Crítica | Souvenir (2016)
A protagonista Isabelle Hupert, estrela do excelente Elle (2016) e indicada por ele ao Oscar 2017, é, Liliane, primeira personagem a aparecer na tela. O espectador é introduzido à sua solitária rotina preenchida por um emprego vazio – numa lanchonete, onde enfeita os assados que serão servidos. Pausa para o almoço, o mesmo sanduíche. Toca o sinal de saída, hora de ir embora. Espera o ônibus, entra. Chega em casa, liga a TV no programa de sempre. Adormece. Acorda, trabalha, vive mais um. Quase inexpressiva, ela aparenta se contentar com a vida, fica no quase bom, quase ruim.
Esse cotidiano é estabelecido de forma interessante: com cortes secos, dinâmicos, closes, câmera estática e bom enquadramento. A fotografia do jovem Anton Mertens, assim como o tom do filme, segue estética quase parecida com a de cineastas contemporâneos cuidadosos na composição dos quadros como Jean Pierre-Jeunet, Noah Baumbach ou Wes Anderson. O conceito funciona por um tempo – e bem –, até que se estende e cai para o enfadonho.
Diferente de Paterson, onde o roteiro oferece um exercício de explorar o cotidiano, Souvenir, apenas aproveita-se da condição. É raso, sem críticas a nada, nem pequenos brilhantismos ou domínio narrativo. Souvenir se propõe a ser, conforme o jovem diretor Bravo Defurne descreve, “um filme para tardes de domingo”. Talvez seja. Mas Souvenir não é sobre a rotina, esta quebrada com a chegada do jovem boxeador, Jean (Kévin Azaïs, do excelente Amor à Primeira Briga, 2014). Ele faz um bico na mesma linha de produção de Liliane e tenta puxar assunto com a amargurada mulher. Depois um pouco de conversa, descobre que ela é Laura, uma cantora pop esquecida que fizera sucesso anos atrás. Eles se apaixonam, mas não se unem por inteiro. Nenhum é pleno; são dois corpos meio cheios. É amor com um pé atrás, assim como a direção do filme.
Assim como seu fotógrafo, Defurne se inspira nos mesmos diretores. Além da representação imagética, trabalha como a solidão, o esquecimento, o deslocamento, a estranheza no relacionamento entre indivíduos. Infelizmente, como Defurne só bate na trave, falta-lhe algo. O diretor é atento, esteticamente preciso, mas está verde. É jovem e soa como saído da escola de cinema (apesar de ter produzido diversos curtas), pois lhe escapa pelo olhar a vida. Muitas dessas cenas bonitas tornam-se, então, vagas, quase inúteis. Por isso cansam o telespectador.
Souvenir tem seus bons momentos e traz Isabelle Hupert de forma leve, bem humorada, num papel despretensioso, um alívio pós o pesado e intenso Elle. Kévin Azaïs se contrapõe bem à veterana: é contido, juvenil e constrangido. O humor francês sarcástico é bem recebido, mas, ao final da uma hora e meia, assim como o título propõe, Souvenir torna-se apenas uma lembrancinha, decorativa e esquecível, do que poderia um ótimo presente.
Souvenir (Souvenir, FRA – 2016)
Direção: Bavo Defurne
Roteiro: Jacques Boon, Bavo Defurne, Yves Verbraeken
Elenco: Isabelle Huppert, Kévin Azaïs, Johan Leysen
Gênero: Comédia romântica
Duração: 90 minutos
Escrito por Rodrigo de Assis
https://www.youtube.com/watch?v=Sa6aofJ3B4c
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Crítica | Negação
Existem filmes excelentes e filmes horríveis. Hoje parece com que a internet tudo ficou 8 ou 80. Mas há filmes que mesmo não tendo nada a acrescentar, são corretos. Ao mesmo tempo não inovam em nada, se mostram prazerosos em se assistir. Negação (Denial) é um bom exemplo desse tipo de filme.
Baseado em uma história real, o longa mostra quando a acadêmica Deborah Lipstadt (Rachel Weisz) é processada por difamação pelo historiador David Irving (Timothy Spall). Deborah escreveu um livro sobre o porquê que há pessoas que negam a existência do Holocausto, sendo que esse é o assunto o qual Irving é mundialmente conhecido: antissemita e aficionado por Hilter, o historiador fala em público que o Holocausto nunca existiu. O que começa como um julgamento em que a causa é a difamação, se torna em um julgamento sobre os terríveis crimes que ocorreram nos campos de concentração.
Uma das principais qualidades do longa está no seu roteiro, um texto rico e muito inteligente. Feito por David Hare (As Horas) é um roteiro que define muito bem os personagens com as suas ações, confiando no espectador para descobrir os ideais deles. Há um cuidado com as informações e quando elas são dadas. É como o se o espectador fosse o juiz da corte e realmente fosse criando a opinião sobre o julgamento com o que foi mostrado, evitando o maniqueísmo. Todos os personagens são bem escritos, destaques ao advogado feito por Tom Wilkinson que no começo aparenta não entender o peso do caso em que está e para o próprio David Irving, que o filme não precisa mostrá-lo como monstro, durante o próprio julgamento fica claro os valores ideológicos dos personagens. Os diálogos são muito fortes, bem escritos e evita longos discursos, mesmo tendo alguns da personagem de Weisz.
O elenco do filme é muito respeitável e faz um ótimo trabalho. Rachel Weisz compõe Deborah com uma força e segurança, que a deixa mais admirável durante a projeção. Como a personagem tem descendência judia, ela acaba percebendo o peso que esse julgamento tem para a sua família e a sua história. É um trabalho muito forte feito por Weisz. O excelente Timothy Spall faz David Irving com muita competência. Spall evita caras e bocas que o transformem em uma figura caricata, ao invés disso cria Irving com uma força equivalente a Deborah. E demonstra uma enorme segurança ao falar dos ideais que o personagem acredita, além da grande presença em tela. O ótimo Tom Wilkinson faz um personagem que no começo aparenta não levar o caso tão a sério, mas pouco a pouco vai mostrando que a importância do caso. Além de ser um dos trabalhos mais contidos de Wilkinson. O resto do elenco conta com os ótimos Andrew Scott e Mark Gatiss que fazem muito bem os seus papéis.
A direção de Mick Jackson (O Guarda Costas) é muito eficiente, apesar de não ter nada de novo. Como o foco do longa é o texto junto com os atores, a direção não chama a atenção para ela. Mas se o ritmo está bom e o elenco está bem, é mérito do diretor. Vale chamar a atenção para o trabalho de câmera e de iluminação. Jackson junto com diretor de fotografia, Haris Zambarloukos, faz com o que a câmera sempre procure os atores e durante o julgamento há um jogo muito interessante de luz em sombra. É um trabalho bem discreto de Mick Jackson, mas que é bem eficiente.
Em tempo em que procuram filmes que sejam “obras de artes” ou “catástrofes”, Negação mostra que existe outra categoria de filme: o eficiente. O texto é muito bem escrito, o tema é relevante, a direção é discreta e funcional e tem um elenco composto por excelentes atores britânicos. Recomendado.
