Crítica | Virando o Jogo - Boston Red Sox 2004 é um fascinante mergulho no mundo do beisebol

Crítica | Virando o Jogo - Boston Red Sox 2004 é um fascinante mergulho no mundo do beisebol

Brasileiros de modo geral têm extrema dificuldade de entender as regras e a dinâmica do beisebol - o esporte coletivo norte-americano por excelência, mas também muito popular em países como Japão e Coreia do Sul. Um dos principais motivos para isso é que ele é essencialmente diferente do futebol, e muitos de seus princípios chegam a ser contrários. Isso afasta quem acompanha um de acompanhar também o outro.

Enquanto o futebol é um esporte cronometrado, uma partida de beisebol pode simplesmente não acabar nunca, porque não existe empate e os times jogam até que um deles obtenha vantagem na pontuação. Isso significa que algumas partidas podem durar quatro ou até cinco horas. Além disso, o beisebol é um esporte de "duelos", em que jogadores vão se confrontando um a um: enquanto o time que defende tenta eliminar os adversários, o time que ataca tenta fazer com que eles percorram o circuito completo (as bases) para que, assim, marquem pontos. É um esporte de paciência e superação de limites individuais, onde o coletivo trabalha de forma distinta do futebol, funcionando mais como uma sucessão de lances separados, o que é bastante curioso (e também complexo) quando se assiste pela primeira vez.

O beisebol profissional norte-americano é conhecido por uma sucessão inumerável de "lendas", "maldições" e "tabus", e um dos mais célebres entre eles diz respeito à fila enfrentada pelo time de Boston, os Red Sox, que após vender seu principal jogador para os rivais de Nova York (os Yankees, do bonezinho que a gente vê na rua mas nem todo mundo sabe que se refere ao time, e não à cidade) passaram mais de oito décadas sem ganhar um título. A minissérie da Netflix em três episódios, Virando o Jogo - Boston Red Sox 2004, conta a história de como um grupo de jogadores excêntricos e subversivos conseguiu "destruir a maldição" e fazer o Boston voltar a vencer após 86 anos de decepções e derrotas.

História do documentário já foi mostrada numa comédia

Os torcedores de Boston são conhecidos pelo fatalismo e fanatismo. A comédia Amor em Jogo, dirigida por  Bobby e Peter Farrelly, tem por protagonista um apaixonado fã dos Red Sox e a história contada aqui de forma documental é pano de fundo para o romance divertido entre Drew Barrymore e Jimmy Fallon. O drama Moneyball - O Homem que Mudou o Jogo, por sua vez, funciona como um preâmbulo para ambos, uma vez que termina mais ou menos quando a campanha narrada nos outros dois se inicia (a "virada" dos Red Sox em direção ao título após tantas derrotas).

A série da Netflix pode ser acompanhada com prazer por qualquer espectador com algum interesse por esportes e relatos de superação em geral, além de ser uma pequena aula sobre gestão de talentos e como administrar pessoas num ambiente conturbado e hostil.

Para quem gosta e entende um pouco o esporte, é uma narrativa emocionante daquela que é - possivelmente - a mais impressionante virada da história dos esportes coletivos, quando na decisão do título que precede a disputa final (uma espécie de "semifinal" para os padrões futebolísticos), os Red Sox conseguiram virar uma contagem que jamais havia sido revertida antes - e contra seu maior algoz. Se você entende um pouco de beisebol ou se gosta de esporte coletivo de modo geral, Virando o Jogo - Boston Red Sox 2004 é um programa imperdível e que pode ser assistido num fôlego só.

https://www.youtube.com/watch?v=mMLg5tjlj-w


Crítica | Venom: A Última Rodada é desfecho despretensioso para trilogia

Crítica | Venom: A Última Rodada é desfecho despretensioso para trilogia

Típico produto do universo Marvel adaptado para a tela grande, a última parte da trilogia Venom, iniciada em 2018, revela-se uma diversão ligeira que trata os personagens de forma carinhosa, não se alonga em tramas mirabolantes nem exagera na pirotecnia, o que resulta num filme fácil de assistir, gostar e esquecer (o que dificilmente seria diferente com qualquer outro de sua natureza).

Os anteriores Venom e Venom: Tempo de Carnificina (de 2021) marcaram a trajetória do anti-herói Eddie Brock, interpretado por Tom Hardy, no Sony's Spider-Man Universe, um universo compartilhado que inclui personagens da Marvel distribuídos pela Sony.

O Venom original trouxe ao público a história de Eddie Brock, um jornalista investigativo que se torna o hospedeiro de um simbionte alienígena chamado Venom. Esse parasita concede a Eddie poderes extraordinários, ao mesmo tempo em que exibe um lado sinistro. A relação simbiótica entre Eddie e Venom resulta em uma dupla inusitada, que acaba enfrentando a Life Foundation, uma organização envolvida em experimentos perigosos com simbiontes alienígenas.

