Crítica | A Libertação, novo terror da Netflix, entrega muito menos do que promete
A Libertação, filme da Netflix, já está no streaming
Se você tem interesse em filmes de terror, chegou nesta sexta (30) ao streaming o longa-metragem “A Libertação”, a mais recente tentativa da Netflix de nos arrepiar – e não exatamente da forma como esperávamos. E vou avisando logo no início: este texto contém spoilers do final do filme, que será sinalizado para evitar estragar a surpresa.
“A Libertação” nos apresenta uma premissa até que intrigante. Dirigido por Lee Daniels, o filme gira em torno de Ebony Jackson, uma mãe solteira interpretada por Andra Day, que, após uma série de eventos traumáticos, decide se mudar com a família para uma casa nova em Indiana.
A mudança inclui sua mãe extremamente religiosa, Alberta (vivida por Glenn Close), e seus três filhos: Nate, Shante e Andre. A promessa de uma vida melhor, no entanto, logo se transforma em um pesadelo, quando coisas estranhas começam a acontecer na nova casa, sugerindo que ela pode ser um portal para o inferno.
A partir dessa sinopse, o filme tinha tudo para ser um marco no gênero terror, especialmente com um elenco tão talentoso. Além de Day e Close, o longa ainda conta com Mo'Nique e Aunjanue Ellis-Taylor, todas atrizes renomadas e premiadas. Mas, infelizmente, o potencial se perde em um mar de clichês e uma narrativa que deixa a desejar.
Atuações sólidas em filme mediano
Andra Day, que já brilhou em "Estados Unidos vs. Billie Holiday", carrega o filme nas costas. Sua atuação como Ebony é de uma intensidade impressionante, mesmo quando o roteiro não a favorece. A personagem é falha, humana, e Day traz à tona todas as camadas dessa complexidade.
Já Glenn Close, em um papel mais exagerado, consegue roubar a cena, mas a verdade é que sua interpretação parece deslocada no tom geral do filme. É como se Close estivesse em um filme diferente do resto do elenco, o que acaba sendo, ao mesmo tempo, um dos pontos altos e baixos de "A Libertação".
No entanto, apesar das atuações sólidas, o filme começa a escorregar na segunda metade. O que começa como um drama familiar entrelaçado com elementos sobrenaturais, rapidamente se transforma em um exorcismo genérico, daqueles que já vimos muitas vezes antes e, honestamente, de maneira mais assustadora.
A sensação de déjà vu é constante e, ao invés de gerar tensão, a familiaridade dos elementos usados no filme acaba por diluir o impacto que ele poderia ter.
Queda absurda de qualidade no terceiro ato
Os sustos, tão esperados em um filme desse gênero, são previsíveis e ineficazes. Daniels tenta criar uma atmosfera de terror, mas falha em sustentar essa tensão. Quando o filme deveria estar nos levando à beira de nossos assentos, ele nos deixa simplesmente esperando por algo que nunca vem. A transição do drama familiar para o horror é abrupta e mal executada, fazendo com que o filme pareça desconectado e confuso. E então chegamos ao final, onde as coisas realmente desandam.
Atenção: a partir daqui há spoilers do final do filme.
Após uma sequência de exorcismo clássica – com direito a água benta, crianças traumatizadas e Glenn Close dizendo coisas que você nunca imaginaria ouvir – o filme chega ao seu clímax. Ebony enfrenta o demônio que possui seu filho Andre, em uma batalha final que tenta ser tanto emocional quanto assustadora, mas que acaba sendo mais ridícula do que qualquer outra coisa.
O demônio, em uma tentativa desesperada de manipular Ebony, transforma-se em uma versão dela mesma, sugerindo que todos os problemas da família são culpa dela. Essa jogada psicológica poderia ter sido interessante se fosse melhor explorada, mas acaba parecendo apenas uma tentativa barata de adicionar profundidade a uma narrativa que já estava perdida. No fim, Ebony consegue exorcizar o demônio, em uma cena que, ao invés de ser triunfante, soa apenas como o fim de uma longa e cansativa jornada – tanto para a personagem quanto para o espectador.
Após a vitória de Ebony, o filme ainda tenta nos convencer de um final agridoce. Ebony, agora marcada física e emocionalmente pelos eventos, perde a guarda dos filhos e decide se mudar para a Filadélfia, na esperança de um novo começo. Seis meses depois, a vemos reunida com os filhos, tentando reconstruir a vida. É um final que tenta ser redentor, mas que, depois de tudo o que passamos ao longo do filme, não consegue causar o impacto necessário.
Tentativa frustrada
Em termos de direção, é louvável que Lee Daniels tenha tentado explorar um gênero que foge ao seu habitual. Ele conseguiu montar um elenco talentoso e oferecer uma premissa que, no papel, parecia promissora. No entanto, a execução deixa muito a desejar. O roteiro é fraco e não faz jus ao elenco que tem em mãos, desperdiçando talentos em um filme que, no final das contas, é genérico e sem vida. O que poderia ter sido um olhar fresco e inovador sobre o terror acaba sendo apenas mais um filme de exorcismo para se esquecer.
É importante mencionar que, embora o filme falhe em muitos aspectos, a tentativa de Daniels de trazer um elenco majoritariamente negro para um gênero onde a representatividade ainda é limitada merece reconhecimento. A diversidade no elenco é um dos poucos pontos realmente positivos de "A Libertação", e esperamos que isso inspire mais diretores a fazer o mesmo em futuros projetos.
Em resumo, "A Libertação" é um filme que teve muito potencial, mas que, infelizmente, se perde em uma execução pobre. O talento do elenco não é suficiente para salvar um roteiro fraco e uma direção que não consegue equilibrar os tons que deseja explorar. Se você está em busca de um filme de terror realmente assustador e inovador, é melhor procurar em outro lugar.
Mas, se você quiser ver algumas performances sólidas presas em um filme mediano, talvez "A Libertação" seja para você. Só não espere ficar acordado à noite pensando nele – a menos que você esteja frustrado por ter perdido tempo assistindo.
Crítica | Exterminador do Futuro: Zero: Netflix traz anime com ação vibrante, mas enredo fraco
Exterminador do Futuro: Zero é o novo anime da Netflix
"Exterminador do Futuro: Zero" chega ao catálogo da Netflix, nesta quinta-feira (29), com a missão de trazer algo novo para a franquia, fugindo da moda de reboots e daquelas repetições descaradas dos clássicos, como "O Exterminador do Futuro 2".
Ambientada no Japão dos anos 90, a série tenta explorar novas ideias dentro desse universo já tão conhecido, apresentando personagens inéditos e uma trama que, no papel, até parece promissora. Mas, à medida que os episódios avançam, fica claro que essa tentativa de inovação acaba lembrando mais uma "fanfic" elaborada do que uma expansão legítima do universo "Exterminador".
A série traz como novidade Malcolm Lee, um cientista que, com o Dia do Julgamento se aproximando, desenvolve uma nova IA chamada Kokoro, numa tentativa de rivalizar com a Skynet. Essa premissa é interessante, principalmente por situar a história no Japão, algo que raramente vemos na franquia.
T-800 deixa a desejar
A voz de André Holland dá vida a Malcolm Lee, que transmite bem o desespero de um cara que se vê numa enrascada impossível: ser caçado por um exterminador enquanto tenta proteger seus filhos e sua criação.
Por outro lado, a caracterização do próprio Exterminador, dublado por Timothy Olyphant, deixa a desejar. Em vez de ser aquela máquina implacável que a gente conhece, o T-800 de "Exterminador do Futuro: Zero" parece mais uma caricatura, com momentos que vão do bizarro ao simplesmente absurdo. Ele erra tiros, não consegue finalizar os ataques, e aquele detalhe dos olhos vermelhos brilhando por baixo da pele humana, que deveria ser algo sinistro, acaba distraindo e quebrando o clima.
Outro ponto que incomoda é como a série lida com a viagem no tempo. Tentando "explicar" esse conceito, "Exterminador do Futuro: Zero" mete o multiverso, loop temporal e linhas do tempo alternativas na mistura. Essa escolha não só complica a história, como também dá a impressão de que a mitologia dos filmes originais está sendo diluída. A insistência em introduzir novos "salvadores da humanidade", só para dizer que suas ações são inúteis, contribui para uma sensação de que o universo "Exterminador" perdeu a força.
Cenas de ação quase salvam a série
Apesar desses problemas, a série consegue manter um ritmo que prende a atenção, especialmente nas cenas de ação. As lutas são intensas e brutais, com aquela dose de violência que os fãs esperam.
Eiko, dublada por Sonoya Mizuno, se destaca como uma resistente do futuro, trazendo uma energia necessária para balancear o lado mais expositivo da série. Sua missão de proteger Malcolm e impedir o lançamento de Kokoro adiciona tensão, mantendo o interesse até o final, mesmo com os tropeços pelo caminho.
O problema, no entanto, é que a série não escapa de diálogos vazios e referências que parecem jogadas ali só por jogar. As menções aos filmes antigos são reconhecíveis, mas muitas vezes soam forçadas, como se fossem acenos desajeitados aos fãs, em vez de homenagens genuínas. Isso pode ser frustrante, especialmente para quem esperava uma continuação que fizesse jus ao legado dos primeiros filmes.
