da situação, algo bem expresso em seu tenebroso primeiro encontro com a Chorona. É realmente uma pena que o texto de Daughtry e Iaconis não desenvolva as promissoras subtramas, especialmente aquela onde Anne passa a ser suspeita de tentar machucar seus filhos.
O que realmente eleva A Maldição da Chorona a algo mais aproveitável é a direção de Michael Chaves. Claramente, o diretor estreante tenta emular o estilo de James Wan ao trazer cenas longas que apostam na antecipação e atmosfera para um susto, planos sequência que exploram os cômodos de uma locação e a violência em jogar membros do elenco através de paredes e janelas. Chaves é um pouco menos elegante do que Wan, mas tem sua marca própria ao apostar em variações de shutter (deixando a imagem mais acelerada) e também na forma como sua câmera parece “voar” através de travellings que evocam algo caótico - há um plano que remete imediatamente ao clássico A Morte do Demônio, onde a câmera assume o POV de uma força invisível se dirigindo contra a família de Cardelini; ao passo em que a cena do "teste do ovo" não deixa de ser uma referência em espírito à apavorante cena do sangue em O Enigma do Outro Mundo.
Chaves também aproveita bem a forma e presença de sua criatura titular. Um bom monstro geralmente costuma ser meio caminho andado para garantir sustos, e ainda que o roteiro não seja dos melhores, Chaves e Marisol Ramirez (intérprete da entidade) são capazes de criar uma imagem que certamente vai assustar e provocar sustos. Só é uma pena que para cada boa construção de Chaves, o diretor acabe apelando para um jump scare óbvio.
A Maldição da Chorona conecta-se de forma tímida com o universo de Invocação do Mal, e a deficiência de sua trama definitivamente é um indício dessa descrença. Porém, a direção de Michael Chaves demonstra potencial, que todos esperamos que seja cumprido no próximo projeto de Chaves, que é justamente a terceira parte do filme que gerou a franquia.
A Maldição da Chorona (The Curse of La Llorona, EUA - 2019)
Direção: Michael Chaves
Roteiro: Mikki Daughtry e Tobias Iaconis
Elenco: Linda Cardellini, Raymond Cruz, Patricia Velasquez, Marisol Ramirez, Sean Patrick Thomas, Tony Amendola, Jaynee-Lynne Kinchen, Roman Christou
Gênero: Terror
Duração: 93 min
https://www.youtube.com/watch?v=Jc3l1x7EBxU
Crítica | Shazam! - O lado divertido da DC
Que montanha russa maluca e imprevisível tem sido o universo da DC nos cinemas. Começando de forma soturna e pseudo-filosófica com a visão do cineasta Zack Snyder em O Homem de Aço e Batman vs Superman: A Origem da Justiça, o chamado DCEU se viu dandos curvas para caminhos com mais leveza, obtendo resultados agridoces com Esquadrão Suicida e Liga da Justiça, mas também acertos genuínos e bem sucedidos financeiramente com os filmes solo de Mulher-Maravilha e Aquaman.
O filme com Jason Momoa, inclusive, marca uma importante transição na gestão da DC na Warner Bros. Peter Safran, da New Line Cinema, passa a supervisionar alguns dos projetos da editora nos cinemas, apostando no talento de cineastas comprovados no terror; uma escola bem administrada por nomes como Sam Raimi, Peter Jackson e James Cameron, que iniciaram suas carreiras com o cinema de medo e evoluíram para tornarem-se visionários do cinema espetáculo. Deu certo com James Wan em Aquaman, e o raio acerta um ponto similar com David F. Sandberg e seu divertido Shazam!, que coloca a DC de vez no caminho da leveza.
A trama nos apresenta ao garoto Billy Batson (Asher Angel), que passou sua infância fugindo de diferentes lares adotivos para procurar sua mãe biológica, de quem se perdeu há anos atrás. Enquanto se adapta à nova família ao lado de seu amigo Freddy (Jack Dylan Grazer), Billy é escolhido por um mago misterioso (Djimon Hounsou) que lhe confere seus poderes místicos, dando-lhe a forma super-heroica de Shazam (Zachary Levi). Curtindo seus poderes como todo garoto de 14 anos no corpo de um herói faria, ele precisa dominar suas habilidades para enfrentar o sinistro Doutor Sivana (Mark Strong).
Diversão realmente parece ser a chave da nova fase da DC nos cinemas. Aquaman já deslumbrava por resgatar a épica aventura matinê, e agora o filme de David F. Sandberg parece voltar o olhar para produções mais saudosas do gênero de heróis, particularmente o Homem-Aranha de Sam Raimi e até mesmo o Superman de Richard Donner. Mais o que isso, Sandberg confirmou inúmeras vezes que Quero Ser Grande, comédia em que um garoto se transforma num adulto com as feições de Tom Hanks, confirmando outra das intenções do projeto: ser um filme que facilmente encontraríamos na Sessão da Tarde, e isso de forma alguma significa algo negativo, muito pelo contrário.
O roteiro de Henry Gayden é muito feliz e esperto em suas brincadeiras com o gênero de super-herói, principalmente por fazer do personagem de Freddy um aficcionado por outros personagens da DC, garantindo boas referências visuais e verbais. As sequências que envolvem Freddy e Billy tentando descobrir e testar os poderes de Shazam são verdadeiras pérolas, chegando a evocar até mesmo a metalinguagem satírica de Kick-Ass: Quebrando Tudo, ao passo em que clichês são abraçados e subvertidos para virarem boas piadas. É a diferença entre o humor de Shazam! com outras produções da Marvel Studios, por exemplo: o filme da DC é uma comédia assumida desde sua concepção, o que ajuda a não tornar a aparição de piadas e interjeições cômicas como meramente intensivas, caso de boa parte das obras da Casa das Ideias.
Porém o humor não é o ponto alto do filme, mas sim seu genuíno coração. As cenas com Billy e os diferentes personagens do núcleo da família adotiva são de uma leveza admirável, e garantem a construção de um ambiente seguro e de uma relação de personagens palpável, e que definitivamente se mostram valiosos durante sequências de ação no terceiro ato. Gayden só falha na subtrama envolvendo a busca de Billy por sua mãe, especialmente na resolução anticlimática que acaba empalidecendo diante da força da narrativa com os novos colegas do protagonista; ainda que tal linha seja um bom paralelo com o arco do antagonista Thaddeus Sivana.
Quando chegamos à direção, David F. Sandberg continua comprovando que cineastas de terror têm vozes valiosas em gêneros épicos. Ainda que Shazam! não se proponha a ser um filme grandioso como Aquaman, o diretor de Quando as Luzes se Apagam e Annabelle 2: A Criação do Mal se mostra imaginativo e dinâmico em sua forma de capturar a ação. O plano em que Shazam e Sivana voam juntos, com a câmera sempre centralizada nos dois, é um exemplo de como se tornar uma ação tão mundana em filmes de super-heróis algo novo e interessante do ponto de vista visual. Sandberg definitivamente não é dos melhores no quesito de efeitos CGI, como evidenciam os fracos coadjuvantes conhecidos como Sete Pecados Capitais (ainda que tragam um design fantástico), mas sabe como tornar o uso de poderes - e o maravilhamento destes - sempre estimulante.
