Com produções eventualmente premiadas no circuito de festivais ao longo da história, a cinematografia nacional continua tendo no chamado “cinema de entretenimento”, entretanto, seu ponto fraco. A dificuldade que as produções nacionais encontram para achar seu “tom popular” fica mais uma vez evidente nesta produção da Prime Vídeo que aborda a sucessão de crimes, a fuga e a captura de Francisco de Assis Pereira, o conhecido Maníaco do Parque que aterrorizou São Paulo entre os anos de 1997 e 1998.
Como trata de um assassino em série real, o enredo poderia escolher uma das diversas possibilidades: um filme de investigação, manter o ponto de vista do criminoso, focar no horror das mortes violentas, fazer um filme de perseguição ou qualquer outra. A direção, entretanto, prefere seguir uma abordagem meio televisiva, com diálogos constantes, cenas entrecortadas e tom caricatural em quase todas as situações que encontra pela frente. Em nenhum momento o filme se define entre um policial de ação ou um drama social sobre o sensacionalismo na imprensa da época, e essa indefinição impede o público de se envolver com a história. Quando, contudo, ele acha seu “ponto” (no desfecho), torna-se professoral e didático, o que aumenta o estranhamento (aqui, no pior sentido do termo).
Giovanna Grigio (de Perdida e Chiquititas) passa quase duas horas fazendo cara de nojo, o que limita bastante as possibilidades que ela tem dentro da personagem (Elena, a jornalista que sai em busca de pistas do assassino). Ela atua deslocada como uma foca que confronta a antipatia de seus colegas e a insensibilidade da polícia, mas por que ela parece tão irritada o tempo todo? Por que grita? Por que arregala os olhos sem motivo?
Não seria difícil reconhecer o serial killer, Maníaco do Parque, se ele andasse fazendo caretas e encarando as pessoas como um maluco pelas ruas de S.Paulo. Infelizmente, é o que o bom ator Silvero Pereira (de Bacurau) é obrigado a fazer praticamente sempre que está em cena, e ele poderia fazer melhor do que isso (como já demonstrou em outras ocasiões). Como a dupla de protagonistas está mal e tem dificuldade de achar o tom das interpretações, então o problema está na direção.
Mauricio Eça (de A menina que Matou os Pais) está longe de ser um novato, mas a dificuldade com a qual ele se depara aqui é evidente. Você sentirá que em alguns momentos a ideia foi emular no espectador filmes de serial killer de sucesso (como Zodíaco e O Silêncio dos Inocentes), mas essa tentativa soa como artificial e nem poderia ser chamada de “referência” ou “homenagem”, ficando na superficialidade e repetindo situações de forma gratuita: a “redação de jornal”, a “cena do crime”, a “parede cheia de fotos de suspeitos”, e por aí vai.
Uma produção onde nada funciona como poderia
Tudo que poderia dar errado num filme, dá errado aqui. Mas é difícil pensar em algo pior que a trilha musical que ocupa a banda sonora praticamente do começo ao fim, uma barulheira interminável que provoca incômodo na plateia e impede que o filme tenha nuances, momentos de silêncio e preparação, essenciais numa produção deste gênero. É como se o filme quisesse “acordar” o espectador o tempo todo e isso é mais um sinal de que não se confia na história que está sendo contada.
O grande erro de Maníaco do Parque é confundir um filme “para o público” com uma fórmula vulgarizada de edição entrecortada, barulho constante e frenesi visual, que na verdade impedem que a audiência desenvolva qualquer envolvimento com o drama ou com o mistério que supostamente deveria estar sendo apresentado. Se algum dia o bom cinema de entretenimento foi tão parecido com um vídeo-clipe, esse tempo ficou para trás. O resultado enfim parece pouco com um “filme” propriamente dito e muito mais com um programa jornalístico de TV a cabo sobre crimes reais, sem desenvolvimento de personagem, sem construção de suspense ou qualquer elaboração mais caprichada do material.
Umas das aparentes desculpas para a falta de foco do filme Maníaco do Parque seria a de “dar voz às vítimas”, mas isso não se vê na tela: elas são personagens ligeiros, que passam rapidamente pela tela de maneira burocrática. Se essa era a ideia original, ela se perdeu na execução: o filme é conduzido pela jornalista e pelo criminoso, e se confunde em algum ponto entre os dois.
Repetir tomadas aéreas, colocar o vilão (ou a mocinha) para gritar histericamente ou converter uma jornalista dos anos 1990 numa “militante” dos anos 2020 (que absolutamente não existia na época, exceto se fosse uma viajante no tempo) não salva um filme cujo problema está no conceito inicial: uma produção sobre assassinatos em série e uma identidade desconhecida que não tem um só momento de expectativa, de construção de suspense, de atmosfera. Tudo é gritado e jogado na cara do espectador, que precisa se virar sozinho e acaba se sentindo como mais uma vítima – desta vez, do mau cinema.