Negação (Denial – EUA, Reino Unido - 2015)
Direção: Mick Jackson
Roteiro: David Hare
Elenco: Rachel Weisz, Timothy Spall, Tom Wilkinson, Mark Gattis e Andrew Scott.
Gênero: Drama
Duração: 110 Minutos
https://www.youtube.com/watch?v=9xZSfHQkxRo
Crítica | Godzilla: Resurgence (2016)
Nos últimos anos tivemos aquele que talvez seja o início de um novo movimento em Hollywood: O universo Tokusatsu. Sim, ele já foi trabalhado diversas vezes antes de Círculo de Fogo em ambiente ocidental, mas o criativo exemplar de Guillermo Del Toro abriu portas para mais um segmento blockbuster. Em seguida, tivemos o dividido Godzilla de Gareth Edwards, que mesmo irritando o espectador com mais da metade da película em criação de expectativa, entrega no final a figura mais moderna do monstro já feita visualmente.
Em 2016, então, o país de origem do Rei dos Monstros entrega mais uma versão do monstro. Sugando totalmente o clássico cinquentista, Godzilla Resurgence trás de volta uma visão clássica do personagem, em pleno novo milênio.
O filme começa com o monstro emergindo das águas do oceano em direção a cidade. Causando destruição e pânico por onde ele passa, é interessante notar que em sua primeira aparição, o Godzilla está em uma forma bem inferior. Com o passar das cenas ele vai evoluindo, até chegar em sua forma final. Algo realmente nunca visto antes nos filmes do monstro, e é executada brilhantemente. As formas iniciais do Godzilla lembram em vários aspectos outras versões do monstro, e nos faz pensar que se trata de outra criatura em ação. Mas após uma evolução em sua forma e soltando seu famoso rugido, temos a confirmação de ser Godzilla.
Dirigido pela dupla Hideaki Anno e Shinji Higuchi, durante a película é clara a inspiração no clássico de 1954. Os diretores por vezes arriscam ao criar cenas e frames idênticos. A nova versão do monstro que eles criaram para Resurgence é totalmente magnífica: com 118.5 metro, o maior até agora, há uma mistura de efeito práticos com CGI e lembra muito as primeiras versões do monstro. Além do visual, há uma ligeira atualização em seus poderes: uma nova versão do raio atômico, que, com certeza, rendeu um dos melhores momentos do monstro em toda sua história. Um verdadeiro espetáculo de luzes e horror, que ainda acaba por mostrar o quanto a humanidade é impotente perante a ameaça de Godzilla.
No início do filme, na típica cena "humanos preso no trânsito" é onde ocorre a maior tensão durante a experiência. Os diretores acertam em cheio na inclusão de shaky cam colocando o espectador em meio ao desespero. Há também o uso de uma série de establishing shot bem utilizados, vislumbrando a cidade de Tóquio com sua população em fuga e a horrenda figura em meio os edifícios.
Os efeitos especiais do filme, considerando o orçamento e também que não se trata de um filme feito em Hollywood, estão consideravelmente bons, chegando a impressionar. A combinação de efeitos práticos com CGI no visual do monstro funcionou muito bem, gerando ótimos momentos no filme os quais seriam impossíveis de serem feitas sem o uso deste. No entanto, algumas partes o trabalho técnico chega a incomodar, como na cena em que atiram bombas nas costas de Godzilla - o sangue que sai fica na cara que é totalmente falso, causando uma má impressão. Isso se deve ao fato do uso de câmeras mais modernas. Sendo um filme gravado totalmente em HD, os efeitos muitas vezes não convencem, pedindo ao expectador uma maior imaginação.
Não é só no Kaiju que se utiliza muitos efeitos práticos, mas também em toda destruição da cidade. Há um forte uso de maquetes em miniatura aqui, muito bem caprichados.
O núcleo humano do filme se resume a várias pessoas preocupadas tentando desvendar o segredo por trás de Godzilla e como derrotá-lo, não deixando espaço para o aprofundamento ou desenvolvimento de nenhum deles. Não há nenhum vínculo forte com os personagens, com isso deixando eles sem nenhum sentimento por parte do público. Apenas uma figura consegue destacar-se em meio ao elenco, Satomi Ishihara, que interpreta a carismática Kayoko Ann Patterson. O roteiro, por meio dela, insere figuras americanas e referências, mas soa um pouco forçado como tentativa de comprar o mercado ocidental a assistir ao filme.
A trilha sonora de Resurgence mistura o velho com o novo. A trilha do clássico de 1954 é usada em várias partes, causando mais nostalgia, porém a trilha original composta por Shiro Sagisu serve muito bem para as cenas tanto dramáticas quanto as de ação, e ainda causa um ótimo clima para as cenas onde Godzilla ataca a população. O trabalho de mixagem de som é aprimorado. Os disparos de canhões são incriveis, os sons de naves sobrevoando Tóquio também. Mas é na inclusão do rugido clássico que ele se destaca (Sim, os sons de Godzilla também são retirados de filmes antigos).
Godzilla Resurgence certamente é uma boa pedida para aqueles que são fãs do personagem. Os contrários, sendo mais sincero, podem sair da experiência um pouco cansados com o método japonês de se fazer cinema. Não é inovador (a premissa é a mesma de sempre), nem mesmo arrisca em novos ares, porém cumpre sua função nostalgia através de uma trilha sonora de se dar arrepios seguido de efeitos práticos já envelhecidos.
Uma homenagem sincera e muito bem-vinda.
Obs: vale lembrar que o filme, originalmente chamado de Shin Godzilla, trata-se um reboot da franquia. A produtora Toho já confirmou uma continuação para este ano, com a data de estreia a ser definida.
Godzilla Resurgence (Shin Godzilla, Japão – 2016)
Direção: Hideaki Anno, Shinji Higuchi
Roteiro: Hideaki Anno
Elenco: Hiroki Hasegawa, Yutaka Takenouchi, Satomi Ishihara, Kengo Kora, Akira Emoto
Gênero: Aventura, ação, fantasia
Duração: 120 minutos.
Crítica | Kong: A Ilha da Caveira
Não demorou muito para que 2017 trouxesse seu primeiríssimo blockbusters dirigido por um nome vindo diretamente do cinema indie: Jordan Vogt-Roberts, cineasta que trouxe Reis do Verão para as telonas. A aposta da Warner foi mais correta e adequada do que seu experimento com Godzilla e Gareth Edwards. Roberts, apenas em seu segundo filme na carreira, consegue trazer nova vida ao macaco favorito, já quase centenário, dos cinemas.
Desde 2005, fazia tempo que Kong não retornava para os cinemas. O diferencial de Kong: A Ilha da Caveira é trazer uma história inédita para erguer o universo compartilhado dos kaijus que a Warner pretende trazer nos próximos anos. Mas será que a nova história consegue fazer jus ao nome antológico do macaco? Afinal, o que há de realmente novo para ser dito sobre King Kong?