Lançado três anos depois, Venom: Tempo de Carnificina segue Eddie Brock enquanto ele tenta retomar sua carreira jornalística, ainda lutando para coexistir com Venom. O filme inicia com um flashback de 1996, revelando a história do jovem assassino em série Cletus Kasady e sua namorada Frances Barrison, No presente, Eddie é convidado a entrevistar Kasady, preso no corredor da morte. A execução de Kasady é interrompida, e ele se transforma em Carnage, um novo e poderoso vilão que Eddie e Venom precisam enfrentar.

Retomar os conflitos para finalizar - mas não sem melancolia

Em Venom: A Última Rodada, Eddie e Venom estão às voltas com adversários de dois mundos diferentes e precisam tomar decisões difíceis e que culminam no final relativamente esperado. Mais modesto em relação a cenas espetaculares - embora a ação seja bem encenada e visualmente interessante sempre que necessário - a última parte da trilogia se detém mais nos personagens, explorando o lado "humano" da dupla simbiótica e investindo não só no humor, como também no lado musical - que é especialmente divertido e traz uma seleção esperta de canções antigas que ajudam a edição envolvente.

Falar de técnica e efeitos numa produção grande como esta acaba sendo redundante, mas a direção de Kelly Marcel (mais conhecida por seu trabalho como roteirista) parece cuidar melhor do equilíbrio entre a fantasia visual e sonora e o desenvolvimento dos personagens e situações, de modo que o resultado final é mais leve e menos cansativo que a media no formato. Tom Hardy está à vontade como sempre (e em traje de gala ele sempre sugere um James Bond plausível), Juno Temple (uma atriz excepcional) tem pouco espaço e Rhys Ifans faz lembrar Randy Quaid em Independence Day.

Venom: A Última Rodada é um divertimento leve, que deixa os fãs do personagem com apreensão e nostalgia, mas não incomodará o público comum. O filme termina bem antes de se tornar exagerado ou enfadonho. Há apenas um porém no final: as duas esperadas cenas pós-créditos são decepcionantes e acabam não valendo o tempo interminável dos créditos finais. Só os verdadeiros fãs precisam esperar até elas.

https://www.youtube.com/watch?v=iItE_mKEIqw


Crítica | O Aprendiz mistura ficção e realidade para falar sobre Donald Trump

Crítica | O Aprendiz mistura ficção e realidade para falar sobre Donald Trump

Este é o tipo de filme que consegue dividir a audiência antes mesmo de sua estreia por estar diretamente relacionado a uma polarização da realidade política (no caso, entre progressistas e conservadores sobre Trump). Claro que, em termos cinematográficos, isso prejudica a forma como a produção é vista, para o bem e para mal: quem não gosta do personagem retratado tende a minimizar os defeitos do filme, enquanto quem é seu admirador irá no sentido oposto.

O fato é que O Aprendiz não parece muito interessado em ser fiel à realidade dos fatos. Há um aviso que abre o filme e explica isso, mas não só: seu diretor (Ali Abbasi, de Holy Spider) deixa isso muito claro quando declara que pretendia "fazer uma versão ‘punk rock’ de um filme histórico, o que significa que tínhamos que manter um pouco da energia, uma certa ideia [e não] sermos minuciosos demais sobre os detalhes e o que é verdadeiro ou falso”, conforme ele esclareceu à Vanity Fair em Cannes.

Claro que quando você se refere a um personagem que não apenas existe, como está concorrendo ao cargo mais importante do mundo (a presidência dos Estados Unidos) é preciso ser muito ingênuo para aceitar a alegação do cineasta. O fato agrava-se porque o filme é lançado não seis meses antes, tampouco um mês depois, mas precisamente um mês antes de as próprias eleições em que ele concorre acontecerem. É "punk rock" demais para um filme só.

Narrativa sobre Trump muda de tom no meio da projeção

O enredo concentra-se num período específico da vida do milionário Donald Trump, a partir do momento em que ele tenta alavancar sua própria carreira no mundo dos negócios e troca o círculo de influência do pai (uma figura depreciativa) pela do advogado e lobista de bastidor Roy Cohn (já retratado no documentário Bully. Covarde. Vítima - A História de Roy Cohn, um original HBO). Cohn funciona como figura mefistotélica até a metade da trama, quando os papéis se transformam e também quando o filme desiste da linha que seguia até então.

A primeira metade é um retrato frenético das transformações sofridas por Nova York na passagem entre uma cidade decadente e deteriorada por uma nova paisagem, cujos edifícios erguidos por Trump funcionam como símbolo de revitalização mas também de ferocidade contra as políticas públicas progressistas até então adotadas. É também quando o jovem Trump conhece Ivana, uma modelo do leste europeu que acaba seduzida pelo assédio do empresário e a promessa de uma vida luxuosa.