Ainda há méritos
Ainda assim, não dá para negar que "Exterminador do Futuro: Zero" tem seus momentos. A trama, mesmo cheia de furos e escolhas questionáveis, consegue envolver o suficiente para manter a curiosidade. E, para quem não liga tanto para a fidelidade ao material original, a série oferece uma experiência de entretenimento com bastante ação e um desfecho que, se não é espetacular, pelo menos cumpre seu papel.
Resumindo, "Exterminador do Futuro: Zero" é uma adição curiosa à franquia. Ela tenta inovar, mas tropeça em clichês e escolhas que podem afastar os fãs mais hardcore. Porém, para quem topa desligar o cérebro e curtir a viagem, ainda dá para encontrar alguma diversão aqui.
Não é o "Exterminador" que a gente esperava, mas talvez seja o empurrão que a franquia precisa para explorar novas direções, mesmo que ainda meio cambaleantes.
Crítica | Príncipes Perigosos, da Netflix, tem intriga, poder e aquela pitada de crítica social
Gente rica faz coisas de gente rica em "Príncipes Perigosos"
"Príncipes Perigosos", do diretor Humberto Hinojosa Ozcariz, chegou hoje (28) à Netflix e nos leva direto para o mundo luxuoso e insano de um grupo de jovens ricos e privilegiados. Sabe aquela galera que parece ter tudo? Pois é, aqui eles têm até o que não deveriam – a certeza de que estão acima da lei.
O filme começa nos mostrando festas espetaculares, roupas de grife e carros que custam mais do que uma casa. Mas por trás de todo esse glamour, há um lado sombrio que ninguém quer ver. Esses adolescentes, interpretados por Ximena Lamadrid, Renata Manterola, Fernando Cattori e Juan Pablo Fuentes Acevedo, estão brincando de serem donos do mundo. Eles usam o status para fugir das consequências de seus atos, que vão de pegadinhas cruéis a crimes realmente graves. E, claro, sempre quem paga o pato são as pessoas menos favorecidas.
Ximena Lamadrid, que já brilhou em "Quem Matou Sara?", entrega uma atuação de dar calafrios. Ela consegue ser carismática e assustadora ao mesmo tempo, fazendo com que a gente não consiga tirar os olhos da tela. Renata Manterola também não fica para trás, trazendo uma intensidade que revela a vulnerabilidade escondida por trás do poder.
As interações entre esses personagens são uma montanha-russa emocional. Fernando Cattori adiciona um charme sinistro ao seu papel, enquanto Juan Pablo Fuentes Acevedo é perfeito ao mostrar que até os mais confiantes podem ter seus momentos de insegurança. Esse elenco principal é a alma do filme, nos fazendo refletir sobre a linha tênue entre culpa e impunidade, e como o dinheiro pode comprar até mesmo a consciência.
E aí vem a cereja do bolo: Alfonso Herrera. Para quem lembra dele lá dos tempos de "Rebelde", ele cresceu – e muito! - como ator nos últimos anos. No papel do detetive que tenta colocar ordem no caos, Herrera traz um peso dramático que equilibra a trama. Seu personagem é a voz da razão em meio à loucura, e a gente sente cada gota da frustração e determinação que ele coloca na busca pela verdade. Ele, definitivamente, rouba a cena.
Pontos fortes
Humberto Hinojosa Ozcariz, o cérebro por trás das câmeras, nos entrega um filme que é tão bonito quanto perturbador. Ele consegue misturar cenas de luxo excessivo com momentos que mostram o lado mais cruel dos personagens. A direção de arte faz um trabalho impecável ao criar essa dualidade, e Hinojosa, conhecido por "Camino a Marte", mais uma vez prova que sabe como montar um espetáculo visual.
Mas "Príncipes Perigosos" não é só um filme sobre jovens ricos fazendo o que bem entendem. O filme vai fundo nas consequências dessa vida de excessos, mostrando que, no final das contas, até os que parecem intocáveis podem sair arranhados. Quando as rachaduras começam a aparecer, é aí que o filme mostra sua verdadeira força, provando que o preço da impunidade pode ser bem mais alto do que se imagina.
A trilha sonora é outro ponto forte, misturando batidas eletrônicas com algo mais clássico. Ela cria o clima perfeito para acompanhar a descida desses personagens nesse buraco sem fundo de poder e corrupção. Você sente que algo está prestes a dar muito errado – e não consegue parar de assistir.
Resumindo, "Príncipes Perigosos" é aquele tipo de filme que te prende do começo ao fim. Se você curte histórias cheias de intriga, poder e aquela pitada de crítica social, esse aqui vai te fazer pensar – e muito – sobre até onde o dinheiro pode ir para garantir que os culpados saiam impunes.
Crítica | Pisque Duas Vezes reduz crítica social a entretenimento descompromissado
Zoë Kravitz junta-se em 2024 ao seleto grupo de atrizes famosas que viraram diretoras nos últimos anos, como Olivia Wilde, Elizabeth Banks e Greta Gerwig. Seu novo filme, “Pisque Duas Vezes”, revisita alguns clássicos e outros sucessos recentes (veja no final do texto) para mexer com temas quentes do noticiário, paranoia e cinema de gênero, com um resultado provocativo, mas irregular.
Na trama, Frida (interpretada por uma Naomi Ackie muitos tons acima do necessário) é uma garçonete que cai nas graças do bilionário Slater (Channing Tatum, ator de uma fisionomia só) e é convidada para passar uma temporada em sua ilha particular. Frida viaja acompanhada pela amiga Jess (Alia Shawkat, que rivaliza com Naomi no histrionismo) e começa a conviver com um grupo de mulheres e outros desocupados privilegiados. Aos poucos, a garçonete passa a desconfiar que a rotina dos visitantes não é exatamente o que parece e briga com a própria memória para tentar entender o que está acontecendo.
Não demora muito para o espectador se dar conta de que os temores de Frida são fundados e algo de muito errado acontece naquela ilha. Kravitz tenta construir suspense, mas esbarra na própria abordagem maneirista das cenas (o excesso de planos fechados que resume a narração a uma sucessão de rostos, ombros e nucas, não aproveita o espaço nem permite que os atores “respirem” na tela, um cacoete da geração de cineastas formada assistindo a vídeos nas telas de celular), o que por sua vez obriga a edição a exagerar nos cortes e efeitos sonoros para construir “tensão”. Este é o ponto fraco do filme.
Kravitz: provocar sem aborrecer nem se aprofundar
Por outro lado, quando se assume como crônica social, o filme mostra ser provocativo ao limite, expondo uma realidade que hoje é conhecida do noticiário policial e que faz referência a uma famosa “ilha da fantasia” bizarra para onde celebridades e políticos costumavam se dirigir, em busca de diversão descompromissada (e muitas vezes, abusiva) com garotas de pouca idade.
Como sutileza não é o forte nem do roteiro (da própria Kravitz e de E.T. Feigenbaum, oriundo da TV), nem de Naomi Ackie, o filme irá transitar durante uma hora e meia entre a espera pela “revelação” do mistério e a atmosfera satírica do grupo de amigos, no qual os personagens masculinos reduzem-se aos estereótipos esperados (o bonitão lacônico, o tiozinho beberrão, o gordinho atrapalhado, o adolescente sem nada na cabeça, o ex-militar de cara fechada, etc.). Ao optar pela caricatura, o filme perde a oportunidade de realmente discutir a “questão social” sobre a qual quer se debruçar, e o que sobra é pouco mais que pantomima e correria. O destaque fica por conta de Adria Arjona, capaz de ser ambígua e divertida em cena sem parecer que vai começar a cantar a qualquer momento (como a dupla de protagonistas).
Por mais que se admire a recente onda de mulheres na direção, é sempre bom lembrar que a aventura feminina na realização não começou com a atual geração de cineastas-celebridades, constituindo uma longa e gloriosa jornada que remete não só a diretoras (como Ida Lupino, Agnès Varda, Chantal Akerman, Lina Wertmüller, Nora Ephron, Kathryn Bigelow, Liliana Cavani, Jane Campion, Barbra Streisand, Nadine Labaki, etc.) como a produtoras igualmente importantes (desde a pioneira Mary Pickford até Kathleen Kennedy, Debra Hill, Gale Anne Hurd e tantas outras). Isso sem contar uma infinidade de profissionais atuantes em outras funções, como roteiristas, figurinistas, montadoras e diretoras de arte. É impossível falar da história do cinema sem lembrar nomes como de Milena Canonero, Thelma Schoonmaker, Verna Fields, Polly Platt e por aí vai…
Como toda obra de arte “engajada”, “Pisque Duas Vezes” precisa se equilibrar entre os temas nos quais tem interesse (notadamente “esquecimento” e “perdão”, a relação entre homens e mulheres, mas também relações de poder econômico e luta de classes) e outros que seriam igualmente relevantes, mas que o filme precisa deixar de lado para não se perder no enredo (por exemplo, por que motivo os “nativos” da ilha comunicam-se apenas por balbucios ou expressões faciais, como se não dominassem idioma algum). “Engajamento” tem limite, né, Zoë?
No final das contas, a estreia da filha de Lenny Kravitz mostra-se um entretenimento descompromissado, que toca superficialmente temas delicados do convívio social sem se aprofundar. Não ofende nem aborrece, mas será facilmente esquecido.
Referências a um clássico e outros filmes recentes
No parágrafo seguinte, não haverá nenhuma revelação a respeito da trama, mas sim referência a outros filmes que influenciaram “Pisque Duas Vezes” e que, por isso, poderão dar spoilers indiretos. Se você não quer saber absolutamente nada sobre o enredo, pare de ler agora.
