Crítica | Beau Tem Medo coloca Joaquin Phoenix em odisseia bizarra

Com a recepção marcante de seus dois primeiros filmes de terror psicológico, Hereditário e Midsommar: O Mal Não Espera a Noite, o cineasta Ari Aster se tornou um dos nomes mais fascinantes da nova geração de Hollywood. Novamente ao lado da badalada A24, Aster oferece seu projeto mais desafiador e estranho com Beau Tem Medo, que troca o horror escancarado para se tornar uma espécie de ataque de ansiedade de 180 minutos. Definitivamente não é uma experiência das mais agradáveis.

A trama do filme, mantendo todas as surpresas ocultas, começa quando o problemático Beau (Joaquin Phoenix) se programa para fazer uma visita à casa de sua mãe (Patti LuPone). Ao longo do caminho, Beau acaba enfrentando uma série de imprevistos bizarros e surpreendentes.

Seguindo o exemplo de filmes como Depois de Horas, a proposta de Beau Tem Medo está pautada em um homem com objetivo mundano e linear. O desenvolvimento do roteiro se diverte nas infinitas possibilidades de obstáculos que aparecem ao longo do caminho, onde Aster apelará tanto para o terror profundo quanto um senso de humor dark, tal como o filme de Martin Scorsese. Toda essa proposta funciona lindamente durante o primeiro ato do longa, onde Aster explora o cotidiano aparentemente mundano de Beau, criando terror e constrangimento através de situações simples - como um vizinho que o acusa falsamente de fazer barulho ou o medo diário de andar por sua calçada absurdamente violenta.

O problema começa durante a jornada em si. Ainda que Aster traga bons personagens e situações (com destaque para o casal aparentemente amistoso vivido por Nathan Lane e Amy Ryan), a experiência vai sendo prejudicada pela longa duração. Levando em conta a proposta do longa de apostar na constante ansiedade e constrangimento, uma duração que encosta nas 3 horas oferece diversos problemas de ritmo - e pessoalmente considero o segundo ato extremamente inchado e cansativo, especialmente quando Aster investe em uma longa sequência teatral que não passa de uma simples alegoria. Mesmo com o ótimo trabalho técnico e a combinação inspirada de live-action e animação 2D (com participação da dupla chilena Cristobal León e Joaquín Cociña), é o tipo de material que poderia ser eliminado.

O que leva Beau Tem Medo para seu terceiro ato, que certamente arrancará as mais variadas reações do público. Será simplesmente impossível esboçar uma resposta indiferente ou simplista às decisões e visualizações de Aster em seu climax, que oferece uma das imagens mais grotescas (e, pessoalmente, ridículas) que vi numa tela de cinema em muito tempo.

Não há um parâmetro objetivo para julgar Beau Tem Medo. Mesmo com uma performance muito forte de Joaquin Phoenix, o novo filme de Ari Aster é uma odisseia de erros e acertos, que variam entre ótimas representações do medo cotidiano e as neuroses do dia a dia, até o senso de absurdo e ridículo de suas maiores ambições. Sem dúvida, uma experiência.

Beau Tem Medo (Beau is Afraid, EUA - 2023)

Direção: Ari Aster
Roteiro: Ari Aster
Elenco: Joaquin Phoenix, Patti LuPone, Nathan Lane, Amy Ryan, Stephen Henderson, Richard Kind, Parker Posey
Gênero: Suspense
Duração: 179 min

https://www.youtube.com/watch?v=D5LH3WqqZUQ&t=


Crítica | A Morte do Demônio: A Ascensão leva Evil Dead para a cidade

A franquia A Morte do Demônio foi o principal cartão de visitas de Sam Raimi em seu início de carreira como cineasta independente. Mais de 40 anos depois, a saga de demônios e motosserras se converteu em uma das mais influentes admiradas do gênero, com o uruguaio Fede Alvarez ressuscitando a franquia com um excelente remake em 2013.

Mais de uma década depois, Sam Raimi e o astro Bruce Campbell escolhem um novo cineasta para apadrinhar, levando as histórias sombrias de Evil Dead para as mãos do irlandês Lee Cronin (do elogiado Bosque Maldito) que oferece uma revitalização original e estimulante com o mais recente A Morte do Demônio: A Ascensão.

A trama acompanha a jovem Beth (Lily Sullivan), que retorna para Los Angeles a fim de visitar sua irmã Ellie (Alyssa Sutherland). Quando os filhos de Ellie descobrem o sinistro Livro dos Mortos em um banco abandonado, demônios malignos são libertados, possuindo o corpo de Ellie e colocando-a em uma caçada imperdoável pelo apartamento.

Ao mesmo tempo, o novo A Morte do Demônio é essencialmente o mesmo e completamente diferente de seus anteriores. Responsável também pelo roteiro, Cronin segue os mesmos passos estabelecidos por Sam Raimi ao explorar a descoberta acidental dos encantamentos e a subsequente possessão de pessoas inocentes. O grande diferencial está nos detalhes, como o fato de a maldição dessa vez ser libertada por uma gravação em disco de vinil (garantindo um trabalho sonoro fantástico) e a ambientação em um apartamento - enfim deixando as cabanas isoladas na floresta.

