O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder estabelece narrativa de Tolkien com méritos
Das muitas sagas que alimentam a cultura pop, Senhor dos Anéis é de longe a mais famosa. Da concepção de sua narrativa, à história de seu autor, da repercussão que vem tendo desde seu lançamento em 1954 aos diversos produtos que vem dela, é seguro afirmar que a Saga do Anel tem sua base consolidada no imaginário do público e da indústria. E, não tão tarde, depois de 2 trilogias muito bem sucedidas (O Hobbit sempre será um filme aquém para o gênero), ela seria revisitada.
Na série original do Prime Video, Senhor dos Anéis: Os Anéis do Poder, revisitamos a Terra-média no passado, eras anteriores a Frodo e cia e sua Sociedade do Anel, ao Legolas e sua belíssima Valfenda com seu incansável arco e flecha, ao digno entre os homens Passo Largo e ao mago mais famoso do mundo, Gandalf. Através de uma jovem e determinada Galadriel, dos fofos Pés-peludos e da insistência dos Homens, somos colocados diante da iminência de um mal que ainda não conhecemos sua origem, nem sua causa, e que irá abalar com a paz da Terra-média.
Lendo algumas reviews, discordo completamente de que a série se preocupa em introduzir seus múltiplos personagens ~ não que seja um problema ~ mas numa breve introdução narrada por uma jovem e impetuosa Galadriel, interpretada pela excepcional Moffyd Clark (Saint Maud), o show dita seu tom eloquente e épico de maneira orgânica, e une todo o emocional de uma obra do Tolkien à fantasia/ação que conhecemos através da clássica triologia do diretor Peter Jackson.
Os núcleos apresentados a seguir vem de maneira tão natural, todos parecem ter seus arcos muito bem definidos aqui: com os elfos através de sua protagonista Galadriel, numa busca incessante pelo mal que acredita ter despertado, e Elrond (Robert Aramayo) com sua diplomacia e afavidade; os nomades Pés-Peludos, ascendentes dos hobbits, que convivem em harmonia com a natureza em sua própria comunidade; e os Homens, até agora sob o olhar de Bronwyn (Nazani Boniadi) e Theo (Tyroe Muhafidin) que o show parecer guardar futuras revelações, principalmente sobre o último.
O maior feito da série está em aliar uma narrativa Tolkiana a uma grandiosa escala de produção para um streaming, algo nunca visto até então para o formato. Em simples corte de cenas temos vislumbres de guerras épicas, casas destruídas, florestas elficas e uma tempestade em alto mar, tudo filmado à base de efeitos práticos, que enchem os olhos e a imaginação de um verdadeiro fã da saga do Anel. O orçamento, estimado em mais de 600 milhões de dólares, parece pequeno se comparado ao número de episódios que ainda restam. A
entrada dos elfos numa caverna, por exemplo, onde é travada uma luta com um troll de gelo, é um verdadeiro espetáculo que une cgi e efeitos práticos, ainda mais acompanhada pela trilha orquestral conduzida por Bear McCreary (Outlander, The Walking Dead).
No que diz respeito a história, a métrica é relativamente simples, levando em consideração que não existe um material base concreto (apenas notas de rodapés), a narrativa flui sem muita burocracia, ou exigindo um entendimento prévio de seu espectador. Comandados pelas mãos talentosas do diretor J. A. Bayona (O Impossível, O Orfanato e 7 Minutos Antes da Meia-Noite), os personagens vem e vai de maneira orgânica, onde cada um tem seu ponto a dar, sem excessos, ou carências, nada gratuito, além de engrandecer o gênero fantasia, familiar da escrita de Tolkien - algo que me lembrou "7 Minutos Antes da Meia-Noite (2017)" também de Bayona.
Fãs fervorosos podem julgar a série como oportunismo, como vítima de uma indústria que recicla e reconta histórias, ou como um ultraje à memória da obra do autor à qual é baseada. Mas a verdade é que a Terra-média é vasta, suas raças e sua hegemonia ainda irão repercutir por todas as eras, dentro e fora dos livros.
A nossa sorte vai depender de seus contadores e até o momento, a impressão deste crítico que vos fala, diz que todos entraram de vez nesse mundo, sem medo de ir além, nem de encontrar uns orcs no caminho...
A pressa é a maior inimiga de Doutor Estranho no Multiverso da Loucura
Doutor Estranho no Multiverso da Loucura é uma projeção que carece de razão. Aparições, consequências e ações só estão aqui por existir, mas se existe algo, que inclusive não é comum em produções do estúdio, é que uma direção precisa e inventiva dá vida a qualquer conteúdo.
Sobre a história, não é uma narrativa fluida, é apressada, numa edição pesadíssima, o que torna alguns personagens e arcos vulgarmente “forçados”, como por exemplo o da Wanda Maximoff, que abraçou o manto da Feiticeira Escarlate de vez.
