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Artigo | Entendendo o sucesso de One Piece

Há 20 anos, no dia 19 de Julho de 1997, Eiichiro Oda iniciava a jornada de Monkey D.Luffy e seus companheiros piratas em busca do tesouro de Gol D. Roger chamado One Piece. O que Oda não sabia na época era que ele iniciava não só uma obra que marcaria sua vida, mas que entraria para a história como um dos quadrinhos mais vendidos da história e um dos mais importantes de todos os tempos, trazendo uma nova fase para a Shonen Jump, a revista onde a série é publicada e casa de grandes títulos como Dragon Ball, Naruto e  recentemente, Boku no Hero Academia.

Em números, One Piece já vendeu mais de 416 milhões de cópias em seus 85 volumes, o dobro do segundo lugar no ranking, Dragon Ball. Sendo a série mais vendida do ano por 10 anos consecutivos, vendendo mais de 1.500.000 de unidades a cada primeira semana de um volume lançado, One Piece já entrou no livro dos recordes em 2015 como a história de quadrinhos mais publicada no mundo, quando o mangá tinha “apenas” 321 milhões de unidades.

Mas, qual a razão do sucesso de One Piece? O que faz seus leitores acompanharem a série após duas décadas e quase 100 volumes?

Se você perguntar para seus fãs cada um vai apontar um motivo. Alguns podem destacar a qualidade de seus personagens principais, bem desenvolvidos e carismáticos. Outros podem citar as lutas na série, que fazem qualquer leitor perder o fôlego com as páginas duplas e excitantes desenhadas por Eiichiro Oda. Mas o que talvez possa resumir um pouco todas as melhores partes da série é a excelência de Oda em formar um universo rico e expressivo através de cada momento, dando energia e emoção a cada quadro e página da obra.

O traço a favor dos personagens e do mundo

Vamos abordar algumas críticas e preconceitos em torno do mangá. A primeira que sempre aparece é o traço. A primeira vista pode parecer caricato e até mesmo infantil em comparação a outros títulos que tentam chamar atenção com um visual mais “descolado” ou moderno. Pessoas que nunca leram One Piece olham para Luffy e enxergam um pirata da mesma forma que Mario é um encanador: não faz sentido nenhum para elas! Porém, Oda usa seu estilo de traço caricato a favor não só da história, mas também de cada personagem, injetando muita personalidade em cada um, tornando cada indivíduo reconhecível e único.

O jeito como cada personagem anda, se comporta e até mesmo dá risada entrega muito sobre sua natureza. Usando de exemplo o próprio Luffy, que em seu estilo simples de vestir (uma camisa aberta, um shorts jeans, chinelos de dedo e o famoso chapéu de palha) mostram o próprio caráter de Luffy: simples e direto, não pensando muito em suas ações. Ao contrário de personagens com visuais mais extravagantes, como Donquixote Doflamingo, que demonstra sua arrogância e superioridade através de suas plumas e camiseta branca, com os óculos vermelhos escondendo suas reais intenções.

O cuidado que Oda tem em criar o design de cada personagem reflete em muito a intenção do autor em desenvolver um mundo rico e conciso, oferecendo diversidade sem perder controle da situação ou criar visuais desnecessários e sem função.

Clichês funcionais

One Piece se utiliza de vários clichês e esquemas clássicos de seu gênero. Ele não muda radicalmente as estruturas fundadas de mangás anteriores a ele, como Dragon Ball, o “pai” do shonen de batalha moderno. Porém, OP se utiliza dessas fórmulas de forma extremamente competente e com alguns twists que fazem toda a diferença. Por exemplo, a estrutura de história dividida em arcos, com inimigos bem definidos que o bando deve enfrentar para prosseguir sua viagem, é usada repetidamente durante a jornada de Luffy, com algumas sagas sendo mais bem sucedidas que outras em entregar histórias cativantes de serem lidas. Porém, o grande trunfo é se utilizar de arcos construídos individualmente, sem perder o foco na história principal.

Cada arco tem seu início, meio e fim, mas há um senso de escala muito maior após a conquista de Luffy em cada ilha. Oda parece planejar a história como um bordado, costurando muito bem figuras individuais para formar no final uma imagem única e complexa. E isso é sentido cada vez mais na história, com personagens antigos que retornam e povoam aquele mundo, aumentando o investimento emocional para o leitor.

Falando em emoção, boa parte das melhores cenas de One Piece não são as de luta ou demonstração de força como muitos mangás shonen por aí, mas aquelas que oferecem um impacto emocional no leitor. Isso se deve ao vínculo que o leitor acaba tendo com os personagens. Apesar de se preocupar em criar um universo denso e complexo, Oda nunca esquece da importância dos personagens e especialmente de seus heróis principais. Luffy e o resto do bando do chapéu de palha são personagens com personalidades distintas e bem delineadas.

Mas o interessante é que, apesar de evoluírem ao longo da trama, eles nunca perdem sua essência. Luffy sempre será o capitão esfomeado e que age sem pensar duas vezes para ajudar seus amigos, Sanji sempre será o cozinheiro mulherengo com forte senso de justiça, Usopp sempre será o covarde do grupo, e por aí vai. A personalidade e motivações de cada um não mudam, e isso talvez seja o que define One Piece do começo ao fim: crescer, mas manter os pilares originais que o tornaram bom desde o início.

