É difícil pensar numa continuação para filme de terror de sucesso pior que este O Telefone Preto 2. Dois equivalentes vêm à mente: os pavorosos Eu Sei O Que Vocês Fizeram no Verão Passado (de 2025) e Olhos Famintos: Renascimento. Cada um a seu modo “trai” o conceito original ou o “expande” de tal forma que a continuação vira um pálido reflexo das qualidades que levaram o primeiro a ser bem recebido pela crítica e pelo público.
Se o Telefone Preto original equilibrava-se numa linha tênue entre o filme de cativeiro e assassino em série e o de horror sobrenatural, em sua continuação tal equilíbrio é fatalmente perdido e tudo se vulgariza numa miscelânea que vai desde referências superficiais a Cristal Lake e Freddy Krueger até a vibração “anos 80” de Stranger Things. Conforme serve em seu “bufê” lasanha, feijoada e sushi, nem a direção, tampouco o roteiro, consegue se aprimorar ou apresentar uma versão satisfatória de nada daquilo a que aparentemente se propõe. O Telefone Preto 2 não tem o encanto nostálgico ou a ambientação de um Conte Comigo ou Goonies, não é violento o suficiente para chocar, nem misterioso ou tenso para grudar o espectador na cadeira. Todos os estilos e temas que desenvolve são trabalhados de forma insípida e artificial, como cópias desbotadas de produtos melhores já vistos anteriormente (inclusive no filme original).
O início do filme é confuso e o restante não conserta o início
Na trama, os irmãos Finney (Mason Thames) e Gwen (Madeleine McGraw) tentam lidar com as lembranças do cativeiro do primeiro filme, os conflitos pela perda da mãe, enquanto a garota é assombrada por sonhos que acabam por levar os dois e um terceiro amigo ao acampamento Alpine Lake, que anos atrás foi palco de alguns desaparecimentos que parecem estar relacionados ao vilão da máscara.
O filme usa dois expedientes com resultados variados para conduzir a história entre o componente sobrenatural e o realista: ele muda a textura, emulando um filme Super8, enquanto coloca Gwen para “sonhar” (ou delirar, dá na mesma), sendo este recurso o mais fácil e cômodo para tentar “explicar” o que o roteiro não conseguiria se seguisse rigorosamente uma linha realista. Umas das complicações dessa linha de raciocínio dramática é que, no terceiro ato, é preciso que as duas abordagens (a realista e a fantasiosa) sejam sintetizadas num desfecho com o mínimo de verossimilhança, e é quando o filme desanda de vez e apela para o truque ao estilo Stephen King de colocar os personagens para saírem na porrada com oponentes invisíveis. É muito difícil imaginar quem consegue sentir “medo” diante de um conjunto tão desarrazoado de soluções que, juntas, compõem uma resultante caótica na tela.
De forma geral, filmes de horror costumam ser mais bem sucedidos quando refinam seu próprio subgênero, e não quando pulam para lá e para cá. Não há componente “sobrenatural” em O Silêncio dos Inocentes ou Se7en, por exemplo: estamos diante de dois filmes de rapto e assassinato em série que não apelam para explicações sobrenaturais. Em O Iluminado, por outro lado, o que parece ser um enredo realista ganha contornos fantasiosos ao longo da projeção, que contudo jamais são elucidados. Este era de certo modo o caminho escolhido pelo Telefone Preto original, e lá funcionava bem porque – assim como no filme de Kubrick – o sobrenatural permanecia latente, uma presença incômoda e fantasmagórica, que aqui na continuação dá lugar a um carnaval de efeitos visuais e pirotecnia de Halloween que dificilmente assustaria uma criança maior de 12 anos – um pouco o problema também observado no superestimado Faça Ela Voltar, também de 2025, outra ideia confusa entre pulsões distintas.
Há filmes de terror melhores com uma fração de atenção da comunidade
A despeito de seus visíveis defeitos e de escolhas altamente discutíveis (que culminam na cena ridícula do esqueleto de Contos da Cripta patinando no gelo com uma máscara que faz lembrar Mad Max em Estrada da Fúria), O Telefone Preto 2 é mais um filme de “comunidade” com potencial de bilheteria: no caso, da imensa base de fãs de filmes de terror, que viraliza e influencia o restante do público a ir ao cinema. O próprio Scott Derrickson já mostrou ser capaz de ir bem mais longe (por exemplo, quando fez A Entidade, em 2012, este um filme realmente assustador, e não esta brincadeira adolescente de Telefone Branco 2). De todo modo, há filmes do gênero mais interessantes e relativamente esquecidos ultimamente – engolidos pela interferência dos Rotten Tomatoes e da avalanche de publicações em cima da mesma meia dúzia de títulos. Exemplos como os de Milk & Serial e Objetos Obscuros (ambos de 2024) e Desconhecidos (de 2023): filmes mais baratos, mais originais e – por que não dizer – mais “assustadores” que esta excursão infantojuvenil de 15 milhões de dólares.
Cineasta, roteirista e colaborador esporádico de publicações na área, diretor do documentário “O Diário de Lidwina” (disponível no Amazon Prime e ClaroTV), entre outros.