Cronin se beneficia imensamente dessa proposta, já que a ameaça de uma mãe possuída perseguindo seus familiares é muito mais assustadora do que um grupo de amigos adolescentes. Infelizmente, os personagens não são dos mais interessantes (especialmente a trinca de adolescentes filhos de Ellie), mas ao menos garantem boas performances de suas protagonistas. Lily Sullivan faz o melhor estilo de sobrevivente aos moldes da Ripley de Sigourney Weaver em Aliens: O Resgate, enquanto Alyssa Sutherland é uma verdadeira revelação ao se divertir horrores em sua atuação diabolicamente carismática - assustando e fascinando na mesma medida, naquela que talvez seja a grande performance de toda a franquia Evil Dead.

Como diretor, Cronin aproveita as gigantescas possibilidades que um Evil Dead urbano pode trazer. A situação se estende para cômodos apertados, a interferência de vizinhos e - em particular - sequências claustrofóbicas em elevadores. Cronin traz todo o sangue, gore e desmembramento que os fãs já podem esperar da franquia - ainda que nada tão insano quanto o filme de Fede Alvarez - e o uso de efeitos práticos permanece admirável, com direito a uma memorável homenagem ao elevador sangrento de O Iluminado.

O único grande demérito de A Ascensão envolve seu inexplicável prólogo e epílogo. É quando Cronin retorna para a ambientação clássica de Evil Dead, com personagens diferentes em uma cabana na floresta, mas que pouco acrescenta e se relaciona com os eventos da trama central. Não ajuda também que seja o bloco com os piores personagens e membros do elenco.

Mas no geral, Lee Cronin entrega mais um ótimo exemplar de Evil Dead com A Morte do Demônio: A Ascensão. Ainda que siga as mesmas regras e convenções dos filmes anteriores, a troca de ambientação oferece uma ótima possibilidade de renovação, que na maior parte é bem aproveitada pelos realizadores.

A Morte do Demônio: A Ascensão (Evil Dead Rise, EUA - 2023)

Direção: Lee Cronin
Roteiro: Lee Cronin
Elenco: Lily Sullivan, Alyssa Sutherland, Gabrielle Echols, Morgan Davies, Nell Fisher, Mirabai Pease, Richard Crouchley, Anna-Maree Thomas
Gênero: Terror
Duração: 97 min

https://www.youtube.com/watch?v=DSryQkpjpLI&t


Critica | Air: A História Por Trás do Logo marca retorno triunfal de Ben Affleck

Critica | Air: A História Por Trás do Logo marca retorno triunfal de Ben Affleck

Após anos de trabalho como um ator inconsistente, Ben Affleck realmente encontrou sua vocação forte como diretor. Depois dos ótimos Medo da Verdade e Atração Perigosa, Affleck atingiu o ápice com o thriller político Argo, que faturou o Oscar de Melhor Filme em 2013. Sua ascensão só é rivalizada pela queda subsequente, ao interpretar uma versão divisível do Batman para Zack Snyder e dirigir um dos grandes fracassos de sua carreira com A Lei da Noite, em 2017.

Passada a fase negativa, Affleck parece ter recuperado o brilho de seus anos como diretor. Após ótimas performances em longas de gênero variados, ele retorna para conduzir Air: A História Por Trás do Logo, drama esportivo que vai te fazer acreditar que é possível tornar a história de um tênis absolutamente empolgante.

A trama é ambientada na década de 1980, quando Sonny Vaccaro (Matt Damon) procura por formas de revitalizar a presença da Nike no mercado do basquete. Sua solução radical é focar todo o investimento da empresa na  criação de uma linha inspirada na figura do até então pouco conhecido Michael Jordan, iniciando uma campanha agressiva para convencer o jogador a assinar um contrato de exclusividade com a marca.

Seguindo a linha de dramas esportivos como O Homem que Mudou o Jogo, Ford vs Ferrari e especialmente Jerry Maguire - A Grande Virada, Air é daqueles filmes que transcende o tópico. Por mais que possa parecer um assunto extremamente limitado e de nicho, o excelente roteiro do estreante Alex Convery faz um trabalho formidável em tornar até mesmo as mais burocráticas reuniões de orçamento interessantes. É um texto repleto de diálogos rápidos, divertidos e que inserem o espectador dentro do processo de Sonny, que instantaneamente age como a figura visionária e subestimada da empresa - garantindo o apoio do público.

Air é muito mais sobre o processo técnico e a história humana de uma decisão simples, raramente se concentrando no esporte em si; o que definitivamente abrange seu apelo e garante excelentes performances, com Matt Damon sendo o grande chamariz, mas dividindo a cena com os ótimos Jason Bateman, Chris Tucker, Chris Messina, o próprio Affleck (em um papel bem menor) e, especialmente, a ótima Viola Davis - que definitivamente rouba a maioria de suas cenas no papel da inteligente mãe de Jordan.

Com um roteiro fantástico em mãos, Ben Affleck opta por ser o mais discreto e sutil possível. Mesmo trabalhando com o talentoso diretor de fotografia Robert Richardson, a estética de Air não é exatamente cinematográfica e parece bem confortável em apenas capturar a ação e as performances de seu elenco; com uma nítida presença do granulado da película, adequando-se bem à ambientação dos anos 1980. 