Sandberg, assim como Wan e Raimi, ainda é bem eficiente em trazer seu passado do terror para o longa. Duas sequências envolvendo o Doutor Sivana são consideravelmente assustadoras na concepção visual das criaturas e os efeitos de seus poderes, e prólogo que narra a infância de Sivana - ainda que não exatamente assustador - impressiona por criar uma atmosfera que mescla fantasia com tensão, quase remetendo a um bom John Carpenter; Os Aventureiros do Bairro Proibido, em particular. O trabalho só torna-se um pouco mais desinteressante no terceiro ato, onde vemos que Sandberg só pode ser "tão grande" até certo ponto, mas nada que prejudique o resultado final.
Grande força de Shazam! reside também em seu perfeito elenco. Zachary Levi mastiga o cenário em uma performance explosivamente carismática como o herói titular, fazendo um paralelo certeiro com a performance de Asher Angel, que também mostra-se um jovem talentoso e capaz de lidar com diferentes emoções. Jack Dylan Grazer acaba ganhando um bom destaque por oferecer uma variação diferente desse tipo de personagem, alternando entre alívio cômico e figura complexa de forma admirável, enquanto Mark Strong demonstra imponente presença como o ameaçador Sivana - sendo eficaz em exibir as vulnerabilidades de sua figura inegavelmente trágica.
Grace Fulton, Marta Milans, Cooper Andrews, Ian Chen, Jovan Armand e principalmente a pequena Faithe Herman também garantem ótimas cenas no núcleo da família adotiva, e mal posso esperar para ver aonde potenciais continuações poderiam levar esses personagens. Repetindo, a interação desses personagens talvez seja a arma secreta do filme.
Shazam! é uma aventura leve e descompromissada, sendo tão eficiente em sua proposta de fazer rir quanto em sua mensagem profunda e surpreendentemente emocional. Zachary Levi se revela uma força da natureza em uma performance cheia de carisma, enquanto David F. Sandberg recupera a emoção e senso de diversão que encontram-se cada vez mais raros no gênero.
Shazam! (EUA, 2019)
Direção: David F. Sandberg
Roteiro: Henry Gayden, baseado nos personagens da DC
Elenco: Zachary Levi, Asher Angel, Jack Dylan Grazer, Mark Strong, Djimon Hounsou, Grace Fulton, Marta Milans, Cooper Andrews, Faithe Herman, Ian Chen, Jovan Armand, Natalia Safran
Gênero: Aventura, Comédia
Duração: 132 min
https://www.youtube.com/watch?v=Ptq-Xr7ipM8
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Crítica | Dumbo (2019) - Tim Burton sai do chão, mas não voa tão alto
Se a Disney atualmente faz fortuna com os remakes em live-action de alguns e seus clássicos animados, há um responsável direto pela propagação do fenômeno: Tim Burton. Quando o cineasta entregou sua versão de Alice no País das Maravilhas em 2010, o estúdio se surpreendeu ao ver sua bilheteria estourar 1 bilhão de dólares, fazendo-o investir em diversas outras produções derivadas de filmes animados: Malévola, Cinderela, Mogli - O Menino Lobo e A Bela e a Fera, além de incontáveis outros em produção, como Aladdin, O Rei Leão e Mulan.
Agora, quase uma década após o sucesso de Alice, Burton retorna à Disney para mais uma adaptação live-action de um clássico do estúdio: Dumbo, que assim como o filme de 2010, serve mais como uma continuação para o original do que uma reprodução quadro a quadro. Ainda que não seja um grande filme, deve ser facilmente o melhor trabalho de Burton em mais de uma década. O que realmente não significa muito quando analisamos o que o diretor aprontou nesses últimos anos.
A trama adapta o original em sua primeira metade, mas adotando uma perspectiva diferente. Conhecemos o circo dos irmãos Medici, tocado pelo trambiqueiro Max Medici (Danny DeVito), e passamos a acompanhar a dinâmica de Holt Farrier (Colin Farrell) e seus dois filhos, Milly (Nico Parker) e Joe (Finley Hobbins). Quando um dos elefantes do circo da luz a um filhote com orelhas gigantescas, que lhe dão a inesperada capacidade de voar, o pequeno Dumbo se torna uma atração local, e desperta o interesse do ambicioso empresário V. A. Vandevere (Michael Keaton).
Uma nova versão
O maior elogio que pode ser feito sobre este novo Dumbo é que Burton e os produtores realmente tentaram fazer algo novo a partir do material original. Confesso que não assisto à animação de 1941 há mais de duas décadas, mas uma rápida pesquisa revela que realmente é tudo muito diferente. O roteiro de Ehren Krueger (de Transformers: O Lado Oculto da Lua) desvia completamento o foco de animais falantes e números musicais na tentativa de estabelecer um drama fantasioso (afinal, é um filme de Tim Burton) com os personagens do circo. No papel, é uma ideia interessante, especialmente por vermos como a presença de Dumbo e sua magia transformam as vidas a seu redor. Na execução, é um roteiro tipicamente Krueger, com diálogos pavorosos, personagens rasos e um desenvolvimento tão eficiente quanto a capacidade de Freddy Krueger em contar histórias de ninar para crianças.
O personagem de Farrell é apresentado como um homem que perdeu seu braço na guerra, tendo uma condição física que gera conflitos similares ao das orelhas gigantes de Dumbo. Mas Krueger jamais desenvolve essa ideia de forma racional, pois se as orelhas de Dumbo demonstram a aceitação de uma deficiência e os frutos inebriantes dessa escolha, a de Farrell é sempre sobre tentar esconder, o que ainda rende uma conclusão anticlimática para seu personagem. Pior ainda é a filha de Holt, cujo único propósito narrativo é: "ser uma cientista", rendendo diversas passagens de texto embaraçosas.
Ainda que seja difícil se apegar com os personagens e os dramas mundanos, Krueger se mostra mais inspirado ao trazer o setor inteiramente original da obra, que traz de volta elementos do livro de Helen Aberson e Harold Pearl. A entrada de Vandevere e sua feira de diversões Dreamland tem um propósito melhor estabelecido, ainda que seja mais uma variação do capitalismo selvagem de uma grande corporação engolindo um pequeno negócio a fim de servir a indústria do entretenimento. O que torna esse arco mais interessante é que Krueger claramente traça um retrato do próprio Walt Disney, algo que é irônico considerando-se que o estúdio produtor é a Disney, e ainda mais curioso quando temos a coincidência de Dumbo estar sendo lançado durante a finalização do compra da Fox.
O circo de Tim Burton
Visualmente, preciso admitir que é o Burton mais à vontade desde Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet, que não por coincidência é seu melhor filme em anos. O diretor traz uma competente mistura entre efeitos visuais eficientes e um design de produção que evoca suas principais qualidades, já evidenciando-as nos segundos iniciais, quando o bico da locomotiva dos Medici acaba formando um sorriso digno de Beetlejuice, e a estética surreal do circo definitivamente oferece oportunidades divertidas para que Burton explore sua criatividade - principalmente nas atrações e em seus cartazes próprios, ainda que nada tão inspirado quanto o curto segmento desse ramo em Peixe Grande. O mesmo se aplica ao design da Dreamland, literalmente uma Disneylândia, onde até mesmo a roda-gigante dupla parece formar as icônicas orelhas de Mickey Mouse em determinando momento de sua rotação.