A duração é um problema em One Piece?

Muitos mangás sofrem do mal de se estenderem mais do que deveriam, prolongando a história principal apenas para vender mais volumes e atender a demanda do público. Da época de Dragon Ball e Yu Yu Hakusho, onde os autores foram forçados a dar continuidade após a conclusão natural (o nome Dragon Ball Z, por exemplo, foi pensada por Akira Toriyama com o intuito de ser o aviso para a editora que a série estaria na sua fase final). Enquanto títulos mais recentes como Naruto e Bleach também tiveram suas histórias prolongadas, o que gerou uma fadiga tanto para a trama quanto para os leitores que os acompanharam. Ao contrário deles, há um senso de que Eiichiro Oda estruturou a série desde o início para se encaixar em sua duração. One Piece tem o privilégio de ter uma história tão bem amarrada desde o início que são poucos os momentos em seus quase 100 volumes que o leitor sente que algo não foi pensado antecipadamente.

Personagens que foram apenas citados no início retornam 50 volumes depois como peças chaves para alguma resolução da história. Personagens que aparentemente foram derrotados retornam como aliados. Há um senso de que Oda sabe exatamente onde cada personagem se encontra no vasto mundo da série, e de como a história vai terminar. Um mundo complexo e que cresce a cada novo capítulo, sem perder o senso de unidade. Tal cuidado é sentido pelo leitor, que acaba não perdendo a vontade de continuar a ler, mesmo após tantos anos de publicação.

Vamos colocar de exemplo o arco da ilha de Alabasta, considerado por muitos o momento de virada da série. Nele podemos ver a excelência em Oda amarrar diversas tramas paralelas à história dos mugiwaras, contando uma trama que envolve uma revolução no país devido a um coup d’etat planejado pelos vilões da história (controlado por Crocodile, personagem que mais tarde voltaria como aliado). Ali vemos Luffy perseguido pelo comandante da marinha Smoker, apresentado vários arcos antes como uma ameaça aos mugiwaras. Luffy deve intervir no meio desse caos para ajudar Vivi, a princesa do reino e amiga do bando, que foi apresentada anteriormente como uma inimiga, antes de pedir ajuda ao bando e se juntar a eles.

No clímax do arco de Alabasta, se percebe uma espécie de tabuleiro, onde os personagens que foram lentamente introduzidos na série serem colocados cuidadosamente para formar uma épica batalha que culminaria em um clímax intenso envolvendo todos os lados. Além de impactante, Oda sabe muito bem usar o pacing do clímax para criar momentos onde o leitor sente o relógio batendo, em Alabasta há literalmente uma bomba relógio na praça principal do país que deve ser impedida pelo grupo, criando um ritmo que só vai sendo intensificado até chegar em seu auge. Depois de Alabasta, Oda usa essa fórmula diversas vezes durante a série, mas sem torna-lá repetitiva ou exaustiva para quem já leu as sagas anteriores.

O mangá amadurecendo junto com seu público

Oda sabe que a cada ano seu público vai envelhecendo. Pessoas que começaram a acompanhar 20 anos atrás ainda continuam lendo o mangá, mas exigem mais da trama e dos temas da história. Sem contar um público mais novo, que começou a ler agora, ávidos pelos elementos que a série é conhecida. Oda então tem cada vez mais a tarefa difícil de fazer o mangá evoluir com seu público e ao mesmo tempo mantê-lo com a mesma essência. O senso de aventura, comédia e drama nunca foram perdidos. Em cada capítulo semanal, Oda sabe equilibrar na maior parte das vezes todos esses elementos. Porém, se percebe uma evolução na temática e no background do mundo da série, com as ilhas visitadas pelo bando mais recentemente abordando temas como racismo, ódio entre povos e envolvimento complexo de tramas políticas com as aventuras dos mugiwaras.

Para quem acompanha One Piece semanalmente há 10 anos, devo dizer que a série é um dos poucos (se não o único) mangá que não deixou a peteca cair em seus anos de publicação. A expectativa que eu tinha de ler um novo capítulo do mangá continua a mesma da época que eu comecei a acompanha-lo. É impossível saber como a série vai se manter nos próximos anos, e como tudo isso irá culminar em seu final, mas já dá pra falar que One Piece marcou a minha vida, e a de muitos, com uma história simples que cresce a cada capítulo e se torna uma aventura inesquecível e atemporal. Uma história que representa muito bem o significado da jornada ser mais importante que o destino final.

One Piece é uma obra complexa, multifacetada e, acima de tudo, extremamente divertida. Eiichiro Oda criou uma épica aventura onde cada página e momento são pensados para oferecer ao leitor uma experiência inesquecível. Não importa a idade, gênero ou local de origem, as emoções passadas em One Piece são universais. E o que venham mais quantos anos Oda precisar para terminar esta incrível jornada.

Redação Bastidores

Publicado por Redação Bastidores

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