Até determinado ponto, o roteiro trabalha bem as contradições e fraquezas de personagens multidimensionais e evita a saída fácil de eleger mocinhos e vilões. Mas é como se o diretor lembrasse de repente que, bem, este não é um filme qualquer, ele será lançado semanas antes da eleição e há um "recado" que deve ser dado. O que eram conflitos humanos convertem-se num retrato caricatural das figuras reais envolvidas e a escolha pela fantasia prevalece, inclusive com passagens que já foram amplamente refutadas pelos envolvidos e encenadas aqui como reais.

Se a lenda é mais interessante que a realidade, filma-se a lenda

Embora a ambientação do filme seja rica e os personagens despertem real interesse por serem figuras que ainda hoje ressoam na mente dos espectadores, não dá pra ignorar o fato de que a dupla de atores central carrega o filme até o fim (especialmente depois que ele vira uma história em quadrinhos vagabunda). Sebastian Stan replica perfeitamente as manias corporais de Trump - embora ele funcione melhor no retrato cômico do que no desfecho, em que ele se converte no Mefisto por si mesmo - mas é Jeremy Strong (o ator excepcional da série Sucessão) quem rouba a cena, num desempenho comovente, minucioso e que consegue emocionar mesmo depois que o filme desistiu de ser uma obra cinematográfica para virar mais um instrumento de proselitismo mesmo que o "espirito do tempo" exige.

Caso mantivesse até o final a ambiguidade e a ironia mais fina com que inicia seu filme, Abbasi superaria a polarização irritante e reducionista que impera no debate cultural. No final, o que resta é a demonização sobre uma personalidade da vida real que pouco ajuda a compreender o contexto e o momento histórico em que esse grupo de figuras públicas esteve e continua a estar inserido. Sempre que o cinema torna-se mero instrumento de doutrinação política -e isso vale para ambos os lados, visto que também os conservadores ridicularizados aqui são especialistas em reduzir o fenômeno artístico ao discurso ideológico que lhes convém - é como se houvesse uma eleição em que todos perdem ao mesmo tempo.

https://www.youtube.com/watch?v=m7TkGQurpS8


Crítica | A Garota da Vez mostra talento de Anna Kendrick na direção

Crítica | A Garota da Vez mostra talento de Anna Kendrick na direção

Estreia na direção da carismática atriz Anna Kendrick, A Garota da Vez é o tipo de filme que promete pouco (até por ser um primeiro trabalho e uma produção relativamente modesta) mas acaba entregando um produto acima da media: e isso se dá precisamente pelo trabalho da nova diretora.

Baseado em fatos reais, o roteiro segue os passos de um serial killer norte-americano dos anos 1970, Rodney Alcala (Daniel Zovatto), que acaba por se cruzar com a participante de um reality-show ultrajante (Kendrick) na própria gravação no estúdio de TV.

Enquanto a gravação do programa se desenvolve, o roteiro alterna momentos do passado e do futuro em que o assassino encontra outras de suas vítimas. E este é o ponto de maior fraqueza do filme, especialmente na primeira metade, que acaba sendo um pouco confusa e truncada por causa dessa escolha e das alterações na linha do tempo e no ponto de vista - de resto, um clichê típico do cinema "pós-moderno" e que, hoje, acaba sendo menos "surpreendente" do que um roteiro tradicional rigorosamente linear.

Da metade para o final, quando o enredo define mais claramente quem são os personagens e qual deve ser nosso grau de interesse em cada um deles, o filme cresce porque tem uma diretora visualmente interessada em seu material.

Cenas brilhantes e uma atuação intensa de uma jovem atriz

Desde o início, a inspiração de Kendrick parece clara, até pela ambientação e por se tratar de uma história real: o Zodíaco de David Fincher. Se no início ela não faz jus ao outro filme - um verdadeiro clássico no gênero - a maneira como duas sequências são, mais tarde, conduzidas, não devem nada aos melhores momentos da produção que lhe serviu provavelmente de inspiração: aquela entre a protagonista e o assassino que se inicia num bar e termina num grande momento cinematográfico, no estacionamento, e a que se dá no deserto entre Rodney e Amy, uma de suas vítimas ( a novata Autumn Best, brilhante). São dois momentos de grande cinema e que devem crédito possivelmente também ao diretor de fotografia, Zach Kuperstein (do excelente Noites Brutais).