A história nos traz o cientista Bill Randa, fundador da Monarch, uma subdivisão governamental de mapeamento de território desconhecido. Depois de conseguir, a muito custo, o financiamento necessário para explorar sua nova descoberta: a Ilha da Caveira, o cientista arranja escolta militar de veteranos da guerra do Vietnã, além de recrutar outros estudiosos para pesquisar a ilha. Enquanto todos navegam em direção ao desconhecido, Randa tem conhecimento que existe algo muito tenebroso e gigantesco habitando o lugar.
Apocalypse Kong
A proposta do argumento de John Gatins desenvolvido no roteiro de Gilroy, Borenstein e Connolly é bem óbvia: incutir atmosfera e sentimento para a Ilha da Caveira e Kong. Com competência a referência base chega ao espectador sem a menor poluição. O roteiro traz diversos momentos que buscam mimetizar algumas cenas do clássico de Coppola além de conversar de modo inteligente com situações icônicas da história original de King Kong.
São momentos diversos como a apresentação do personagem James Conrad, um mercenário escondido em Saigon, ao desbravamento dos helicópteros invadindo e bombardeando a ilha e, o mais óbvio, a semelhança da situação que se encontra um sobrevivente na ilha, Hank Marlow, interpretado vividamente por John C. Reilly.
Em seus méritos originais, os roteiristas elaboram mensagens bem superficiais anti-guerra, do embate entre o homem e a natureza ou discursos políticos pouco pertinentes ao conteúdo mostrado em tela como uma boa metáfora de como criamos nossos inimigos através das próprias ações equivocadas destrutivas. Dentre todas as tentativas falhas de tornar a obra politicamente relevante, apenas as poderosas imagens de destruição contra o ecossistema e a natureza tem seu devido valor graças aos esforços do diretor e sua câmera.
De narrativa, trata-se da grande jornada em direção ao desconhecido. Assim como a maioria dos filmes de monstro, o núcleo humano decepciona. É compreensível que haja tantos personagens para que haja maior entretenimento nas cenas de ação (mais gente morrendo de diversas formas possíveis), porém, impressiona como o tratamento para absolutamente todos eles é deveras vazio, quando não tosco
Muitos se baseiam na força do carisma do ator como Tom Hiddleston, Toby Kebbell e John Goodman. Nem mesmo o relacionamento ou conexão forçada entre a personagem riponga de Brie Larson com Kong funciona – clara alusão ao romance improvável inerente a figura do gorila.
Boa parte dos núcleos são preenchidos por personagens estereotipados: os militares preconceituosos e burros, o sargento que busca vingar todos os homens mortos por Kong, a fotógrafa de “humanas”, o líder, o nerd, o militar esquisitão que toma ações inesperadas, etc. Mesmo personagens que até tenham certo potencial como Bill Randa são esquecidos e desperdiçados pela narrativa.
Então, o que raios funciona no roteiro de Kong: A Ilha da Caveira? Na verdade, tudo. É um texto básico, mas totalmente fiel à proposta estabelecida aqui. Não há o que exigir num blockbuster de monstro como esse, apenas coerência narrativa e nada que realmente ofenda a inteligência de quem assiste.
Tirando alguns diálogos pavorosos, exposições cheias de preguiça para explicar certos pontos nem tão óbvios para o espectador, um momento horroroso de monologo para o pior personagem do filme interpretado por um cansado Samuel L. Jackson, eliminações arbitrárias de personagens vazios e a insistência em um recurso dramático sobre uma carta de um soldado para o filho – Dear Billy... é um porre e você vai sentir isso também, além do alivio cômico insuportável vindo do soldado Brooks, o roteiro é orgânico e satisfatório.
Porém, é inegável que além da presença de C. Reilly, o texto encontra sua força através de Kong, sua relação com a ilha que revela um inteligente jogo sobre ecossistema que define o conflito principal da obra e das novas criaturas que infernizam a vida dos humanos. O macaco é bastante presente na trama longe de ser aquela chatice sem fim que Edwards fez com Godzilla em 2014. Entretanto, boa parte de seu curto desenvolvimento vem pelos méritos da potência visual aplicada na direção de Roberts.
Assinatura Monstruosa
Imagine você ser chamado para dirigir um longa que carregue enormes expectativas, além de muitos milhões de dólares, com apenas uma obra no currículo? É um frio na barriga que já atingiu diversos nomes que agora fazer partem da indústria. Desses todos novos diretores que surgiram nos últimos quatro anos, Jordan Vogt-Roberts talvez seja um dos mais promissores deles.
O motivo é muito simples: Kong: A Ilha da Caveira é um dos blockbusters menos engessados dos últimos anos. Mesmo contando com um roteiro simples e raso, Roberts transforma a narrativa desse longa em uma viagem extremamente divertida. Já nos primeiros segundos de projeção é possível perceber a tão falada paixão que ele carrega por videogames. Estes, influenciam muitos momentos do filme de modo orgânico.
Roberts consegue encaixar planos e encenações clássicas da linguagem de games de aventura e shooters na gramática visual como planos de ponto de vista dos soldados atirando em aranhas gigantes. As referências são diversas, mas há muita presença de Battlefield, Turok e até mesmo, Shadow of the Colossus. É algo que certamente dá um vigor de encenação estupendo trazendo uma ação bastante inventiva e menos manjada, mesmo que não chegue a ser uma revolução de linguagem.
Não somente os games guiam a decupagem e encenação de Roberts. O diretor busca muitas referências de filmes de guerra dos anos 1970, conseguindo conversar com diversos deles em momentos cruciais como a primeira batalha de Kong contra os humanos viajando em helicópteros. É uma sequência fantástica que tira o filme de certo marasmo provocado pelos minutos iniciais, apesar dos esforços do diretor em tornar mesmo as cenas mais realistas em algo completamente cinematográfico repletos de cores e esquemas de iluminação mais criativos.
De modo geral, Apocalypse Now também guia diversas enquadramentos, principalmente os que seguem o grupo quando embarcam em um bote para atravessar os rios da ilha. Temos o grande sol amarelo em poente ou nascente nas diversas imagens, além de imbuir significados excelentes como o plano em contraluz que apresenta o gigantesco Kong encobrindo a estrela indicando sua superioridade, seu reinado máximo. Também é fácil perceber influências do cinema japonês de Kurosawa e da linguagem dos westerns. Características inteligentes que mantém boas interações com a carga cinematográfica do espectador.
Roberts sempre traz elementos criativos para elaborar as ótimas cenas de ação que conseguem envolver o espectador com competência. Absolutamente nenhuma chega a ser parecida com a anterior. Seja com o uso de coqueiros, motores de barco, machetes ou flashs fotográficos, cada sequência tem um traço excepcional, além de situações fotográficas muito interessantes trazidas pelo sempre competente Larry Fong – tome como exemplo as cenas do ataque no cemitério e durante o último embate entre Kong e os soldados. Aliás, elogio a escolha de mascarar as imagens com grãos gordos para simular o efeito da imagem viva dos longas filmados em 1970.
Muito da ação funciona devido a boa proposta do filme. É o Kong mais gigantesco da franquia, mais alto que montanhas. Porém, mesmo enorme, o macaco é ágil, assim como os lagartos Skull Crawlers que aterrorizam todas as criaturas da ilha. Ainda assim, tudo que é apresentado é muito crível, pois toda a velocidade da luta entre os monstros é adequada. Um pouco lenta, mas também nem tão acelerada.