Como praticamente todo novo filme desde os primórdios é um jogo de espelho com filmes anteriores, aqui não seria diferente. Kravitz divide com Olivia Wilde (em “Não Se Preocupe, Querida”) uma referência comum no clássico dos anos 1970 “As Esposas de Stepford”, misturando um pouco a misandria do best-seller de Ira Levin com o clima “Twilight Zone” de Jordan Peele no brilhante “Corra!”. Além dessas duas referências, “Pisque Duas Vezes” mistura elementos já vistos em filmes como “O Círculo” (2017) e “Piscina Infinita” (2023), sendo mais provocativo e original que o primeiro, mas menos apelativo que o segundo. Se você ainda não entendeu a qual “ilha real” a “ilha fictícia” remete, procure por “Jeffrey Epstein” no noticiário policial.
A ironia final fica por conta da trilha musical (excelente, por sinal), que inclui ao menos duas canções de James Brown, não conhecido exatamente por sua correção no trato com mulheres. Kravitz não sabia disso, não deu importância ou quis ser novamente provocativa?
Review | Visions of Mana é JRPG de conforto para fãs, mas nada além disso
A série Mana é uma das mais tradicionais da Square Enix. Iniciada em 1991, como um spin off de Final Fantasy com Final Fantasy Adventure em 1991, foi ganhando sua própria identidade com o passar dos anos, fundando sua própria franquia na era do Super Nintendo com o clássico Secrets of Mana. Square traz um novo jogo para carregar o título para a nova geração, Visions of Mana. Será que os desenvolvedores tiveram algum sucesso nessa grande empreitada?
https://www.youtube.com/watch?v=rw7oxlPHM_k
Jornada para Mana
O gameplay de Visions of Mana traz alguns aspectos bem interessantes e outros questionáveis. Vamos começar argumentando sobre os pontos positivos. Este é um JRPG que apresenta batalhas em tempo real, um dos jogos recentes que podemos trazer que trazem um sistema de combate semelhante é o Tales of Arise. Quando se encontra um monstro e decidimos combatê-lo, uma arena circular aparece e os monstros devem ser derrotados nessa área. Em combates comuns é possível escapar correndo em direção a borda, mas caso a luta seja com um boss, isso não é possível.
No início do jogo temos acesso apenas a Val, o “guardião de almas” e Hinna como suporte. Os controles são bem básicos, temos o botão para ataques fracos, outro para ataque forte, esquiva e pulo. Val pode realizar alguns ataques com espada e Hinna cura e aplica alguns buffs aos guerreiros. Na jornada, Val e Hinna conhecem mais alguns personagens como Careena, uma garota que é acompanhada por Ramco, uma espécie de criatura voadora que participa também dos combates, Morley que desfere ataques rápidos e pode defletir ataques, Palamena, mais especializada em ataques mágicos e Juley que possui poderes mágicos florestais.
Conforme você vai avançando no jogo, ganha relíquias elementais e com esses itens é possível trocar as classes dos personagens. Cada uma das classes possui características únicas. As armas podem variar em algumas classes e cada um recebe um golpe especial elementar. Dando alguns exemplos, o do vento invoca rajadas de ventania, o da lua pode parar o tempo dos inimigos, paralisando-os por alguns instantes e o do fogo invoca uma espécie de vela que queima os inimigos. Como de costume nos RPGs, certos inimigos possuem fraquezas elementais e cabe ao jogador descobri-las.
Existem duas barras no jogo que ativam certos ataques especiais. Do lado inferior da barra de vida está o CS (Class Strike) que é preenchida conforme o jogador e os aliados vão atacando ou quebrando alguns jarros azuis pelo caminho. Quando preenchida, um poderoso ataque de classe pode ser desferido. A outra barra fica do lado esquerdo e indica que o ataque elemental pode ser carregado. Com o ataque elemental carregado, a área inteira do combate fica sob influência do elemento. Por exemplo, se a lua for ativada, o tempo irá ficar mais lento para todos os inimigos na área por um tempo maior, se for do fogo, todos recebem dano de fogo e alguns personagens podem receber buffs de velocidade como quando se ativa o elemental de luz.
Esses elementos abrem várias possibilidades durante o gameplay como a exploração das fraquezas de cada inimigo. No entanto, alguns jogadores podem não gostar da falta de variedade de combos e de uma diferenciação real entre os inimigos menores. A estratégia para derrotá-los geralmente é parecida e isso acaba deixando boa parte do gameplay repetitiva. O jogo brilha um pouco mais nas lutas contra os chefes, onde a memorização de diferentes padrões de comportamento contam mais nos combates e a dificuldade entre cada um deles varia bastante. Na maior parte do jogo não tive problema algum em avançar, mas aproximando-se do final, a dificuldade aumenta bastante, o que não é ruim em si, mas espanta um pouco a abrupta curva de dificuldade.

Visões do passado
Visualmente, em questão de ambientação, Visions of Mana é um deleite, com seus cenários coloridos e vibrantes, que já são uma marca da série. É muito interessante ver as diferenças entre cada um dos ambientes que o jogo vai apresentando, cenários mais urbanos, com palácios luxuosos e outros com florestas verdejantes como em Verdeus. Ambientação é sem dúvidas um dos pontos fortes em Mana, sem falar na excelente trilha sonora do jog que merece um grande destaque.
Já o design de personagens, por um lado, entendo que é uma homenagem ao estilo dos jogos JRPGs mais antigos, não só de Mana como de outros, como a própria série Final Fantasy que possuía um estilo mais cartunesco por algum tempo. Alguns podem enxergar a decisão dessa forma e outros podem achar um pouco datado. Essa sensação é reforçada pelas animações, que de vez em quando não batem muito bem com as ações do personagem, por exemplo, às vezes a boca não está sincronizada com o som ou o personagem fala com a boca fechada.
A exploração também deixa um pouco a desejar. O mundo é bem amplo, mas não chega a ser exatamente um mundo aberto. Tratam-se de zonas que os personagens atravessam e há uma tela de loading que aparece frequentemente. Mas o pior de tudo é que o mundo parece um tanto vazio. Às vezes se encontra um item aqui, um baú em outro lugar, alguns monstros espalhados, mas não se tem a sensação de que se trata de um mundo realmente vivo, como em alguns outros jogos de mundo aberto que tivemos recentemente. Este ainda passa uma sensação de quando esse conceito de mundo aberto ainda estava se formando nas gerações dos PS2 e PS3.

Sacrifícios são necessários?
Creio que a trama de Visions of Mana de uma forma mais geral possui aspectos interessantes. Como dito anteriormente, esse mundo de Mana é muito colorido, visualmente muito lúdico e cartunesco à beira da infantilidade. No entanto, a trama mostra que neste mundo, as aparências enganam. Logo no início, povo da aldeia Tyanea está ansioso, esperando que uma fada venha visitá-los para escolher o novo “alm” do fogo. Alms são pessoas que assim que são escolhidas devem viajar até a árvore de mana para sacrificarem suas almas para que as suas respectivas vilas continuem funcionando e que a calamidade não recaia sobre o mundo como um todo.
Hinna recebe esse título e é o dever de Val, o guardião de almas, protegê-la e aos outros alms que encontrarão no caminho. Assim, o tema principal do jogo decorre da seguinte pergunta: Vale mesmo a pena sacrificar essas pessoas (na sua maioria jovens) se sacrificarem pelo bem do mundo? Será que não há outra maneira?. O jogo coloca uma questão um pouco complexa para servir de tema principal, que foi o que me prendeu para saber qual seria a conclusão dessa história. No entanto, a história e sua execução ainda apresentam alguns problemas.
Os personagens principais possuem sim algum carisma e personalidades distintas, mas talvez falte um pouco de profundidade maior a esses personagens. Alguns fãs de JRPG mais antigos podem notar essa falha no gênero que existem alguns títulos da série Final Fantasy ou mesmo os da série Persona que focam mais no desenvolvimento de personagens. Não é que isso não exista em Visions of Mana, mas a impressão que fica é que essa característica ficou um tanto rasa nesse título.
Há a questão da atuação de voz. É possível escolher entre as opções japonês e inglês. Algumas pessoas reclamam que a dublagem americana pode ser um tanto esquisita em JRPGs, mas Visions of Mana teve umas boas sacadas, como dar a personagem Careena um sotaque de americana sulista que acrescenta um pouco a sua personalidade e a diferencia dos outros companheiros de viagem.

Conclusão
Em resumo, Visions of Mana é um jogo bonito, mas superficial. Ele oferece uma experiência agradável para quem busca um RPG casual, mas não satisfaz as expectativas dos fãs mais exigentes da série. O jogo poderia ter sido muito mais do que é, explorando com mais profundidade a rica mitologia de Mana e oferecendo uma experiência mais rica e memorável. Trata-se de um jogo que apresentava um potencial enorme, mas falha em entregá-lo em sua totalidade. É uma pena, pois a série Mana merece títulos mais ambiciosos e inovadores.
No entanto, o jogo fica recomendado para fãs de JRPGs e especialmente para aqueles que já gostavam da série Mana, que com certeza encontrarão o que apreciar aqui. Se você procura um RPG com gráficos bonitos e uma jogabilidade simples, Visions of Mana pode ser uma boa opção.
