Crítica | Divertida Mente 2 preserva essência do original para trazer boa aventura
O tempo voa. Nove anos se passaram desde a estreia de Divertida Mente nos cinemas que apresentou mais um pico criativo para a Pixar. Após alguns anos bastante difíceis ao colecionar fracassos de público por causa da pandemia, o estúdio agora espera conquistar muitos dólares com a aguardada sequência que promete ser um dos campeões de bilheteria da Pixar.
Sem trabalhar sequências desde 2019 com Toy Story 4, sempre há um frio na barriga ao ver um estúdio tão conceituado se aventurar mais uma vez em narrativas extremamente originais. Com décadas de existência, não é surpresa que a Pixar já tenha seus altos e baixos - principalmente com as sequências. Felizmente, o hiato de cinco anos sem tocar nessas histórias foi um acerto, pois Divertida Mente 2 prova mais uma vez o talento da autocrítica da produtora.
Divertida Mente 2 aposta no seguro
Agora Riley já tem 13 anos e é uma verdadeira adolescente. Tendo conquistado duas grandes amigas na escola e no time de hockey, a jovem parte em viagem em um acampamento para treinar suas habilidades esportivas, além de ter a chance de integrar o time oficial do ensino médio. Entretanto, ao chegar no acampamento, Riley descobre um fato que causa uma verdadeira turbulência de emoções em sua cabeça que passa por profundas transformações.
Alegria, Tristeza, Medo, Nojinho e Raiva terão que aprender a lidar com as novas e impulsivas emoções Ansiedade, Vergonha, Tédio e Inveja que vão partilhar o centro de comando emocional da garota. Entretanto, Alegria e Ansiedade passam a entrar em conflitos sobre as ações da menina, causando uma verdadeira disrupção no cérebro dela.
A história e roteiro de Divertida Mente 2 é assinado por seis mãos trazendo a veterana do filme anterior, Meg Lefauve, de volta. As novidades são o diretor Kelsey Mann e Dave Holstein. A conjunção de talentos dá certo conseguindo entregar uma história bastante redonda - ainda que tenha uma estrutura muito similar a do primeiro filme (uma prática já bastante conhecida da Pixar desde Toy Story 2).
As ideias mais abstratas de Pete Docter, diretor do filme original, se vão para dar vez a conceitos mais fáceis para a compreensão de audiências mais novas - o que também gera o filme ter que se explicar algumas vezes, principalmente no final. Com exceção desse vício, há pouca coisa que desmerece o trabalho criativo.
Muitos dos conflitos de Riley são bastante clichês, algo totalmente compreensível para um filme que busca falar sobre a entrada da adolescência na vida de alguém cujas emoções são muito mais agridoces que as mais puras da infância. Isso é refletido até mesmo no design de cores mais opacas dos novos personagens que possuem tempo de tela o suficiente para divertir. Muitos servem apenas como alívio cômico já que a maior parte do trabalho fica concentrado em Ansiedade que se comporta como uma segunda protagonista, dividindo o espaço com Alegria.
O acerto é alto nas situações embaraçosas e escolhas dúbias que Riley faz - algo que, com certeza, fará o espectador ressuscitar algumas memórias até então esquecidas. O que é ótimo, já que Riley se torna uma personagem mais interessante e complexa do que a vista anteriormente, cumprindo a promessa da jornada de amadurecimento da garota.
Tempestade de ideias
Enquanto há sim enorme margem de segurança na estrutura do filme, isso não invalida as boas ideias apresentadas em diálogos ou piadas. O diretor Kelsey Mann aproveita ótimos momentos para variar estilos de animação trazendo até mesmo um personagem de animação tradicional para fazer piada com programas infantis como As Pistas de Blue ou Dora: A Aventureira.
São momentos de leveza em jogos rápidos de diálogo que sustentam o excelente ritmo do longa. Parece que a Pixar também puxou o freio nos seus orçamentos caros, deixando Divertida Mente 2 uma aventura bastante enxuta até mesmo no visual - descobri após a publicação que o filme custou exorbitantes 200 milhões de dólares que não estão justificados na produção. Não há grandes momentos de espetáculo visual, com exceção do clímax e uma cena de brainstorm no sentido literal.
O cerne do novo filme é a estrutura do Senso de Si, a personalidade da Riley, elementos ainda mais fortes que as memórias-chave do primeiro filme. Porém, como a puberdade acontece, isso também significa que Riley passará por mudanças intensas dentro de si mesma e do conflito de pensamentos que, em uma boa sequência, Mann resolve muito bem ao trabalhar a imaginação de diversos cenários caóticos criados pela Ansiedade.
É um tanto estranho, porém, que justamente essa peça acaba invalidando uma parte da jornada passada de Alegria, que teria aprendido com os próprios erros, quando nessa aventura, há mais uma vez a repetição desse arco. Nisso, é triste que os personagens fiquem um tanto travados nessa questão de crescimento - a única que consegue fugir disso é a Ansiedade que possui também uma jornada bastante previsível, mas que rende momentos belos principalmente por tocar com sensibilidade o tema da TAG.
No que o diretor pode errar um tanto a mão é justamente na sensibilidade imagética da obra. Existem sim os “momentos para chorar”, mas eles carecem da simplicidade emotiva do estúdio que figura em Up ou Toy Story 3, por exemplo. Aqui, nitidamente há uma mão pesada para fazer o espectador chorar - e isso é algo bastante individual. Pode ser que funcione em outros. Em mim não funcionou.