O que Affleck faz de interessante é se atentar às marcas. Adotando um publicitário como protagonista, sua câmera constantemente aposta em planos detalhe e closes de jornais, revistas, brinquedos e diversos produtos da época, o que garante uma boa imersão no período temporal (e deve ter agradado o departamento de produção de objetos) mas também a visão de Sonny e sua atenção aos detalhes. Affleck também é inteligente ao nunca mostrar - apenas sugerir - a figura de Michael Jordan, ao mesmo tempo garantindo uma imagem incompleta que poucos conseguem contemplar, mas também engrandecendo sua figura mítica; que só é revelada através de imagens de arquivo do Jordan real.

Air é um excelente retorno à forma para Ben Affleck, que mais uma vez mostra o poder do cinema: nunca poderíamos imaginar o quão empolgante e emocionante seria a história de origem de um calçado.

Air: A História Por Trás do Logo (Air, EUA - 2023)

Direção: Ben Affleck
Roteiro: Alex Convery
Elenco: Matt Damon, Jason Bateman, Viola Davis, Chris Messina, Chris Tucker, Ben Affleck, Marlon Wayans, Matthew Maher
Gênero: Drama
Duração: 112 min

https://www.youtube.com/watch?v=Euy4Yu6B3nU


Crítica | Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes é uma boa jogatina

Com a crescente onda de adaptações de games para o cinema, era apenas uma questão de tempo até Hollywood tentar novamente com Dungeons & Dragons, o RPG de fantasia mais popular de todos os tempos. Mesmo baseando-se em uma premissa onde os personagens costumam ser criados pelos jogadores, há sempre a possibilidade de um universo medieval rico e diversificado para ser explorado, algo que a dupla Jonathan Goldstein e John Francis Daley faz com afinco em Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes.

A trama do filme é completamente ambientada em um universo de elementos do RPG, onde o time de ladrões Edgin (Chris Pine) e Holga (Michelle Rodriguez) precisa montar uma nova equipe de elementos fantásticos para se vingar do trapaceiro Forge (Hugh Grant), que lhes confiscou um objeto valioso, além da filha pequena de Edgin (Chloe Coleman).

Ainda que carregue a marca de Dungeons & Dragons no título, Honra Entre Rebeldes poderia ser ambientado em literalmente qualquer outro universo de fantasia. Confesso ser completamente desconhecido acerca da mitologia ou elementos do RPG, mas como um espectador leigo, soa como um universo simples e sem grandes elementos únicos - mas que com certeza devem ser melhor aproveitados por aqueles familiares com o material base. No sentido de construção de universo, simplesmente não há nada de inovador no roteiro assinado por Michael Gilio e a dupla de diretores em relação a magos, bruxas malignas e animais transformistas - apesar da ideia de um dragão morbidamente obeso ser genuinamente fascinante.

O que torna Honra Entre Rebeldes surpreendentemente aproveitável é sua leveza. O elenco formado por Pine, Rodriguez e os jovens Justice Smith e Sophia Lillis (o mago e a transformista, respectivamente) surge extremamente bem entrosado e carismático em cena; com o maior destaque indo para a personalidade mais radical e atrapalhada de Pine, praticamente oferecendo sua versão do Han Solo de Harrison Ford - mas com um toque musical inesperado. E praticamente confortável em sua posição como vilão fanfarrão após Esquema de Risco: Operação Fortuna e As Aventuras de Paddington 2, Hugh Grant também se diverte como o antagonista arrogante e excessivamente britânico da produção.

A outra grande surpresa deste novo Dungeons & Dragons está na direção mais do que eficiente de Daley e Goldstein. Já tendo flertado com jogos de tabuleiro na ótima comédia A Noite do Jogo, a dupla eleva os inexpressivos valores cenográficos (de design fraco até paleta de cores sem graça) através de sequências de ação extremamente bem coordenadas e elaboradas, com uma exploração engenhosa de diversos elementos mágicos (com destaque para um dispositivo capaz de criar portais) e também das habilidades de seus “jogadores”, com a personagem de Lillis protagonizando um fantástico plano sequência que envolve múltiplas transformações ao longo de uma épica fuga.

Mesmo que não seja uma grande inovação, há o suficiente em Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes para se divertir. Através de um elenco talentoso e uma direção particularmente inspirada, a Paramount Pictures pode ter encontrado uma sólida nova franquia.

Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes (Dungeons & Dragons: Honor Among Thieves, EUA - 2023)

Direção: Jonathan Goldstein e Jonathan Francis Daley
Roteiro: Michael Cillio, Jonathan Goldstein e Jonathan Francis Daley
Elenco: Chris Pine, Michelle Rodriguez, Regé-Jean Page, Justice Smith, Sophia Lillis, Hugh Grant, Chloe Coleman, Daisy Head
Gênero: Aventura
Duração: 134 min

https://www.youtube.com/watch?v=GO29QHy6-lQ


Crítica | Creed III é uma excelente estreia na direção para Michael B. Jordan

Desde sua estreia nos cinemas em 1976, Rocky: Um Lutador se tornou uma das franquias mais adoradas e cultuadas da História de Hollywood. A saga do boxeador de Sylvester Stallone parecia encerrada em 2006, mas o cineasta Ryan Coogler apostou em um surpreendente spin-off com Creed: Nascido para Lutar, que agora trilha seu próprio caminho em uma trilogia estrelada por Michael B. Jordan.