Agradecemos a Square Enix pela cópia gentilmente cedida para a realização desta análise.
Review | Star Wars Outlaws consegue trazer riqueza da franquia de volta aos games
Por anos se sabia que a Ubisoft e a Massive Entertainment estavam trabalhando na franquia Star Wars. Sabiamente, o projeto que ganhou o nome de Star Wars Outlaws só foi revelado no ano passado, cravando uma data certeira de lançamento agora em agosto de 2024. Comprovando mais uma vez a competência do estúdio, o jogo realmente chegou na data prevista, mas ainda assim cercado por polêmicas.
Com o objetivo principal de trazer maior diversidade aos games da franquia, sempre muito focados nos duelos céleres de sabres de luz entre jedi e sith, Star Wars Outlaws apresenta Kay Vess, uma pretensiosa caçadora de recompensas que acaba obrigada a fugir pela galáxia após adquirir uma Marca de Morte ordenada por um dos figurões mais ricos da Orla Exterior. Ao seu lado, há apenas o parceiro Nix, o alien pet fofinho que a ajuda a executar diversas tramoias ao melhor estilo Aladdin e Abu.
https://www.youtube.com/watch?v=HlfuN4yj3yg
No mundo do crime - mas para crianças e adolescentes
É bem justo afirmar que Star Wars, com exceção de O Império Contra-Ataca e Rogue One, nunca foi uma grande franquia por trazer narrativas complexas ou surpreendentes, mas um fato concreto era que George Lucas nunca temeu explorar mais a fundo a mitologia que criou, além de sempre ter sido um entusiasta corajoso nos games - The Force Unleashed e a caçada intensa aos jedi é prova disso.
Entretanto, desde o início da era Disney, nota-se uma sanitização profunda na saga, principalmente em relação aos games. A Respawn sabe o quanto batalhou para conseguir adicionar mutilação e temáticas mais adultas em Jedi: Survivor e a Massive, pelo jeito, também sofreu com as possíveis inúmeras diretrizes do estúdio - basta ver o quão comportada e maçante é a narrativa de Avatar: Frontiers of Pandora - game anterior do estúdio lançado em dezembro de 2023.
Portanto, já sabendo que se trata, acima de tudo, um produto da Disney, admito que não estava muito esperançoso com a narrativa de Outlaws e, de fato, ela guarda apenas uma boa reviravolta e nada mais, apesar de tatear temas um pouco mais adultos que nunca são desenvolvidos por completo.
A história principal, como dita pelos próprios desenvolvedores, é a estrutura mais importante do jogo. Morando em Canto Bight, Kay Vess aprendeu a se virar nas ruas, vivendo de pequenos golpes e furtos acompanhada de seu bichinho simpático Nix. Entretanto, seu maior sonho é se tornar uma temida caçadora de recompensas. Ao surgir uma oportunidade de um assalto ao ricaço Sliro, Kay se une a outros golpistas.
Conseguindo infiltrar na mansão do figurão com sucesso, Kay descobre que ela própria caiu em um golpe e foi abandonada à própria sorte. Conseguindo escapar por pouco, ela rouba a lendária Trailblazer, nave de Sliro, e inicia sua jornada pela galáxia, tentando se livrar da Marca de Morte que recebeu, sendo caçada por diversos mercenários. Para isso, ela precisará criar sua reputação entre os sindicatos criminosos e também fazer alguns aliados no meio do caminho, como o estoico droide ND-5 que tem seus próprios propósitos e interesses em Kay.
Dada a dimensão do jogo, é surpreendente o quão curta é a história de Star Wars Outlaws. Jogando casualmente, sem pressa alguma, finalizei a aventura em questão de menos de 14 horas. Para um jogo alardeado como “o primeiro Star Wars de mundo aberto já criado” (o que não é verdade), custando o preço que custa, a surpresa de sua curta duração causa um desconforto em notar que o marketing do jogo mais uma vez induz ao erro - há umas semanas, o diretor criativo tinha afirmado que a aventura duraria até 30 horas. Uma pena notar a Ubisoft se valer mais uma vez de uma polêmica tão desnecessária que manchou a marca desde Watch Dogs.
Apesar da história ser boa e, no mínimo, interessante, ela leva um bom tempo para pegar ritmo, por volta de quatro horas, por obrigar o jogador a realizar algumas atividades de mecânicas importantes em Toshara, primeiro mundo que Kay visita. Com um excesso de fetch quests e missões stealth de fracasso instantâneo se flagrada em cenários de level design precário, é muito fácil ficar irritado com o game.
Neste ponto, as interações de Kay se valem com NPCs relativamente genéricos de cada sindicato e sofre com a ausência de personagens interessantes, além da própria protagonista não ter outro objetivo além de se tornar mais confiante nos seus serviços de mercenária. Nos traços de personalidade, felizmente não se trata de uma protagonista insuportável ou convencida como a franquia tem se acostumado a apresentar.
É fácil sentir empatia por Kay e, aos poucos, uma construção melhor delineada do seu passado e relações familiares, exibe os traumas dela em relação ao abandono e o fato de ser usada e traída. Uma pena, porém, que o tema por ser denso, acaba muito limitado e pouco explorado por conta da questão que apontei acima: a Disney tem dedo nisso aqui. Ao menos, um acerto da Disney é o carisma de Nix. O pequeno alien é bem fofo com seu design nitidamente inspirado no Stitch e em Banguela, ambos desenhados por Chris Sanders.
Após o longo período de teste de paciência, o jogador começa a ser recompensado ao poder visitar outros planetas como Tatooine, Kijimi e Akiva, além da introdução de ND-5, droide de comando BX super estiloso sobrevivente das Guerras Crônicas - além de usar um sobretudo estiloso. O personagem é o ponto alto da história, possuindo um conflito genuinamente mais interessante do jogo inteiro, além de ter o arco melhor trabalhado chegando até mesmo a possuir algumas missões paralelas que envolvem seu passado - o trabalho é tão bom que chega a remeter K-2SO de Rogue One.
Então logo a narrativa se transforma e passa a focar em Kay buscar novos integrantes para a sua equipe. Infelizmente, a maioria deles, tirando a engraçada Ank, são pouco interessantes, mas conseguem expandir um pouco a mitologia da saga. Aliás, um dos pontos mais legais do jogo é a diversidade de raças alienígenas dos personagens que surgem na aventura. Uma pena, porém, que os comparsas não recebem missões extras com mais detalhes de suas histórias - como ocorre em Mass Effect, por exemplo.
Como de costume nos games da Ubisoft, o antagonista Sliro é fraco e pouco presente, delegando a caçada para outra mercenária chamada Veil. Uma escolha fraca que apaga a presença do vilão. Todo o arco envolvendo Veil e Sliro é bastante previsível, excetuando uma surpresa guardada para o final do jogo.
A Massive também faz algo, aí sim, pioneiro em Outlaws, ao delegar a árvore de habilidades de Kay a certos especialistas que o jogador pode encontrar nos quatro mundos disponíveis. Sendo 8 no total, ao menos sete trazem missões próprias com historinhas que conseguem entreter, embora nenhuma seja particularmente notável. Após desbloquear o especialista, o jogador precisa realizar alguns desafios para destravar a habilidade - o que contribui para inflar o tempo de jogo. Entretanto, destaco que terminei a aventura só com cinco especialistas destravados e não encontrei dificuldades para tal, o que revela que as habilidades não são tão essenciais quanto se imaginava.

Dilemas de interesse
Apesar da história principal ser boa e até trazer uma relação interessante de Kay com a Aliança Rebelde, é difícil dizer o mesmo para as missões paralelas. Seja as de especialista ou as criadas pelos sindicatos do crime, é um pouco mais difícil se sentir motivado a explorar mais das narrativas do jogo. Como afirmei, nada é verdadeiramente ruim, mas há um sentimento incômodo de histórias pouco inspiradas e previsíveis ao máximo, além de ser o terreno onde as políticas “modernas” acabam surgindo com personagens não-binários, etc.
Há sim muito conteúdo secundário para o jogador investir muitas horas, mas qualquer outro que seja mais versado no assunto ou tenha maior repertório narrativo, dificilmente terá a atenção retida por muito tempo. O que é uma pena, honestamente, já que muitas chances parecem ter sido desperdiçadas.
Um dos elementos que eu acreditava que estava presente, não existe no jogo: a possibilidade de estreitar relações com o Império Galático. Na verdade, existem somente quatro facções no jogo, sem a opção de Kay trabalhar para os Rebeldes ou para o Império. Sendo uma história situada entre o longo hiato temporal de O Império Contra-Ataca e O Retorno de Jedi, muitos personagens de legado poderiam interagir com a personagem em histórias diferentes e aventuras inéditas. Nem mesmo os mercenários enviados para capturar Han Solo chegam a aparecer aqui. Uma verdadeira pena.
Os fãs podem ter maior interesse em trabalhar para os Hutt, uma das facções, pelo fato de Jabba e seu palácio estarem no jogo. Os outros sindicatos como os Pyke, Aurora Escarlate e o Clã Ashiga completam o rol e possuem suas próprias narrativas. Aliás, uma das mecânicas mais interessantes do jogo é justamente o sistema de reputação de Kay. Ao ajudar um sindicato, invariavelmente você vai acabar prejudicando outro, então é importante saber fazer escolhas corretas e equilibrar a frequência de missões para não se tornar uma inimiga declarada.