Isso também leva a remeter a trilha musical que tem a função de aprimorar a experiência visual da obra. Desta vez, Michael Giacchino não retorna para criar temas tão memoráveis quanto o original, com Andrea Datzman ocupando a cadeira de compositora. A música é boa, mas não chega perto de se tornar uma parte estrutural do filme além de cumprir suas funções primárias.
Enquanto o diretor capricha bastante no ritmo do filme e na concepção visual de diversos elementos, é um tanto estranho notar como a estrutura de ir e voltar de dentro da Riley também compromete bastante a encenação. Com esse entra e sai, temos uma montagem mais frenética e picotada, com raros momentos de respiro para os personagens ou a câmera se movimentarem em sequências mais elaboradas que já foram vistas em filmes anteriores do estúdio.
A aventura de crescer
Divertida Mente 2 é uma ótima aventura repleta de cores e bons momentos. Não se trata do filme mais original do mundo, mas seu carisma é inegável, assim como o divertimento. Aqui no Brasil, as versões dubladas devem predominar o país e a Disney segue com o comportamento de inserir diversas gírias que estão fadadas a tornar o filme mais obsoleto antes do previsto. A boa surpresa está no trabalho de dublagem, com o diretor conseguindo conter ânimos e qualquer resquício de estrelismo entregando uma experiência bastante equilibrada.
A mente de Riley, mesmo mais madura, segue tão divertida quanto antes. Fica a minha torcida para que as próximas aventuras - que certamente vão existir, tragam emoções ainda mais complexas e o olhar único da Pixar sobre a universal história de crescer.
Crítica | Sob as Águas do Sena é tão tosco que agrada
Os tubarões já atacaram quase todos lugares do planeta Terra nas produções audiovisuais, na neve, no pântano, na areia e até mesmo voando, como foi visto em Sharknado. A maioria dessas obras são trashs e feitas apenas para tirar risos do espectador de tão bizarras que são. Nesse caminho que se encaixa Sob às Águas do Sena, longa de Xavier Gens e que tinha tudo para ser bom.
Com uma premissa simples, a trama, que se passa em Paris, apresenta um tubarão migrando das águas do oceano para o rio Sena, um dos cartões-postais da capital francesa, onde se encontra Lilith, nome dado ao tubarão fêmea. Sophia (Bérénice Bejo), uma pesquisadora que passou por um trauma há alguns anos com esse mesmo tubarão, agora precisa encontrar um jeito de parar a chacina que está por vir.
É impossível não rir do filme da Netflix durante suas mais de 1h30. Diferente de outras produções do gênero, o blockbuster francês (que deveria ter sido lançado nos cinemas e não no streaming) evita focar no tubarão o máximo possível quando este está em cena, provando que quanto menos aparecer, melhor é o resultado.
A mensagem encontrada em Under Paris (título em inglês) é o da poluição como tema de pano de fundo e que serve como força motriz para o roteiro, com a narrativa mostrando que Lilith foi expulsa de seu habitat natural no oceano devido à poluição por plásticos.
Por isso, mesmo sendo algo secundário na história, o surgimento de ativistas liderados por uma jovem garota da nova geração que luta pelo direito dos tubarões à vida soa importante. A cena inicial de matança no Oceano Pacífico serve para destacar as causas ambientais que o filme quer abordar. Nessa cena, ainda no primeiro ato, é possível enxergar uma imensidão de lixo no mar, que será utilizada mais adiante como pano de fundo para a trama.
Passando-se em um período pré-Jogos Olímpicos, a narrativa utiliza o momento para promover as Olimpíadas de Paris — ou pelo menos tenta. Esse aproveitamento é um acerto por parte do roteiro, que usa o contexto para criar cenas hilárias e marcantes na cidade.
Há momentos divertidíssimos, como quando ativistas e policiais são encurralados nas catacumbas de Paris, onde ocorre um massacre com Lilith pulando como se fosse o golfinho Flipper e matando suas vítimas. Outra sequência bizarra é a sanguinolenta cena do ato final, com o tubarão realizando um ataque durante uma prova de triatlo, resultando em um tsunami na cidade.
Sabe-se o quão improvável é encontrar tubarões no rio Sena, mas o longa questiona essa possibilidade com uma certa seriedade. A maneira midiática com a qual o diretor tratou o tema, semelhante ao que foi visto em Serpentes a Bordo, onde cobras invadem um lugar jamais imaginado, se mostra um grande acerto pelo impacto causado.
Nesse cenário, Sob às Águas do Sena se destaca entre tantos longas sobre tubarões que se mostraram repetitivos ou que não acrescentam nada ao subgênero de filmes de ataque de tubarões. É apenas lamentável que o diretor não leve a si nem sua história a sério o bastante, resultando em cenas toscas, porém impagáveis de tão divertidas.
Sob as Águas do Sena (Sous la Seine, FRA – 2024)
Direção: Xavier Gens
Roteiro: Yannick Dahan, Maud Heywang, Xavier Gens
Elenco: Bérénice Bejo, Nassim Lyes, Léa Léviant, Sandra Parfait, Aksel Ustun, Aurélia Petit
Gênero: Ação, Drama, Terror
Duração: 104 min.
https://www.youtube.com/watch?v=w5HaXjlGaZc&ab_channel=NetflixBrasil
Crítica | Alex Jones: Uma Guerra contra a Verdade - Quando o doente morre de overdose de “red pill”
Imagine por um momento que você é pai ou mãe de uma criança de seis anos de idade que acaba de ser brutalmente assassinada na escola, durante um massacre ocasionado por um atirador. Provavelmente estamos falando de uma das piores situações que podem existir. Agora, pense melhor: isto não é o bastante. Depois de perder seu filho tragicamente, você terá de conviver por anos com a descrença e os ataques de centenas de milhares de pessoas que dirão que sua tragédia jamais existiu. Elas irão atacar você em público e privadamente, ofender a memória de sua criança morta e levantar suspeitas permanentes em relação ao que você sente e ao que pode ter acontecido.