Em seu terceiro capítulo nos cinemas, o lutador prodígio filho de Apollo Creed (Carl Weathers) conta com um desafio maior ainda, já que Stallone não está envolvido no projeto após diferenças criativas com a produção. Sem o "padrinho" da franquia, Creed III acrescenta mais um desafio ao apostar em Michael B. Jordan para assumir a direção do projeto; marcando sua estreia na função. Quanto maior os riscos, maior a recompensa, e Creed III certamente se aproveita disso.

A história do filme acompanha Adonis Creed (Jordan), que anuncia sua aposentadoria do boxe profissional para se concentrar na vida familiar ao lado de Bianca (Tessa Thompson) e sua filha Amara (Mila Davis-Kent). Tudo muda quando ele se reencontra com Damian (Jonathan Majors), um antigo amigo da infância e ex-presidiário que ressurge para desafiar seu título como campeão.

Dispensando a teoria de que a franquia Creed apostaria em duelos do protagonista contra os filhos dos oponentes de Rocky Balboa (algo que ocorreu em Creed II, com o retorno da família Drago), o roteiro de Keenan Coogler e Zach Bailey é muito mais complexo. Assumindo elementos consagrados de Rocky III: O Desafio Supremo - com o protagonista confortável financeiramente e se afastando da luta - e Rocky V - com um amigo e prodígio que se converte em oponente -, o texto da dupla é eficiente nos riscos dramáticos e no desenvolvimento de seus personagens; alcançando um resultado ainda superior aos dos filmes citados.

Parte disse reside no ótimo tempo passado com a nova família Creed. A Bianca de Tessa Thompson permanece carismática e interessante, mas o núcleo enriquece grandemente com a presença da jovem Mila Davis-Kent como Amara Creed, que garante diversos momentos adoráveis e divertidos - e que se beneficiam da linguagem de sinais, considerando que Amara é muda e surda. Isso também garante uma evolução notável na performance de Jordan, que agora surge muito mais maduro e sábio como Adonis Creed, já longe de ser o jovem esquentado e agressivo do primeiro filme de 2015.

Creed III também se beneficia de um ótimo antagonista na figura do Damian de Jonathan Majors, já que oferece um desafio bem mais pessoal para Adonis. Nunca antes na franquia (com exceção do fraco Rocky V) o protagonista experiencia uma relação de amizade com a pessoa que deve enfrentar no clímax, e isso por si só oferece um sopro de ar fresco para o novo filme; além do ótimo trabalho de Majors como um sujeito que é essencialmente bom, mas com delírios de grandeza e uma compreensível batalha contra sua própria idade. O único demérito do roteiro nesse sentido é acelerar demais o tempo para Damian se tornar uma estrela do boxe, já que a transição de colega para "vilão" parece ocorrer de uma cena para outra, com pouco desenvolvimento.

Ainda assim, é uma fundação forte que possibilita uma visão potente e original para Michael B. Jordan como diretor. Mantendo o foco no drama e nas relações de personagens através de uma câmera eficiente, Jordan se revela um excelente realizador ao trazer as cenas de luta mais dinâmicas e visualmente desafiadoras da franquia; é um olhar que mira mais em Touro Indomável do que Rocky, e que explora os pontos de vista de seus lutadores de uma forma íntima e quase surreal, às vezes flertando com as "lutas inteligentes" do Sherlock Holmes de Guy Ritchie e diversos elementos de anime que o próprio Jordan taxou como inspirações em algumas entrevistas.

Movendo-se com um ritmo ágil e que compensa os clichês conhecidos do gênero, Creed III consagra não apenas o lutador de Michael B. Jordan como sua própria franquia, mas também o astro como um diretor interessantíssimo e com gigantesco potencial. Quase 60 anos depois, ainda é possível voar bem alto com a franquia.

Creed III (EUA, 2023)

Direção: Michael B. Jordan
Roteiro: Keenan Coogler e Zach Bailey
Elenco: Michael B. Jordan, Tessa Thompson, Jonathan Majors, Phylicia Rashad, Mila Davis-Kent, Wood Harris, Florian Munteanu
Gênero: Ação, Drama
Duração: 116 min

https://www.youtube.com/watch?v=3ikxQd930lA


Crítica | A Baleia traz Brendan Fraser em performance transformadora

Novamente temos a figura de Darren Aronofsky trazendo um ator de volta aos holofotes com uma grande performance. É impossível não remeter à temporada gloriosa de Mickey Rourke com O Lutador, de 2008, que quase garantiu um Oscar ao ator após anos afastado das telas. E agora Aronofsky faz algo parecido para Brendan Fraser no drama A Baleia, que também está recebendo atenção dos prêmios.

O projeto é adaptado da peça homônima de Samuel D. Hunter, que também trabalha no filme como roteirista. Mantendo a tradição associada a trabalhos de Aronofsky, A Baleia é um longa polêmico por seu retrato e temática, mas que vale elogios pelo trabalho de Fraser.

A história do filme acompanha Charlie (Fraser), um homem morbidamente obeso que está em seus últimos dias de vida. Enquanto ministra cursos de redação pela internet, Charlie tenta se reconectar com sua filha adolescente rebelde (vivida por Sadie Sink) enfim se preparando para enfrentar alguns demônios de seu passado.

