A continuação de Anônimo (de 2021), agora dirigida pelo indonésio Timo Tjahjanto – das irregulares mas sempre interessantes coletâneas V/H/S/2 e V/H/S/94 – entrega à audiência exatamente o que ela espera. Isso tem um evidente lado bom, mas também representa sua limitação. Em ajustadíssimos quase 90 minutos, estão presentes todos os elementos que levam o espectador desse tipo de produção a uma sala de cinema. Por outro lado, não se espera – tampouco se consegue – um fotograma a mais. É uma troca justa e ponto final.
Anônimo 2 é um legítimo representante do cinema de ação policial, uma longa tradição que tem suas origens reconhecidas nas produções clássicas da Warner com James Cagney, atravessa o mar até a França com Jean-Pierre Melville e desemboca em sucessos recentes como Sicário de Denis Villeneuve. Entretanto, tal gênero costuma subdividir-se em pelo menos três vertentes bem características. A primeira é a da ação realista, em que podemos inserir aquele último, e também Drive (de 2011), ou os mais antigos Fogo contra Fogo, de Michael Mann, e Operação França, de William Friedkin. A segunda é a da ação mais fantasiosa, ou “hiperrealista”, cuja maior influência são os quadrinhos e o cinema de Hong Kong, um estilo do qual a franquia John Wick é provavelmente o exemplo mais recentemente bem-sucedido. A terceira vertente, finalmente, revela-se como um pastiche da segunda, de tom paródico, autorreferente e que acrescenta uma pitada cômica ao balé de violência da vertente anterior. Um dos seus principais nomes talvez seja o de Guy Ritchie. Anônimo 2 segue esta última linha (para o bem e para o mal).
Filme repete a fórmula do justiceiro de vida dupla
A trama segue um reduzido período de férias do protagonista Hutch Mansell (Bob Odenkirk), que sai com a família para um passeio a uma cidade turística decadente tentando se desviar de sua rotina de violência e subterfúgios, mas acaba caindo numa outra teia criminosa liderada pela vilã Lendina (Sharon Stone), que comanda uma rede de contrabando que passa pela localidade. Mansell leva na viagem a esposa (vivida por Connie Nielsen), um casal de filhos adolescentes e o pai amalucado (Christopher Lloyd, de De Volta para o Futuro), acabando por compor um núcleo familiar que lembra imediatamente a família do seriado Ozark, até pela ambientação e o choque cultural com os caipiras hostis. É preciso fazer justiça ao roteiro, que introduz uma parceria insuspeita de Mansell, não perde tempo com conflitos secundários e parte logo para a porradaria porque é o que a audiência está esperando.
O protagonista “anônimo” da nova franquia repete a rotina de outros anti-heróis disfarçados de homens comuns, como nas séries O Contador e O Protetor. Aqui particularmente, a identificação com o espectador é mais fácil, porque Odenkirk não é um galã como Ben Affleck (ou tampouco um “cara das ruas”, como Denzel Washington), ele parece mais “comum” e vulnerável e quando reage, por exemplo, a uma pequena agressão à filha e espanca um grupo de valentões antipáticos, provoca furor na plateia. Quem nunca sonhou ser o cara durão que pune duramente os malvados quando ninguém espera que aquilo aconteça?
Hutch Mansell é como se houvesse uma fusão precisa entre Saul Goodman e John Wick, aqui presente na ação coreografada, que deixa de lado a lógica e investe todas as suas fichas na inventividade (em detrimento da verossimilhança). A diferença está no tom da vertente: enquanto em um filme como John Wick a atmosfera é solene, até mesmo trágica, e o enredo se leva a sério o tempo todo, aqui o clima é outro: tudo (o trabalho de câmera, os diálogos, a edição) encaminha para um riso irônico, estabelecendo comunhão entre os personagens e a audiência – no fundo, todos sabem que nada do que se vê tem grande relação com a realidade. Este é um filme sobre outros filmes, enfim. Um filme de ação policial sobre outros filmes de ação policial. Não há nada exatamente errado nisso. Quentin Tarantino é um dos diretores mais bem sucedidos da história do cinema fazendo filmes sobre…outros filmes. E está tudo bem.
Uma diversão honesta mas sem ambições
A limitação de Anônimo 2 não está em sua proposta, mas sim na execução. Tudo que se vê já foi visto: a vilã psicótica (Stone), os conflitos familiares (que o filme toca com notável superficialidade), a ambientação do “mundo do crime” com imigrantes do leste europeu (e até mesmo “brasileiros”, que mais se parecem caribenhos, mas isso é outra história), etc. O personagem do pai de Mansell, por exemplo, funciona quase como um adereço de cenário. Ele é trazido pelo enredo e esquecido na estante (na verdade, numa cabana). A impressão é de que o filme tem tanto medo de perder o foco da ação paródica, da porradaria do sujeito comum contra os vilões, da violência gráfica nas lutas, que se esquece de que o espetáculo se dá na soma das partes, e não em apenas uma.
Dizer que, entretanto, Anônimo 2 irá desapontar seu público é, ademais, uma aposta de risco ainda maior. Veloz, curto, divertido e despretensioso, tem tudo para agradar os espectadores que sabem o que esperam. E que provavelmente nem querem algo muito diferente disso.
Cineasta, roteirista e colaborador esporádico de publicações na área, diretor do documentário “O Diário de Lidwina” (disponível no Amazon Prime e ClaroTV), entre outros.