Toby Kebbel acerta em cheio ao criar os gestos e expressões faciais de Kong. Os movimentos colossais conferem certa elegância a criatura que realmente consegue nos deixar embasbacados por tamanha a proeza do departamento de efeitos visuais por sua construção estupenda. É através dos poucos momentos que acompanham o macaco realizando algumas trivialidades como limpar suas feridas após uma batalha, bebendo água e almoçando que o personagem é desenvolvido.
Nesses ligeiros momentos, Roberts organiza um esquema de enquadramentos que conferem a magnitude de escala do bicho comparado a ilha e aos pequeninos humanos. Acredite, dimensionar de modo tão eficaz como Roberts fez, é algo bastante difícil, ainda mais contando com o uso intenso de efeitos visuais – portanto, assistir ao filme em uma sala IMAX é uma tremenda diversão.
Ainda comentando sobre a ação, Roberts utiliza alguns slow motions extremamente felizes em suas inserções, oferecendo a contemplação necessária para atribuir o quão bad ass é a porradaria entre os monstros. Outra grande força de Kong: A Ilha da Caveira é o design de produção. Tanto dos cenários interessantes quanto das novas criaturas que rendem momentos verdadeiramente violentos com mutilações e empalamentos para um filme de censura baixa. Também destaco o design deste Kong que foge bastante da sua versão clássica de gorila gigante. Aqui, o símio está muito próximo de ser uma livre adaptação do homem-de-neandertal e pode causar certa estranheza.
Mesmo acertando tanto com a encenação, o poder visual capaz de desenvolver seus personagens quando o texto falha, no ritmo da montagem que consegue criar até mesmo piadas, além de acertar o tom despretensioso da fita, Roberts comete certos pequenos equívocos. Esses, se concentram no exagero de planos para elaborar uma ação. Às vezes, o diretor joga diversos planos que emporcalham a encenação geral, que até mesmo tentam forçar alguma piada sem-graça como uma envolvendo um boneco do Nixon. Incomoda consideravelmente, mas rapidamente o diretor se livra desses vícios.
Vida Longa ao Rei
Conseguindo trazer o blockbusters de verão mais divertido agora, a Warner acertou em cheio com Kong: A Ilha da Caveira. É bastante reconfortante saber que existem nomes novos que conseguem trazer uma experiência excelente cinematográfica sem apostar em elementos engessados que tanto insistem em persistir.
Até mesmo no departamento musical saímos impressionados com trilhas licenciadas e da própria música original de Henry Jackman que visa homenagear as composições clássicas dos filmes antigos sobre essas criaturas que estão renascendo no entretenimento audiovisual.
Quem apostar seu divertimento com Kong, dificilmente sairá decepcionado, pois o que há de melhor nesse filme é justamente o que ele promete e cumpre: porrada visceral entre criaturas colossais com direito a um visual refinadíssimo.
Há uma cena pós-créditos importante para entender o que a Warner pretende trazer nos próximos anos.
Kong: A Ilha da Caveira (Kong: Skull Island, EUA – 2017)
Direção: Jordan Vogt-Roberts
Roteiro: Dan Gilroy, Max Borenstein, Derek Connolly, John Gatins
Elenco: John Goodman, Brie Larson, Tom Hiddleston, Samuel L. Jackson, John C. Reilly, Corey Hawkins, Toby Kebbell, John Ortiz, Tian Jing
Gênero: Ação, Aventura, Monstro
Duração: 118 minutos
https://www.youtube.com/watch?v=VU-m5T6wBzY
Crítica | X-Men: O Confronto Final
"Pelo menos podemos concordar que o terceiro é sempre o pior", ironiza a Jean Grey de Sophie Turner ao sair de uma sessão de O Retorno de Jedi durante uma cena de X-Men: Apocalipse. É uma clara - e um tanto deselegante - indireta ao trabalho de Brett Ratner em X-Men: O Confronto Final, filme que encerrou a primeira trilogia dos mutantes da Marvel no cinema e que encontrou uma recepção crítica muito desfavorável - e quando o próprio Bryan Singer insere um comentário em seu próprio filme, é sinal de que nem o estúdio estava particularmente satisfeito; e a ironia do destino acabou fazendo de Apocalipse (o terceiro filme da segunda trilogia) um dos filmes mais criticados da saga.
Mas o drama do terceiro X-Men começa em um longínquo 2005.
O sucesso da franquia X-Men rendera diferentes mudanças para todos envolvidos ao seu redor. O gênero de quadrinhos no cinema passava por uma nova renascença, o mundo acolhia Hugh Jackman como um grande astro, e a carreira de Bryan Singer se abria para um universo de projetos e opções variadas. Com isso, é de se entender quando o cineasta largou a franquia para se juntar ao lado DC e comandar o aguardado reboot do Homem de Aço com Superman: O Retorno, deixando O Confronto Final nas mãos de Matthew Vaughn; que desistiu para dedicar-se a outro projeto da Marvel e acabou passando o bastão para Brett Ratner.
No fim, essa história infelizmente não deu muito certo para ninguém. Superman: O Retorno foi um (injustiçado!) fracasso de bilheteria e dividiu a crítica, enquanto Vaughn saiu para fazer um filme do Thor que só acabou acontecendo de fato em 2011. E Ratner acabou saindo como o grande culpado por "estragar" os X-Men e forçar a Fox a seguir em uma direção diferente e até um retcom com viagem no tempo em 2014. Porém, mesmo que o filme de Ratner careça do talento e dedicação de Singer, ele nem de longe merece metade das críticas que recebe.
A trama do longa segue a promessa do fatídico final do anterior, com o sacrifício de Jean Grey (Famke Janssen) abalando os X-Men, em especial o agora depressivo Scott Summers (James Marsden). Paralelamente, o mundo político e social ganha uma gigantesca novidade quando laboratórios revelam a descoberta de uma vacina capaz de "curar" o gene mutante X, o que rapidamente faz com que humanos e mutantes dividam-se entre aqueles a favor, e contra; deixando um furioso Magneto (Ian McKellen) liderar um grupo para destruir os responsáveis pela cura. Como se isso já não fosse o bastante para Charles Xavier (Patrick Stewart) e seus alunos, Jean ressurge com a sombria entidade da Fênix Negra, mostrando-se um perigo para aqueles ao seu redor.
São basicamente duas grandes linhas narrativas que o roteiro de Simon Kinberg e Zak Penn aborda, baseando-se em duas famosas histórias dos quadrinhos dos X-Men. A maioria dos fãs critica o fato de que ambas as fontes de inspiração acabaram misturadas em uma, e que alguns detalhes importantes teriam sido deixados de lado. Pois bem, se O Confronto Final falha como adaptação (não li os quadrinhos), é irrelevante para a análise do produto final, que é bastante eficiente em equilibrar as duas tramas e trazer o peso necessário para cada uma delas.