Quanto ao elefantinho protagonista? O personagem certamente é capaz de gerar afeto e provocar suspiros e reações amorosas do público, sendo uma bela criação em CGI. Particularmente, gosto muito da forma como o protagonista recebe seu nome, algo que definitivamente veio da mente de Burton: durante sua apresentação no picadeiro pela primeira vez, a placa com a frase “Dear Baby Jumbo” é danificada, fazendo com que a letra D caia em cima da J, não só batizando o elefantinho, mas também enfatizando a palavra “Ear” (orelha). É bastante similar ao momento de Batman: O Retorno em que o painel luminoso de Selina Kyle, com a frase Hello There, se transforma em Hell Here.
E se os personagens são todos unidimensionais, ao menos parte do elenco parece se divertir. Danny DeVito abraça a canastrice para fazer um Max divertido, mas é Michael Keaton quem se destaca ao encarnar a ganância em pessoa de uma maneira mais cartunesca, mas também com um lado mais fraco oculto. Eva Green, como sempre nas produções recentes de Burton, chama a atenção por seu carisma, sendo também um dos poucos papéis americanos da atriz em que ela pode usar seu charmoso sotaque francês. Infelizmente, Colin Farrell surge completamente apagado, ainda que seja bacana ver o ator experimentando um sotaque do sul dos EUA, enquanto Nico Parker (filha da atriz Thandie Newton) mostra-se completamente inexpressiva e automática em todas as suas cenas. Nenhum dos personagens realmente compensa a ausência de animais falantes.
Dumbo é um dos trabalhos mais consistentes de Tim Burton em anos, e mesmo que não seja uma constatação realmente significativa, é bom ver um cineasta que já foi tão bom no passado não cometendo tantos erros. Só é uma pena que o roteiro de Ehren Krueger seja tão ruim, sendo uma experiência formulaica e com apenas alguns picos de real maestria. Não voa tão alto, mas até que sai bem do chão.
Dumbo (EUA, 2019)
Direção: Tim Burton
Roteiro: Ehren Krueger, baseado na obra de Helen Aberson e Harold Pearl
Elenco: Colin Farrell, Danny DeVito, Michael Keaton, Eva Green, Nico Parker, Finley Hobbins, Alan Arkin, Joseph Gatt, Sharon Rooney
Gênero: Aventura
Duração: 112 min
https://www.youtube.com/watch?v=7NiYVoqBt-8&t
Quem realmente é Adelaide? | O Final de Nós Explicado
MUITOS SPOILERS!
Jordan Peele retornou aos cinemas com seu novo terror, Nós. Tal como Corra!, seu premiado filme de estreia, o filme com Lupita Nyong’o deve provocar diversas teorias e interpretações, especialmente sobre seu final surpreendente, que iremos explicar aqui.
Basicamente, descobrimos que o problema com as cópias não assola apenas a família de Adelaide (Nyong’o), mas está acontecendo em uma escala nacional. Há diversos clones, batizados no filme como Acorrentados, habitando diferentes túneis subterrâneos espalhados pelos EUA. A sósia de Adelaide, Red, explica que eles foram criados por humanos em um experimento bizarro, onde o corpo foi reproduzido, mas não a alma. Os Acorrentados foram largados nos túneis, acompanhando todos os movimentos, sensações e eventos de suas respectivas “sombras”, até o momento em que Red liderou um movimento para subir à superfície e assassinar todos os humanos.
A grande puxada de tapete que Peele oferece nos minutos finais, porém, é inteiramente a ver com a personagem de Lupita Nyong’o: ela era uma Acorrentada desde o começo, e Red era a humana real.
Explico. No começo do filme, vemos a jovem Adelaide tendo o primeiro contato com sua versão Acorrentada, ao se perder em uma atração desligada de um parque de diversões. Só no final do filme vemos o desfecho da sequência, onde a sombra atacou Adelaide e a levou para os túneis, trocando de roupa com a garota e subindo em seu lugar. A Acorrentada viveu por anos se passando por Adelaide, enquanto sua versão real acabou enlouquecendo e se tornando uma espécie de Escolhida para os demais Acorrentados nos túneis.
O filho de Adelaide percebe que sua mãe é uma Acorrentada no final, mas ele aceita. O mais interessante dessa decisão é que o personagem passa todo o filme colocando uma máscara de monstro para se esconder, e o fato dele repetir essa ação no final é extremamente simbólico: sua mãe também está usando uma máscara, então ele aceita essa fachada.
É um final que definitivamente pede por uma nova sessão, especialmente para analisar as pistas que o roteiro de Peele deve fornecer dessa reviravolta ao longo da projeção; o fato de Red ser a única capaz de falar entre os demais Acorrentados é uma delas, por exemplo. Não só isso, mas também para reparar em nuances e sutilezas que Nyong'o deve ter criado para estabelecer uma performance ainda mais complexa.
Crítica | Nós - Jordan Peele se aventura no cinema de monstro
Jordan Peele conquistou Hollywood, o mundo e o universo após o sucesso de seu terror Corra!, que evoluiu para um grande fenômeno cultural nos EUA e garantiu diversos elogios da crítica - além de destaque no Oscar, onde saiu premiado como Melhor Roteiro Original. Um começo impressionante para Peele, que era comediante ao lado de Keegan Michael Key, revelando uma inteligência admirável para construir suspense e mantê-lo atrelado com um senso de humor desconfortável.
A repercussão de Corra! garantiu muito poder a Peele na indústria, tanto na produção de novos projetos (Infiltrado na Klan, de Spike Lee, é um dos filmes que saiu do papel graças a seu envolvimento) e até mesmo a responsabilidade suprema de tocar um reboot da série de antologia Além da Imaginação, que sairá na CBS All Access no próximo mês. Mas mais do que isso, Corra! garantiu a Peele mais liberdade na escolha de seu segundo filme, que chega pela Universal Pictures a Blumhouse na forma de Nós, mais um terror que traz um elenco negro em destaque e a promessa de lidar com temas sociais através de uma abordagem sobrenatural. O resultado é agridoce, já que Peele mostra-se mais evoluído como diretor, mas encontra dificuldades para definir exatamente que tipo de filme é Nós.
A trama segue uma família formada por Lupita Nyong’o, Winston Duke, Shahadi Wright Joseph e Evan Alex, que saem de férias para passar uma temporada em uma casa de praia. Chegando no local, ambientado em uma região que traumatizou a personagem de Nyong’o na infância, a família passa a ser perseguida por um estranho grupo que traz uma faceta ainda mais curiosa: são exatas cópias de cada um deles, representando seu lado mais sombrio e perigoso. As férias logo tornam-se um jogo de sobrevivência, onde cada membro da família precisará enfrentar sua própria cópia para sobreviver.
É uma proposta interessante, e que por si só já traz uma mistura de gêneros distintos: o terror trash que evoca filmes como A Noite dos Mortos-Vivos e o estudo psicológico, afinal nada é mais freudiano do que ter antagonistas que representam versões assustadoras de nós mesmos - não por acaso, George A. Romero era muito eficiente em mesclar ambas as características em sua saga de zumbis. Peele acerta em partes, com mais destaque para retratar a lenta progressão de como o ataque misterioso vai escalonando, bebendo da fonte da “ameaça repentina” de Os Pássaros e Tubarão (não por acaso, dois personagens usam uma camiseta e um broche desses filmes).
