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Artigo | A Delicadeza do Luto em Buffy

Em 1997, Joss Whedon, hoje conhecido como diretor de Os Vingadores, nos presenteava com a série de uma estudante loira do high school lutando contra vampiros e outras forças do mal. Sempre balanceando os problemas juvenis com os problemas sobrenaturais, Buffy: A Caça Vampiros se tornou uma das séries icônicas dos anos 90, não apenas devido ao seu ritmo, mas pela criatividade e ousadia que cada episódio tinha. Buffy já teve episódios quase mudo, homenageando o cinema do expressionismo alemão, até um episódio musical, que se rendia ao estilo brega, mas com muito sentimento.

E em 2002, um episódio em especial transbordava uma criatividade técnica e também uma ousadia em expor um assunto delicado de uma forma sensível. The Body, dirigido por Joss Whedon, relata a experiência do luto, em uma série em que a morte é tão recorrente, se afastar do sobrenatural para discutir o luto era um desafio.

Existem alguns pontos que torna este episódio o melhor da série e talvez um dos melhores da TV americana. Primeiro, a direção. Joss Whedon dá o norte narrativo do episódio, logo no começo, a movimentação da câmera, que hora se aproxima da protagonista nos fazendo sentir o sufoco de sua angústia, hora desfocava nos fazendo sentir a desorientação da protagonista, com bônus a uma realidade fictícia que Buffy imaginava, e hora se afastava tornando a protagonista isolada em seus sentimentos, mas sempre a seguindo, inclusive em sua queda, concluindo a metáfora. Equilibra bem a mise en scène, sem abusar de cortes, mantendo a tensão e angústia provocada pelo luto, assim como em expressar a ideia de “seguir em frente” sem precisar torná-la fala de um personagem, visível em dois casos, a multa que o Xander leva por estacionar mal o carro e o vampiro que aparece no final do episódio, uma escolha acertável e que não soou gratuito ou apenas para ter uma ação, mas sim uma metáfora de que a vida segue em frente.

O segundo ponto é o elenco. Em certo ponto da história, Buffy dá um grito em uma tentativa de reanimar uma personagem, o grito em si não veio forçado e você já está tão ligada a personagem e a sua dor, que ao ouvir o grito é como se estivesse do lado dela e se estremece por inteiro. Inclusive, Sarah Michelle Gellar faz sua melhor atuação dentro da série (talvez da vida), se despindo da fantasia de heroína e nos mostrando uma mulher normal e comum, que a primeira coisa que faz é pegar o telefone e ligar, mesmo entendendo os primeiros socorros.

O nervosismo e angústia, dividindo a esperança e a ausência dela era notável na voz, ao mesmo tempo tremida, mas sem exaltações e o olhar furtivo querendo ver uma luz, mas, ao mesmo tempo, fugindo da realidade em que se encontra (algo que é notável no desenquadramento da câmera). Sentimentos pelos quais quem já teve um ente querido falecido entenderia bem a linguagem corporal que Sarah faz. Auxiliada por um roteiro sem extravagâncias, torna inesquecível a exata cena em que Buffy, sua personagem, cita, levando suas mãos à bochecha: “We’re not supposed to move the body!”, frase ícone do episódio, por justamente fazer a protagonista sentir o peso da realidade.

Mas não apenas a Sarah consegue se entregar na atuação. Devo citar aqui todos do elenco que possui seu momento no episódio, seja a Alyson Hanningan que flui a preocupação de sua personagem entre os olhos vermelhos e a preocupação de qual roupa vestir sem parecer desrespeito, ou o Xander que centraliza sua tristeza em sua cabeça baixa e sua raiva em seu murro contra a parede. Mas é notável que, no pouco tempo que a atriz Emma Caufield, a Annyanka, possui, desenvolve sua personagem e tem o monótono marcante do episódio. Joss Whedon entende o momento e aproxima sua câmera da personagem, que estava em segundo plano até então. É o momento que o público se aproxima racionalmente da personagem, é a fala que nós queríamos dizer nesses casos.

O terceiro ponto é a montagem. Fazer com que todos os personagens tenha seu momento, conduzir uma abertura fantástica que nos faz consumir os sentimentos daqueles personagens, obedecendo o tempo de cada um, sem realizar cortes frenéticos. O episódio divido em quatro segmentos bem visíveis, intercalados pelo processo de autópsia do corpo. O corte seco no início do episódio que flui entre uma cena flashback alegre e uma cena na realidade dura do presente. Ao mesmo tempo que acelera o corte durante a realidade fantástica que Buffy tem paralela àquela realidade dura.

Por fim, esse episódio não seria o mesmo sem a trilha sonora. Na verdade, não há trilha sonora. Apenas o silêncio. A falta de trilha deixa a atmosfera mais densa e pesada, sufocante. Não temos uma música tocando no fundo para deixar nossos sentimento fugirem. Não há um ponto de fuga, Joss Whedon nos obriga a ouvir o silêncio e nele depositar o coro de tristeza.

Ao fim do episódio, sentimos o luto se transformar em um vilão da semana a ser vencido (ou melhor, compreendido), um vilão que Buffy e todos nós devemos lutar, não com punhos ou armas, mas com nossos próprios sentimentos.

The Body nada mais é que uma pequena obra-prima, maior que toda a série, uma experiência audiovisual memorável e o retrato da morte e do luto, tão sensível, como o Cinema pouco apresentou.

Escrito por Filipe Gabriel

Redação Bastidores

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