O advento da cura mutante garante que Kinberg e Penn tragam ótimas cenas e diálogos que trazem os personagens discutindo e refletindo sobre o assunto, como quando a Tempestade de Halle Berry afirma à Vampira de Anna Paquin que não existe "nada para curar", ainda que a jovem mutante sofra com sua inabilidade do toque com outras pessoas - sem de fato matá-las ou machucá-las profundamente. Isso até permite que o antagonista Magneto permaneça um personagem racional e com o qual podemos simpatizar, mesmo que suas ações possam ser classificadas como terrorismo - como a fantástica cena da Ponte Golden Gate. E o impacto da cura na sociedade em geral não é nem um pouco longe da realidade, afinal já vimos por aí diversos políticos oferecendo programas de "cura para homossexualidade" ou atrocidades do gênero. Parece-me digno e respeitoso ao legado que Singer iniciou em 2000.
Da mesma forma, o retorno de Jean Grey como a Fênix é onde o filme realmente tem um ponto mais fraco. Ver Famke Janssen atuando como uma verdadeira femme fatale sanguinária e vestida com um vermelho berrante é divertido, além dos criativos efeitos visuais que ilustram seu sinistro poder de desintegração - e elogio a coragem de Ratner e dos roteiristas em matar personagens importantes... Mesmo que, bem... Não tenham ficado realmente mortos em futuros capítulos. Porém, a repentina "mudança de lado" que faz Jean juntar-se à Irmandade de Magneto soa extremamente artificial e digna de uma novela das nove, ainda que o roteiro tente justificar a exploração que Magneto faz de seus poderes; e é atencioso colocá-lo durante a batalha final arrependido de suas ações, tal como sua reação apavorada quando é forçado a ver a morte de seu melhor amigo pelas mãos da Fênix.
O ritmo também é um problema. Ainda que fluido e que jamais deixe a peteca cair, o longa merecia alguns minutinhos a mais de contemplação e desenvolvimento. Tudo se resolve rápido demais, e é de se espantar que apenas 104 minutos tenham sido o bastante para resolver duas tramas tão complexas e importantes, da mesma forma que diversos núcleos menores acabem subvalorizados. Por exemplo, o Anjo de Ben Foster acaba sendo um elemento irrelevante e preguiçoso ao longo da narrativa; servindo para despertar a busca pela cura mutante nos créditos iniciais, mas descartado depois de algumas cenas e resgatado como um Deus Ex Machina durante o clímax. Nessa mesma linha, o triângulo amoroso que envolve Vampira, Bobby Drake (Shawn Ashmore) e a novata Kitty Pride (Ellen Page) sofre dessa rapidez e ausência de desenvolvimento em seus arcos, ainda mais saído de um trabalho tão consistente em X-Men 2.
Em termos de direção, Brett Ratner se sai surpreendentemente eficaz na construção visual do longa. Mesmo que os núcleos coadjuvantes citados acima careçam de desenvolvimento, Ratner é bem capaz de lhes oferecer uma iconografia poderosa e memorável, como a primeira vez em que as majestosas asas do Anjo libertam-se de suas amarras ou a belíssima cena em que Bobby congela a água de uma fonte para que possa patinar no gelo com Kitty. Também fico impressionado com a elegância de seus movimentos de câmera em momentos específicos, como o engenhoso plano que nos apresenta ao ótimo Fera de Kelsey Grammer, e até mesmo a eficiente construção de suspense que antecede o ataque de Magneto à Golden Gate. São características que se mantém em sua abordagem envolvente durante as muitas cenas de ação.
A maioria delas merecem aplausos pela construção e criatividade, especialmente pelo uso dos poderes diferentes (a perseguição de Kitty e o mutante Fanático é uma linda demonstração de brutalidade vs discrição), com um destaque central para a antológica cena na casa de Jean Grey, onde não só a mise em scène de Ratner é clara e valoriza o trabalho de dublês - ver o Wolverine de Hugh Jackman sendo arremessado de canto a canto é algo que jamais soa artificial -, além de contar com uma montagem precisa de Mark Goldblatt, Mark Helfrich e Julia Wong, que mantém nosso interesse na briga ao mesmo tempo em que nos lembram do que está em jogo ali; afinal, a Fênix prepara-se para desintegrar o Professor Xavier em um confronto emocionalmente pesado. Já o tal confronto final titular acaba com uma escala épica menor do que o esperado, principalmente por termos mutantes "avatares" com poderes randômicos que só servem para dar algum trabalho braçal aos protagonistas. Porém, é um conjunto de cenas que funcionam como boa diversão e garantem um envolvimento com os personagens, além de toques funcionais de humor negro e um desfecho trágico que deixaria Shakespeare orgulhoso - podemos agradecer ao Wolverine por ambos.
Mas se existe uma grande tragédia em relação ao filme e o backlash criado pela comunidade nerd, é o total esquecimento da brilhante trilha sonora composta por James Powell. Ainda que seja inexplicável o fato de Powell não trazer o épico tema criado por John Ottman para X-Men 2, o compositor oferece uma evolução (sem trocadilhos) daquela melodia para algo apropriadamente mais operático. A grande saga da Fênix Negra no filme ganha uma trilha simplesmente inacreditável, com Powell abraçando as influências na tragédia grega para um tema forte e de orquestra pesada, que mescla seus pontos de drama, terror e ação de forma espetacular; contando ainda com um acertado coral que exacerba a jornada sombria de Jean Grey.
X-Men: O Confronto Final é um dos filmes de quadrinhos mais subestimados da última década. Claramente não é uma obra-prima nem traz o nível de excelência de seus antecessores, mas o longa de Brett Ratner oferece uma conclusão digna para a primeira fase dos X-Men no cinema, surpreendendo com sua história esperta e o espetáculo visual que oferece nas cenas de ação.
X-Men: O Confronto Final (X-Men: The Last Stand, EUA, Canadá – 2006)
Direção: Brett Ratner
Roteiro: Simon Kinberg, Zak Penn
Elenco: Hugh Jackman, Ian McKellen, Patrick Stewart, Halle Berry, Famke Janssen, James Marsden, Kelsey Grammer, Shawn Ashmore, Anna Paquin, Ellen Page, Ben Foster, Rebecca Romijn, Aaron Stanford, Daniel Cudmore, Vinnie Jones
Gênero: Ação, Aventura
Duração: 104 minutos
https://www.youtube.com/watch?v=5ofXf6z7HoY
Crítica | Fome de Poder
Há ótimas histórias que quando contadas necessitam de um cuidado quanto a parcialidade dada. Qual será o ponto de vista do narrador quanto aos personagens. A Rede Social é um exemplo de como os realizadores foram imparciais quantos aos personagens retratados, não tendo medo de mostrar Mark Zuckerberg como um canalha vingativo ao mesmo tempo em que é um gênio. Em Fome de Poder o principal problema - no meio de vários – está em o próprio filme não saber em qual lado ficar em determinados momentos.