Peele segura o espectador pela garganta durante essa primeira metade, retratando com uma tensão excepcionalmente bem criada como a família protagonista vai sendo cercada pelos agressores dentro de sua casa. Muito mais maduro e seguro do que em Corra!, sua câmera é mais inventiva, mas também econômica nas panorâmicas e planos estáticos que retratam a posição dos personagens, sendo criativo também na hora de provocar sustos ou pavor - auxiliado pela ótima fotografia de Mike Gioulakis, que explora bem o jogo de sombras, e a trilha sonora de Michael Abels, fortemente inspirada na variação de cordas graves e agudas do veterano compositor Bernard Hermann.
O cineasta também preserva aqui aquele que era seu traço mais forte no longa de estreia: foreshadowing e contextualização. Diversas vezes durante o primeiro ato, somos apresentados a imagens, manias de personagens e outras informações que, na forma de piadas, podem parecer insignificantes, mas que se tornam revelastes com o decorrer da trama: o fato de o motor de barco de Winston Duke sempre falhar no começo é motivo de piada por um bom momento, mas acaba sendo um “deus ex machina” em um momento intenso, já tendo sido bem estabelecido pelo roteiro de Peele minutos antes.
Infelizmente, o grande mistério Hitchcockiano de Peele acaba entregando uma solução decepcionante, especialmente porque o diretor se vê na necessidade de trazer uma explicação para o sobrenatural. Não é um conceito particularmente inspirado, e além de tudo é complexo demais para ser resumido em um longo monólogo de uma das cópias; uma gigantesca orgia de exposição que ocorre, vejam só, dentro de uma sala de aula. É aí também que a metáfora de Peele em Nós mostra-se sem força, e escancarada demais pelo conceito da dualidade; quando a cópia de Lupita Nyong’o responde que “somos americanos” ao ser questionada pelos demais sobre quem são, notamos que Peele talvez esteja atirando para múltiplos alvos sem uma direção clara.
E deixei propositalmente o melhor para o final. Se Jordan Peele não entrega tudo o que poderia, Lupita Nyong’o entrega aquela que é facilmente a melhor performance de sua carreira até agora, e ficarei espantado (e revoltado) se não ver o nome da atriz entre as indicadas na próxima ediçõo do Oscar. Seu trabalho já seria impressionante se considerássemos apenas seu papel como Addy, onde Nyong’o traduz todo o pavor, pânico e senso de proteção de forma convincente e forte, mas este atinge um outro nível quando a vemos interpretando sua sósia; sendo a única capaz de falar entre os demais clones, Nyong’o adota uma voz danificada e assombrosa, tornando-se imediatamente o centro das atenções quando entra em cena.
Todo o restante o elenco está eficiente, com destaque para o divertido Winston Duke. Ainda que a maioria das interjeições humorísticas não funcione, elas se tornam mais naturais quando o ator as protagoniza, sendo um bom contrapeso ao trabalho mais complexo de Nyong'o. E ainda que não tenha uma participação tão extensa, Elisabeth Moss tem momentos de puro brilhantismo ao interpretar uma das cópias, assim como todo o elenco de crianças.
Nós não é uma obra tão completa e certeira quanto Corra!, mas comprova que Jordan Peele é um diretor interessante e que vem amadurecendo sua linguagem visual, ainda que fique bem perceptível que o longa traz muitas ideias que não parecem comportar, ou habitar, o mesmo filme. Mas, ainda que imperfeito, mostra que o acerto de Peele em seu primeiro filme não foi sorte de principiante.
Nós (Us, EUA - 2019)
Direção: Jordan Peele
Roteiro: Jordan Peele
Elenco: Lupita Nyong'o, Winston Duke, Elisabeth Moss, Tim Heidecker, Shahadi Wright Joseph, Evan Alex, Yahya Abdul-Mateen II, Anna Diop, Cali Sheldon, Noelle Sheldon
Gênero: Terror
Duração: 116 min
https://www.youtube.com/watch?v=fQ19DupGfzk
Crítica | Vingança a Sangue-Frio - O melhor filme de ação de Liam Neeson
Liam Neeson reinventou sua carreira para se tornar um astro de ação de meia idade com o primeiro Busca Implacável, e mais de uma década depois, o conceito de ver o ator saindo na porrada continua rendendo. Ainda que Neeson tenha feito alguns filmes piores (Busca Implacável 3) do que outros (A Perseguição), sempre foi divertido ver o carisma do ator nesse gênero, e felizmente surgiu o projeto que combina uma boa história e estilo com o talento do ator: Vingança a Sangue-Frio, que é de longe a melhor produção de “brucutu” envolvendo o ator.
O filme é um remake do longa norueguês O Cidadão do Ano, e começa quando o filho de Nels Coxman (Neeson) é morto após um incidente envolvendo tráfico de drogas. Partindo para conseguir vingança com as próprias mãos, Coxman acaba iniciando uma guerra entre as facções criminosas de Kehoe, uma região gelada do Colorado, visando encontrar o responsável pelo assassinato de seu filho.
Por mais que o trailer, pôster e todo o conceito de Liam Neeson saindo para vingança remetam a outros títulos de ação do ator, Vingança a Sangue-Frio é algo mais especial. Se o eficiente Noite Sem Fim era uma versão mais pipoca e descontraída de Fogo Contra Fogo, este filme acaba tendo muito em comum com Fargo: Uma Comédia de Erros (e as paisagens geladas definitivamente remetem à obra-prima dos irmãos Coen) e filmes de Quentin Tarantino, simplesmente por ter um foco maior em humor negro, discussões de personagem e pouca ação propriamente dita; com direito até a uma violência mais cartunesca e exagerada, abrindo mão de perseguições de carro ou lutas corporais muito elaboradas.
Refilmando seu próprio filme de 2014, o cineasta norueguês Hans Petter Moland parte para fazer um filme sobre uma região e seus habitantes, tanto que o roteiro abandona o ponto de vista de Coxman diversas vezes para dar espaço a um núcleo divertidíssimo: o vilão principal e seus capangas. Diversos personagens menores ganham destaque momentaneamente em diálogos engraçados e que lhes conferem personalidade, e também oferecem certo peso quando todos acabam ficando na trilha de destruição deixada pelo protagonista de Neeson - e também pelo confronto criminal, que traz uma família criminosa de nativos-americanos. A grande cereja no topo do bolo é Tom Bateman, que vive o chefão histérico e mimado da facção americana com um carisma explosivo, e também se torna detestável com muito humor.
Esse balanço da tragédia com o humor negro se manifesta de forma mais interessante quando Moland assume um recurso visual divertido: sempre que algum dos personagens morre, a tela escurece e temos um epitáfio com o nome da vítima e seus dados; além de diferenças sutis nos símbolos para representar diferentes crenças e religiões de cada um deles. Tal recurso é usado com sabedoria durante o grande climax do filme, que traz um tiroteio insano, e Moland mantém isso até os créditos finais, onde os nomes aparecem em “ordem de desaparecimento” na trama.