É sempre um prazer ver a Elizabeth Olsen como a Feiticeira, ainda mais agora nas mãos criativas do Sam Raimi, mas aqui eu fiquei me perguntando se algumas atitudes dela se justificam, já que o maior objetivo dela envolve sacrificar algo que poderia ser ligado à sua motivação que é ter seu amor materno correspondido, ou pelo menos deveria ser.
A atriz faz uma participação espetacular, isso é um fato, porém assim como tudo na projeção, ela é afetada pela edição pesada aqui ainda mais sabendo das intensas quatro semanas de regravações do longa dois meses antes de estrear.
Eu senti Olsen meio “desconfortável” em alguns momentos, a vilania da Feiticeira Escarlate nos é abruptamente apresentada (junto de sua primeira aparição). Eu só imagino que aquele primeiro e segundo ato seria bem mais explicativos, pra dar escopo pra Wanda, já que segundo o diretor, o filme teria um corte original de duas horas e quarenta minutos.
Benedict Cumbertch é dedicado em tudo que faz, nada aqui exige demais dele, ele fica à vontade em toda a dramaticidade envolvendo principalmente Christine Palmer (Rachel McAdams). América Chávez (Xochitl Gomez) é um achado, tirando algumas facilitações narrativas ao redor da participação da personagem, de nada a deixa a desejar da interpretação da atriz que esbanja carisma e já deixa claro o papel no Universo Cinematográfico Marvel.
O restante do elenco fica operante na mão do diretor, talvez alguns sofram dessa pressa do filme em acabar, mas nada que seja relevante pro arco principal.
Tirando as duas cenas que citei no início, todos os efeitos visuais são vistosos, alguns propositalmente lúdicos numa vibe “animação” que casam perfeitamente com toda a proposta de multiverso da loucura.
Um vislumbre ao todo meio medieval, principalmente nos ambientes que giram ao redor da Wanda e a mitologia que agora a narrativa da personagem abraça de vez. Junto do fotógrafo John Mathieson (Gladiador, O Fantasma da Ópera) Sam Raimi cria os shots mais inventivos do universo cinematográfico da Marvel, fugindo quase que completamente do filtro cinza comum das produções.
Ambientes reais, cenários práticos e efeitos menos fabricados, o diretor conseguiu deixar sua marca no filme trazendo uma pintura mais realista, ao mesmo tempo que criativa.
Falando em direção, que sabor é ter Sam Raimi (saga Evil Dead) de volta. Todas as referências possíveis de seus trabalhos anteriores (incluindo uma participação especial) estão presentes aqui, até mesmo uma que fãs devotos da triologia Tobey Maguire irão perceber.
A câmera inclinada em cenas de transformação e o suspense/horror gerado por ela está presente aqui, além do visual creepy. Aliás, se existe um gênero em que a projeção se encaixa é o de terror, de zumbis a monstros medievais, do suspense aos jumpscares, todos esses elementos estão presentes e que casam com narrativa e visão artística do diretor.
Doutor Estranho no Multiverso da Loucura é um filme apressado, com uma edição pesada e que sofre de “falta de justificativas” no seu enredo, o que compromete suas intenções como um filme-evento e gera furos de roteiro e narrativas artificiais, mas a direção inspirada de um dos cineastas mais inventivos da cultura pop salva a projeção da mediocridade e do esquecimento, comum entre as produções do estúdio e que provavelmente ainda vá persistir para os próximos anos.
Crítica | Eternos tem sucesso em subverter o padrão da fórmula Marvel
O que eu posso dizer sobre o novo filme da Oscar Winner Chloé Zhao (Nomadland) é que, nem de longe ela fez o pior filme da Marvel, mas também não fez o melhor, conseguiu trazer algo mais diferente, e no atual status que o estúdio se encontra na indústria, isso é um enorme elogio.
A nova produção da "Casa das Ideias" nos coloca em um conflito familiar. Eternos conta a história de seres intergalácticos do planeta Olympia, que sob o comando de um ser cósmico extremamente poderoso, vivem na terra há 7000 anos, moldando a História e as civilizações e livrando a raça humana de uma legião de monstruosidades extraterrestres, os Deviantes, que andam de planeta em planeta se alimentando de vida inteligente.
Assistindo ao longa, o que fica é a mesma sensação de sempre com toda projeção que eu vejo do estúdio: o de potencial desperdiçado. O roteiro dos primos Ryan e Mathew K. Firpo, junto da diretora e do colaborador Patrick Burleigh, a todo momento flerta com um épico bíblico, mas nunca cai de cabeça. E nem podia, já que afinal de contas é uma produção da Marvel/Disney, tinha que obedecer os padrões.
As passagens de tempo junto dos flashbacks não convencem como um recurso narrativo pra contar a estadia dos Eternos na terra. As épocas retratadas são de um ambiente só, mesmo os cenários bem desenhados, com suas respectivas populações, elas são de um lugar apenas, de praticamente um take. Apresentam-se genéricas, monocromáticas, como se fosse descritas por um estudante do fundamental numa aula de História, além do elenco atuar com a mesma tez, ter a mesma maquiagem, o figurino mudava mas continuava num mesmo padrão de cores entre os protagonistas. Essa "eternidade" deles ficou mesmo só no papel, não consegui ver isso em tela.