A Massive criou um bom sistema no qual quanto melhor a relação, mais benefícios Kay possui com os criminosos, enquanto no pior possível, passa a ser ativamente caçada por eles, além de bloquear oportunidades de novas missões específicas a um sindicato. O sistema funciona bem e é uma lástima que o Nemesis - criado para Shadow of Mordor, seja patenteado, pois aqui seria algo muito bem aplicado, adicionando mais imersão ao jogo.
Com esses dilemas que Kay enfrenta, há desdobramentos de escolhas, mas nenhuma delas chega a alterar a narrativa principal ou o final do jogo - o que também é uma pena. Na galáxia, é possível encontrar negociadores de serviços nas cantinas de cada planeta, trazendo coisas novas sempre, além de algumas oportunidades de serviço serem descobertas através da exploração ou ocorrendo como um evento orgânico dentro do mapa.

Star Wars Outlaws é grande, mas não enorme
A Massive dedicou ao menos quatro anos inteiros na produção de Star Wars Outlaws e pretendia realizar um dos maiores projetos da própria existência. Criar mundos abertos não é uma tarefa fácil e aqui, há a tentativa de criar quatro deles. De fato, três mapas são relativamente grandes, com áreas exploráveis de montão em Akiva, Toshara e Tatooine, mas, ao mesmo tempo, todos transparecem ser diminutos já que os pontos de interesse, ainda que espalhados, não conseguem emplacar a dimensão de algo realmente enorme.
Sempre caprichosa, é inegável que todos os locais possuem forte design artístico, arrancando cenários muito bonitos conforme Kay explora desertos, selvas exuberantes ou prados tranquilos com montanhas no horizonte. Com cada planeta possuindo até mesmo um sistema próprio de clima e ciclo de dia e noite, é possível ver a protagonista empoeirada, repleta de neve ou toda molhada pela chuva, além da arquitetura, flora e fauna sempre ser muito distinta em cada um deles - tudo isso reagindo às intempéries do clima como ventanias e tempestades.
O acerto em capturar o design icônico de Tatooine e de naves imperiais não pode ser ignorado. A Massive realmente se empenhou ao máximo para propiciar um alto nível de imersão visual na franquia e, no que ela cria, casa perfeitamente com os mundos monotemáticos já idealizados por George Lucas. É mesmo muito bem feito e, com exceção de Toshara que sofre com level design péssimo para missões stealth, todos os outros níveis são caprichados - só há um excesso nítido de passagens envolvendo dutos para Kay se transportar nos níveis.
Há sim uma repetição de quebra-cabeças em trechos de exploração em plataforma, mas não é nada que chegue a prejudicar o jogo. Principalmente porque os minigames envolvendo mecânicas de hacking e lockpick são bem divertidos e possuem também opções de acessibilidade bem-vindas.
Outro acerto do estúdio é a densidade populacional dos mundos que são vivos e repletos de atividades secundárias como corridas, cavernas, bases secretas, jogos de sabbac, comidas de rua, lojas diversas para compra de cosméticos e peças, entre outros. Então, de fato, não existem microtransações no jogo no momento, com as roupas para Kay e Nix disponíveis em missões ou lojas - algumas tem atributos passivos e alguns extras se forem usadas em conjunto completo (há também transmogrifação).
Tão importante quanto a imersão no mundo, estão as mecânicas de jogo que, felizmente, são funcionais. Todas as que envolvem Nix são bem implementadas e devem ser usadas pelo jogador com frequência - ele pode furtar, destravar portas, pegar armas e itens, além de distrair ou atacar inimigos em patrulha.
O tiroteio é funcional e chega a copiar a mecânica de congelar o tempo para eliminar inimigos marcados de uma só vez (de Red Dead Redemption), mas não há muita profundidade nele. É prazeroso e funcional, apenas. Kay infelizmente não pode possuir nenhuma arma além do blaster em seu coldre, então, apesar da variedade de rifles, snipers, lança-granadas e outras armas, todas possuem uma quantia limitada de munição e só podem ser usadas após alguns inimigos as derrubarem. Também não é possível transportá-las para onde quiser, já que Kay precisa subir escadas e se enfiar em dutos diversas vezes.
Logo, a variedade dos três tipos de munição para a blaster é o que traz de mais complexo para o jogo. Mais um ponto polêmico e um tanto sem sentido é o fato de Kay não poder pilotar nenhuma outra speeder além da própria - por sinal, os controles dos veículos são bons. Ela possui também progressão de aprimoramentos para ter turbo, saltos e mais velocidades, mas não poder usar a icônica speeder imperial é frustrante e quebra a imersão.
Aliás, o mundo aberto pode ter sim muitos quilômetros quadrados, mas não é um verdadeiro sandbox. Não é possível machucar civis e tocar o terror, sendo um mundo aberto muito mais semelhante aos de Assassin’s Creed do que um GTA propriamente dito. Outro ponto importante é a nave Trailblazer.
O jogador só a controla nos territórios espaciais já que a decolagem e aterrissagem são feitas de forma automática em cinemáticas de carregamento que são “imperceptíveis” por não ter uma tela de loading. Logo, é possível ver sim a Trailblazer sair do espaço e adentrar a atmosfera dos planetas, mas o jogador não terá controle da nave nessas partes - ainda assim, já é uma exploração espacial mais interessante que a vista em Starfield, com certeza.
Os mapas espaciais permitem exploração e combate trazendo também algumas missões mais elaboradas, mas a maior parte desse conteúdo é opcional e bastante arcade. Ou seja, não espere nenhum sistema complexo para a nave além de uma cadeia de progressões óbvias como novos armamentos, mais munição, saúde, etc. Como de costume, as batalhas espaciais são um gosto adquirido e vejo com facilidade muita gente detestando pelos controles que só são aprimorados através das habilidades por especialistas.
É importante mencionar também o sistema de “procurado”. Em geral, ele não funciona muito bem ainda, com as perseguições sendo um tanto desconexas, mas é uma adição interessante até para limpar o nome de Kay - basta fugir do sistema solar que está ou matar uma trupe de Death Troopers.

Bonito de longe, nem tanto de perto
Ao jogar Star Wars Outlaws, é inegável que tive momentos de apreciar a beleza dos biomas e bases imperiais que a Massive construiu, mas ao mesmo tempo, é nítido que o jogo tem muitos momentos visuais rudimentares. Sim, o downgrade visual é claro, escancarado, ao comparar os gráficos do jogo com os apresentados no longo trailer de revelação de 2023.
A iluminação não é tão boa como a apresentada, a atmosfera dos locais que Kay visita idem, além de efeitos de fumaça e partículas terem sido simplificados. Felizmente, as animações físicas de Kay e Nix não foram comprometidas, mas é muito triste notar como as animações faciais são uma verdadeira porcaria - ainda piores que as vistas em Mirage no ano passado.
Sendo um jogo tão focado na narrativa, muito me espanta em notar a falta de capricho ou total limitação técnica da Snowdrop em conseguir entregar qualquer semblante que seja meramente humano para os personagens, principalmente para Kay que parece uma boneca borrachuda inchada destruída pelo botox feito no Brás em São Paulo - o que fizeram com o rosto da personagem é mesmo imperdoável. Aliás, há uma falta de cuidado nas texturas faciais de todos os personagens humanos, em geral - o mesmo com texturas de baixa qualidade nos centros populosos de Toshara.
O trabalho dos animadores faciais felizmente não chega a destruir a ótima dublagem dos atores originais, mas prejudica bastante o senso de imersão do jogador nas cenas de diálogo renderizadas no motor gráfico de Star Wars Outlaws. É um problema tão notório que até o time de desenvolvimento nota ao trazer sequências pré-renderizadas em um CGI um tantinho melhor animado.
O que me leva a pensar que talvez a adição de tantos alienígenas tenha sido proposital para evitar animar mais faces humanas de personagens de destaque do jogo, já que todos eles nunca exibiram um semblante diferente na saga. Para piorar, o jogo está com uma falha perceptível de sincronia labial e animação dos lábios, criando um efeito bizarro de dublagem de novela mexicana, uma estranheza tensa e, pelas notas dos desenvolvedores, isso não será corrigido no patch do primeiro dia, já que nem chega a ser mencionado.
Jogando no PC, munido de uma 4090, eu não esperava ver muitos problemas de performance, mas infelizmente eles existem e é bom ter cautela caso tenha uma máquina menos potente. Em algumas cidades, principalmente no centro de Toshara, há flutuações pesadas na taxa de quadros por segundo. Ao longo do período que joguei, não pude testar o DLSS 3.5 ou FSR 3 sob orientação da própria Ubisoft, mas é esperado que o recurso esteja disponível no lançamento. Talvez, com isso, as flutuações sejam menos perceptíveis em áreas mais densas de NPCs.
Ainda assim, sendo um jogo que sim, é bonito, mas ao mesmo tempo não se trata da obra mais linda já feita na geração, é um tanto preocupante que exija tanto do hardware - ainda mais levando em conta a otimização exemplar de Black Myth: Wukong. Imagino que haja espaço para otimização. Mas em geral, o game roda bem, não possui bugs notórios que prejudiquem o progresso das missões e também não crasha. Logo, para o PC, está perfeitamente jogável - desde que faça concessões nos sliders de configurações gráficas.