O grande demérito do roteiro fica com o apagado núcleo de uma policial interpretada por Emmy Rossum, que certamente foi envisionada pelo roteiro de Frank Baldwin para ser a Frances McDormand da história. Suas cenas são curtas e não se destacam em meio aos outros núcleos narrativos, nunca dando a impressão de que Nels está mesmo sendo caçado pela polícia. Apenas preenchem espaço, deixando a entender que havia mais material com Rossum no roteiro, e provavelmente ficou na geladeira da ilha de edição.
Visualmente, a fotografia de Philip Øgaard faz um ótimo trabalho ao retratar a natureza opressora e desoladora de Kehoe, pegando emprestado elementos do trabalho de Roger Deakins em Fargo, mas também mantendo um olhar "europeu" para paisagens americanas e canadenses. A cena do funeral do filho de Coxman é um bom exemplo dessa criação de atmosfera, e também para retratar o modo de vida desse universo, onde vemos todos os membros usando ternos e roupas sociais pretos, mas também grandes casacos de pêlo para suportar a pesada nevasca durante a noite; garantindo um filtro azul muito eficiente.
Infelizmente, o filme acabou marcado pelas declarações infelizes de Liam Neeson em uma entrevista de divulgação, onde o ator foi injustamente acusado de racismo. Como performance, temos mais um bom trabalho do ator, que além de garantir o já conhecida persona de “herói durão”, garante momentos complexos e que beiram o nonsense, como quando começa a gargalhar após se cansar de lutar com um dos bandidos no meio de uma estrada de neve. É um momento que define perfeitamente o tipo de filme que estamos assistindo.
Vingança a Sangue-Frio é o melhor filme da fase “brucutu” de Liam Neeson, justamente por apostar em uma trama criminal que abraça o humor negro de forma inspirada, invalidando a necessidade de cenas de ação. É uma pena que, dada a polêmica envolvendo Neeson, esta pode ser a última obra do gênero protagonizada pelo ator. Se for caso, definitivamente foi uma fase encerrada com chave de ouro.
Vingança a Sangue-Frio (Cold Pursuit, EUA - 2019)
Direção: Hans Petter Moland
Roteiro: Frank Baldwin, baseado no roteiro de Kim Fupz Aakeson
Elenco: Liam Neeson, Tom Bateman, Laura Dern, Emmy Rossum, William Forsythe, Julia Jones, Domenick Lombardozzi, Raoul Trujillo, Benjamin Hollingsworth, Tom Jackson
Gênero: Ação
Duração: 118 min
https://www.youtube.com/watch?v=nVVtTVJzZ2g&t
Crítica | Capitã Marvel - Relevância fica perdida em filme convencional demais
Em 11 anos desde sua concepção e mais de 20 filmes construindo um incomparável universo cinematográfico, a Marvel Studios nunca teve um filme protagonizado por uma mulher. Chegou perto com Homem-Formiga e a Vespa no ano passado, mas é só agora com o lançamento de Capitã Marvel que a bilionária produtora de Kevin Feige finalmente deposita o foco e atenção para uma mulher. Porém, diferente do que a DC fez com o bem-sucedido Mulher-Maravilha ou o que a própria Marvel fez com a representatividade da cultura negra em Pantera Negra, o filme protagonizado por Brie Larson fica longe de ser especial como merecia.
A trama nos apresenta à Vers (Brie Larson), guerreira de uma tropa espacial conhecida como Starforce, e que traz o rígido Yon-Rogg (Jude Law) como comandante. Após uma missão perigosa envolvendo a raça alienígena metamorfa conhecida como Skrulls dar errado, Vers acaba caindo na Terra, em plena década de 90. Através de flashbacks, ela descobre que teve uma vida ali como Carol Danvers, uma pilota da Força Aérea americana. Ao passo em que é investigada pelo jovem agente da SHIELD Nick Fury (Samuel L. Jackson), Carol precisa impedir uma invasão Skrull na Terra.
A Lanterna da Capitã Marvel
Ignorando a ordem de lançamento nos quadrinhos de ambos os materiais, é impossível não olhar e assistir Capitã Marvel e não remeter diretamente a Lanterna Verde; o fracassado filme da DC estrelado por Ryan Reynolds em 2011. Ambos são pilotos da Força Aérea que entram em contato com raças alienígenas e acabam recrutados para uma “polícia espacial”, precisando impedir uma invasão em seu planeta natal. O filme da Marvel muda essa estrutura ao iniciar a história com Carol já inserida entre os alienígenas, apresentando seu passado terrestre através de flashbacks, o que se revela um erro grave.
O roteiro assinado por Anna Boden, Ryan Fleck e Geneva Robertson-Dworet não se preocupa em oferecer um contexto ou apresentação apropriada para o universo cósmico habitado por Danvers. Não sabemos quem é a Starforce (nome que só fãs de quadrinhos ou quem leu informações extra-filme conhecem) ou seu propósito nesse universo, rendendo um primeiro ato extremamente genérico e difícil de se envolver; afinal, se não conhecemos a motivação ou propósito desses personagens, qual a relevância em acompanhá-los por tanto tempo? São momentos que parecem saídos de um episódio mal resolvido de Star Trek - daqueles em que a maquiagem dos alienígenas era muito ruim, algo que se mostra presente no péssimo visual dos Skrulls.
Quando Carol aterrissa na Terra, temos uma variação da proposta do primeiro filme de Thor, ao trazer a clássica situação do peixe fora da água. A diferença é que Carol não é tão tapada quanto o Deus do Trovão de Chris Hemsworth no filme de 2011, e todo o humor é norteado para piadas bestas sobre a década de 90: uma sucessão de “veja como as coisas eram velhas” sem fim, que passa por referências gratuitas e uma trilha sonora incidental mais óbvia do que o esperado. O texto ao menos acerta ao criar uma boa dinâmica entre Carol e o jovem Nick Fury, que conseguem se sobressair às diversas conveniências e clichês do roteiro.
Essa mesma dinâmica mostra-se remanescente do único bom uso da década de 90. A produção de Capitã Marvel é muito eficiente ao recriar o visual dos filme daquela época, principalmente através do design de produção discreto e da paleta de cores da fotografia de Ben Davis, e também pelo fato óbvio de estarmos vendo um Samuel L. Jackson rejuvenescido digitalmente (efeito impressionante) que parece saído diretamente de Duro de Matar: A Vingança. Tais detalhes, assim como a camiseta do Nine Inch Nails que a protagonista usa durante boa parte do tempo, são os melhores exemplares da recriação de época; sendo melhor do que qualquer piadinha descartável sobre o tempo de demora para ler um arquivo de CD em um computador antigo.
Despencando na Blockbuster
O grande problema, porém, encontra-se na direção do casal Anna Boden e Ryan Fleck. Em mais um atestado do modelo de produção extremamente equivocado da Marvel Studios (Jon Watts, estou olhando pra você), temos mais um caso de diretores do cinema indie americano que caem de paraquedas em grandes produções; algo que ironicamente é bem representado pela simbólica cena em que Brie Larson, uma própria estrela dos indies, cai dentro de uma locadora da rede Blockbuster. A direção da dupla é mal inspirada e problemática quando envolve cenas de ação, que sofrem pela decupagem confusa e o excesso de cortes na montagem, além de um irritante “chicote” de câmera que se manifesta toda vez que qualquer personagem golpeia com os braços ou pernas.