Saber filmar é meio caminho andado para ser uma boa diretora, e Kendrick demonstra que sabe. Os maiores problemas de sua estreia na direção são resultado das escolhas que o roteiro faz. Se houvesse se concentrado num menor número de vítimas e explorado mais os climas e o suspense (como acontece nas duas sequências acima), A Garota da Vez seria excepcional. Não é. Mas é ótimo, e isso não é pouco no cinema de Hollywood de 2024.

https://www.youtube.com/watch?v=oERPKO1D8DM

Crítica | Os Horrores de Caddo Lake não é

Crítica | Os Horrores de Caddo Lake não é "elaborado": é só chato e confuso

Os Horrores de Caddo Lake - que chega agora ao Max - guarda semelhanças com outro filme recém-lançado no streaming brasileiro: Identidades em Jogo (da Netflix). Ambos sofrem dos mesmos problemas, embora o segundo consiga ser minimamente divertido - há tantas "regras", trapaças internas e desafios lógicos para acompanhar os enredos que o ato de assistir converte-se num exercício cansativo e nada recompensador, uma espécie de jogo da memória de duas horas em que as cartinhas podem mudar de lugar por conta própria e o espectador não tem como vencer.

A melhor credencial aqui é a produção de M. Night Shyamalan, que provavelmente sentiu-se atraído pelo "segredo" do filme. Basta digitar "Caddo Lake" nos mecanismos de busca e tal segredo é revelado automaticamente. Aqui, não faremos isso. Mas é bom avisar que o tal "segredo" não tem nada de altamente original: é só confuso mesmo e repleto de problemas de lógica interna que aparentemente foram deixados de lado na leitura do roteiro.

Filme é uma correria entrecortada sem fim

Na trama, uma menina de oito anos desaparece na região pantanosa do lago do título, localizado no estado norte-americano do Texas. A partir daí, dois personagens envolvem-se na busca - cada um a seu modo e com particulares motivações. Não há mistério, preparação ou criação de suspense - e, no caso, o filme lembra outra produção, o insuportável O Mal que nos Habita, que segue a mesma linha de raciocínio de que basta colocar os personagens para correr para um lado e para o outro, cobrir com meia dúzia de efeitos sonoros e o filme se erguerá sozinho. Não, isso não irá acontecer.

A partir daqui, qualquer observação mais aprofundada a respeito da trama poderá revelar a chave para compreendê-la e não faremos isso. O espectador que suportar as quase duas horas de Dylan O'Brien (da saga Maze Runner) e Eliza Scanlen (de Adoráveis Mulheres) correndo em círculos com a mesma expressão estupefata o tempo todo será brindado com a revelação, que não é grande coisa e não vale o esforço e atenção dispensada ao filme até esse momento.

Identidades em Jogo é ultrajante e fantasioso, duvida da inteligência do espectador ao mesmo tempo que desafia sue memória de maneira cansativa: mas é, de todo modo, engraçado e visualmente atordoante. Os Horrores de Caddo Lake, por sua vez, é tão entrecortado que não permite que a plateia envolva-se com os conflitos e o drama dos protagonistas.

O paralelismo da montagem tem um ritmo infeliz que só torna a trama ainda mais inutilmente complicada: quando você arrisca a se interessar por uma cena, ela acaba e já estamos em outra. O resultado está muito abaixo do que se espera de uma produção original com o selo Max e a assinatura de Shyamalan nos créditos.

https://www.youtube.com/watch?v=Rrx_lZxzjbQ

Crítica | Super/Man: A História de Christopher Reeve faz retrato emocionante de astro trágico

Crítica | Super/Man: A História de Christopher Reeve faz retrato emocionante de astro trágico

Documentários da HBO costumam manter um padrão bastante alto de realização: você sabe que encontrará num deles farto material de arquivo e as entrevistas necessárias para compreender a história e os personagens reais envolvidos. Não é diferente neste Super/Man: A História de Christopher Reeve, que faz um retrato bastante emocional da trajetória do ator desde o início de sua carreira até o drama pessoal que ocupou a última década de sua vida.

Nascido em Nova York, em 1952, Christopher Reeve teve uma carreira iniciada no teatro (onde contracenou com astros como William Hurt e Jeff Daniels), mas se tornou realmente célebre em dois momentos de sua vida: quando assumiu o papel de Super-Homem na superprodução dirigida por Richard Donner, em 1978, e anos depois, quando um trágico acidente ocasionou a seríssima lesão que tomaria a maior parte de seus movimentos, em contraste evidente com o personagem que fizera dele uma celebridade mundialmente reconhecida.

Documentário toma cuidado ao lidar com situações embaraçosas

Por ser um documentário típico da HBO, podemos esperar aqui um padrão elevado de realização, mas, ao mesmo tempo, o filme irá lidar de forma delicada (quase cerimonial) com temas da biografia de Reeve que poderiam tornar a história menos arrebatadora: por exemplo, suas dificuldades no primeiro casamento, uma decorrência óbvia dos problemas familiares que enfrentara na própria infância.