A Baleia definitivamente não esconde suas raízes teatrais, perfeitamente se adequando na categoria de teatro filmado. O fator mais interessante no roteiro de Samuel D. Hunter é como o espectador recebe apenas fragmentos da história, do passado completo que envolve o Charlie e a relação com sua família, e isso vai formando uma imagem mais clara e controversa à medida em que a história avança.

O longa acaba apresentando uma boa história de fundo, e no geral rende interações fascinantes entre seus personagens. As mais presentes envolvem conversas bem agressivas do Charlie com sua filha, que Sadie Sink é eficiente em injeta uma raiva e um caráter violento que é bem interessante de ver. Mas o ponto alto definitivamente reside na relação de Charlie com a Liz, sua enfermeira vivida pela ótima Hong Chau. O texto explora um conflito bem curioso entre os dois, porque a Liz mantém o Charlie vivo, realiza seus exames, mas ao mesmo tempo também é responsável por lhe trazer comida de qualidade questionável.

O fator mais negativo certamente é a subtrama bem descartável do personagem de Ty Simpkins, que interpreta um missionário de um culto religioso que constantemente visita a casa de Charlie. O propósito da trama é claro, e desempenha uma função crucial na jornada da personagem da Sadie Sink, mas definitivamente é um arco que atrapalha e tira o foco da relação central envolvendo Charlie.

Porém, o grande problema mesmo acaba sendo o próprio Darren Aronofsky. Ao longo da narrativa, existe um descompasso na forma como A Baleia quer retratar o Charlie: o texto e a performance de Brendan Fraser lutam pra tornar essa figura em alguém humano e empático, enquanto Aronofsky busca o retrato mais monstruoso possível. É a forma como sua câmera destaca a maquiagem, o corpo obeso, e principalmente a trilha sonora mega intrusiva e exagerada do Rob Simeon, que transforma algumas cenas do Charlie comendo descontroladamente em filme de terror.

É uma decisão contraditória com a própria abordagem do filme, que também se volta para um olhar mais intimista pela razão de aspecto menor (fazendo uso da tela em 4:3, quadrado), o que garante um enfoque maior nos personagens - o que só exacerba de uma forma negativa a presença física de Charlie, além de reforçar a presença de momentos excessivamente melodramáticos. É definitivamente um filme feito pra ganhar Oscar.

Mas obviamente, o destaque maior fica com Brendan Fraser. Sempre muito bem aproveitado em comédias e longas de aventura, e A Baleia é a oportunidade perfeita para o ator mostrar um lado totalmente diferente. Obviamente, a maquiagem e o traje de obesidade estão ali para um apoio considerável, mas é mesmo o trabalho de voz, o trabalho com os olhos, a forma como o Charlie parece ser incapaz de ser ofendido pelos outros; em como ele é absurdamente otimista e positivo mesmo com coisas que ele não deveria. Nesse lado mais dócil, Brendan Fraser encanta e emociona, oferecendo uma performance bem bonita, mas sofrida também; já que em todo momento em que o Charlie ri, sente fortes dores no peito.

Esse acaba sendo o principal elogio para A Baleia. Apesar do excelente trabalho de Brendan Fraser e do elenco no geral, o longa acaba em conflito consigo mesmo, já que Darren Aronofsky parece mais interessado no aspecto monstruoso de sua história, que por natureza está lutando para ser mais humana e intimista.

A Baleia (The Whale, EUA - 2022)

Direção: Darren Aronofsky
Roteiro: Samuel D. Hunter, baseado na própria obra
Elenco: Brendan Fraser, Hong Chau, Sadie Sink, Ty Simpkins, Samantha Morton
Gênero: Drama
Duração: 117 min

https://www.youtube.com/watch?v=iQ512g6iU3I&t=16s


Crítica | Batem à Porta é um exercício tenso e elegante de M. Night Shyamalan

Poucos cineastas podem dizer que tiveram uma ressurgência como a que M. Night Shyamalan teve nos últimos anos.Após estourar no final da década de 1990 com o excelente O Sexto Sentido, o diretor indiano entregou os ótimos Corpo Fechado e Sinais, mas sua carreira logo enfrentou solavancos e opiniões mistas com obras como A Vila, A Dama na Água e principalmente Fim dos Tempos.

Isso levou Shyamalan a pegar projetos de encomenda e sem muito interesse criativo, como O Último Mestre do Ar e Depois da Terra. Mas a partir de 2015 Shyamalan deu início a uma ascensão de volta ao topo com o despretensioso A Visita, alcançando um novo nirvana criativo com com Fragmentado e Vidro, que completam sua trilogia iniciada com Corpo Fechado.

Mantendo sua bússola criativa forte após o intenso Tempo (de 2021), Shyamalan agora entrega um de seus filmes mais interessantes e elegantes com Batem à Porta, marcando sua última parceria com a Universal Pictures.

A trama acompanha um casal vivido por Jonathan Groff e Ben Aldrige, que precisa proteger a filha pequena (Kristen Cui), quando um grupo de invasores ataca a cabana de verão da família. Liderados por um enigmático Dave Bautista, o grupo afirma que um deles será escolhido em um sacrifício, que impediria a suposta chegada do Apocalipse na Terra.

