O final explicado do filme Corte no Tempo, da Netflix

No desfecho de Corte no Tempo, o suspense da Netflix dirigido por Hannah MacPherson, somos finalmente levados a conhecer a identidade do infame “Slasher de Sweetly ”, ao mesmo tempo em que Lucy toma uma decisão que altera a linha do tempo. Essa decisão, que parecia heroica e sentimental, revela suas complexidades ao trazer à tona um paradoxo que desafia tanto a lógica quanto as leis da física.

Se, de um lado, temos um filme que tenta capturar a nostalgia dos anos 2000 com uma vibe teen, de outro, a conclusão de Corte no Tempo desafia nossa paciência com explicações falhas e lacunas no enredo. E por mais interessante que a ideia de reverter um crime possa parecer, o roteiro perde a mão ao entregar uma trama que gera mais perguntas do que respostas, principalmente quando confrontada com suas próprias regras de viagem no tempo.

Bom, agora falando sobre os spoilers, o ponto alto da trama é a revelação sobre o verdadeiro assassino. Descobrimos que Quinn, um colega de escola, foi o responsável pelos crimes. Motivado por anos de rejeição e bullying, ele planejou uma vingança mortal contra Summer e seus amigos, utilizando a própria invenção, uma máquina do tempo, para escapar das consequências.

Mas o plano de Quinn não contava com Lucy, que também viajou ao passado e alterou o curso dos acontecimentos. Ao revelar a identidade do assassino, o filme cria um paradoxo interessante, pois a decisão de Lucy de salvar Summer impede que Quinn complete seu ciclo de violência e evite ser o assassino que conhecemos no presente.

Decisão duvidosa

O que confunde muito o público é o destino da protagonista. Lucy retorna ao ano de 2024, esperando encontrar um presente melhor. Só que as coisas não são bem assim. Quando volta, percebe que seus pais nem a reconhecem, e sua vida, da forma como conhecia, simplesmente deixou de existir.

Essa cena é fundamental para entender o dilema interno da personagem de Corte no Tempo, da Netflix: se por um lado ela conseguiu salvar a vida de Summer, por outro, apagou toda sua existência e conexões com o futuro que conhecia.

Ao perceber que não tinha mais razão para ficar em 2024, Lucy decide retornar para 2003, onde acredita poder viver o resto de sua vida com sua irmã, mesmo que isso signifique abandonar a linha do tempo que ela conhecia.

O final do filme levanta um dilema: como Lucy pode existir em uma linha do tempo onde sua própria história foi apagada? A decisão de Lucy de salvar Summer cria um paradoxo de bootstrap, no qual ela é simultaneamente a causa e o efeito de sua própria inexistência. O filme se inspira em conceitos de ficção científica como o “paradoxo do avô”, onde mexer no passado cria uma série de contradições lógicas.

Explicando os paradoxos

Só pra explicar os conceitos: o paradoxo de bootstrap é uma situação hipotética em viagens no tempo, onde um objeto ou informação é transportado para o passado, criando um ciclo causal fechado sem uma origem clara.

Corte no Tempo, da Netflix, é slasher teen que não funciona; veja a crítica - Foto: Netflix
Corte no Tempo, da Netflix, é slasher teen que não funciona; veja a crítica – Foto: Netflix

Por exemplo, imagine que um cientista recebe um manual de física avançada do futuro, aprende tudo com ele e, anos depois, viaja no tempo para entregar o mesmo manual ao seu eu mais jovem. Nesse ciclo, o manual nunca é criado, pois sua existência é apenas mantida pela viagem no tempo, levantando questões sobre causa e efeito, e desafiando nossa compreensão de origem e realidade.

Já o paradoxo do avô é uma situação clássica que mostra as contradições teóricas nas viagens no tempo. Ele propõe o seguinte cenário: se uma pessoa viajasse ao passado e impedisse o próprio avô de conhecer a avó, isso resultaria na não existência de um dos pais e, consequentemente, na impossibilidade de o próprio viajante nascer.

Porém, se o viajante nunca nasceu, ele não poderia ter voltado no tempo para impedir o encontro dos avós, gerando uma contradição lógica.

Suspensão da descrença

Mesmo sem resolver de forma completa essas questões, Corte no Tempo faz com que o espectador questione o peso de nossas ações e como elas ressoam ao longo do tempo. Lucy não só mudou o destino de sua irmã, mas também criou uma versão alternativa de sua própria vida, uma que pode ser tão satisfatória quanto a original — ou não.

O conceito da viagem no tempo em Corte no Tempo não é explicado, mas é criativo. No entanto, também exige que o público suspenda um pouco da descrença. A explicação científica envolve a interação entre matéria e antimatéria, gerando um buraco de minhoca microscópico.

Só que, na realidade, matéria e antimatéria ao interagirem se aniquilariam, produzindo uma explosão. O filme toma a liberdade de usar isso como um dispositivo narrativo para enfatizar temas como luto e as consequências de nossas ações.

Quinn, o assassino, é um jovem que sofre rejeições e humilhações. Com o tempo, ele cria uma máquina que permite revisitar o passado, onde coloca em prática seu plano de vingança. A ideia de uma máquina do tempo que viaja com o usuário simplifica as coisas e evita outras complicações de paradoxos maiores, como quem inventou a máquina originalmente. É um detalhe que o filme deixa em aberto, mas sutilmente sugere que foi Quinn o inventor.

Vale a pena ver o filme?

Ao decidir viver em 2003, Lucy abre mão de sua vida original, mas isso não é uma decisão sem peso. Ela sente a dor de abandonar tudo o que conhecia, mas também encontra um consolo em passar mais tempo com Summer. É aqui que o filme explora temas de família e perda, destacando o desejo de Lucy de se conectar com uma irmã que nunca teve a chance de conhecer.

O final deixa uma sensação de ambiguidade, pois, embora Lucy pareça feliz em um primeiro momento, há espaço para questionarmos se essa nova vida realmente a preencherá. Isso mostra que Corte no Tempo não deixou tudo explicado ao público, mas sobrou espaço para uma continuação. Mas será que vamos querer ver uma continuação?

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