Filmes de super-heroi correspondem hoje a um gênero cinematográfico que já pode ser entendido à parte, tendo se tornado tão amplo em termos de alcance de público e relevância no mercado que não faz sentido classificá-lo mais como um subgênero de ação ou fantasia. Se por um lado isso dota todo um grupo de filmes de uma relevância particular, por outro cria determinados padrões que se repetem (muitas vezes de maneira enfadonha) mas precisam ser considerados toda vez que um título novo é lançado.
Na contramão de uma tendência de repetição rigorosa de temas e convenções, Thunderbolts* aparece em 2025 como uma leitura relativamente vigorosa para situações e personagens que, se não são exatamente conhecidos pela maior parte do público, propõem por outro lado uma abordagem mais humana e “dramatúrgica” do Universo Marvel, sem afastar os fãs mais fieis.
A nova produção se insere no MCU como uma resposta à necessidade de renovação de suas grandes equipes, após o encerramento do arco dos Vingadores originais. Com anti-heróis falhos e complexos, o filme promete questionar a noção tradicional de heroísmo, oferecendo um olhar mais cínico — e talvez mais humano — sobre o que significa salvar o mundo.
Renovar os filmes sem deixar os fãs órfãos
“Thunderbolts” marca um novo momento para o Universo Cinematográfico da Marvel (MCU), reunindo personagens que transitam entre o heroísmo e a vilania. O longa, dirigido por Jake Schreier, aposta em figuras que já foram apresentadas em filmes e séries anteriores, agora reunidas para uma missão que exige habilidades menos ortodoxas e mais disposição para operar fora dos limites convencionais.
O grupo é liderado por Yelena Belova (Florence Pugh), que foi introduzida em Viúva Negra (2021) como a irmã adotiva de Natasha Romanoff. Yelena combina habilidades de espiã mortal com um humor sarcástico que a torna uma das personagens mais carismáticas da fase recente da Marvel. Ao seu lado está o Soldado Invernal, Bucky Barnes (Sebastian Stan), um veterano do MCU que passou de vilão controlado pela Hidra a aliado dos Vingadores.
Outro membro importante é John Walker, o Agente Americano (Wyatt Russell), apresentado em Falcão e o Soldado Invernal (2021). Walker é um supersoldado com histórico controverso, visto como uma versão falha do Capitão América original. Ele traz para os Thunderbolts uma abordagem mais agressiva e impulsiva das missões. Completam a equipe Fantasma (Hannah John-Kamen), que estreou em Homem-Formiga e a Vespa (2018) com sua habilidade de intangibilidade e um passado trágico; Treinador (Olga Kurylenko, irreconhecível), especialista em imitar estilos de combate que apareceu em Viúva Negra; e Guardião Vermelho (David Harbour), o super-soldado soviético e figura paterna disfuncional para Yelena.
Diferente dos Vingadores, os Thunderbolts não são idealizados como exemplos de virtude. Eles operam sob ordens da Condessa Valentina Allegra de Fontaine (Julia Louis-Dreyfus), uma figura misteriosa que já vinha sendo construída como uma espécie de “Nick Fury” das sombras desde suas aparições em outras produções. A reunião desses personagens sugere uma Marvel mais disposta a explorar zonas cinzentas de moralidade, em que as missões podem envolver manipulação, espionagem e violência sem tanta preocupação com a imagem pública.
Jake Schreier, o diretor de Thunderbolts, é um nome menos conhecido do grande público, mas carrega no currículo uma trajetória marcada por projetos que combinam sensibilidade dramática e ritmo ágil. Ele dirigiu filmes como Cidades de Papel (2015) e trabalhou em episódios da série Beef (2023), elogiada por seu olhar intimista e imprevisível sobre conflitos humanos. Sua escolha para comandar o projeto indica que a Marvel busca dar ao filme um tom mais sombrio e emocional, diferente do espetáculo grandioso e colorido que caracterizou fases anteriores do estúdio. Schreier é visto como alguém capaz de equilibrar cenas de ação com desenvolvimento de personagens, algo crucial para uma equipe tão marcada por traumas e ambivalência moral.
Para o Marvel Studios, Thunderbolts representa uma aposta estratégica em meio a um cenário de desgaste da fórmula tradicional de super-herois. Com o sucesso de produções que exploram tons mais adultos e anti-heroicos, como Coringa (2019) e The Boys, a Marvel espera que o filme atraia tanto o público tradicional quanto espectadores em busca de narrativas menos idealizadas. Internamente, Thunderbolts é tratado como uma peça-chave para expandir a diversidade de tons do MCU, preparando o terreno para fases futuras mais arriscadas e maduras. O estúdio também enxerga na formação dessa nova equipe uma oportunidade de renovar o sentimento de “saga coletiva”, essencial para manter o envolvimento dos fãs após o encerramento da saga do Infinito.
Bons personagens com boas escolhas de atores
O balanço achado por Schreier entre ação, drama e humor se apresenta aqui bastante eficiente, não pesando a mão para nenhum dos lados. A parte dos efeitos visuais – que normalmente acaba por se sobressair tanto que o roteiro se perde num segundo plano difuso – é bem integrada à narrativa; as piadas não são tão exageradas a ponto de soarem artificiais (como em Deadpool & Wolverine); e o elenco se mostra um acerto, especialmente em relação a Pugh (que tem uma personalidade mais bem conectada à personagem que Scarlett Johansson) e Louis-Dreyfus (carismática desde sempre). Até mesmo a inevitável “cena pós-créditos” não parece aqui a habitual perda de tempo, sendo impactante e compensando a espera.
Sem revolucionar o gênero, mas mantendo-se fiel ao padrão e equilibrando elementos na medida certa, Thunderbolts* é uma aposta acertada do estúdio e que antecipa mais qualidade (e menos repetição) para os próximos filmes do universo.
Cineasta, roteirista e colaborador esporádico de publicações na área, diretor do documentário “O Diário de Lidwina” (disponível no Amazon Prime e ClaroTV), entre outros.