O resultado é ainda mais problemático nas sequências que envolvem efeitos visuais, que só não são mais inverossímeis do que aqueles vistos em Pantera Negra. O brilho que circula o corpo de Carol ao ativar seus poderes destoa completamente dos outros elementos visuais, e as cenas de voo da personagem acabam se tornando tediosas por vermos nitidamente que Brie Larson se transformou em um bonecão digital digno do Neo de Matrix Reloaded. A diferença é que as irmãs Wachowski eram inventivas na condução virtual de suas cenas de ação, algo que falta para o casal Boden e Fleck, que falham ao trazer qualquer tipo de empolgação ou dinamismo para tais sequências. Não há nenhum momento que cause catarse ou inspiração, ou maravilhamento com as habilidades de Carol; algo que é essencial para um bom filme de super-heróis.
A Primeira Vingadora, de verdade
Representando o novo rosto do MCU, Brie Larson faz um bom trabalho ao assumir o papel principal de Carol Danvers. É uma pena que o roteiro ofereça tão pouco para sua personagem, que basicamente está presa em um arco de superação que flerta com o caricatural em suas tentativas de miltância feminista (algo sempre bem-vindo, quando bem trabalhado), mas Larson é capaz de brilhar tanto em momentos mais dramáticos como escapismos de humor. Samuel L. Jackson aparece carismático como sempre, e diverte ao revelar um lado mais juvenil e imaturo da figura que conhecemos por anos como imponente e ameaçadora, ao passo em que Lashana Lynch mostra-se uma boa surpresa.
Jude Law carece de um arco que faça sentido para seu Yon-Rogg, soando um pouco mais artificial do que o comum, e tenho certeza de que o talentoso Ben Mendelsohn está fazendo um bom trabalho como o vilão Talos, mas a péssima maquiagem acaba bloqueando boa parte de suas expressões; reparem em como sua boca movimenta-se com muita dificuldade durante as cenas de diálogo. Lee Pace e Djimon Hounsou também aparecem reprisando seus personagens de Guardiões da Galáxia, mas não trazem nada que agregue à trama.
Considerando que este é o primeiro grande veículo feminino da maior franquia da atualidade, Capitã Marvel merecia e deveria ter sido muito mais. Brie Larson mostra-se uma boa protagonista, mas está perdida em um filme convencional, formulaico e pouquíssimo inspirado. Nunca pensei que voltaria a sentir isso, mas é a sensação da primeira fase da Marvel Studios, onde parece que este filme existe apenas para introduzir uma nova personagem para o próximo filme dos Vingadores.
Capitã Marvel (Captain Marvel, EUA - 2019)
Direção: Anna Boden e Ryan Fleck
Roteiro: Anna Boden, Ryan Fleck e Geneva Robertson-Dworet, baseado nos personagens da Marvel
Elenco: Brie Larson, Samuel L. Jackson, Jude Law, Annette Bening, Ben Mendelsohn, Lashana Lynch, Lee Pace, Djimon Hounsou, Clark Gregg, Gemma Chan
Gênero: Aventura, Ficção Científica
Duração: 128 min
https://www.youtube.com/watch?v=0LHxvxdRnYc&t=1s
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Crítica | A Morte Te Dá Parabéns 2 - O milagre da repetição
Lançado em 2017, A Morte te dá Parabéns foi uma das mais agradáveis surpresas da renomada produtora Blumhouse. Em uma eficaz mistura de terror e humor, e também a escancarada e assumida referência a Feitiço do Tempo, o filme de Christopher Landon divertia por entender exatamente seu universo e as regras, sendo um fascinante exercício de metalinguagem; e puro entretenimento que não esconde as cartas ao espectador.
Porém, o filme trazia uma proposta muito isolada e, com perdão do trocadilho, fechada em seu próprio loop temporal, o que torna a reação para o anúncio de uma continuação um tanto preocupante. Felizmente, Jason Blum, Landon e todos os envolvidos com A Morte te dá Parabéns 2 realmente merecem aplausos pela forma como, magicamente, tiraram uma continuação digna da cartola.
A trama do novo filme começa logo após o final do primeiro, com o foco agora sendo desviado para Ryan (Phi Vu), amigo de Carter (Israel Broussard) que inesperadamente revela-se preso no mesmo loop temporal que Tree (Jessica Rothe) se encontrou no primeiro filme, reiniciando o dia sempre que era morta por um misterioso assassino mascarado. Ao tentar consertar a situação com uma máquina quântica no laboratório da escola, Ryan acaba enviando Tree para outra dimensão, onde ela novamente está presa no loop temporal. Mas agora as coisas são diferentes, visto que ela está em outro ponto do multiverso, e precisará trabalhar para convencer seus amigos a voltar para sua própria realidade e interromper o loop temporal; assim como desvendar a identidade do novo assassino.
Olhando para essa proposta - e os desanimadores trailers da campanha de marketing - não era para algo como A Morte te dá Parabéns 2 funcionar. Felizmente, o roteiro de Langdon abraça completamente a maluquice, saindo um pouco do terror para se concentrar totalmente na ficção científica; mas do tipo onde não seria nem um pouco fora de lugar se todo o filme fosse acompanhado da música “Weird Science” do Oingo Boingo. É preciso uma grande suspensão de descrença para comprar os conceitos de Langdon, que confia que o espectador aceitará que uma “máquina do tempo” foi criada por alunos universitários em circunstâncias simplistas; mas quem embarcar na viagem, estará diante de muita diversão.
Landon até prega uma peça bem elaborada no espectador ao nos enganar por cerca de 20 minutos, fazendo-nos acreditar que Ryan de fato será o novo protagonista, mas então sabiamente retorna o foco para Tree. E ao introduzir a ideia de tê-la dentro de um novo universo, o longa consegue desviar de um dos maiores clichês de qualquer continuação: a repetição preguiçosa da fórmula. Aqui, Tree tem novos objetivos e novos dilemas, sendo uma perfeita evolução do que vimos no primeiro filme, mas agora até mesmo com um bem-vindo espaço para um drama inesperado envolvendo suas relações familiares.
E seja no drama, no terror ou nas enormes doses de comédia, Jessica Rothe novamente tem espaço de sobra para brilhar. A jovem já havia se mostrado radiante no primeiro filme, e sua explosão de carisma e bom humor continua aqui, especialmente ao retratar a confusão de Tree ao estar diante de um cenário familiar, mas diferente em detalhes que garantem boas reações e desafios para sua personagem. Também é admirável como o roteiro foi capaz de trazer praticamente todos os coadjuvantes do primeiro filme e expandir seus papéis para trabalhos mais distintos, com destaque para as ótimas Rachel Matthews e Ruby Modine.
O que acaba ficando um pouco prejudicado nessa vez é justamente o fator slasher. Há poucas cenas em A Morte te dá Parabéns 2 que realmente são capazes de provocar alguma tensão ou pavor, fatores que eram consideravelmente mais fortes no primeiro filme. A necessidade de surpresa também acaba rendendo um terceiro ato um tanto macarrônico, e que de certa forma remete ao de Pânico 4, onde a reviravolta parece mais atraente do que a coesão. Não que isso seja um fator chave para um filme como esse, mas a solução final do roteiro não é tão elegante quanto suas propostas científicas.