Esse detalhe, entretanto, pouco atrapalha o resultado final, pelo simples fato de que a história de Reeves é fascinante e tem drama o suficiente: um galã de Hollywood muito carismático que, em decorrência de uma tragedia de baixíssima probabilidade, teria que enfrentar desafios impensáveis mesmo para o intérprete do maior super-herói do imaginário popular do século XX.

Os momentos mais emotivos do documentário alternam-se com algumas curiosidades de filmagens, que poderiam ocupar um espaço maior. De toda forma, é impressionante até hoje a qualidade dos efeitos visuais do primeiro Superman, e seu voo é ainda hoje uma das maiores proezas, o verdadeiro ápice, dos "efeitos práticos" (ou seja, aqueles que não contam com os recursos da computação gráfica, sendo realizados no próprio set), um conceito tão perfeitamente realizado que sobrevive bem até hoje.

A qualidade visual do primeiro Superman (um filme que, de resto, é tocante e empolgante mesmo para as plateias atuais) é a grande marca que Reeves deixou no imaginário da cultura popular do século XX. Sua história pessoal, de tragédia e resistência, não ficam abaixo dela, fazendo com que vida e arte se confundam e resultem em lágrimas (muito compreensíveis) na plateia.

https://www.youtube.com/watch?v=5BJxyeuo6v0

Crítica | Lobos é filme de uma piada só (e ela não tem graça)

Crítica | Lobos é filme de uma piada só (e ela não tem graça)

Se fosse uma produção barata, Lobos - dirigido por Jon Watts, de uma das inumeráveis versões de Homem-Aranha - seria uma atração mediana de Sessão da Tarde, o tipo de filme que sempre povoou a TV aberta e funcionava como uma ponte entre duas atrações mais provocativas. Mas não é o caso: estamos falando de uma produção beirando a centena de milhão de dólares, e a primeira pergunta que se faz é por quantas aprovações um roteiro tão previsível e aborrecido teve que passar para que finalmente saísse do papel. Porque em algum momento, uma ou mais pessoas (estas em altos postos dentro da indústria) olharam para o que estava escrito e pensaram: "Este é o roteiro certo para queimar 100 milhões de dólares".

Bem, não era. Totalmente apoiado na "química" entre Brad Pitt e George Clooney, tudo no filme é artificial: a ambientação, o "sarcasmo", a fotografia que converte todos os ambientes em salas de espera de hospital, a trilha musical enfadonha, as reviravoltas previsíveis. Em alguns momentos, o constrangimento atinge seu ápice porque, conforme sabemos, não se trata aqui de uma produção vagabunda, mas sim de um produto cuja origem é a elite da indústria. Duas cenas chamam atenção nesse sentido: um atropelamento em câmera lenta que lembra uma infinitude de comerciais de TV e que não provoca nada (tensão, dúvida, horror, nada, é como observar um adolescente mascando chiclete) e a dança folclórica na qual os protagonistas são acidentalmente envolvidos, que é tão mal encenada, falsa e caricatural que nos faz questionar a capacidade de discernimento de todos os participantes.

Você já viu essa história antes (e se divertiu mais)

Há muito pouco a se falar a respeito da "trama": Pitt e Clooney interpretam dois especialistas do submundo que limpam cenas de crime. Logo, ambos se veem envolvidos numa situação que escapa ao controle da dupla forçada e se desenrola toda numa mesma noite. Eles irão se deparar com alguns clichês inevitáveis (como o dos vilões do leste europeu, uma caracterização repetitiva que também beira o ridículo mas, convenhamos, não foi inventada por este filme), num desenrolar que já foi explorado outras vezes com resultados mais vívidos e eventualmente originais. A "graça" do filme se reduz à quantidade de vezes em que os dois astros irão se hostilizar, mas a ideia é tão mecanicamente desenvolvida que em 15 minutos não surte mais efeito.

Se pensarmos que, não muitos anos atrás, Pitt e Clooney estavam estrelando produções sofisticadas, originais e divertidas como a trilogia Ocean's Eleven, teremos que admitir a triste realidade de que o cinemão de entretenimento hollywoodiano desaba ladeira abaixo como numa das cenas que frequentemente são vistas em suas atuais superproduções: numa câmera lenta desnecessária, pirotécnica e arrastada.

Lobos é simplesmente um roteiro ruim que jamais deveria ter saído do papel e não há embalagem luxuosa o suficiente para esconder isso.

https://www.youtube.com/watch?v=wLJUPjiRbAM

Por que Succession é a melhor série já feita

Por que Succession é a melhor série já feita

Seriados de TV e franquias cinematográficas costumam ter torcidas organizadas, dispostas a intermináveis discussões determinadas a provar por que seu título predileto é melhor que todos os outros. Embora Succession, a série dramática de 4 temporadas da HBO (Max), não pareça despertar o mesmo nível de devoção de outras (até por ser uma atração com apelo maior junto a um público mais adulto), não é de forma alguma um exagero considerá-la como a melhor já produzida até hoje.