Esta é a premissa do bom documentário “Alex Jones: Uma Guerra contra a Verdade”, disponível no Brasil na plataforma Max.
Para você se situar, vamos aos fatos. Em 2012, Adam Lanza, de 20 anos, arrombou a porta de uma escola primária localizada em Sandy Hook, na cidade de Newtown, Connecticut (EUA), portando rifle e pistolas, depois de ter assassinado a própria mãe momentos antes. Lá dentro, ele terminaria por matar outras 26 vítimas (entre crianças pequenas e funcionários), até finalmente se suicidar.
O que seria mais um trágico episódio de assassinato em massa ganharia contornos ainda mais chocantes quando o célebre comunicador da “alt-right” norte-americana, Alex Jones, iniciou sua própria cruzada de desinformação, ao insinuar para milhões de espectadores de seu canal Infowars que tudo não passava de uma encenação elaborada pelo próprio governo: um teatro sem vítimas, onde os pais das crianças seriam “atores contratados”, tudo com o suposto objetivo de criar um clima político propício para aumentar o controle sobre armas nas mãos de civis. Jones e seus seguidores chegam às mais absurdas conclusões lançando mão do que se poderia chamar de “ultraleitura” dos fatos, ou seja: “análise” exagerada e neurótica de gestos, expressões e declarações separadas, forçando um “todo” que se encaixa naquilo que eles já dizem saber de antemão (“Tudo isto não passa de uma farsa”). Pareidolia coletiva onde o objeto da observação não são nuvens, mas vídeos e declarações dos envolvidos no caso.
Embora seja uma figura deplorável da mídia (é possível encontrar Jones fazendo todo tipo de sensacionalismo na internet, desde a defesa do ditador socialista Hugo Chávez por ser “contra o sistema” até as mais estapafúrdias incitações de histeria coletiva), Jones tem grande apelo popular e se aproveita da crescente (e muitas vezes, legítima) desconfiança de extratos da população em relação ao governo para vender produto cuja publicidade depende do alcance de suas postagens - e não é preciso ser nenhum gênio das comunicações para imaginar que o alcance é maior quanto mais chocante é aquilo que ele declara.
O documentário narra a luta dos pais do massacre de Sandy Hook para provar que seus filhos foram, de fato, assassinados brutalmente, e para que Jones reconheça que mentiu e errou ao incitar seus seguidores e infundir neles suspeitas falsas. Não revelarei aqui o desfecho do processo e o estado atual do caso: assista e descubra por conta própria.
Embora desconcertante, o movimento social iniciado por Jones no caso específico do filme tem sido, cada vez mais, um problema disseminado e que encontra nas redes sociais território para prosperar indefinidamente. Embora não se aprofunde no fenômeno, o filme fornece pistas para compreender o que, de fato, tem acontecido. A História é farta em casos onde governos, autoridades e corporações atuam separadamente ou em conjunto para ludibriar a opinião pública. Ao longo do tempo, isso criou um débito de confiança das pessoas comuns em relação a tais instituições.
Com o advento da internet, a descentralização e a dispersão em rede das informações, criou-se também uma “cultura da descrença”, da qual se aproveitam espertalhões inescrupulosos como Jones - mas nem só ele, como se sabe. “Red pill” após “red pill”, chegamos a um ponto em que as pessoas de modo geral - em vez de cultivarem o senso crítico e a salutar desconfiança em relação a versões oficiais e ao que sustentam os poderosos - simplesmente não são mais capazes de discernir onde estão, de fato, as “mentiras” e “manipulações” diante das quais precisam se defender, misturando tudo num só pacote de delírio e acusação. “Acreditar em tudo” e “desacreditar de tudo” não são propensões tão diferentes.
Os pais de Sandy Hook são talvez as vítimas mais célebres desse fenômeno, que por sua vez - e ironicamente - provoca efeito contrário ao supostamente pretendido. Quanto mais desconfiados do “sistema”, mais propensos a acreditar e replicar versões falsas ou fantasiosas a respeito da realidade. Quanto mais falsas ou fantasiosas são tais versões, mais o “sistema” (que supostamente estaria sendo combatido) sente-se legitimado a usar seu poder de coerção para vigiar e punir o que as pessoas estão pensando e dizendo. Quanto mais o “sistema” faz isso, menor a chance de, na próxima oportunidade em que as autoridades realmente mentirem ou ocultarem (e isso eventualmente acontecerá), jornalistas e pensadores livres terem espaço na mídia e liberdade para alertar as pessoas.
Figuras como Alex Jones não são os herois “antissistema” como se vendem na internet, funcionando ora como fantoches, ora como agentes de desinformação, desviando a atenção da opinião pública do que realmente importa ao suscitar nela paranoia e abordagens fantasiosas de eventos reais (através de sua “ultraleitura”, atribuindo “significado oculto” onde ele não existe). O mal que provocam é interminável pois, ao mergulharem a audiência num lamaçal de mentiras, comprometem pautas legítimas (o questionamento de uma guerra, por exemplo) com pautas falsas (como no caso das insinuações contra as pobres vítimas de Sandy Hook e seus pais).
