Realizador bastante identificado com o cinema independente e um dos principais nomes que apareceram com destaque na onda de filmes de baixo orçamento em Hollywood na década de 1990, Steven Soderbergh é o tipo de diretor que filma constantemente e se aventura por diferentes gêneros e modelos de produção. Ele tem sido bem-sucedido tanto quando experimenta uma abordagem mais autoral, quanto quando se aproveita dos contatos na indústria e pode escalar grandes astros e nomes consolidados (como é o caso, aqui, do roteirista David Koepp).
Filmar constantemente pode manter a carreira aquecida, mas é muito difícil manter um alto padrão nos projetos porque, a bem da verdade, não há tantos bons projetos dando sopa por aí. É por isso que um diretor como Soderbergh – assim como Scorsese, é bom que se diga – tem uma filmografia rica, porém altamente irregular, indo de filmes que são grandes sucessos comerciais (como os da franquia Onze Homens e um Segredo), produções independentes com forte apelo em festivais (desde Sexo, Mentiras e Vídeotape até o subestimado Bubble) até títulos bastante quesionáveis para um cineasta de seu calibre (como o horroroso Logan Lucky: Roubo em Família).
Sua nova produção, Código Preto, não parece manchar uma reputação firmemente construída ao longo de mais de três décadas, mas dificilmente irá dar mais brilho a uma carreira que parece ter atingido seu ápice algum tempo atrás.
Um filme com casal de espiões e um agente duplo: você já viu isso antes
Aqui, Soderbergh está claramente brincando com um subgênero (o filme de espião) e encontra para isso uma abordagem dramaturgicamente econômica, num filme curto e relativamente despretensioso, apesar da embalagem luxuosa.
Na trama, George Woodhouse (Michael Fassbender) e Kathryn St. Jean (Cate Blanchett) são um casal de funcionários da agência de inteligência britânica às voltas com um infiltrado que pode ou não ser um deles mesmo. George é escalado para descobrir quem é o agente duplo, e sua esposa é uma das suspeitas. Ele então arma uma estratégia envolvendo outros servidores, misturando aspectos de suas vidas privadas para manipular todos à sua volta até que o culpado finalmente se revele, num jogo de gato e rato com o qual o público está bem acostumado.
O capricho com que Soderbergh se debruça sobre o material é evidente, com destaque para a bela iluminação (assinada pelo próprio diretor sob pseudônimo), repleta de altas luzes, e os figurinos elegantes da lendária Ellen Mirojnick (de Oppenheimer e tantos outros sucessos).
Ocorre, entretanto, que a trama original traz pouca coisa de novidade em um subgênero que já ofereceu ao público inumeráveis variações para os plots do “casal de espiões”, “agente traidor”, e algumas vezes com maior grau de novidade ou frescor do que em Código Preto.
O elenco está bem escalado e, além do casal protagonista, é sempre bom ver o excelente Tom Burke (de Furiosa: Uma Saga Mad Max) com mais tempo de tela, além da presença naturalmente cativante de Marisa Abela (de Back to Black e Industry) com sua beleza exótica e domínio de cena. Mas, por si só, os atores pouco podem fazer para dar mais brilho ao roteiro de Koepp (famoso por tantos sucessos, entre eles Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros e Missão: Impossível), que em momento nenhum consegue atingir um grau elevado de suspense e cujas reviravoltas são pouco impressionantes (ao menos para o gênero).
Projeto pouco acrescenta à carreira bem-sucedida do diretor
O fôlego de Soderbergh para filmar e se aventurar em diferentes gêneros e orçamentos é sempre revigorante, mas, ao se expor eventualmente em projetos com menos consistência dramatúrgica, ele está sujeito a transitar por um território de indiferença dentro da indústria que poderia ser questionado.
Apesar de Código Preto ser uma diversão bem produzida e que não irá desagradar aos fãs do gênero (até porque é tão curto que é quase impossível ficar entediado), a aparente “despretensão artística” do projeto deixa uma sensação de vazio ao final da projeção. É desses filmes que nos lembram que boa parte da produção de Hollywood está aí para isso mesmo: manter o mercado aquecido com novidades constantes – mas que serão esquecidas rapidamente.
Cineasta, roteirista e colaborador esporádico de publicações na área, diretor do documentário “O Diário de Lidwina” (disponível no Amazon Prime e ClaroTV), entre outros.