Comparando Succession com as outras séries dramáticas mais bem pontuadas em serviços como IMDB e descartando minisséries e séries antológicas, a obra criada por Jesse Armstrong em 2018 e finalizada em 2023 supera as outras em pontos específicos e em seu conjunto, de longe o mais homogêneo e precisamente dramatúrgico.

Por que Succession supera Família Soprano

A série sobre uma comunidade de mafiosos de segundo escalão em Nova Jersey é considerada por muitos a melhor série já feita e mesmo quem não acredita nisso dificilmente negaria que é provavelmente a mais revolucionária delas. No entanto, ser a “primeira” a quebrar mais radicalmente uma série de paradigmas da televisão não faz dela necessariamente a melhor. Sucessão não é revolucionária como aquela criada em 1999 por David Chase, mas é certamente mais coesa, tem menos digressões dentro da trama e - aqui sem margem para dúvida - acabou em seu auge, tendo menos da metade dos episódios.

Por que Succession é melhor que A Escuta

Quem não acha Família Soprano a mais revolucionárias das séries possivelmente atribui tal crédito àquela cuja ambientação está no mundo criminoso de Baltimore e nos esforços que políticos e forças de segurança fazem para combater bandidos enquanto se deparam com uma realidade social que supera a problemática policial típica de um seriado do gênero.

Embora seja uma atração única e impressionante pela ambientação e nível de realismo social, A Escuta é na melhor das hipóteses uma repetição meticulosa e obsessiva do mesmo plot do primeiro ao último episódio, sendo muitas vezes difícil diferenciar uns dos outros. Ao contrário de Sucessão, que embora seja fiel ao tema central do início ao fim, trabalha com uma progressão dramática bem  mais complexa e recompensadora para a audiência.

Por que Succession é melhor que Breaking Bad

Não, a saga de Walter White dificilmente seria chamada de a mais “revolucionária” já produzida, mas é talvez a mais popular de todas. Breaking Bad tem personagens carismáticos no mesmo nível e número que Sucessão, mas conforme também seja uma série que se alonga (ao contrário daquela de Armstrong, que quando finaliza deixa uma expectativa jamais atendida por ao menos mais uma temporada), a trama gira em falso muitas vezes.

O realismo de Sucessão não encontra rivalidade em Breaking Bad, cujo enredo depende muitas vezes de mirabolâncias e coincidências absolutamente impensáveis na rotina dos bilionários da família Roy. Você nunca chegou nem perto de ver um episódio de Sucessão parecido com o famigerado “Fly”, da terceira temporada.

Por que Succession é melhor Game of Thrones

A saga criada por George R.R.Martin e adaptada para TV desperta paixões, defesas e ataques exacerbados, o que nunca houve com Sucessão, que encontrou uma audiência muito mais cínica e fleumática enquanto esteve no ar.  Seu desenvolvimento e a amplitude de seus temas, subtramas e desdobramentos é de tirar o fôlego, mas aí também resiste uma de suas fraquezas. Em muitos momentos, parece que estamos diante de uma novela, cujo abrir e fechar de portas não encontra desfecho e, quando encontra - como de fato aconteceu em seu final - ele parece sempre insatisfatório. Talvez sua fraqueza em relação a Sucessão seja a mesma de A Família Soprano: a decisão de se prolongar além do ápice com episódios em excesso.

Por que Succession é melhor que Mad Men

O andamento da série sobre uma agência de publicidade que acompanha as mudanças sociais na América dos anos 1960 muitas vezes lembra aquele de Sucessão, mas sua melancolia exacerbada e a quase ausência de plots em muitos momentos fazem de Mad Men uma atração menos excitante de acompanhar que sua concorrente mais recente. De toda forma, são duas séries essencialmente adultas e que exigem da audiência uma maturidade nem sempre disponível aos espectadores mais jovens. Mad Men entretanto tem quase 100 episódios, mais que o dobro de Sucessão, e sofre do mesmo problema de toda série que se alonga demais: é impossível manter a qualidade intacta por tanto tempo.

Succession: a série adulta por excelência

A atração criada por Jesse Armstrong está longe de ser um interesse para todos os públicos: sua atmosfera e a natureza dos diálogos, bem como a temática abordada, dificilmente interessaria a fãs de séries mais fantasiosas, por exemplo. Sucessão não tem reviravoltas extraordinárias e, a maior parte do tempo, transita radicalmente no território da verossimilhança (de fato, há apenas um plot twist genuíno durante todo o seu desenrolar).

Não faz concessões, tem quase nenhum grau de proselitismo no discurso, trata do mesmo “problema” do primeiro ao último episódio (“Quem será o sucessor do magnata Logan Roy na direção seu conglomerado empresarial?”), mas por outro lado trabalha numa linha consistente de dramaticidade crescente.