O longa conta a história do “fundador” do McDonald’s, Ray Kroc (Michael Keaton), um vendedor falido de Illinois que tem como principal produto uma máquina de milk shake. Após descobrir que um restaurante novo, localizado na Califórnia, pediu oito dessas máquinas e que tinha um mecanismo de rápida fabricação de hamburgers, Ray vai ver que local é aquele. Trata de um novo tipo de restaurante – diferente dos drive in’s que Ray conhecia – administrado pelos irmãos McDonalds, Dick (Nick Offerman) e Maurice “Mac” (John Carroll Lynch), em que o serviço era rápido e feito com qualidade. Espantado com o sistema de trabalho desenvolvido pelos irmãos, Ray quer transformar o restaurante McDonald’s em uma grande franquia. Enquanto o antigo vendedor vai aumentando o nome do restaurante, os irmãos McDonalds vão ficando cada vez esquecidos pelo público.
A história é muito interessante, mas não é bem desenvolvida. O roteiro de Robert D. Siegel (O Lutador) não explora direito os personagens e quanto a franquia vai aumentando durante os anos. O começo do filme é excessivamente expositivo, quase parecendo um documentário. Os personagens só dizem o que estamos vendo em cena e não há sutilezas nos dialogo. E isso acaba deixando o texto chato, apressado e caricato. E mais para frente da projeção, o roteiro junto com a direção não sabe qual partido tomar. Na tentativa de ser “imparcial”, parece que durante o momento mostra Ray como gênio por ter transformado o restaurante em uma grande franquia e os irmãos como idiotas atrasados e em outro o vendedor como um completo canalha ganancioso e os irmãos como gênios incompreendidos.
Não há uma ideia direta sobre o que são os seus personagens do filme e isso acaba deixando o longa desinteressante. Além dos personagens que não são desenvolvidos e que são jogados esquecidos, como a esposa de Kroc (Laura Dern) e um de seus sócios (Patrick Wilson) que tem uma importância no filme. No fim, tanto Dern quanto Wilson são coadjuvantes de luxo.
Se o roteiro de Siegel já se mostra problemático, a direção pouco inspirada de John Lee Hancock (Um Sonho Possível) deixa o longa difícil de aguentar. Além da direção de atores ser fraca, os planos escolhidos pelo diretor são extremamente previsíveis. Hancock poderia ter utilizado a estética do McDonald’s ao seu favor, mas decide utilizar uma fotografia escura, feia e deselegante.
Antes que o péssimo gosto de Hancock fosse apenas na fotografia, mas está em quase todos os departamentos do filme: A montagem é malfeita, por não conseguir criar uma narrativa fluida e os cortes entre os planos não serem bem encaixados; a direção de arte é pouco inspirada, nem a reconstituição de época chama a atenção; e a trilha sonora é exagerada e não condiz com o que está acontecendo. É um trabalho de execução pífio de John Lee Hancock.
Mas enquanto a Michael Keaton? Ele mostrou talento em Birdman e Spotlight: Segredos Revelados e agora em um filme que ele tem um papel forte, se sobressai? Infelizmente, Keaton se mostra caricato em todas as cenas do filme. Ao utilizar uma voz fina irritante e um sorriso sarcástico que mostra apenas os dentes superiores, o ator não consegue criar nenhuma sutileza em seu personagem. Além da falta dessas, não há ambiguidades ou subtextos no trabalho de Keaton, é só a velha caricatura do capitalista sem escrúpulos. Os melhores atores são os dois irmãos McDonalds, que conseguem deixar claro como ambos são parceiros em todas as decisões feitas e do afeto que um tem pelo outro. Ambos são bem felizes ao deixar claro as diferenças entre os dois: enquanto Dick é mais calculista, Mac é mais impulsivo quanto as suas ações. São os únicos que são bem explorados e que fazem um trabalho minimamente interessante. O resto do elenco está preso a personagens rasos e mal desenvolvidos e não tem muito que fazer.
O que poderia ser um filme minimamente interessante, Fome de Poder não faz jus a história contada. A história de Ray Krock e dos irmãos McDonalds merece ser conhecida, mas temos que esperar um filme melhor.
Fome de Poder (The Founder – EUA - 2016)
Direção: John Lee Hancock
Roteiro: Robert D. Siegel
Elenco: Michael Keaton, Laura Dern, Patrick Wilson, Nick Offerman e John Carrol Lynch.
Gênero: Drama
Duração: 115 minutos
https://www.youtube.com/watch?v=_i8LJEv1d_Y
Crítica | Silêncio (2016)
Existem projetos e projetos no ramo cinematográfico. Porém, há distinções na intenção de suas realizações. A primeira e mais comum é a necessidade do estúdio gerar lucro com um blockbuster eficiente como boa parte das produções da Disney. Essas movem o mercado e geram a renda para os projetos secundários que quase nunca revertem lucro após realizados. São os chamados filmes de “Oscar” que subdivisões dos estúdios trabalham para agregar premiações em diversos festivais e prestígio, além de ser um excelente chamariz para novos talentos que, em algum momento, participarão dos projetos blockbusters tão carentes de nomes relevantes atualmente.
Entretanto, nesse mercado maluco, existe uma terceira natureza de projeto. Essa que quase sempre é oito ou oitenta: ou traz desgraça ou traz glória. Se tratam dos filmes mais pessoais do realizador. Aqueles que demoram uma vida inteira para produzir exorcizando seus demônios em forma de arte. A Chegada é assim para Eric Heisserer, Portal do Paraíso foi assim para Michael Cimino, O Comboio do Medo é assim para William Friedkin.
Silêncio é assim para Martin Scorsese, marcando a sua segunda obra máxima sobre religião e espiritualidade – A Última Tentação de Cristo foi a primeira.
Eu Rezo, Mas Estou Perdido
O livro de Shosaku Endô é uma das obras máximas da literatura mundial. E mesmo assim, é desconhecida por muitos. A adaptação escrita por Scorsese e Jay Cocks felizmente pode tirar Silêncio do silêncio.
Acompanhamos a jornada suicida de uma dupla de padres, Rodrigues e Garupe, em busca de seu antigo mentor, padre Ferreira, que estava em campanha de catequese durante o xogunato Tokugawa em seu pior momento: pós-rebelião Shimabara, uma revolta social que resultou na perseguição e execução de diversos recém-cristãos devotos e padres imigrantes residentes em Nagasaki. A partir de uma carta há anos enviada para a Ordem Jesuíta, Ferreira avisa que está perdendo suas forças e relata os horrores que viu, indicando que seu futuro pode ser tenebroso. Com o destino tão incerto quanto, Rodrigues e Garupe partem ao Japão.
Para entender Silêncio, é preciso compreender a importância que a religiosidade recebe em diversos filmes de Scorsese, descendente de italianos e profundamente católico. Aqui, a abordagem é bastante diferenciada e, apesar de ser uma narrativa linear e de fácil compreensão geral, a escrita do filme é extremamente densa e corajosa – lembre-se, não se trata de um filme ordinário de indústria.
O alicerce de Silêncio está nos grandes monólogos praticados em diversas narrações over do padre Sebastião Rodrigues, o protagonista do qual acompanhamos integralmente seu ponto de vista. Logo, o filme se estrutura em dois pontos-chave: trabalho e sacrifício.