Eu tenho um certo problema com as fotografias da Marvel, mesmo que aqui o fotógrafo da casa Ben Davis (Dr Estranho, Guardiões da Galáxia) ceda ao estilo de filmagem da diretora, o filme ainda apresenta o filtro acizentado das produções do estúdio deixando muitas vezes a desejar na concepção de shoots mais pessoais, marca de sua realizadora, além de denunciar a famigerada tela verde, aqui em poucos cortes (pelo menos).
O longa também tem um problema de ritmo, não só por causa dos flashbacks que, abruptamente, chegam em tela, mas durante a busca pelos outros Eternos, que talvez para tentar sair de uma fórmula à la Power Rangers, não fica orgânica, fica arrastada, com picos de empolgação (a cena de apresentação da personagem Thena, na atualidade, é de uma delicadeza sem tamanho) mas que depois se esvai.
Até pode-se afirmar que o elenco é subaproveitado, principalmente as grandes estrelas nele presentes, mas eu, particularmente, achei um milagre o que eles fizeram com DEZ protagonistas, mesmo que alguns tenham pouco desenvolvimento, e outros já se perdem em arcos pouco interessantes.

Porém a alma do filme está justamente no elenco, nos Eternos, como uma família. Sersi (Gemma Chan) e Ikaris (Richard Madden) são quem tem mais tempo de tela, um casal protagonista, com um drama particular que no final adere a alguma coisa na história central, Ajak (Salma Hayek) é a líder do grupo e que consegue estabelecer o conflito central do filme ~mesmo que estranhamente subaproveitada~, Thena (Angelina Jolie) tem um conflito próprio, mas que diferente do casal citado anteriormente, tem nossa total atenção, Gilgamesh (Ma Dong-seok) é extremamente carismático e nos cativa a partir de um elo especial que tem com um Eterno específico, Kingo (Kumail Nanjiani) é um alívio cômico que só existe pra fórmula Marvel se provar presente, Makkari (Lauren Ridloff) tem as melhores cenas de ação ao lado de Thena, mas, pouco adere ao enredo. Druig (Barry Keoghan) tem uma presença magnética e umas duas demonstrações inventivas de suas habilidades, mas que também pouco influi no roteiro, Phastos (Brian Tyree Henry) tem sua participação importante, mas tem pouco tempo de tela como a maioria, Sprite (Lia McHugh) é tão presente quando Sersi e Ikaris mas a personagem só tem nossa atenção no início do terceiro ato. O personagem do ator Kit Harington (“João das Neves” de Game of Thrones) não influi em nada no enredo principal, com uma participação curta até, mas se mostra uma presença forte pro futuro do Universo Cinemático da Marvel, ou pelo menos é assim que nos fazem pensar.

O conflito gerado pela união dos Eternos se mostra mais presente quando eles, juntos, depois de anos de separação, põem em questão suas crenças e julgamentos, a respeito de si mesmos e da humanidade, e é o que molda a história aqui contada (ou pelo menos há uma tentativa disso) e até que ponto eles são capazes de alterar, literalmente, o propósito do grupo na Terra.
O que eu mais gostei, e que vendo alguns reviews foi bastante criticado, foram as cenas de ação. Elas se diferenciam sim, do padrão do estúdio, poucos cortes, uma certa fluidez dos movimentos ~principalmente os da Thena~, que mesmo com um excesso de CGI, ainda empolgam bastante.
A diretora soube explorar bem as peculiaridades de cada Eterno e seu poder, com destaque pra supervelocidade da Makkari que tem cenas bem editadas e inventivas, e um ótimo uso do CGI.
Sobre a plot? É o de sempre, monstros querendo destruir a terra e heróis precisando salvá-la. Tem umas tentativas de subverter, mas no final acaba sendo a mesma maneira genérica que se resolvem os conflitos de sempre, o resultado sai igual.
Eternos não é, ainda, o filme que saiu do padrão Marvel, mas com certeza é o que mais faz a curva contrária, é o que mais arrisca e o que com certeza ficará em mente, quando terminada a sessão, e como já foi dito, se tratando do estúdio, essa é de longe a maior qualidade do filme.
Eternos (Eternals, EUA – 2021)
Direção: Chloé Zhao
Roteiro: Chloé Zhao, Patrick Burleigh, Ryan Firpo, Kaz Firpo
Elenco: Gemma Chan, Richard Madden, Angelina Jolie, Salma Hayek, Kumail Nanjiani, Brian Tyree Henry, Richard Madden, Lia McHugh, Lauren Ridloff, Barry Keoghan, Ma Dong-seok, Bill Skarsgard
Gênero: Aventura
Duração: 154 min