O audiovisual está repleto de casos em que a rotina “acontecimento>versão oficial>desconfiança>investigação>descoberta da verdade” é ficcionalizada tendo por base episódios reais. Dois exemplos são o clássico “Todos os Homens do Presidente” (sobre o Caso Watergate) e a minissérie “Chernobyl” (sobre o acidente na usina soviética). Muitos documentários, por sua vez, mostram personagens realmente envolvidos na resistência à tirania governamental e ao chamado “deep state”, tentando levar a verdade objetiva ao maior número de pessoas, como “Citizenfour” (a respeito do analista de sistemas Edward Snowden) e “Roubamos Segredos: A História do Wikileaks” (sobre o trabalho de Julian Assange no comando do site WikiLeaks).
O antídoto contra a doença da qual Alex Jones é um dos sintomas mais conhecidos não é, evidentemente, censura ou “aumento de controle”, mas sim informação de qualidade e - como no caso de Sandy Hook - a responsabilização pelo que se afirma na esfera dos tribunais. A sociedade moderna dispõe de recursos suficientes para mitigar os malefícios da overdose de “red pill” sem para isso ter de tornar a distopia do controle total de 1984 numa realidade.
Alex Jones: Uma Guerra contra a Verdade (The Truth vs. Alex Jones, Estados Unidos - 2024)
Direção: Dan Reed
Elenco: Alex Jones, Wolfgang Halbig, Dan Bidond
Gênero: Documentário
Duração: 118 min
Crítica | Abigail - Divertido e com um banho de sangue
Obras com vampiros sempre geraram curiosidade do público quando foram adaptadas para o audiovisual, seja em filmes ou séries. Na maioria das vezes, essas produções serviram para contar histórias de terror, mistério e crimes. Em Abigail, longa dirigido pela dupla Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett, a jovem Abigail, uma criança de 12 anos e filha do chefe do submundo, é sequestrada por um grupo que tem como objetivo receber uma grande recompensa para liberá-la.
Soa até como spoiler dizer que a menina sequestrada é uma vampira, mas é questão de tempo para que o espectador entenda que aquela criança de aspecto ingênuo esconde uma outra faceta. Toda a construção até que Abigail seja apresentada como uma vampira assassina é cheia de mistério, sobre quem organizou o sequestro, porque a casa está toda trancada, inclusive as janelas.
Todas essas perguntas que serão respondidas ao longo da trama criam uma sensação de pânico e tensão que é muito bem aproveitada pela dupla de diretores, especialmente com a escolha acertada de Alisha Weir, atriz mirim de Matilda - O Musical, como protagonista. Weir interpreta uma personagem sádica, cruel e com problemas de relacionamento com seu pai.
O roteiro de Stephen Shields e Guy Busick trabalha com eficiência o crescente terror envolvendo os sequestradores, que acabam caindo em uma armadilha e não têm para onde ir, a não ser encarar uma vampira secular e sedenta por sangue. Apesar da previsibilidade da trama, de que a criança não é apenas uma criança, o roteiro sabe proporcionar boas reviravoltas, como a que ocorre no fim do primeiro ato e outra que revela o histórico de Abigail e sua relação problemática com seu pai.
É claro que, em uma produção desse estilo, há vários clichês do gênero, mas só por não contar com os batidos jump scares já é uma virtude. O que torna a experiência de assistir ao filme divertida é o fato de tentar fugir do padrão dos longas de horror, especialmente quando envolvem vampiros. Poucas obras colocam no centro da trama uma criança se divertindo em um tipo de jogo perverso como se estivesse em um escape room.
Os cineastas Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett, responsáveis pelo revival de Pânico (2022), iniciaram a carreira com o bizarro V/H/S (2012) e depois ganharam destaque com o divertido Casamento Sangrento, que colocava no centro da trama uma protagonista que precisava sobreviver por uma noite em uma mansão. Em Abigail, eles retornam ao estilo que os consagrou, com uma história muito parecida com a produção de 2019, apenas adicionando mais elementos para tornar a trama ainda mais trash e brutal.
Abigail é sanguinolento a um nível que lembra em alguns momentos Evil Dead: A Ascensão (2023). A ideia da dupla de cineastas era realmente a de tirar o espectador do lugar comum, sem sustos ou a intenção de causar medo, mas sim com a finalidade de divertir o público, capturando a essência das produções com vampiros e divertindo, assim como a jovem Abigail faz durante a sua noite macabra.
Abigail (idem, EUA – 2024)
Direção: Matt Bettinelli-Olpin, Tyler Gillett
Roteiro: Stephen Shields, Guy Busick
Elenco: Melissa Barrera, Dan Stevens, Alisha Weir, William Catlett, Kathryn Newton, Kevin Durand, Angus Cloud, Giancarlo Esposito
Gênero: Terror, Suspense
Duração: 109 min.
https://www.youtube.com/watch?v=4EEDJFCKryE&ab_channel=UniversalPicturesBrasil
Crítica | Crônicas do Irã - Um retrato sarcástico e minimalista do brutal regime iraniano
Exibido com admiração em Cannes, “Crônicas do Irã” é mais uma peça de resistência daquela que é a cinematografia mais corajosamente política em atividade hoje. Praticamente todo filme realizado sob a violenta teocracia iraniana é uma aventura de risco (inclusive de cadeia ou coisa pior) para todos os envolvidos e, embora proporcionalmente tímido, o reconhecimento dentro da comunidade internacional proporciona aos filmes possibilidade de distribuição mais ampla.