O roteiro do filme é escrito pelo próprio Shyamalan ao lado de Steve Desmond e Michael Sherman, levando como base o livro A Cabana no Fim do Mundo, de Paul Tremblay. De imediato, o projeto rende uma mistura eficaz do thriller de invasão de casa, com um pano de fundo de fim do mundo, mas o ponto alto de Batem à Porta é seu ponto de dúvida: estaria Dave Bautista falando a verdade sobre a possibilidade do apocalipse, ou seriam os invasores apenas psicopatas intolerantes que querem torturar o casal?

Ao longo da narrativa, o roteiro do trio apresenta diversas situações pra testar as duas possibilidades, sendo particularmente inteligente quando um dos pais começa a acreditar na história de Bautista; mas garantindo desconfiança do público, já que é justamente o personagem que sofreu uma concussão durante o conflito inicial Além disso, Batem à Porta mantém a estranheza habitual de Shyamalan em mostrar “pessoas normais”, que aparecem nos noticiários e jornais na TV que o grupo constantemente sintetiza para ilustrar a catástrofe externa, fazendo o espectador questionar se tais imagens não são fabricadas ou falsificadas. O roteiro é excepcional em sua capacidade de duvidar.

Como diretor, Batem à Porta garante um dos trabalhos mais seguros da carreira de Shyamalan. O cineasta tem um domínio de câmera admirável, nos enquadramentos diversificados e na forma como cria uma atmosfera muito tensa e assustadora dentro de um espaço limitado. Há diversos recursos criativos com posicionamentos em objetos e também pistas interessantes do rumo da história a partir dos enquadramentos e da distribuição dos personagens nestes.

Há tempos já se mostrando como um ator dramático fascinante, Dave Bautista oferece o melhor trabalho de sua carreira até então. A forma como Bautista oferece esse contraste da forma física brutal e imponente do líder Leonard, com sua fala calma, educada as boas maneiras garantem um resultado marcante. O restante do elenco de apoio também garante bons momentos com Nikki Amuka-Bird e Abby Quinn, mas é mesmo Rupert Grint, o eterno Rony Weasley, quem rouba a cena como o mais violento e esquentado daqueles invasores.

Também é de se aplaudir a dinâmica entre Jonathan Groff e Ben Aldrige, que formam um balanço interessante entre um sujeito mais cético e agressivo, enquanto o outro é mais suave e disposto a acreditar, oferecendo um núcleo adorável com a jovem Kristen Cui, que interpreta a filha do casal. Mas apesar da boa química, infelizmente o longa gasta um tempo precioso com flashbacks que pouco acrescentam; e que quebram a ótima construção de tensão no tempo presente.

Tudo isso carrega Batem à Porta a um desfecho que poderia se beneficiar de um pouco mais de ambiguidade. Para um filme que explora tanto a dúvida e o simulacro, a conclusão soa surpreendentemente direta, e aparentemente simples. É um ponto que certamente vai dividir o público, mas que não tira o fato de que M. Night Shyamalan segue contando histórias desafiadoras e fascinantes, garantindo aqui um de seus trabalhos mais maduros dos últimos anos.

Batem à Porta (Knock at the Cabin, EUA - 2023)

Direção: M. Night Shyamalan
Roteiro: M. Night Shyamalan, Steve Desmond e Michael Sherman, baseado na obra de Paul Tremblay
Elenco: Dave Bautista, Jonathan Groff, Ben Aldrige, Kristen Cui, Rupert Grint, Nikki Amuka-Bird e Abby Quinn
Gênero: Suspense
Duração: 100 min

https://youtu.be/cDT-IXnEWMk


Crítica | M3GAN traz o nascimento de um novo ícone do terror

James Wan certamente tem um fascínio curioso por bonecos do mal. Depois de apresentar o boneco Billy na franquia Jogos Mortais e a tenebrosa Annabelle nos filmes da série Invocação do Mal, o mestre do horror contemporâneo apresenta mais uma criatura original em sua mais nova produção: a ficção científica sombria M3GAN, que une Wan novamente com Jason Blum após ambos iniciarem a franquia Sobrenatural em 2010.

A trama acompanha a engenheira Gemma (Allison Williams), que precisa cuidar de sua sobrinha Cad (Violet McGraw), após um terrivel acidente de carro a deixar órfã. Buscando formas de entretê-la, Gemma apresenta Cady à M3GAN, um projeto em desenvolvimento de uma boneca de inteligência artificial. Mas à medida em que Cady se afeiçoa da boneca, M3GAN começa a desenvolver sua própria personalidade mortal.

Marcando o início de uma nova parceria entre a Atomic Monster de Wan e a Blumhouse, M3GAN é uma tremenda surpresa. Provavelmente seja melhor controlar as expectativas e não esperar um filme de terror convencional, já que o roteiro escrito por Akela Cooper (do surtado Maligno) está bem mais interessado em explorar elementos de ficção científica do que pensar em novas formas de assustar ou fazer o espectador pular da cadeira. Na verdade, o resultado temático e narrativo de M3GAN é surpreendentemente maduro e bem escrito.