O jogo possui efeitos em ray tracing que realmente se fazem perceptíveis ao trazer sombras muito suaves, oclusão ambiental de ponta de linha e iluminação colorida em tempo real. Os reflexos já são mais complicados. Todos os que envolvem água são muito bonitos, mas os reflexos dos pisos lustrosos de complexos imperiais deixam bastante a desejar, virando uma confusão difusa de artefatos visuais cinzas.
Como todo Star Wars, Outlaws também visa caprichar no departamento sonoro e musical. Em questão de efeitos sonoros, é tudo perfeito e fiel à saga, enquanto a trilha original mais acerta do que erra. O tema principal é majestoso e planetas como Tatooine e Akiva possuem faixas muito atmosféricas, mas as composições de Toshara, principalmente do centro, não combinam muito bem com o estilo musical que John Williams definiu para a franquia como um todo.

Star Wars Outlaws é uma experiência bem-vinda
Em geral, Star Wars Outlaws é uma experiência agradável e certamente bem-vinda por tirar o bendito foco dos games em histórias sobre jedis e siths. Ainda que seja uma aventura simples e irrelevante em termos canônicos, é uma boa história que expande mais a mitologia da saga de modo satisfatório. É um jogo que tem sua parcela de problemas, principalmente a curta duração da história principal e as animações faciais, mas os acertos compensam as falhas.
A paixão da Massive pelo jogo é perceptível sem dificuldades. Espero que, com os ajustes necessários, o game consiga ser suficiente para trazer mais história de Kay, Nix e ND-15, afinal o mais difícil foi feito: criar protagonistas carismáticos em uma franquia que, atualmente, só tem despertado antipatia dos próprios fãs.
Agradecemos a Ubisoft pela cópia gentilmente cedida para a realização desta análise
Crítica | Longlegs: Vínculo Mortal tenta ser um clássico, mas só é bom
Há algumas maneiras de diferenciar "suspense", "mistério" e "horror" dentro do cinema e não há consenso quanto a elas. Hitchcock brincava que suspense é quando o espectador sabe mais que os personagens e mistério quando ele sabe menos. Podemos jogar com o mestre da Hollywood clássica e ampliar seu conceito: suspense é uma "bomba" debaixo da mesa, horror é uma bomba em cima da mesa e mistério é não saber se aquilo é realmente uma bomba, quem colocou a bomba ali, etc.
Osgood Perkins (filho do lendário ator Anthony Perkins, do "Psicose" de Hitchcock, por acaso), diretor e roteirista de "Longlegs: Vínculo Mortal", um dos títulos mais esperados do ano, conhece um pouco de cada conceito e parece acima de tudo um estudante aplicado. Em seu filme anterior, "Maria e João: O Conto das Bruxas" (2020), exercitou sobretudo suas proezas visuais (a ponto de servir de clara inspiração para Alex Garland em seu "Men: Faces do Medo" (2022), ambos contos de fadas perversos e que possibilitam leituras contemporâneas com o pano de fundo da "floresta encantada" das histórias infantis).
Em "Vínculo Mortal', Perkins procura dar equilíbrio a um material que vai oscilar durante a metragem entre o suspense (que ele trabalha bem), o horror (que é sutil, presente sem apelar ao histrionismo que tanto contamina o gênero atualmente) e o mistério - e é aqui onde ele encontrar'as maiores dificuldades.
Na trama, a agente do FBI Lee Harker (interpretada por uma Maika Monroe que passa o filme inteiro atônita) é uma recruta com poderes aparentemente sensitivos designada para investigar um caso não resolvido de um serial killer que assina seus crimes como "Longlegs" - isso em algum lugar do noroeste dos Estados Unidos durante o governo de Bill Clinton. À medida que ela segue as pistas, descobre conexões com práticas ocultas e se vê pessoalmente envolvida na caçada ao assassino.
Perkins assina também o roteiro, o que lhe possibilita prestar verdadeiro tributo a ao menos três clássicos definitivos do subgênero de "serial killers": a referência mais evidente e que ele explorá à exaustão (na protagonista que tem traumas infantis, na sua relação com um mentor no FBI, em sua sexualidade amorfa, etc.) é a de "O Silêncio dos Inocentes" (1991). Mas estão ali também "Zodíaco" (2007), presente nas cartas codificadas pelo assassino e "Se7en - Os Sete Crimes Capitais" (1995), especialmente em um ponto específico e culminante do enredo que não se pode revelar aqui.
É certo que "fazer referências" tornou-se de 20 anos para cá um tiro meio certeiro que os cineastas podem disparar e também um mecanismo de proteção diante da cinefilia militante - como se a cada nova referência a um filme famoso do passado, o diretor do novo filme dissesse "Veja, eu também sou cinéfilo, eu também reverencio os mesmos filmes que você!".
Perkins, entretanto, filma com rara consistência e o tributo que presta é de um admirador estudioso e aplicado. Ao usar diversas vezes o recurso de centralizar a protagonista no quadro, por exemplo (uma característica que remete diretamente a Jodie Foster filmada por Jonathan Demme), ele demonstra compreender e dominar os recursos de narração que a linguagem cinematográfica possibilita, no jogo de olhares e ponto de vista, na imersão espacial do espectador nas cenas, nas rimas internas (que ele faz, por exemplo, ao repetir o padrão de quadro com alguns personagens e dispensar outros, e mais não se pode revelar porque se entregaria aqui informação da trama...). Há um cineasta de verdade por trás de "Vínculo Mortal", e não um cabotino implorando por atenção.
O esmero formal é certamente um dos maiores acertos aqui: o trabalho de câmera é excepcional, a iluminação é elaborada e extremamente sugestiva, a edição de som é um elemento vivo dentro do espetáculo, a música é perturbadora e ajuda a carregar as cores da jornada infernal de Lee Harker.
A partir de então, as qualidades do filme sofrem uma reviravolta e precisamos entender o que aconteceu para que o filme chegasse aonde chegou.
Longlegs quer ser um hit cult
É curioso notar como "Vínculo Mortal" tem pretensões de se equiparar ao nível dos melhores filmes de serial killer já feitos e o realizador não faz questão de esconder tal objetivo. A pretensão em si não é exatamente um problema, mas a dificuldade de entregar aquilo a que se propõe talvez seja. E uma das explicações para que este objetivo não seja atingido pode estar exatamente em suas fontes de referência.
Há uma diferença aparentemente banal, mas fundamental, entre o filme de Perkins e suas três maiores referências. "O Silêncio dos Inocentes" parte do best-seller de Thomas Harris na poderosa adaptação do roteirista Ted Tally e, embora Demme tenha feito cortes sutis na versão final, sua participação termina por aí. "Zodíaco" por sua vez é a versão cinematográfica de uma célebre história real, também parte de um best-seller de não-ficção (de Robert Graysmith) e foi roteirizado por James Vanderbilt. Finalmente, "Se7en" é um roteiro original de Andrew Kevin WAlker e até hoje de longe seu melhor trabalho.
Ou seja: o material dramático com que os três diretores trabalharam para criar suas obras-primas (e não é exagero usar tal expressão em nenhum dos três casos) tem de longe muito mais consistência que o roteiro próprio que o diretor filmou em "Vínculo Mortal". A história do cinema tem notáveis casos de gênios diretores que nunca foram exatamente roteiristas (pode-se citar Kubrick, Spielberg e Hitchcock para encurtar a conversa aqui). Há também brilhantes diretores-roteiristas (como Woody Allen, Tarantino, Fellini, Godard...), muito à vontade para levar às telas seu próprio texto. Mas não parece ser este último o caso de Osgood Perkins porque a grande fraqueza e a impossibilidade pela qual seu filme não atinge o mesmo nível das obras que o inspiraram é o roteiro, exatamente onde residem suas maiores fraquezas.
Não se pode aqui dar muitos detalhes a respeito da trama, uma vez que o "mistério" é parte importante de "Vínculo Mortal". Mas é sua parte mais fraca. A contrário do filme de Jonathan Demme, por exemplo, que quando observado em retrospectiva, tem uma trama muito simples, embora sofisticada na condução e nos temas, o roteiro de Perkins funciona como um quebra-cabeça complexo, excessivamente "enigmático", que quando completado revela uma imagem não exatamente "surpreendente", mas antes disso deslocada do conjunto.
O que se descobre finalmente - e tal descoberta envolve atabalhoadamente o "vilão ocultado", interpretado por um Nicolas Cage que parece o Bufallo Bill antagonista de Jodie Foster se este fosse interpretado por Mickey Rourke - de alguma maneira não encaixa com o que se assistiu antes com apreensão e curiosidade. No final, o espectador é conduzido por Perkins a um pesadelo que se inicia no grande cinema praticado nos anos 1990 (e está lá sua fonte de inspiração), mas despertado na banalidade solene, algo "litúrgica", dos mais repetitivos exemplares atuais do gênero.
Não é preciso muito esforço para se dar conta de que Perkins parece ser muito melhor diretor do que é roteirista (ou ao menos do roteirista que nos apresenta o decepcionante vilão Longlegs). Vamos esperar ansiosamente que seus próximos filmes encontrem um equilíbrio mais feliz entre drama e forma, sendo que esta última o cineasta já parece dominar como os mestres que admira e referencia.