Aqui temos um exemplar de cinema de baixo orçamento e concepção bastante simples - embora diametralmente oposta ao efeito de inconformismo que causa. Em pouco mais de uma hora, a audiência de “Crônicas do Irã” irá travar contato com uma dezena de situações dramatizadas que, por outro lado, representam fielmente o teatro do absurdo que tem sido viver sob o chicote sectário que governa o país há quase 50 anos e que usa a desprezível colaboração da burocracia para (tentar) estabelecer controle absoluto sobre a vida dos iranianos e (especialmente) iranianas de todas as idades (inclusive das crianças, conforme um dos segmentos do filme deixa claro).
No Irã de 2023 (e 2024, e sabe-se lá até quando), quase tudo é crime: tatuar-se, raspar o cabelo, ter um cachorro, deixar o véu cair de madrugada sozinha em casa (se alguém olhar pela janela e presenciar a cena, já viu…), registrar um nome estrangeiro para o filho, disputar uma vaga de emprego, etc. O que o filme nos lembra mais uma vez é que nenhuma ditadura seria funcional sem o suporte infeliz de um verdadeiro exército de guardinhas medíocres e capatazes de repartição pública, aos quais a dupla de diretores não confere a dignidade de ter um rosto. São criaturas das sombras, vozes da escuridão, exercitando um repertório infernal de torturas materiais e psicológicas a uma população que há muito descobriu ser a malícia discreta a única forma de sobreviver e cultivar um modo de vida próprio num país onde cada aspecto da atividade pública ou privada é objeto de litígios e discussões religiosas.
Como muitas vezes o que de mais “produtivo” uma ditadura consegue ocasionar é criar condições a outra ainda pior, convém lembrar que o Irã antes da revolução islâmica que levou ao poder a horda de radicais que oprime seu povo hoje era um país relativamente próspero e laicizado, porém governado por uma elite política corrupta, perdulária e que também mantinha sua própria polícia secreta para perseguir dissidentes. O documentário “Decadence and Downfall: The Shah of Iran’s Ultimate Party”, de 2016, faz um retrato revelador e patético do regime anterior, que parecia implorar sinistramente por ser derrubado - como de fato foi, dando lugar a um outro ainda mais violento e prejudicial às pessoas comuns.
“Crônicas do Irã” merece ser assistido não apenas por ser bom cinema (sua estrutura esquemática não compromete o resultado final até pelo fato de a metragem ser reduzida), mas também por nos lembrar - pela milionésima vez - que toda ditadura é aquilo que é (um forma de controle brutal e injusta do modo de ser, pensar e viver de pessoas em geral pacíficas e desarmadas) e deve ser sempre repudiada, seja de qual natureza for (religiosa, militar, proletária, tecnocrática, tecnológica, jurídica, etc.). A mesma mão pesada que eventualmente supõe fazer “justiça” contra nossos “inimigos”, hoje, é a que irá se voltar contra nós, amanhã.
Crônicas do Irã (Terrestrial Verses, Irã - 2023)
Direção: Ali Asgari, Alireza Khatami
Roteiro: Ali Asgari, Alireza Khatami
Elenco: Majid Salehi, Gohar Kheyrandish, Sadaf Asgari
Gênero: Drama, Comédia
Duração: 77 min
Crítica | Os Observadores - Enredo dispersivo desemboca na mesma correria de sempre
A partir dos primórdios do cinema ficcional, se fizermos uma divisão bastante genérica entre filmes “ordinários” (um cinema de imitação da realidade) e “extraordinários” (um cinema da imaginação), os melhores exemplares do segundo grupo sempre se caracterizaram por uma abordagem focada e precisa de seu material.
Em maior ou menor grau, os filmes notáveis do gênero fantástico, horror, mistério ou mesmo ficção científica, estabelecem suas premissas dramáticas em torno de uma pergunta facilmente compreensível: “E se?”. Desde “A Sétima Vítima” (e se uma mulher comum fosse raptada por uma seita de satanistas disfarçados de membros da alta sociedade?), passando por “O Iluminado” (e se um escritor em crise criativa se voltasse violentamente contra sua própria família num hotel isolado?), até os mais recentes como “O Albergue” (e se turistas estrangeiros fossem negociados como presas para assassinos de fim de semana num país pobre da Europa central?) e “Noites Brutais” (e se um imóvel para locação em aplicativo escondesse um perigo subterrâneo inacessível até para seus proprietários?).
Este parece ser o segredo por trás do sucesso (seja artístico ou comercial) de todos esses filmes.
“Os Observadores”, por sua vez, opta por um caminho radicalmente oposto. Em vez de concentrar esforços dramatúrgicos num “E se?” convincente e que fosse capaz de manter a plateia identificada com o percurso da protagonista, o roteiro (adaptação do romance do irlandês A.M.Shine) decide seguir todas as trilhas possíveis numa floresta onde literalmente qualquer coisa pode acontecer a qualquer momento - seja ela de natureza “folclórica”, “sobrenatural”, “pseudocientífica”, “tecnológica”, “criptozoológica”, etc.
O resultado direto de tal abordagem é que dificilmente a maior parte da audiência sentirá medo ou terá alguma reação humana além de se preparar monotonamente para a próxima cena de correria ou susto fabricado em CGI.
O que faz dos filmes citados acima serem experiências cinematográficas tão intensas (muitos deles sobrevivendo à evolução do espectador de cinema durante décadas) é exatamente a ponte que eles mantêm com a realidade: embora suas premissas muitas vezes sejam “extraordinárias” (ou seja, além do ordinário da vida), todos despertam na audiência a sensação vívida de que, em circunstâncias muito particulares (e infelizes), tudo de assustador e terrível que acomete seus personagens poderia, de fato, tornar-se real - bastando suspender um grau de nossa descrença.