Partindo do argumento de Wan, a história de Cooper é um perfeito template para um bom filme pipoca. Levando em conta a gigantesca dependência da Humanidade em tecnologia (com uma ênfase incisiva para crianças viciadas em aparelhos eletrônicos), M3GAN garante um excelente conto cautelar sobre o distanciamento humano e a ascensão da inteligência artificial. É uma trama bem desenrolada e que garante evoluções e reviravoltas construídas de forma excepcional, garantindo o uso mais inspirado da "Arma de Tchekhov" (um dispositivo para introduzir elementos importantes em pontos distintos da história) desde Aliens: O Resgate.

O que nos leva à própria M3GAN do título. A protagonista robótica é criada através de um eficiente misto com uma atriz de corpo inteiro (a dançarina Amie Donald), um rosto com elementos animatrônicos e também um toque de computação gráfica na pós-produção. Isso garante uma personagem que é sempre fascinante durante cada frame de cena, e que é ao mesmo tempo acolhedora e atenciosa, mas muito ameaçadora e assustadora nos momentos certos. Há também um inspirado trabalho vocal de Jenna Davis, que se diverte ao assumir elementos mais pops para sua dicção automatizada; como o jeito de fala adolescente, canções inesperadas e a dança que já se tornou sensação no TikTok.

Por fim, o neozelandês Gerard Johnstone faz um trabalho sólido na direção. É uma condução segura e sem muitos floreios, privilegiando a história e as relações intimistas entre personagens; onde Johnstone é inteligente em criar diversos quadros que servem como boas alegorias para os conflitos. O único demérito, por mais que a tensão seja bem aplicada nos momentos certos, é que certamente M3GAN precisava de uma classificação indicativa maior para ser mais impactante; já que diversos atos de violência surgem estranhamente higienizados e artificiais.

No mais, M3GAN é pura diversão. Servindo quase como o equivalente a O Exterminador do Futuro da geração Z, a nova parceria de James Wan com a Blumhouse é um perfeito exemplar do gênero, sendo divertido e reflexivo na medida certa, e ainda presenteando o espectador com um carismático novo ícone.

M3GAN (EUA, 2023)

Direção: Gerard Johnstone
Roteiro: Akela Cooper, James Wan
Elenco: Allison Williams, Violet McGraw, Amie Donald, Ronny Chieng, Brian Jordan Alvarez, Jen Brown, Lori Dungey, Amy Usherwood
Gênero: Ficção científica
Duração: 102 min

https://www.youtube.com/watch?v=B2ElNEFIsSc&t


Crítica | Gato de Botas 2: O Último Pedido é a melhor animação da DreamWorks em anos

Crítica | Gato de Botas 2: O Último Pedido é a melhor animação da DreamWorks em anos

Após manter a franquia Shrek na geladeira por mais de 10 anos, eis que a DreamWorks Animation realiza um retorno triunfal e surpreendente com Gato de Botas 2: O Último Pedido. Servindo como uma sequência tardia para o spin-off do personagem felino de Antonio Banderas, o resultado é o melhor trabalho da empresa em muito tempo.

A história do filme segue as aventuras do destemido Gato de Botas, dublado novamente por Antonio Banderas. Quando suas 9 vidas ameaçam chegar ao fim, o Gato precisará proteger sua última vida e embarcar em uma jornada para encontrar a mítica Estrela Cadente perdida, que concede um desejo a seu mestre, mas precisará fazê-lo antes de diversos outros caçadores atrás do mesmo prêmio - além da figura misteriosa do Lobo Mau (voz de Wagner Moura), que o persegue pelo caminho.

Inspirando-se fortemente no estilo de animação de Homem-Aranha no Aranhaverso, o novo Gato de Botas é uma das grandes surpresas do ano. Além de contar com cenas de ação inspiradas e conceitos visuais fascinantes, o filme de Joel Crawford é engraçado e dramático na medida certa, aprofundando a mortalidade do Gato de Botas em sua poderosa inimizade com o Lobo; mas também criando momentos divertidos com sua equipe de aliados (Salma Hayek e o carismático Harvey Guillén) e a gangue oposta liderada por uma divertidíssima Cachinhos Dourados (voz de Florence Pugh) e sua trupe de ursos britânicos.

Confira o comentário completo no canal Lucas Filmes.

Gato de Botas 2: O Último Pedido (Puss in Boots: The Last Wish, EUA - 2022)

Direção: Joel Crawford
Roteiro: Tommy Swerdlow e Paul Fisher
Elenco: Antonio Banderas, Salma Hayek, Harvey Guillén, Wagner Moura, Florence Pugh, Olivia Colman, Ray Winstone, John Mullaney
Gênero: Aventura
Duração: 100 min

https://www.youtube.com/watch?v=JRwWn6jUQPo


Crítica | Avatar: O Caminho da Água é o filme mais ambicioso de James Cameron

Já fazem 13 anos desde que James Cameron quebrou um hiato de mais de uma década para apresentar a seu novo universo fantástico com Avatar. O filme se tornou a maior bilheteria da História do Cinema, apresentando uma nova revolução de computação gráfica e efeitos 3D. Desde então, Cameron passou quase 20 anos planejando não uma, mas quatro continuações de sua saga de ficção científica.