Longlegs: Vínculo Mortal (Longlegs, EUA, 2024)
Direção: Osgood Perkins
Roteiro: Osgood Perkins
Elenco: Maika Monroe, Nicolas Cage, Blair Underwood
Gênero: Horror, Thriller, Crime, Mistério
Duração: 101 min
Crítica | O Corvo (2024) é uma péssima tentativa de fazer Crepúsculo para a geração Z
Assim como o personagem protagonista, Eric Draven, O Corvo é uma franquia que simplesmente se recusa a morrer - seja em qualquer mídia. Sendo um sucesso popular desde seu lançamento nos quadrinhos de James O’Barr em 1989 e atingir o ápice com o icônico filme de 1994, é de se impressionar que a história volte a ser contada agora em 2024.
Entretanto, é um fato concreto que o filme original traz uma barra bem alta para qualquer nova tentativa conseguir, no mínimo, se igualar. Brandon Lee ficou eternizado como o personagem - muito mais pela performance do que pela tragédia, e o filme por si só possui inúmeras qualidades que o tornam uma das melhores histórias de vingança já contadas.
Muito conscientes dessa dificuldade, o diretor Rupert Sanders e o roteirista Zach Baylin tentam fazer deste novo O Corvo, um recomeço e não um remake. Diversas mudanças são sentidas desde os primeiros segundos de filme - após uma longa apresentação de produtoras bizarras que investiram nesse desastre aqui - e, em questão de minutos, já é possível perceber que você, espectador, está metido em uma bela enrascada de quase duas horas de duração.
https://www.youtube.com/watch?v=2wNOfSJDAoU
O superpoder da “revolta”
É difícil não comparar o original com esta nova versão em muitos sentidos por causa das escolhas narrativas que Baylin toma para contar a história. Em essência, ainda se trata da mesma desventura de Eric Draven (Bill Skarsgard) que, após testemunhar a morte da namorada Shelly (FKA twigs) e ser assassinado por invasores, retorna dos mortos em busca de vingança. É algo tão simples que fico surpreso em como conseguiram tornar uma história interessante em algo lento, arrastado, chato e genérico - ou seja, nada do que O Corvo deveria ser.
Nessa tentativa fracassada de se afastar do filme original, Baylin e Sanders resolvem apostar na relação de Eric com Shelly. Nisso, as problemáticas de “incidentes incitantes” envolvem a perturbada jovem que está metida com pessoas poderosas e perigosas. Após uma trama desnecessariamente complicada que só prejudica o filme, Shelly acaba aparentemente presa em uma instituição que é impossível saber se é uma cadeia ou um centro de reabilitação - falha bizarra do design de produção e figurino, além do roteiro.
É lá que ela e Eric se conhecem e em questão de algumas horas já se tornam amantes eternos do mais puro e verdadeiro amor. Ajudaria bastante se o casal protagonista tivesse algum resquício de química, mas não é o caso. Eric é retratado da forma mais insossa e sem graça por um Skarsgard nada inspirado que parece mais apostar no impacto visual das tatuagens que ilustram seu corpo inteiro - tudo para reforçar que ele é “perturbadinho” e “esquisitinho”.
Tendo sua oportunidade de brilhar pela primeira vez ao retratar Shelly com algum conteúdo, FKA twigs e roteirista falham miseravelmente em torná-la única ou interessante - o trabalho da atriz é muito ruim, conseguindo ser a proeza de conquistar o rótulo de pior do elenco. Os diálogos trocados entre os amantes são medíocres e os momentos que compartilham juntos não inspiram amores, beirando o clichê de cenas românticas de séries adolescentes de baixo orçamento. Na verdade, é fácil visualizar Eric e Shelly como um casal gen-z padrãozinho jovem místico/alternativo que tira sustento através de vídeos duvidosos no Onlyfans.
Por conta dessa aposta no casal - que era desnecessária já que a história é ruim, o alicerce do filme já está condenado, afinal não dá para confiar na motivação de Eric em vingar sua amada. Aliás, é igualmente esquisito notar que o filme demora ao menos quarenta minutos até Eric começar a tatear o sobrenatural de sua identidade sobrenatural como Corvo.
Mesmo assim, após essa transformação, o filme não consegue engrenar, sofrendo com essa tentativa torta de se diferenciar do original. Há muita exposição repetitiva, mais uma sequência de diálogos insuportáveis na espécie de Umbral que Eric fica após seu assassinato até seu retorno como Corvo.
A vingança não empolga por ser rala, já que os antagonistas são igualmente genéricos. Dessa vez até existe um certo elemento sobrenatural envolvendo Vincent Roeg, vilão da história que não possui mais nenhuma característica além de um pacto demoníaco. É uma pena, já que um ponto narrativo não resolvido envolve a busca dele por uma pianista após Shelly não fazer mais parte de sua trupe. Sua motivação também é problemática para não dizer inexistente, além do fato de Danny Huston ser o ator escolhido e não trazer nada de novo - Huston é sempre a opção para ser o vilão genérico de baixo orçamento, uma pena.
Retorno inglório
Parece que Rupert Sanders simplesmente não consegue dar sorte. Apesar de não ser um cineasta frequente, ele chamou a atenção pela qualidade visual que seus filmes apresentam - A Branca de Neve e o Caçador e Ghost in the Shell. Entretanto, nem mesmo isso é um diferencial para O Corvo, já que o vírus da apatia também parece ter afetado o trabalho do cineasta que incorre a decisões confusas - como uma outra abertura de créditos iniciais mais “autoral”.
Por conta do visual caótico, anárquico e profundamente gótico do original, era esperado que o novo filme tratasse esse ponto como uma de suas prioridades. Ledo engano, pois a nova versão é visualmente insípida, limpa até mesmo no lixão repleto de drogas onde Eric mora. O design de produção erra diversas vezes em encontrar o tom correto da história, além de não oferecer nada de valor para o filme em si. Até mesmo o uso da chuva, que era profundamente simbólica na fita de 1994, é trivial, utilizada somente para efeitos plásticos em cenas que Sanders resolve transformar a obra em um videoclipe emo decadente.
A direção aparenta também ser desinteressada no próprio filme. No começo, há desconexão temporal de eventos em cenas que acabam não fazendo sentido - como a apresentação de Roeg ao confrontar uma amiga aleatória de Shelly, e depois em todo o ritmo vagaroso e burocrático. Sanders também pesa a mão em caprichos bestas ao utilizar voz over para trabalhar flashbacks sonoros na mente de Eric em momentos em que a atuação de Skarsgard já bastaria - como se duvidasse da inteligência do espectador.
Para não dizer que nada se salva, o filme possui uma única sequência de ação decente que também replica um clássico clichê do gênero: uma matança paralela a uma apresentação de ópera. Além de uma boa piada visual envolvendo um palito de dente, Sanders consegue trabalhar a coreografia para encaixar em diversos momentos com as danças dos atores que se apresentam no musical. A dose de violência é bastante pesada e abraça um pouco o estilo insano do original ao mostrar tiroteios de cartuchos infinitos de pistolas automáticas. Mesmo sendo uma boa cena, há um desconforto em notar quantas vezes Eric consegue matar o mesmo figurante brucutu ao longo do filme - sim, há uma falta de dublês de corpo para interpretar os capangas descartáveis.
Por conta dessa cena, aliás, e mais algumas outras que Eric apanha, nota-se um puritanismo hipócrita na obra. Por conta da ultraviolência apresentada, a morte “tranquila” do casal por asfixia deixa a impressão de um trabalho condescendente e militante. Isso enfraquece a motivação do protagonista já que ele, em teoria, teria testemunhado as maiores barbaridades cometidas contra Shelly, o infundindo de um ódio incontrolável a ponto de voltar dos mortos para se vingar. Então, por essa falsa “higiene” moral do longa, até a jornada do personagem acaba prejudicada - e se havia problemas com isso, era só mudar o gênero do protagonista.
Pódio dos perdedores
O destino foi generoso com O Corvo. Dentre produções de orçamento mais expressivo, não fosse pela tragédia de Madame Teia, esse seria facilmente o pior filme do ano até agora. Uma boa cena de sete minutos não vai salvar a experiência maçante de aturar os outros 104. Nada aqui funciona, nenhuma ideia chega a esmerar qualquer brilho ou potencial e as decisões narrativas acabam irritando qualquer espectador que estiver prestando o mínimo de atenção - o tanto de conveniência narrativa ajuda a piorar isso (repare nas vezes que Eric descobre para onde ir através de mensagens de WhatsApp).
É mesmo uma obra de lodo, genérica e sem graça que deve conquistar apenas as pequenas bolhas mais bizarras do Twitter. Dessa vez, era melhor Eric ter permanecido morto e enterrado.
Crítica (1994) | O Corvo – Uma Bela história de Morte
A definitiva definição do sonho molhado da geração emo punk rock / gótica e um clássico do Halloween sobre amor condenado e vingança filmado sob um sentimento de pura tristeza e melancolia latente presentes na frente e atrás das câmeras, tudo que ajudou a lançar o nome e imagem tanto do filme quanto sua estrela principal para se tornarem um verdadeiro ícone popular.
Infelizmente o (merecido) status de clássico cult e a infeliz tragédia que cercam O Corvo meio que eclipsam a verdadeira grandeza do filme de Alex Proyas: tanto como um belo debut na direção; como o encapsulamento de todos fetiches estéticos de uma era, entregues sob uma penumbra de criatividade fantástica; ou por seu incrível controle distinto de estilo e linguagem de gênero que ele oferece de sobras sob uma aura de desolação existencial evocativa que formam aquele raro tipo de definição "à frente de seu tempo" para o panteão de adaptação de quadrinhos.
