A nostalgia de Bridget Jones: Louca pelo Garoto, que remete à época de ouro das comédias românticas, acaba por expor o esquematismo da fórmula, a qual, repetida à exaustão e num momento onde prevalecem cinismo e desconfiança em vez de romantismo, serve apenas como escapismo leve e que é esquecido meia hora depois que a projeção acaba.

Durante toda a década de 1990, uma sucessão de estrondosos sucessos do subgênero não só construiu uma nova tradição, como provavelmente arruinou toda uma geração de jovens que aprenderam nas telas a ansiar por relacionamentos irreais de alta elaboração sentimental, encontros fortuitos que terminam por gerar famílias, inadequados que se revelam mestres na cama, encontros e desencontros intermináveis e toda uma vida amorosa aparentemente sonorizada por canções pop espertas.

Essa idealização em torno dos relacionamentos amorosos sempre pareceu muito mais interessante na tela do que na vida real, especialmente por causa de roteiros originais que souberam transitar entre o cinismo e a diversão e astros e estrelas que deram roupagem a conflitos que, incorporados por elencos menos interessantes, soariam ridículos. Foi o tempo de filmes realmente exemplares, tais como Quatro Casamentos e um Funeral (1994), Uma Linda Mulher (1990), O Casamento do Meu Melhor Amigo (1997), Jerry Maguire (1996), entre outros.

Nenhum dos filmes anteriores da “franquia” Bridget Jones (de 2001, 2004 e 2016) sequer chegou perto da qualidade, da graça ou do atrevimento desses verdadeiros clássicos do gênero, notadamente pelo fato de que a personagem-título é uma figura chorosa, sempre prestes a desmanchar na tela, escorregando entre lágrimas de poltrona em poltrona.

Na nova trama, Bridget Jones (vivida por uma Renée Zellweger ainda repleta das caras e bocas que fizeram sua fama) vive a pressão de criar dois filhos sozinha, após uma tragédia ter abalado a família (e tornado todo o primeiro ato do filme agourento demais para uma comédia). Instigada pelo círculo familiar, ela decide voltar a trabalhar como produtora de TV, ao mesmo tempo que conhece um garoto bem mais jovem (Roxter McDuff) que servirá como estopim para as habituais mitificações que o cinema da indústria costuma dar aos relacionamentos amorosos. Nem tudo sai como esperado, mas mesmo assim Bridget encontra consolo num educador da escola de seus filhos (vivido pelo infeliz Chiwetel Ejiofor, um excelente ator que se esforça aqui com o pouco que lhe é oferecido), um tipo desajeitado mas que rapidamente revelará encantos desconhecidos – por exemplo quando tira a camisa gratuitamente.

Filme reforça mitologia do gênero sem apresentar nada de novo

O filme novo funciona como um verdadeiro compilado de lugares-comuns e situações que se precipitam e diante das quais resta pouco a surpreender a audiência: esquematicamente, há dois interesses românticos para a protagonista (um dos dois irá malograr para que o outro tenha êxito), que ao mesmo tempo se propõe um novo desafio profissional (o qual também inevitavelmente incluirá copos de papelão com café fervente e correrias em ambientes de escritório). Não podem faltar os coadjuvantes desbocados, um tipo característico a ser ridicularizado (no caso, um cinquentão de camisa polo), crianças com perspicácia acima da média, uma antagonista arrogante (a qual o roteiro nem se dá ao trabalho de desenvolver) e por aí vai.

Embora seja difícil compreender como uma significativa parte do público possa ainda hoje se deixar envolver por uma narrativa tão pré-esquematizada, cujo desfecho é tão óbvio e cujo desenrolar envolve meia dúzia de cenas igualmente previsíveis (a câmera lenta, o pôr do sol, a dança em família, a indiscrição pública, etc.), o filme teima em funcionar em sua ambição medíocre e robotizada (embora a metragem seja de ultrajantes 124 minutos).

Elenco tem pouco destaque porque o roteiro não ajuda

Hugh Grant funciona hoje como um selo de garantia para qualquer produção. O ator conseguiu construir uma persona cinematográfica muito poderosa, embora não lhe falte versatilidade (como vimos recentemente em Herege). São dele os raros e melhores momentos de autoironia num filme que, de resto, parece deslocado no tempo, um compilado de ideias e situações já vistas em outras ocasiões, com diálogos mais afiados e mordazes – o que não é o caso aqui. 

Entretanto, seria enganoso fingir que Bridget Jones: Louca pelo Garoto não funciona para seu público e não cumpre seu papel. Há um passatempo minimamente saboroso em pensar que ainda estamos no final do século passado, que as pessoas não se tornaram patologicamente antissociais e desconfiadas de estranhos e que a convivência em comunidade ainda pode parecer um amistoso acampamento de final de semana. A forma que o filme assume soa tão corriqueira que deve haver um conforto discreto em intimamente não esperar surpresas. Para uma audiência que, muitas vezes, entende o inusitado cinematográfico como uma “ofensa” (como no caso do altamente provocativo e impossível de qualificar Emilia Pérez), a mediocridade e a patetice de Jones guardam lá seu valor.

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