O primeiro é concentrado na chegada dos padres ao Japão tendo imediato contato com um vilarejo católico perdido e cheio de fiéis amedrontados. Já é partir desse momento que temos conflitos genuínos sobre fé, prática e do medo da perseguição religiosa. Cenas singelas que mostram os miseráveis camponeses reunindo o pouco de comida para os padres que se esquecem de rezar antes de comer dada as circunstâncias da viagem e de uma realidade completamente oposta a que viviam anteriormente.
É a partir da dor e sacrifício que passam a entender o verdadeiro significado do amor ao próximo e da fé. Logo, Scorsese trabalha certa desconstrução do passado desses personagens que nunca provaram o verdadeiro pão que o diabo amassou. As condições para a catequese são mais que adversas e os roteiristas elaboram fielmente uma rotina completamente paranoica para incutir o medo que os fiéis sentem também nos protagonistas. É algo sublime que funciona apenas com a encenação muito bem aplicada de Scorsese.
Silêncio é um filme de poucos diálogos, mas mesmo assim é fácil denotar o desenvolvimento dos outros personagens que não se confessam para o espectador – apenas o protagonista tem o direito da narração over que relata as memórias. Rapidamente, Garupe passa a questionar sua fé por conta de sua rotina miserável. Esses diálogos entre os dois tendem a ser repetitivos e, de certa forma, demonstram o quão estranhamente trabalhado é o coadjuvante.
Garupe serve como o contraponto da fé inquestionável de Rodrigues e contribui para começar a desenvolver os conflitos internos do protagonista. Então, decerto, Garupe é o coadjuvante perfeito, porém é uma pena que os roteiristas invistam tão pouco a ponto do padre ser uma figura completamente pálida ante aos outros coadjuvantes japoneses, católicos e perseguidores. Logo, de algum modo, Garupe é um dos elos mais fracos do filme, apesar da performance muito humana de Adam Driver que apresenta um misto de emoções entre amor e ódio. É perceptível que a dúvida sobre a divindade e a fé é muito mais presente em Garupe que se torna rico e interessante graças ao ator.
O roteiro é bem trabalhado a ponto de contar com um clímax perturbador para esse primeiro segmento. E é a partir desse momento que Rodrigues começa a crescer significativamente como protagonista, pois o pouco conforto que lhe restava é completamente destruído. Aqui, o personagem suplica para Deus por providência e é justamente nisso que o roteiro de Scorsese passa de ótimo para genial.
A Fé Esmagada
Após o protagonista sofrer o primeiro abalo e compreender o quão horrível é o sacrifício e a perseguição religiosa no Japão, Scorsese passa a trabalhar com a ironia e a crueldade. Rodrigues passa a ser um homem quebrado, no limite da loucura, implorando por sinais ou milagres.
Nesses momentos – alguns belíssimos como o qual Rodrigues enxerga o reflexo de Cristo em uma poça de água, rapidamente algo de muito ruim acontece com ele ou com a pessoa que ele tenta salvar através de suas orações que nunca encontram respostas. A graça justamente se encontra no contraste imediato, mas não somente este: e sim como as duas partes são bastante opostas.
Enquanto a chegada dos padres oferece uma libertação aos cristãos convertidos, possibilidade de redenção, remissão dos pecados, resgate de dignidade, coragem de viver e direito a existência, o segundo ato praticamente esmaga tudo o que representava Rodrigues e sua fé.
Nisso, a narração over passa a ter um caráter muito interessante: torna-se confissões de Rodrigues para o espectador. Sempre colocando em dúvida sua função, do silêncio divino, de seu propósito e da razão de tanta violência. O embate trava-se rapidamente após a captura e cárcere de Rodrigues pela inquisição budista japonesa – há aqui um bom parelho com a história entre Jesus e Judas.
Os diálogos entre as duas partes discutem incessantemente sobre a fé tentando forçar Rodrigues a se tornar um apostata – alguém que renega sua religião, ao pisar em um símbolo sagrado. E, por incrível que possa parecer, Silêncio sustenta firmemente seus longos minutos restantes apenas com esse ótimo conflito.
A redundância e a violência das torturas físicas e psicológicas das quais Rodrigues passa, faz parte do discurso que Scorsese quer construir: sobre o amor ao próximo e o amor a Deus acima de todas as coisas. São várias as situações que os japoneses criam para tentar quebrar o espírito do padre tornando todo o enorme dilema de Rodrigues algo verdadeiramente único nessa obra. É absolutamente intrigante e poderoso.
O que também ajuda a sustentar toda essa segunda metade até o clímax é o relacionamento de Rodrigues com o problemático guia Kichijiro, provavelmente o personagem mais rico de todo o filme. Seria uma pena abordar a natureza de seu conflito, mas é bastante sombrio pelos erros do passado que também envolviam a perseguição da inquisição. A relação entre os dois é rica justamente por elas se espelharem tão perfeitamente: o dilema do passado traumático de Kichijiro é o mesmo que Rodrigues enfrentará até o fim da narrativa, e como as escolhas tomadas pelos dois homens tem uma profunda diferença de índole e natureza.
É algo verdadeiramente excepcional. Outro grande personagem é o grande inquisidor Inoue pela assombrosa atuação de Issei Ogata. Scorsese acerta em cheio com a figura contrastante entre o poder e a importância do personagem com a estatura diminuta e decrépita criada por Ogata, além da dicção frouxa, engraçada, para debochar a todo momento de Rodrigues.
É através do conflito de ideias entre o inquisidor com o Rodrigues que Scorsese consegue criar um dos melhores retratos sobre religião e cristianismo. A exposição sobre a crença budista é clara como água, assim como a motivação para a perseguição que os cristãos sofrem a todo momento.
Os Demônios de Scorsese
Não é raro alguém dizer que tal pessoa exorcizou seus demônios através de um feito. É exatamente isso que ocorre com Scorsese e sua direção em Silêncio, completamente esnobado por diversas premiações e festivais.
Como o roteiro é bastante singelo se movendo lentamente através da digestão completa de um conflito complexo, é preciso que Silêncio tenha um poderio visual formidável para completar as lacunas deixadas pela falta de diálogos ou por uma confissão mais simples do protagonista.
Scorsese pavimenta sua encenação a partir do ponto de vista e estado emocional do personagem. A câmera é basicamente uma extensão do espírito de Rodrigues. Portanto, no começo, em Macau, durante o fervor da expectativa em reencontrar seu antigo mentor, a encenação é efervescente trazendo movimentos de câmera majestosos aliadas a muita movimentação de figurantes realizando diversas ações. É absolutamente cheio de vida.
Entretanto, no momento que os padres pisam no Japão, Scorsese muda completamente as regras do jogo que perduram até o final do filme. Os planos são um tanto mais afastados, apenas se aproximando em momentos extremamente íntimos para valorizar a expressão dos atores, a efervescência de outrora dá lugar ao silêncio de planos parados voltados para uma contemplação quase sagrada da natureza de todo o lugar – isso tem um propósito narrativo belo.
