A melhor cena do novo filme de Francis Ford Coppola – e talvez a única que realmente “funciona” – é totalmente deslocada do restante: é simples, calma, sem subterfúgios desnecessários, apenas drama, atores e câmera – é aquela em que um garoto pede autógrafo a Cesar Catilina (Adam Driver). Curiosamente, a cena poderia estar em algum Poderoso Chefão, ou seja, ela representa o melhor do diretor.

Conforme se sabe, Coppola é daqueles cineastas aventureiros, que filmaram com relativa constância e, portanto, suas carreiras estão sujeitas a altos e baixos que cineastas mais criteriosos – como Kubrick ou Leone, por exemplo – jamais experimentaram. Estes dois têm meia dúzia de filmes excepcionais, mas nenhum realmente ruim – ao contrário de um grande diretor como Coppola que, até por ter se arriscado mais, tem filmes muito abaixo da media em sua filmografia. E Megalópolis é certamente um deles.

Megalopolis é “puro risco”: um filme autofinanciado (o que num país de cinema totalmente estatizado como o nosso, onde até banqueiros utilizam verba pública para seus projetos, chega a soar como ofensa) em que o diretor e roteirista retoma temas que foram bastante rotineiros em sua carreira – notadamente, a figura do “visionário louco” confrontando o sistema, um espelho de si mesmo dentro da indústria – num conjunto muito irregular de situações, personagens e contextos, onde nada se conclui, nada se aprofunda, resultando num todo atordoante (no mau sentido do termo).

Diretor parece ter juntado todas as ideias ruins que teve ao longo da carreira e agrupado num mesmo roteiro

Megalópolis tem tantas “ideias”, abre tantas portas e parece querer fazer tantos “comentários” ao mesmo tempo – sobre poder, sociedade, dinheiro, corrupção na política, ciência e humanização, Musk e Trump, Roma e América, etc. – que em determinado momento torna-se totalmente desnecessário tentar compreender aonde o enredo está indo – o que sobra é tirar do desenho de produção algum estímulo, embora o “efeitismo” proposto pelo filme nesse sentido careça de “novidade”: como o audiovisual hoje é predominante, constante e “renovado” segundo a segundo, quase tudo que aparece em Megalópolis lembra incomodamente “outra coisa” parecida já vista em alguma publicidade de perfume, por exemplo, ou mesmo em outros filmes (e a lembrança mais forte parece ser O Grande Gatsby, de Baz Luhrmann, de quem Coppola herda também o ritmo frenético e a narrativa num fôlego único e que tenta não morrer até o último minuto). Em outra direção, Coppola emula a verborragia típica do cinema de Robert Altman e a fixação pelo discurso de Glauber Rocha, quando o cinema existe como um “detalhe” para a mensagem pretendida.

A trama acompanha a trajetória do Cesar, às voltas com a reconstrução de sua cidade destruída, as intrigas palacianas com rivais políticos e concorrentes que tentam provocar uma revolta popular inspirada por demagogia, enquanto o protagonista lida com o drama humano da perda da esposa e a invenção de um novo tipo de material que serve para a construção civil mas também para a regeneração de tecidos, quando o filme flerta com a ficção científica (como se o enredo não tivesse problemas suficientes para lidar até então).

Diferente da trilogia do chefão, onde predomina a economia narrativa, um tipo de “minimalismo” de linguagem que funciona tão bem para o material, aqui Coppola segue outro caminho, que muitas vezes remete ao seu Drácula de Bram Stoker, embora lá – diferente daqui – a aposta tenha sido em um visual “antiquado” utilizando técnicas esquecidas, primordiais, para os efeitos visuais. O resultado ali é arrebatador e único, diferente daqui, onde ele é uma mera repetição de tudo que tem sido feito de 20 anos para cá, ou seja, uma sucessão de “belas composições” digitais que acabam por reforçar a artificialidade do conjunto – nesse sentido, o encaixe com os diálogos declamados e a encenação teatral é preciso, nada soa orgânico. 

Outra desvantagem em relação ao Drácula – mas também a Tucker – Um Homem e Seu Sonho – é que o roteiro aqui não sustenta o filme, o enredo simplesmente não é bom o suficiente: é episódico, não progride, é dispersivo e os personagens parecem “fingir” o tempo todo porque seus “dramas“ não têm consistência humana em momento algum – são “tipos” em representação a ideias que Coppola parece ter dos temas que lhe interessam. Se, mesmo sendo um “vampiro”, o conde de seu outro filme expressa comovente humanidade, o mesmo está longe de acontecer aqui – são conceitos tentando inutilmente ganhar forma de cenas, e o resultado tem momentos realmente trágicos como naquela dos andaimes, logo no início, em que tudo está deslocado e sem unidade, cambaleante como os próprios personagens.

O que sobra desta experiência atordoante, embora corajosa, é algum lampejo da direção de arte (há traços interessantes ali, mas Coppola está tão emocionado em dizer tanta coisa ao mesmo tempo que não tem como se concentrar em nada) e as atuações femininas, às quais o diretor dedica bastante atenção: Aubrey Plaza e Nathalie Emmanuel são atrizes muito interessantes e grande parte da graça que se mantém aqui é em função da presença de ambas na tela.

Adam Driver faz o que pode como Cesar, o grande Jon Voight é exposto a uma cena ridícula com arco e flecha no final e Shia LaBeouf parece estar tendo um surto dentro de um banheiro químico (com consequências previsíveis) em Megalópolis.

Coppola não deve nada à História do Cinema, tampouco a sua indústria. Responsável por obras-primas como os dois primeiros chefões, Apocalipse Now e A Conversação, seu nome já está inscrito para a posteridade como um realizador que, em determinado momento, esteve plenamente conectado e soube compreender como poucos o espírito da época e, mais tarde, continuou a ser um produtor de cinema valente e disposto a correr riscos, com menor acerto artístico mas um fôlego e um amor ao cinema que inspiram gerações de novos cineastas.

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