A Morte te dá Parabéns 2 é quase um milagre meramente por conseguir funcionar. Ao mergulhar fundo na ficção científica, Christopher Landon se afasta do terror, mas garante uma experiência divertida e praticamente imprevisível em diversos níveis, e que novamente conta com uma espetacular performance da carismática Jessica Rothe. Se tivermos mais loops temporais no futuro, definitivamente não ficarei triste.
A Morte te dá Parabéns 2 (Happy Death Day 2U, EUA - 2019)
Direção: Christopher Landon
Roteiro: Christopher Landon
Elenco: Jessica Rothe, Israel Broussard, Phi Vu, Suraj Sharma, Sarah Yarkin, Rachel Matthews, Ruby Modine, Steve Zissis, Charles Aitken, Laura Clifton
Gênero: Ficção Científica, Comédia, Terror
Duração: 100 min
Crítica | Alita: Anjo de Combate - Robert Rodriguez e James Cameron entregam grande espetáculo
Envolvido com projetos de inteligência artificial e ficção científica desde que esboçou o T-800 assassino que o inspirou a dirigir O Exterminador do Futuro, James Cameron é um sujeito atarefado. O ganhador do Oscar tinha muitos projetos em desenvolvimento e direitos autorais adquiridos em sua gaveta, mas todos estes acabaram ficando para trás quando Cameron anunciou que passaria - literalmente - o restante de sua carreira trabalhando nas agora mitológicas continuações de Avatar.
Visto que isso era um tremendo desperdício, não pelo fato de termos mais filmes sobre a relação entre humanos e os alienígenas azuis de Pandora, mas sim pelo fato de não termos o toque mágico de Cameron em mais histórias grandiosas, Robert Rodriguez conversou diretamente com o diretor sobre um dos projetos que o cineasta sempre teve em sua manga: a adaptação do mangá Alita: Anjo de Combate, para o qual escreveu um roteiro a muito em tempo em gestação. Assumindo o talentoso diretor mexicano sobre sua asa, Cameron entregou o reino da ficção científica para Rodriguez, e o resultado no filme de 2019 é uma agradável - ainda que imperfeita - combinação entre as vozes de ambos os criadores.
Baseada no mangá homônimo de Yukito Ishiro, a trama é ambientada em 2533, quase 300 anos após uma guerra colossal que definiu o rumo da humanidade, vivendo em um futuro distópico onde inteligência artificial é avançada e membros robóticos são integrados ao corpo humano com a mesma facilidade com que uma pessoal faria uma tatuagem nos tempos atuais. Nesse cenário, o cientista Dyson Ido (Christoph Waltz) encontra os restos de uma ciborgue no ferro velho da cidade, e a reconstrói para se tornar Alita (Rosa Salazar). Ao mesmo tempo em que Alita vai aprendendo sobre a sociedade a seu redor, ela vai tendo lembranças sobre sua vida passada como uma guerreira.
Nova casca para um espírito familiar
À esta altura, o gênero de ficção científica já fez praticamente de tudo, especificamente quando entramos no âmbito da robótica. Obras como Blade Runner, Ex Machina: Instinto Artificial, Ghost in the Shell e até mesmo RoboCop já trouxeram diversas ideias e conceitos mirabolantes sobre a relação entre homem e máquina, dando a impressão de que quando chegamos em Alita: Anjo de Combate, não tenhamos nada que seja exatamente inovador ou original. Ainda assim, ou talvez justamente por isso, o roteiro de Cameron e Laeta Kalogridis (Altered Carbon, outra produção do gênero) é eficiente em apresentar e explorar todos os conceitos e o universo que apresenta aqui, deixando o espectador familiarizado e imerso em uma atmosfera que - por mais que seja familiar - é envolvente.
Claro, roteiro nunca foi o forte de Cameron, que acaba apresentando alguns desses conceitos com exposição um tanto pesada e verborrágico, além de sempre puxar a perna para um melodrama típico (o roteiro é assinado por duas pessoas, mas as palavras de Cameron não passam despercebidas). Mas esse sentimentalismo acaba sendo também um dos trunfos do longa, visto que todas as relações de Alita com humanos, como Ido e o interesse amoroso Hugo (Keean Johnson) são cativantes, e é a energia e a empolgação da protagonista que movem todas as peças da história; e mantém o espectador investido - mais sobre isso, em breve.
O grande problema do roteiro acaba ficando com a nítida transparência dos realizadores em estabelecer franquias e futuras histórias, resultando que Alita não tenha um arco de história completo. Na verdade, ele tem sim um desenvolvimento inteiro para sua protagonista - que evoluí e alcança um novo objetivo na conclusão do filme - mas que acaba consequentemente deixando o final aberto para uma continuação, que infelizmente não deve acontecer devido à baixa projeção em bilheteria do filme.
É até curioso como essa decisão acaba deixando Alita sem uma grande batalha explosiva no clímax, como é de costume em grandes produções. Isso certamente vai soar anticlimático para a maioria dos espectadores, mas pessoalmente achei a solução encontrada por Rodriguez, Cameron e Kalogridis econômica e eficiente, e que remete fortemente à conclusão mais "intimista" do RoboCop de Paul Verhoeven, diminuindo a escala da ação para se concentrar nos conflitos internos da protagonista.
Tal decisão de deixar pontas soltas acaba sendo prejudicial para alguns dos membros do elenco. O antagonista vivido por Mahershala Ali é um terrível desperdício do imenso talento do ator, que deve garantir seu segundo Oscar ainda este mês, mas que aqui é reduzido a - literalmente - um fantoche do real vilão da história, que está sendo guardado para os hipotéticos futuros capítulos. Algo similar acontece com Jennifer Connelly, cujo tempo de cena reduzido acaba apressando grandes atos e mudanças em sua personagem, e que não trazem nenhum impacto emocional durante a resolução da trama. Felizmente, o sempre eficiente Christoph Waltz consegue brilhar entre os coadjuvantes, oferecendo algumas das melhores cenas ao lado de Rosa Salazar.
O Rebelde sem Equipe e o Rei do Mundo
Porém, o grande trunfo de Alita: Anjo de Combate está em sua produção. Robert Rodriguez nunca trabalhou com grandes orçamentos, estando acostumado a literalmente fazer filmes inteiros em um galpão, mas finalizá-los com capricho e muita competência - basta ver o resultado impressionante de O Mariachi ou Sin City: A Cidade do Pecado. Tendo os caríssimos brinquedos de Cameron, John Landau e a Fox em mãos, Rodriguez coordena um verdadeiro espetáculo visual, desde o design de produção elaborado e que consegue aliar o steampunk com vislumbres de um bairro mexicano pobre, até o deslumbrante trabalho dos efeitos visuais.
Rodriguez e toda a equipe da Weta e as demais empresas de efeitos visuais aceitam o desafio ousado de criar um rosto digital humano que seja fotorrealista, e ainda abraçar a decisão estética de aumentar os olhos de sua protagonista. É um impacto visual que não agradou durante os primeiros trailers, mas que se mostra incrivelmente convincente e comovente em cena, com a tecnologia sendo capaz de preservar a performance carismática de Rosa Salazar e elevá-la para criar uma personagem bem diferente do tipo que já vimos em outras grandes produções com captura de performance - como Gollum, César e Thanos. A integração entre elementos live-action e digitais também é excepcional, com designs impossíveis como os dos capangas cibernéticos de Ed Skrein e Eiza Gonzalez soando mais verossímeis do que as cada vez mais artificiais armaduras do Homem de Ferro.