Precedendo a era dos filmes quadrinhos casca-grossa com classificação R, estabelecida por títulos como Blade no final dos anos 90 e depois impulsionada por Sin City em meados dos anos 2000 e suas ruas sombrias banhadas pelo espírito Neo-Noir. Enquanto que Proyas parece ser uma das únicas almas criativas que já havia entendido perfeitamente o que Tim Burton fizera com seu Batman em 89, assumindo o look e tom sombrios de seu material de origem e injetando-os no design artístico, tom e palheta visual. Honrando o traço original do autor de O Corvo, James O'Barr, mesmo que agora à cores, mas filmado sob iluminação "chiaro-escuro" (claro e sombrio), ao mesmo tempo em que ecoa trabalhos semelhantes de Frank Miller ou Alex Maleev, desenhados com aquela tristeza matizada e raiva abstrata impressa em cada traço à mão.
Sendo recheado da melancolia existencial emo das páginas de O'Barr trazida à vida com uma sensibilidade emocional séria, digna de um romance de monstro gótico, inserida em uma realidade opressiva e assombrada de um mundo condenado, com essa versão videoclip de Detroit se tornando sua própria proto-Gotham City com becos sombrios, ruas molhadas, céus vermelhos e arquitetura industrial esfumaçada, banhada em sombras e uma paisagem urbana decadente. Parecendo a versão absolutamente moderna de um conto de fadas expressionista alemão digno do primeiro Batman de Burton, mas elevado a uma capa álbum de rock en roll de metal, misturado com um conto sombrio de Edgar Allan Poe incorporado à personalidade carnavalesca dos quadrinhos.
Firmando uma tradução "da página para a tela" quase perfeita e que alcança resultados muito melhores do que tentativas posteriores que até hoje se tornam vítimas de ritmos lapidados e desconjuntados vindo de produtores executivos e suas decisões "criativas" icócuas, ou apenas tentativas criativas superestilizadas e vazias. Capturando lindamente a consistência visual Neo-Noir de uma longa noite de pavor onde monstros perambulam, e onde até o ritmo flui como o virar das páginas de quadrinho, ritmado com precisão cronometrada que captura a linguagem sequencial e a câmera se porta como se fosse cada tira quadrinhesca atravessando cada beco escuro, apartamento sujo e calçada encharcada sempre que a narrativa salta de um personagem para outro e habitamos cada centímetro de tempo e espaço desse universo de maneira sempre vívida e contínua.

Que pode até ficar um pouco vago quando a narrativa não vai muito além de sua rica superfície texturizada mas que atua sob uma estrutura de clichês bem previsíveis de busca por vingança, mas com alguns momentos inesperadamente doces e de troca terna entre os adoráveis personagens secundários de Albrecht (Ernie Hudson) e Sarah (Rochelle Davis) que novamente reafirmam a aura de luto e melancolia sincera que ronda a própria obra. Fazendo o que acaba impresso na tela forte o suficiente para gerar uma impressão duradoura, presente solamente na performance de Brandon Lee.
Sua atuação como Eric Draven é nível Heath Ledger como Coringa, devorando absolutamente cada uma de suas falas e tempo de tela com exuberante confiança e entusiasmo que irradia a frieza magnética e imponente de seu personagem. É exatamente como testemunhar uma persona de história em quadrinhos ganhando vida, transmitindo a vingança luxuriosa e espectral ambulante, a sede sádica de sangue, mas também a inocência torturada de um coração puro e bom escondido por trás de tudo. Ele é o vigilante anti-herói que você teme, mas seu lado emo sadicamente deseja ser. Mas também a figura trágica que você absolutamente se vê envolvido, que auxiliada pelas trágicas circunstâncias da vida real, a melancolia que cerca cada uma de suas cenas se torna palpável à um nível espiritual.
Inegavelmente a alma do filme, mas cada um dos rostos memoráveis e personalidades que o cercam também brilham aqui. Michael Wincott não errava nenhuma interpretando vilões nos anos 90 e seu Top Dollar é provavelmente o mais divertido e diabolicamente malicioso do ator, acompanhado pelo próprio Candyman, Tony Todd, como seu assistente / capanga – e Todd ainda o vende de forma tão dominadora e fodão.
E sim por mais que o destaque do filme seja realmente na atmosfera penetrante linguagem visual quadrinhesca trazida à vida graças a icônica atuação central, mas também não faz nada feio quando vamos para usuais sequências de tiroteio e ação onde o imortal arauto da morte se solta chutando alguns traseiros, mesmo em meio à simplicidade básica de decupagem e as sequências básicas de execução ala Desejo de Matar. O destaque em especial fica quando vemos Eric despachando um pequeno exército de capangas no que parece ser um balé caótico de execuções digna de John Woo, onde até cabe uma espada de samurai no meio!
Por meio de todas as agulhas cegas de seringas sendo usadas como armas assassinas, visões atormentadas de trauma, um banho de sangue do físico e da alma; também testemunhamos uma história pura sobre um amor descontrolado que sobreviveu à própria morte, assim como o legado deixado pelo trabalho de Brandon. Pode não ser muito, mas o forte coração pulsante aqui faz a obra se elevar bem além!
O Corvo (The Crow, EUA – 1994)
Direção: Alex Proyas
Roteiro: David J. Schow, John Shirley, da hq de James O'Barr
Elenco: Brandon Lee, Rochelle Davis, Ernie Hudson, Michael Wincott
Gênero: Ação, Crime, Drama
Duração: 102 min.
Crítica | Batman: Cruzado Encapuzado: 1ª Temporada - Traz bons momentos do homem-morcego em trama repetitiva
Não é nenhuma surpresa que Batman seja um ícone da cultura pop, com inúmeras adaptações em filmes, séries, games, e muito mais. Os longas animados do personagem geralmente agradam aos fãs do Cavaleiro das Trevas, e a tradição da DC em criar ótimas animações sobre o herói de Gotham já é consolidada. Em Batman: O Cruzado Encapuzado, uma série em dez episódios disponível no Prime Video, não há grandes novidades em relação ao que já foi visto em outras produções do Batman, mas, mesmo assim, a série consegue divertir.
A demanda por novidades é alta, especialmente em um cenário onde o herói mascarado de Gotham já foi retratado de todas as formas possíveis em sua luta contra o crime. Cruzado Encapuzado não reinventa a roda; a série segue a fórmula conhecida de diversas animações e filmes do Batman, trazendo caos por meio da aparição de vários vilões e colocando o justiceiro bilionário para enfrentá-los. Como mencionado, nada de novo.
A questão é que, mesmo sem trazer um ar de novidade, a série ainda empolga por inserir o herói em uma história noir, que confere um tom sombrio à trama e dá maior destaque ao personagem. Ambientada em uma época que remete aos anos 1940, a narrativa acompanha Bruce Wayne no início de sua ascensão como Batman, quando ele decide iniciar sua jornada heroica na luta contra o crime.
O produtor executivo da série é Matt Reeves, diretor de Batman (2022), e fica evidente que Reeves utilizou como referência o clássico animado dos anos 1990, Batman: A Série Animada. A atmosfera sombria e o estilo visual de Cruzado Encapuzado lembram bastante essa obra, o que não é coincidência, já que Bruce Timm, um dos cocriadores de A Série Animada, também participou deste projeto.
No segundo episódio, o vilão e sua motivação são revelados, definindo o foco do roteiro da série. Em vez de um antagonista único que o Batman enfrenta ao longo dos dez episódios, a série adota uma abordagem diferente, apresentando um novo vilão em cada capítulo, como a Mulher-Gato, Arlequina, Vagalume, Fantasma Fidalgo e até a versão feminina do Pinguim, a Mulher-Pinguim.
O grande problema em se introduzir um vilão diferente a cada episódio é a falta de tempo para o desenvolvimento adequado de cada antagonista. Tal fato resulta em uma trama sobrecarregada, com personagens que aparecem e desaparecem rapidamente. Muitos ganchos interessantes são deixados de lado e não são suficientemente explorados pelo roteiro.
Ao revisitar o trauma de Bruce Wayne com a morte de seus pais e como essa perda ainda o afeta, a série tenta inserir maior dramaticidade à trama. Tal elemento é tratado de forma superficial e com diálogos sem profundidade. Embora o impacto emocional da morte de seus pais continue sendo o foco central para a construção do personagem, moldando sua identidade no presente, o seriado apenas arranha a superfície desse delicado assunto. Apesar dos tropeços, Batman: Cruzado Encapuzado consegue captar o tom sombrio que essa história exige, mas deixa a desejar ao não explorar plenamente o potencial dramático da narrativa.
Batman: Cruzado Encapuzado (Batman: Caped Crusader, EUA, 2024)
Criadores: Bob Kane, Bruce Timm
Direção: Christina Sotta, Christopher Berkeley, Matt Peters
Roteiro:Ed Brubaker, Bruce Timm, Greg Rucka
Elenco Principal (Vozes): Hamish Linklater, Jason Watkins, Diedrich Bader, Eric Morgan Stuart, Michelle Bonilla, Krystal Joy, Cedric Yarbrough, Jamie Chung
Duração: 25 min. (cada episódio)
https://www.youtube.com/watch?v=VdQVQRX68Ns&ab_channel=PrimeVideoBrasil