Em um filme como “Os Observadores”, por outro lado - mas nem só nele, sendo esta uma falha de conceito de boa parte da produção de gênero contemporânea - há quase nenhuma relação entre o que os personagens eventualmente enfrentam na tela e a realidade como o público conhece fora dela. O filme se converte então em mais um híbrido entre cinema e videogame - incômodo este que é reforçado pela pavorosa concepção visual da produção, que apela a todo momento para soluções visivelmente artificiais mesmo em cenas que poderiam facilmente terem sido resolvidas com câmera, tripé e atores de carne e osso.
Os personagens estão lá, mas eles pouco remetem a pessoas reais: são meras peças de um algoritmo em forma de roteiro cinematográfico, reagindo de maneira puramente mecânica às situações. Um exemplo disso é quando a protagonista, muito antes de sequer cogitar qualquer outro tipo de escape para a armadilha na qual se encontra, decide entrar num espaço proibido (o que qualquer espectador atento já entendeu ser a atitude mais impensada que se poderia tomar), como se tivesse de vencer uma “fase” de jogo de computador.
No enredo, Mina (interpretada por uma Dakota Fanning petrificada na persona cinematográfica adquirida depois que cresceu, ou seja, da adulta que parece sempre fazer um favor de estar onde está) é uma suposta desenhista (uma vez que o roteiro pouco explora sobre isso) dona de um passado traumático que é obrigada a fazer uma viagem para entregar um pássaro exótico e acaba perdida numa floresta assustadora do interior da Irlanda, quando finalmente se torna prisioneira de algum tipo de “armadilha” de natureza desconhecida na companhia de outros três estranhos.
Não há muito que se possa revelar além disso sem enfileirar spoilers - e eles seriam muitos porque, conforme já se entendeu, há ingredientes de sobra na maionese que é este roteiro. O saldo é que, diante de uma miríade tão confusa de “elementos”, “terrores” e “ameaças”, de variadas origens e naturezas, possibilitando o confortável jogo de aparências para o roteirista onde tudo pode ser qualquer coisa, quase ninguém sentirá identificação com nada que acontece na tela porque, decididamente, nada daquilo (ou ao menos tudo aquilo em conjunto) poderia acontecer no mundo real. Como sentir medo ou apreensão por algo que sabemos de antemão ser totalmente falso e irrealista?
Não é demais lembrar que, ironicamente, a diretora Ishana Night Shyamalan é filha de um cineasta bastante “orgânico”, narrativamente econômico e pouco propenso a mirabolâncias dramatúrgicas (mesmo dentro do gênero fantástico), que compreendeu muito rapidamente em sua carreira a necessidade de estabelecer um “E se?” convincente e decisivo para envolver, entreter e emocionar sua plateia diante de premissas extraordinárias. A experiência de Ishana na direção parece não ser das maiores, limitando-se anteriormente a ter trabalhado em “Tempo”, do próprio M. Night Shyamalan. De agora em diante, talvez pai e filha devessem conversar mais.
Os Observadores (The Watchers, EUA - 2024)
Direção: Ishana Night Shyamalan
Roteiro: Ishana Night Shyamalan
Elenco: Dakota Fanning, Georgina Campbell, Olwen Fouéré
Gênero: Horror, Mistério
Duração: 102 min
Crítica | Bad Boys: Até o Fim é mais um bom rolê com Will Smith e Martin Lawrence
Se aproximando da marca de 30 anos, a franquia Bad Boys é uma das relíquias surpreendentemente resilientes do final dos anos 90. Uma era movida pelo carisma de astros e a força da pirotecnica real, é cada vez mais raro encontrar entretenimento desse nicho no cinema contemporâneo; tão obcecado por quadrinhos, marcas, IP e efeitos visuais.
Ainda mais surpreendente foi o sucesso comercial e popular de Bad Boys Para Sempre em 2020. Adiado e postergado terceiro filme, o longa da dupla belga Adil El Arbi e Bilall Fallah foi uma explosão de energia, carisma e até mesmo uma honesya sentimentalidade. Mesmo que envisionado para encerrar as aventuras dos já envelhecidos "boys" de Will Smith e Martin Lawrence, seu sucesso inquestionável garantiria que o produtor Jerry Bruckheimer encomendasse um quarto filme.
É justamente esse sentimento que permeia cada segundo de Bad Boys: Até o Fim, que traz novamente Adil & Bilall por trás das câmeras. Durante toda a projeção, é evidente que Até o Fim tenta perseguir o nível altíssimo de seu antecessor, mas que fica incapacitado justamente pelo roteiro de Chris Bremner e Will Beall: apesar de básico e de trazer diversos elementos e personagens de volta, acaba preso em uma trama inchada e previsível, que repete o clássico tropo do “policial que atua fora da lei”, a fim de tentar salvar o legado do falecido Capitão Howard de Joe Pantoliano.
Não é a mais brilhante ou aproveitável das premissas, mas ao menos o quarto Bad Boys mantém o bom nível de qualidade em humor e ação. Ver Will Smith e Martin Lawrence juntos, seja improvisando piadas ou apostando em elementos melancólicos (que funcionam tão bem quanto a comédia), é um deleite mais uma vez. Tanto Marcus quanto Mike têm seus próprios arcos para serem resolvidos e explorados, arrancando o melhor de Smith e Lawrence mais uma vez. Apesar de já passarem dos 40, ainda sentimos a energia de “Bad Boys”.