No comando da ação, Rodriguez se mostra mais livre e criativo do que nunca. Todas as cenas de luta envolvendo Alita impressionam pela coreografia distinta e pelas brincadeiras de câmera do diretor, que valoriza os movimentos e as diferenças de escala entre os personagens - visto que Alita enfrenta inimigos de diferentes formas e tamanhos, e a cena em que aparece lutando apenas com seu torso e um braço, contra um Jackie Earle Haley do tamanho de um caminhão, é um exemplo desse tipo de variedade espacial, e que impressiona profundamente. Sequências mais elaboradas como a do Motorball são igualmente eletrizantes, onde observamos que Rodriguez ainda tem o espírito jovem de Pequenos Espiões 3 (um filme com boas ideias conceituais), mas as extrapola para um nível mais épico e grandioso.
Duas vozes em sintonia
Alita: Anjo de Combate sofre de alguns problemas de roteiro, principalmente em sua desajeitada intenção de sacrificar uma resolução de história para abrir a porta para sequências, mas encanta por seu admirável universo e os personagens. Principalmente, é um espetáculo visual que impressiona e entretém. Que venham mais colaborações improváveis como essa.
Alita: Anjo de Combate (Alita: Battle Angel, EUA - 2019)
Direção: Robert Rodriguez
Roteiro: James Cameron e Laeta Kalogridis, baseado na obra de Yukito Kishiro
Elenco: Rosa Salazar, Christoph Waltz, Mahershala Ali, Jennifer Connelly, Ed Skrein, Eiza Gonzalez, Keean Johnson, Lana Condor, Jackie Earle Haley, Casper Van Dien, Derek Mears
Gênero: Aventura, Ficção Científica
Duração: 122 min
https://www.youtube.com/watch?v=tfVgjW17U1E
Crítica | O Menino Que Queria Ser Rei - Como reinventar uma lenda para novas gerações
Tenho certeza que a reação da maioria dos seres humanos se eu dissesse que existe mais uma versão de Rei Arthur nos cinemas seria de pânico absoluto - ou mera ignorância, tal como ocorreu com todas as adaptações anteriores da clássica lenda anglo-saxônica. Porém, pela primeira vez em anos, surge uma adaptação que realmente traz algo de diferente, e que se diverte ao explorar e subverter os elementos dessa história que todos estamos carecas de saber. É o caso de O Menino Que Queria Ser Rei, versão mais infantil e fantasiosa da história, e que se destaca facilmente como uma das melhores no cinema recente até então.
A trama segue o caminho que seguimos, mas de formas alternativas. Somos apresentados ao jovem Alex (Louis Ashbourne Serkis), que mora com a mãe (Denise Gough) e sobrevive à opressão e bullying no colégio ao lado de seu melhor amigo Bedders (Dean Chaumoo). Tudo muda quando ele descobre a espada Excallibur fincada em uma construção, liberando-a e logo atraindo seu poder. À medida em que figuras como o mago Merlin (Patrick Stewart e Angus Imrie em sua versão mais jovem) e os cavaleiros da Távola Redonda cruzam seu caminho, a sombria feiticeira Morgana (Rebecca Ferguson) cobiça o poder da espada para si mesma, iniciando uma cruzada para destruir Alex e seus amigos.
O grande diferencial do filme de Joe Cornish, que retorna às telas quase dez anos após o ótimo Ataque ao Prédio, é o fato de termos crianças em um mundo onde a lenda do Rei Arthur existe na cultura contemporânea. Ao perceber que pode de fato ser o herdeiro do mítico líder da Bretanha, Alex imediatamente usa como referência as jornadas de Luke Skywalker e Harry Potter, assumindo que faz parte da jornada de Joseph Campbell, o que traz uma metalinguagem divertida e moderna para a história, e que ganha força na prosa honesta e ágil de Cornish; que jamais esconde o fato de que seu público alvo é mais infantil, mas com a capacidade de agradar a todos.
Nesse quesito infantil, as intenções de Cornish remetem bastante a outra obra excepcional do cinema britânico para esse público: a franquia Paddington, de Paul King. Tal como nos filmes do ursinho falante de Ben Whishaw, O Menino Que Queria Ser Rei comove por suas lições de moral simples, mas poderosas. Ao situar a narrativa em um contexto onde jornais e literalmente todos os personagens apontam como o mundo está dividido e carente de bons líderes, Cornish joga um holofote para os tempos atuais, e reforça a importância da união e do coletivo, trazendo um belo arco onde Alex e Bedder simpatizam com seus bullies, que acabam justamente tornando-se seus aliados na Távola Redonda teen.
A direção de Cornish é igualmente eficiente, aproveitando as belas paisagens urbanas e rurais da Inglaterra, que rendem belos quadros graças ao ótimo trabalho do diretor de fotografia Bill Pope. Cornish é criativo ao trazer imagens que desde sua concepção mostram-se icônicas, como a Excallibur perfurando a mochila escolar de Alex ou os planos que trazem estudantes usando armaduras de cavaleiros e óculos 3D. O demérito fica com algumas cenas de ação, onde o CGI acaba não se mostrando dos melhores, rendendo mais uma leva de exército de criaturas digitais genéricas e inexpressivas - assim como a forma demoníaca de Morgana, que chega a remeter ao Escorpião Rei de O Retorno da Múmia.
O texto delicioso é trazido à vida por um elenco jovem desconhecido, mas extremamente carismático. Filho do talentoso Andy Serkis, Louis Ashbourne Serkis mostra que tem a mesma expressividade do pai, convencendo nos momentos dramáticos que surgem surpreendentemente complexos. O grupo fornado por Tom Taylor, Dean Chaumoo e Rhianna Dorris surge muito bem entrosado e com características próprias, mas é mesmo o excepcional Angus Imrie quem rouba cada fotograma de cena, como a versão jovem de Merlin, abraçando a excentricidade na mesma linha de um bom Doctor Who. É um elenco infantil tão agradável que nem mesmo os nomes mais imponentes como Patrick Stewart e Rebecca Ferguson causam tanto impacto, ainda que estejam bem em cena.
Ainda que o mito do Rei Arthur tenha sido adaptado diversas vezes, poucas vezes ganhou uma versão tão divertida, original e relevante quanto este O Menino Que Queria Ser Rei. Nas mãos de Joe Cornish, temos uma aventura infantil, mas que conversa com todas as idades e oferece lições importantes, ao mesmo tempo em que cativa por sua criatividade.
O Menino Que Queria Ser Rei (The Kid Who Would Be King, Reino Unido - 2019)
Direção: Joe Cornish
Roteiro: Joe Cornish
Elenco: Louis Ashbourne Serkis, Dean Chaumoo, Tom Taylor, Rhianna Dorris, Angus Imrie, Patrick Stewart, Rebecca Ferguson, Denise Gough
Gênero: Aventura
Duração: 132 min
https://www.youtube.com/watch?v=P_nJrGuCD-Y