Conflito após conflito, diálogo após diálogo, assistir a Sucessão é estar diante do mais interessante conjunto de personagens (e de atores) já reunido numa atração de TV.  Nenhum deles é tratado de forma caricatural: não temos aqui nenhuma mente perversa, nenhum gênio dotado de um talento singular.

Ninguém durante as quatro temporadas tem uma ideia absolutamente genial que muda o rumo de tudo que acontece. São personagens dolorosamente humanos, capazes de pequenas maldades e, ao mesmo tempo, constantemente assombrados por suas fraquezas, pequenas paixões, ciúmes e ambições irrealizadas.

Está em dúvida se vale a pena assistir a Succession? Saiba que tudo que acontece nas primeiras duas temporadas só é perfeitamente desenvolvido nas duas últimas.

Se você chegar ao meio da série (ou seja, se completar as duas primeiras), provavelmente irá ver as duas últimas de um fôlego só. Uma experiência única na história da dramaturgia audiovisual, numa simbiose difícil de igualar entre texto, elenco e acerto de produção.


As participações especiais mais memoráveis em Friends

As participações especiais mais memoráveis em Friends

O seriado Friends completa 30 anos desde sua estreia em 1994, consolidando-se como um dos maiores sucessos da televisão. Ao longo de suas dez temporadas, além dos seis personagens principais, a série contou com diversas participações especiais que ajudaram a dar ainda mais vida à trama. Essas aparições trouxeram dinamismo e muitas vezes serviram para alavancar as histórias envolvendo Ross, Rachel, Monica, Chandler, Joey e Phoebe, criando momentos memoráveis na série.

Esses personagens fixos interagiram com um elenco variado ao longo dos episódios, o que gerou cenas icônicas. Ross, por exemplo, vivenciou diversas situações complicadas em seus relacionamentos, muitas vezes com o apoio ou as críticas dos amigos. Rachel, com sua trajetória que vai desde o abandono no altar até se tornar uma profissional de sucesso, também teve seu arco influenciado por essas interações. Chandler e Monica, após o início de seu relacionamento, passaram a lidar com novas questões, enquanto Joey e Phoebe seguiram proporcionando os momentos mais descontraídos da série.

Impacto das participações nas tramas principais de Friends

As aparições especiais, muitas vezes, influenciaram diretamente o desenvolvimento dos personagens centrais. Momentos importantes como os casamentos, reencontros familiares e questões amorosas se entrelaçaram com essas participações, criando novos desafios para o grupo de amigos. Ao longo das temporadas, essas interações ajudaram a aprofundar a dinâmica entre os seis protagonistas, mantendo o público engajado e ampliando o universo de Friends.

Com 30 anos de história, o legado da série continua vivo, não apenas pelas histórias do dia a dia dos seis amigos, mas também pelas interações que marcaram os episódios ao longo das décadas em que a produção esteve no ar.

Veja a seguir 10 participações especiais memoráveis na série:

Susan Sarandon (Temporada 7)

Joey interpreta um cirurgião numa telenovela de hospital, contracenando com a veterana atriz de Thelma & Louise.

Gary Oldman (Temporada 7)

Aqui, temos novamente Joey em suas desventuras como ator, agora em uma drama de guerra em que ele contracena com um bêbado que acaba atrapalhando seus planos para o casamento de Monica e Chandler.

Billy Crystal and Robin Williams (Temporada 3)

Uma participação curta, porém memorável, de dois dos maiores comediantes da época, que inicia de forma despretensiosa mas acaba tendo um desenrolar inesperado.

https://www.youtube.com/watch?v=o8hM1TIx_7U

Bruce Willis (Temporada 6)

O astro da ação que hoje vive um drama pessoal ganhou o Emmy por sua memorável participação como (mais) um caso romântico de Rachel.

Winona Ryder (Temporada 7)

Winona tem aqui um papel bem diferente daqueles aos quais ela se acostumou a nos apresentar ao longo da carreira. Acredite: ela é mais um dos interesses românticos de Rachel!

Julia Roberts (Temporada 2)

A eterna linda mulher envolve Chandler num jogo intrincado de vingança e humilhação.

Brad Pitt (Temporada 8)

Mais um episódio que torna difícil negar o fato de que Rachel sempre foi a grande estrela da série. Aqui, a química do casal formado por Anniston e Brad Pitt fica mais do que evidente.

Tom Selleck (Temporadas 2, 3 e 6)

O eterno Magnum do seriado dos anos 1980 interpreta um oftalmologista que se torna interesse romântico de Monica.

Paul Rudd (Temporadas 9 e 10)

Rudd é um dos atores mais simpáticos e difíceis de ignorar na indústria, aqui como um pianista que se envolve com a maluquinha Phoebe nos momentos finais da série inesquecível de Friends.