E no lado da ação, a dupla Adil & Bilall segue firmando-se como dois dos mais criativos e audaciosos artistas visuais da geração. Aumentando ainda mais a insanidade do antecessor, a dupla abraça com força o “Michael Bay interior” para uma série de cenas de ação explosivas, inventivas e que sempre se destacam pelo trabalho de câmera; que acopla-se a armas, personagens, objetos e instrumentos de forma impressionante, garantindo uma experiencia que é sempre visualmente deslumbrante.
Bad Boys: Até o Fim não atinge o nível de excelência do terceiro filme, mas ainda tem carisma o suficiente com Will Smith e Martin Lawrence, além de uma direção criativa e que faz o melhor possível para compensar a historinha batida e sem novidades.
Bad Boys: Até o Fim (Bad Boys: Ride or Die, EUA - 2024)
Direção: Adil El Arbi e Bilall Fallah
Roteiro: Chris Bremner e Will Beall
Elenco: Will Smith, Martin Lawrence, Eric Dean, Jacob Scipio, Vanessa Hudgens, Alexander Ludwig, Paola Nuñez, Ioan Gruffudd e Joe Pantoliano
Gênero: Ação
Duração: 115 min
Crítica | Beekeeper: Rede de Vingança não vai além da violência barata
David Ayer é um diretor que ficou marcado após o fracasso retumbante de Esquadrão Suicida (2016), longa da DC que, apesar de possuir uma grande base de fãs, recebeu críticas negativas, colocando o cineasta em evidência. Em sua carreira, Ayer tem vários filmes de ação, mas poucos deles apresentam alguma qualidade positiva.
Jason Statham (Megatubarão 2) interpreta Adam Clay, um apicultor aposentado que vive tranquilamente cuidando de suas abelhas. Entretanto, após sua vizinha e amiga Eloise Parker (Phylicia Rashad) ter suas economias roubadas por um falso call center, em uma cena triste e de grande carga dramática, em que Eloise não aguenta o baque e se suicida. Clay, obviamente, não deixa isso barato e sai à caça dos golpistas em uma trilha sangrenta de vingança.
Não é o melhor filme em que Statham já trabalhou, mas, comparado aos últimos longas de ação com pancadaria que protagonizou, como Os Mercenários 4 e Velozes e Furiosos 10, este é, sem dúvida, um dos melhores. O roteiro de Kurt Wimmer é de qualidade, e a direção de Ayer não deixa a desejar, incluindo momentos de alívio cômico que funcionam e trazendo ótimas cenas de lutas bem coreografadas.
Statham não foge ao papel de durão que sai espancando todos que aparecem em seu caminho sem piedade. Sobrou até mesmo para o gentleman Jeremy Irons (The Flash), que interpreta um vilão à moda antiga, mas com o diferencial de ser um homem de poder e que defende seus interesses sem ser cruel ou um assassino sádico.
O mesmo se pode dizer dos golpistas dos call centers falsos, apresentados como pessoas sem escrúpulos, especialmente o antagonista Derek Danforth (Josh Hutcherson), um mimado de família rica que utiliza sua posição como filho da presidente para cometer crimes. David Ayer desperdiça a oportunidade de criar uma relação mais profunda com Eloise Parker, deixando de trabalhar melhor o relacionamento dele com a vizinha.
Por falar em falta de profundidade, a abordagem sobre a corrupção no meio político se mostra um acerto, mas é feita de modo superficial, sem que ocorra algum debate sobre o assunto. Trazer o tema político para a história é algo que foge das produções em que Statham costuma trabalhar. Geralmente, os filmes em que ele participa são genéricos e sem personalidade, algo de que Beekeeper consegue se distanciar
Beekeeper: Rede de Vingança tem falas sem sentido sobre colmeias e abelhas, que parecem ter sido inseridas na trama apenas para contextualizar a profissão do protagonista. Entre erros e acertos, o longa se mostrou melhor do que o esperado. Agora é aguardar para que uma sequência possa vir e dar maior ênfase para um personagem que, até então, não mostrou a que veio, a não ser cometer uma vingança pessoal.
Beekeeper: Rede de Vingança (The Beekeeper, EUA – 2024)
Direção: David Ayer
Roteiro: Kurt Wimmer
Elenco: Jason Statham, Emmy Raver-Lampman, Bobby Naderi, Josh Hutcherson, Jeremy Irons, David Witts, Michael Epp, Taylor James, Phylicia Rashad, Jemma Redgrave
Gênero: Ação, Suspense
Duração: 105 min.
https://www.youtube.com/watch?v=-po4UGNn9iY&ab_channel=PrimeVideoBrasil
Crítica | Atlas - Desperdiça chance de se aprofundar no debate sobre as IAs
No vasto universo da tecnologia, o assunto do momento são as IAs (Inteligências Artificiais). A evolução tecnológica traz invenções que antes só podiam ser vistas na ficção científica, mas que hoje são realidades, como os chips da Neuralink, startup de Elon Musk, que tem como objetivo implantar chips de computador no cérebro humano.
Em Atlas, produção da Netflix dirigida por Brad Peyton, a ideia de colocar as IAs no centro do debate é nítida, tendo como objetivo o de criar uma obra grandiosa. Os efeitos especiais não são impressionantes, mas se sobressaem em uma trama rasa e vazia.
As cenas de ação decepcionam, pois tinham tudo para ser espetaculares e poderiam salvar o longa, mesmo que a maioria delas não passe de puro CGI. Os momentos em que as máquinas de combate da Terra lutam contra as inteligências artificiais em outro planeta lembram, com bastante inferioridade, os do longa No Limite do Amanhã (2014).
