A refilmagem do original de 1987 com Arnold Schwarzenegger a partir da obra de Stephen King é uma diversão certeira para quem procura ação bastante física num filme que não perde o fôlego em momento algum.

Se em seus filmes anteriores, o diretor Edgar Wright cede a uma tendência maneirista, onde os gracejos e jogos internos são tão acentuados que a ação repousa em segundo plano, aqui ele parece genuinamente interessado em uma narrativa que privilegia o ponto de vista do protagonista em seu desafio de sobrevivência, gerando identificação imediata na plateia. O problema do cinema de ação atual com aquela sucessão interminável de autoironia e “piscadelas” para o espectador ao estilo David Leitch é que as ameaças nunca são realmente levadas a sério. Aqui, por outro lado, é fácil mergulhar nos perigos que o enredo propõe sem ser lembrado o tempo todo de que, bem, é apenas um filme.

Protagonista conquista rapidamente a simpatia do espectador

Na trama, Ben Richards (Glen Powell) é um operário que acaba de perder mais um emprego por uma aparente insistência na insubordinação. Ele tem de cuidar da esposa e da filha doente, enquanto a primeira se sujeita trabalhar à noite em espeluncas. Estamos num futuro breve e distópico, com alto controle social e sistemas de vigilância em que o entretenimento e a burocracia confundem-se. Sem perspectivas e à beira da insolvência, Richards decide participar de algum entre os inúmeros shows de TV de sobrevivência. Ele é enganado pelo produtor inescrupuloso Dan Killian (Josh Brolin), o que lhe conduz a um programa em que a participação se divide entre ser o vencedor final e morrer no processo (The Running Man). Rapidamente, Richards converte-se em um personagem midiático popular, tendo de se esconder entre a própria população, enquanto angaria simpatia do submundo da sociedade e consegue ajuda de revolucionários como Elton Perrakis (Michael Cera), que tentarão ajudá-lo a vencer o conglomerado de mídia que assume as funções de polícia e governo.

O enredo então toma para si dois desafios: o primeiro é manter a ação numa alta voltagem, do qual dá conta facilmente: Wright é um diretor seguro e sua encenação é muito orgânica, onde os efeitos visuais aparecem (ou desaparecem) perfeitamente integrados à atuação e às coreografias de lutas e perseguições. Em nenhum momento parecemos estar diante de um jogo de videogame (o maior problema de quando os efeitos digitais se sobressaem em excesso), que pode ser reiniciado a qualquer instante. Por esse lado, o filme se aproxima do original, embora o desenvolvimento seja muito mais elaborado e, aqui, as piadas sejam mais contidas e funcionem melhor (o filme de Paul Michael Glaser é excessivamente caricato) – nisto, ele também faz referência ao excelente Paul Verhoeven de O Vingador do Futuro, outro exemplo bem-sucedido de ação, cinismo e ficção científica.

Distopias cinematográficas diluem o efeito da crítica pela mera repetição dos temas

O segundo desafio é, conforme a premissa originalmente concebida, apresentar uma sátira da sociedade transmitida e vigiada. Como se sabe, este é um tópico inúmeras vezes abordado desde o final da década de 1980, então sobra pouca novidade. É sempre curioso notar como o público se engaja nas distopias da ficção cinematográfica mas dificilmente transporta os abusos da tela para a sociedade atual: com suas ameaças constantes de “passes” e “requisitos sociais” de sobrevivência, não obstante a digitalização dos sistemas policiais e da justiça com objetivos de controle de comportamento. É como se a repetição e a espetacularização de certos temas na ficção diluísse integralmente seu conteúdo, sobrando apenas as aparências e os efeitos emocionais provocados pelos filmes e séries sobre distopias.

Embora o filme tenha uma montagem alongada no terceiro ato (que finalizaria melhor 15 minutos antes), O Sobrevivente vai bem até o desfecho, apoiado numa atuação carismática de Powell, no cinismo sedutor habitual de Brolin e nos acertos entre os coadjuvantes (não somente Cera, mas também William H. Macy – embora subaproveitado – e a talentosa Katy O’Brian, de Love Lies Bleeding – O Amor Sangra). Esta é uma diversão certeira, empolgante (especialmente na primeira metade), com pouco papo furado, uma sátira superficial (mas que nunca incomoda) e que certamente supera o original em qualidade cinematográfica.

Daniel Moreno

Cineasta, roteirista e colaborador esporádico de publicações na área, diretor do documentário “O Diário de Lidwina” (disponível no Amazon Prime e ClaroTV), entre outros.

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