Para Avatar: O Caminho da Água, o trunfo vem na possibilidade de Cameron poder explorar sua grande paixão: os oceanos. Já tendo encontrado alienígenas nas profundezas com O Segredo do Abismo e literalmente ter afundado um transatlântico em Titanic, o novo filme transporta a ação para a biosfera marinha de Pandora, resultando naquele que certamente é o maior e mais ambicioso  espetáculo que o diretor já ofereceu até então.

Na trama, Jake Sully (Sam Worthington) e Neytiri (Zoe Saldaña) começam uma família em Pandora, tanto com filhos biológicos quanto crianças adotadas. A paz do casal é interrompida quando os humanos da RDA retornam ao planeta, agora com intenções agressivas de tomar o território inteiro. Buscando refúgio, Jake e sua família migram para uma tribo aquática, onde precisaram mudar todos os seus costumes.

Uma reclamação comum acerca do primeiro Avatar é sua história simplificada. É um grande pastiche de obras como Dança com Lobos e até mesmo Pocahontas, mas elevados com a grande imaginação e capacidade de criar mundos de Cameron. Para O Caminho da Água, Cameron e os roteiristas Rick Jaffa e Amanda Silver mantém a simplicidade temática e narrativa, com a história dando muito mais espaço para os filhos adolescentes de Jake e Neytiri (e o casal infelizmente fica de escanteio) e a exploração de dilemas igualmente simples: amadurecimento, reconhecimento dos mais velhos, identificação e etc. Porém, o trio de roteiristas é muito eficiente em tornar todas essas personagens em figuras carismáticas e fáceis de se identificar; especialmente o esforçado Lo’ak (o simpático Britain Dalton) e a enigmática Kiri, nova personagem vivida por uma Sigourney Weaver rejuvenescida.

É um medo comum ter seus protagonistas adultos sendo substituídos por crianças e adolescentes, afinal são personagens dificílimos de serem escritos, mas o resultado é muito positivo. Toda a dinâmica familiar funciona e emociona, e ganha contornos interessantes ao integrar um garoto humano (Jack Champion) como parte do núcleo familiar, em uma inversão interessante da premissa do filme original. Curiosamente, o mesmo se aplica para o vilanesco Quaritch (Stephen Lang), que tem um retorno muito criativo e coerente com as ideias de ficção científica de Cameron, com o agora azulado coronel protagonizando um arco que espelha o de Jake Sully no primeiro filme.

Por outro lado, há também um problema de convenções e repetições narrativas. Como Jake e sua família se mudam para uma nova tribo, com as figuras de Cliff Curtis e Kate Winslet como líderes, os membros de sua família passam por mais um processo de aprendizagem, similar ao do Avatar original: o encantamento com um novo ecossistema, o processo de se conhecer e domar criaturas inéditas e a relação dos protagonistas com novos personagens. O processo pode se tornar um tanto repetitivo, especialmente pela extensa duração de 192 minutos, mas felizmente garante uma infinitude de novas e elaboradas criaturas - todas excepcionalmente desenhadas e confeccionadas por uma equipe de designers absurdamente criativa.

Com mais de uma década em desenvolvimento, naturalmente James Cameron oferece um espetáculo ainda maior do que seu antecessor. Os efeitos visuais são virtualmente perfeitos e repletos de detalhes, e Cameron avança a tecnologia de captura de performance para obter imagens e atuações embaixo da água, que garantem uma realização em 3D e High Frame Rate absolutamente maravilhosas. Cameron também retoma a parceria com o diretor de fotografia Russell Carpenter (de Titanic e True Lies) e juntos aprimoram de forma colossal a concepção fotográfica do projeto; garantindo um aprofundamento de luz, foco e elementos cinematográficos que tornam O Caminho da Água visualmente superior ao anterior em todos os sentidos.

Mestre em espetáculos e cenas de ação, Cameron leva seus brinquedos e alienígenas para a água, e o resultado é impressionante. Por mais de 1 hora de duração, o cineasta apresenta uma cena de guerra aquática fantástica, e ainda presenteia o público com uma inesperada porção dedicada ao naufrágio de um cruzador militar, onde Cameron pode literalmente trazer seus músculos de O Segredo do Abismo e Titanic para o universo de Avatar.

O único grande defeito de O Caminho da Água está em sua trilha sonora. Sem o falecido James Horner no comando da música, a produção contou com Simon Franglen, que foi assistente do compositor durante o primeiro filme. Infelizmente, Franglen se contenta em repetir e reciclar todos os temas criados por Horner no original, mas de uma forma nada inspirada, e que só reforça a repetição de elementos narrativos. Uma distração monumental.

Ainda que inferior ao primeiro filme, Avatar: O Caminho da Água segue a tradição de James Cameron para construir continuações maiores e mais ambiciosas do que seu predecessor. Mesmo que excessivamente longo e um pouco repetitivo, o núcleo familiar é emocionante e genuíno, e carregam todo o espetáculo visual de criações fantásticas e cenas de ação espetaculares. A coroa de Rei do Mundo segue intocada.

Avatar: O Caminho da Água (Avatar: The Way of Water, EUA - 2022)

Direção: James Cameron
Roteiro: James Cameron, Amanda Silver e Rick Jaffa
Elenco: Sam Worthington, Zoe Saldaña, Stephen Lang, Sigourney Weaver, Cliff Curtis, Kate Winslet, Britain Dalton, Jack Champion, Edie Falco
Gênero: Aventura
Duração: 192 min

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