Crítica | Coringa: Delírio a Dois é....

Crítica | Coringa: Delírio a Dois é a continuação que trabalha contra as qualidades do filme original

A primeira pergunta que o espectador do Coringa de 2019 dirigido por Todd Phillips se faz é por que motivo ele decidiu que a continuação, Coringa: Delírio a Dois, seria um musical. Essa pergunta permanece sem resposta convincente pelas mais de duas horas de projeção, e o estranhamento (aqui, no mau sentido do termo) é acentuado pelo fato de que todos os números musicais poderiam ser retirados da edição sem que nada da narrativa fosse prejudicado. O novo filme seria mais curto, mais ágil e mais realista - como o primeiro. Não que qualquer dos números seja embaraçoso, ou que as canções sejam ruins, mas elas parecem realmente enxertadas num conjunto que, sem elas, funcionaria melhor.

Talvez a melhor explicação seja que, assustado com a repercussão do primeiro filme e com a seriedade com a qual o personagem-título havia sido rapidamente incorporado à cultura popular na interpretação de Joaquin Phoenix, Phillips quisesse com as canções e o também gratuito desenho animado que abre o espetáculo, tirar do enredo o peso de realidade e a crueza (que eram por acaso as maiores qualidades do filme original). É como se ele passasse este segundo filme o tempo inteiro avisando a plateia: "Veja, não leve tão a sério! É apenas um delírio! Não se trata da realidade! Veja: eles começaram a cantar!". E assim por diante.

Na nova trama, Arthur Fleck (Phoenix) está encarcerado no Hospital Arkham enquanto aguarda o julgamento pelos cinco assassinatos cometidos por ele no primeiro filme. Então conhece uma outra paciente, Lee Quinzel  (Lady Gaga), uma "Arlequina" vacilante, que viverá com ele um caso de amor, mas também de manipulação psicológica que se inverte no decorrer do enredo.

Se o Coringa do primeiro filme tem um arco perfeitamente construído, e tudo que lhe acontece e tudo que ele faz acontecer parece ter sentido ainda que de forma mórbida, aqui a aparente conturbação da direção supera a do protagonista: ora o Coringa volta a ser a figura ambígua pela qual a cultura popular tornou-se fascinada, ora se converte numa espécie de "terceiro personagem" (nem Fleck, nem Joker), que comenta o que está acontecendo consigo mesmo, como se pedisse desculpas pela fama conquistada por maus motivos. E os números musicais funcionam como uma espécie de espelho desse "novo personagem", que aqui não passa de um menino crescido e arrependido de suas violentas malcriações.

Sem invenções ou viradas mirabolantes, sem multiversos ou escudos mágicos, o roteiro do filme de 2019 trazia para a dura realidade de uma metrópole digna de Taxi Driver um personagem saído do universo escalafobético das histórias em quadrinhos, e essa contraposição entre o suposto vilão saído de um filme de heróis e o drama humano, arrebatador, da solidão e do desespero de um anônimo da metrópole, capturou com precisão o "espírito do tempo", de modo que o público abraçou o personagem antes de condená-lo por seus crimes. Se ele fosse mais um mero vilão de HQ, o sucesso teria sido menor e a própria versão do personagem, esquecida.

Nesta continuação, em 2024, Phillips poderia ter convertido o "drama de rua" do original em um drama de hospital (ao estilo Um Estranho no Ninho, para manter o universo de referências na Nova Hollywood) ou mesmo num drama de tribunal. Sem dúvida, a saída confusa (para não dizer medrosa) foi a de fazer um musical e derrubar o castelo todo que ele havia construído de uma vez. Então, aqui não há mais muito espaço para as ambiguidades de Fleck: ele é enfim um maluco com tendências homicidas que descola uma namorada manipuladora para, de maneira incerta, tentar conduzir a opinião pública, com resultados duvidosos tanto para eles mesmos quanto para quem assiste.

Algumas qualidades do primeiro filme resistem, como a excelente fotografia, a ambientação caprichada e mais uma performance poderosa, incômoda, de Phoenix. Lady Gaga está contida, tanto atuando, quanto cantando, e a verdade é que o filme perderia pouco se, em seu lugar, estivesse outra atriz, eliminando também toda a parte musical dispensável. Como balanço, a continuação acrescenta quase nada ao universo proposto em 2019 (para não dizer que o destrói por inteiro) e dificilmente terá o sucesso ou deixará marca na cultura popular como aconteceu da primeira vez. Se o "espirito da época" continua o mesmo de cinco anos atrás, o primeiro Coringa continua sendo a síntese perfeita; se, por outro lado, já se modificou, não será em Coringa: Delírio a Dois que seremos capazes de identificá-lo.