A trama acompanha a cientista Atlas Shepherd (Jennifer Lopez), que, após 28 anos, é chamada para enfrentar uma IA incorporada em uma espécie de robô humanoide chamado Harlan (Simu Liu). Em um prólogo rápido, Harlan ameaça matar milhões de pessoas e depois foge para o espaço. Shepherd, então, vai ao espaço com uma tropa para enfrentar essa IA maligna, que no longa nem parece ser tão maligna assim.
A mensagem que o roteiro, escrito pela dupla Leo Sardarian, Aron Eli, quer passar é a dos perigos da inteligência artificial e como a tecnologia pode se voltar contra a raça humana, uma mensagem clichê que já foi abordada em diversos filmes e séries. Atlas não traz nada de novo para o debate, apenas reproduz o discurso de outros filmes, como Matrix (1999) e O Exterminador do Futuro (1984).
Um dos grandes desperdícios em relação ao elenco é Jennifer Lopez – até porque a atriz passa grande parte do filme praticamente interagindo sozinha. Sua personagem é chatíssima e tem diálogos péssimos, a ponto de fazer o espectador torcer para que as inteligências artificiais vençam. Ela passa parte da história dentro de uma máquina de combate conversando com uma IA ao estilo HAL 9000 de 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968).
Essa é uma ficção científica que tinha tudo para dar certo, principalmente pela referência às IAs, um bom tema, mas que é pessimamente explorado. Além disso, é uma história chata de acompanhar, e isso não tem a ver com o fato de ser parada, e sim por ser uma narrativa óbvia que perde mais tempo com conversas vazias do que com discussões racionais.
Atlas tinha tudo para ser um grande filme, mas erra ao tentar abordar vários temas sem se aprofundar em nenhum e ao se tornar essencialmente um grande amontoado de referências de várias produções de ficção científica. Esse excesso de referências acabou mais atrapalhando do que ajudando a obra. É triste ver que a Netflix desperdiçou mais uma oportunidade de promover um debate significativo.
Atlas (idem, EUA – 2024)
Direção: Brad Peyton
Roteiro: Leo Sardarian, Aron Eli Coleite
Elenco: Jennifer Lopez, Simu Liu, Sterling K. Brown, Gregory James Cohan, Mark Strong, Lana Parrilla, Abraham Popoola
Gênero: Ação, Aventura, Drama
Duração: 118 min
https://www.youtube.com/watch?v=KEbFBusYrsw&ab_channel=NetflixBrasil
Crítica | Às Vezes Quero Sumir - Um retrato fiel do isolamento contemporâneo
Ficando em seu canto, mantendo distância dos colegas de trabalho e falando o mínimo possível, essa é a vida da solitária Fran (Daisy Ridley), que passa os dias trancada em casa, deitada e praticamente sem fazer nada de muito relevante nos seus fins de semana.
O longa da diretora Rachel Lambert reflete de forma inteligente e melancólica como a depressão age na vida de uma pessoa. Fran é apresentada como uma mulher introvertida que faz de tudo para evitar a interação social, tanto com seus colegas de trabalho, em festas, ou até mesmo com alguém com quem possa se relacionar de forma mais íntima.
Essa barreira criada por Fran é apenas um mecanismo de defesa que ela acredita ser uma maneira de viver em seu mundo de solidão. Ela pensa em morrer em vários momentos, em cenas onde aparece deitada ou imersa em galhos de árvore, em cenas belamente filmadas pela diretora, que dimensionam como Fran está profundamente presa nesse mundo.
O roteiro em momento algum apresenta a protagonista como uma suicida; pelo contrário, ela sente uma atração pela morte, mas seu pensamento está mais voltado para a questão do isolamento do que pelo ato em si. O fato de Fran se isolar tanto física quanto mentalmente, e sempre em lugares inóspitos, demonstra o que mais atrai na personagem: o silêncio. Tal elemento é mostrado com muita delicadeza por Lambert e se faz presente em grande parte da história, nos primeiros vinte minutos não se ouve a voz de Fran.
Fran tem um sentimento de autoisolamento, mas também percebe-se que há um desejo de conexão, tanto que os momentos em que interage com outras pessoas acontecem após muito esforço. Quando parece estar no caminho de se relacionar com Robert, um novo funcionário que vive puxando papo com ela, Fran se sabota e cria mais barreiras para evitar o contato.
Filmado durante a pandemia da COVID-19, fica bem claro que o filme captou a essência do isolamento social causado pelo coronavírus. Houve a necessidade de se isolar da sociedade, e assim, a narrativa reflete uma sociedade que está cada vez mais isolada em seu próprio mundo.
Às Vezes Quero Sumir traz uma bela performance de Daisy Ridley, possivelmente a melhor de sua carreira. Interpretando uma personagem complexa e cheia de dramas, Daisy demonstra ser uma atriz capaz de brilhar em produções desse gênero, mostrando que pode se afastar de seu papel na franquia Star Wars e explorar de vez novos caminhos no cinema.
Às Vezes Quero Sumir (Sometimes I Think About Dying, EUA – 2023)
Direção: Rachel Lambert
Roteiro: Stefanie Abel Horowitz, Kevin Armento, Katy Wright-Mead
Elenco: Marisa Daisy Ridley, Dave Merheje, Parvesh Cheena, Marcia Deboniste
Gênero: Comédia, Drama, Romance
Duração: 94 min
https://www.youtube.com/watch?v=0yKuVDsyrcY&ab_channel=ONEMediaCoverage