O poder visual não fica somente restrito apenas na contemplação. A belíssima fotografia de Rodrigo Prieto define com exatidão, através de suas cores ora mortas, ora vibrantes, todo o ambiente desolador, sujo e precário que os dois jesuítas vivem em primeiro momento. Esse contraste de exibir cores podres para retratar ações belas se inverte no segundo segmento repleto de cores vivas, vibrantes, com ambientes totalmente iluminados para ilustrar ações perversas e cruéis.
Nisso, a ironia maior do filme inteiro se fortifica: se Deus existe, por que Ele dá conforto, condições e bonança para o meu inimigo quando nós fiéis provamos do pior que o homem pode infligir ao outro? O uso constante de neblinas não permitindo ver um palmo a frente dos personagens também colabora para o constante estado de dúvida dos dois jesuítas. Apesar de praticar o cristianismo naquele momento, sua fé não está fortificada.
Com a imagem conseguindo suprir muito bem ao nutrir o texto, temos então o tão falado silêncio, peça primordial deste filme. Scorsese procura trabalhar o silêncio de muitas formas figurativas e literais. Temos o silêncio provocado pelo medo, luto, culpa, tristeza, depressão, pesar. Temos o silêncio do sagrado, da gratidão, do alívio, da remissão dos pecados, da reflexão religiosa e da própria oração. E, enfim, há o silêncio de Deus em não atender aos pedidos incessantes de Rodrigues pela libertação dos cristãos japoneses submetidos às torturas da inquisição – o protagonista é uma grande figura messiânica na obra.
Toda essa questão é resolvida de modo estarrecedor e belo, pois é completamente inesperada e nem vale entrar no mérito de analisa-la aqui, pois estragaria a fantástica experiência. Esse silêncio é trabalhado também pela trilha musical experimental do casal Kluge. A música em Silêncio funciona como uma ambiência trazendo sons de grilos, pássaros, do farfalhar das folhas ou das ondas quebrando nos corpos dos cristãos.
É algo genial que também elabora o discurso sobre questões e repostas, Scorsese cria, entre muitas súplicas, só é possível ouvir o barulho provocado pela ambiência que, no fim das contas, não é uma resposta satisfatória para o personagem ou para qualquer um. Trata-se de “silêncio”. Isso é, inclusive, explicado pelo roteiro agregando uma dimensão monstruosa para o trabalho dos músicos que, desse modo, colaboram diretamente para engrandecer a narrativa.
Estou Rezando para o Silêncio?
Através do poder de suas imagens espetaculares, profundamente carregadas de significado, do trabalho sonoro estupendo, do design de produção fidelíssimo e, principalmente, pelo trabalho incansável de seu elenco, Scorsese cria sua obra-prima religiosa.
Muito se deve também ao desempenho assombroso de Andrew Garfield – que deveria ter sido indicado por esse papel. A partir do momento que nos vemos envolvidos com a dor do personagem e de toda sua dúvida, é impossível ficar indiferente aos olhares de desespero e angústia que Garfield nos proporciona. É uma performance totalmente entregue ao personagem.
Porém, infelizmente, o filme me parece ser uma daquelas obras espetaculares que passará debaixo do nariz de muita gente – mesmo contando com o nome de um dos cineastas mais eficientes de sua geração e do cinema atual. O que é uma verdadeira pena. A história da busca dos padres Rodrigues e Garupe em encontrar não somente seu mentor, mas sim Deus, é uma das mais bonitas já adaptadas pelo Cinema.
Silêncio é a demonstração máxima entre os extremos mais opostos de uma pessoa, em especial, de um fiel: a intolerância brutal e o sacrifício em amor ao próximo. É o filme que melhor trabalha a religiosidade como um todo e deverá se manter assim por um bom tempo. Imprescindível.
Silêncio (Silence, EUA, Taiwan, México – 2016)
Direção: Martin Scorsese
Roteiro: Martin Scorsese, Jay Cocks, Shosaku Endo
Elenco: Andrew Garfield, Adam Driver, Liam Neeson, Ciarán Hinds, Tadanobu Asano, Issei Ogata, Yoshi Oida, Yosuke Kubozuka, Nana Komatsu
Gênero: Drama religioso
Duração: 161 minutos.
https://www.youtube.com/watch?v=PgGZbD7wUIQ&t
Crítica | King Kong (1976)
Quando o produtor Dino De Laurentiis anunciou que um remake do filme King Kong (1933) seria feito e que estrearia no natal do ano de 1976, com direção de John Guillermin, todos ficaram ansiosos para assistir a essa nova versão do clássico. Mas o resultado infelizmente não agradou a maioria dos fãs do gorila gigante. Tanto pelo fato do filme ser bem inferior ao original de 1933 quanto pelas significativas mudanças na história. Mas o filme acaba por não ser uma decepção completa, conseguindo gerar vários momentos bons durante o desenrolar da trama. Mas, infelizmente, ele não consegue honrar o filme original.
O filme começa em Surabaya na Indonésia. O fotógrafo Jack Prescott (Jeff Bridges) embarca clandestinamente em um navio de uma empresa de petróleo que está partindo em busca de novas terras para extrair o recurso, mas no meio da viagem, Jack é descoberto e ao mesmo tempo ele avista um bote naufragando no mar. Dentro dele estava a jovem Dwan (Jessica Lange) que decide seguir viagem junto da equipe petrolífera no navio. Ao chegarem na ilha, a tripulação se depara com uma tribo indígena local ensaiando uma espécie de sacrifício, os nativos avistam a tripulação e oferecem trocar 6 mulheres pela Dwan, a oferta é recusada. Porém, de noite, a tribo a sequestra no navio e a dão como oferenda ao gigantesco gorila, King Kong.
Podemos notar logo pelo início que a trama deste já se difere bastante do filme de 1933. A começar que ao invés de uma equipe de filmagens, desta vez é uma equipe petrolífera que decide ir a ilha, com isso mudando todo o rumo da história e obviamente as intenções que os levaram a ilha. Os protagonistas também sofreram mudanças drásticas, tendo os nomes e origens mudados completamente, mas o que realmente mais chamou a atenção e soou como algo completamente forçado e desnecessário, foi o Kong ter escalado a torre do World trade center ao invés do Empire State Building. O motivo de tal mudança foi explicado no filme, mas isso não tirou o fato dela ter ficado completamente forçada e com isso tirando um dos elementos que mais marcou o original.
O roteiro de Lorenzo Semple Jr explora muito bem o relacionamento entre Dwan e o Kong. Ele dá um ar mais íntimo entre os dois, com isso fazendo com que ela se importe com o Kong e não o veja como uma ameaça como foi no filme original, isso acaba por gerar ótimos momentos entre eles, como por exemplo a cena da morte do Kong. Aqui ela se torna mais trágica por conta disso. Mas ao mesmo tempo que consegue gerar bons momentos, também acaba rendendo momentos totalmente vergonhosos como a cena em Kong a seca após o banho na cachoeira.
O núcleo humano do filme é satisfatório, nada muito pífio, mas também nada que esteja num nível elevado. A grande surpresa mesmo vinda do elenco foi a estreante Jessica Lange, que interpreta a naufraga Dwan (não é revelado em nenhum momento do filme o seu sobrenome), ela é claramente a reinvenção da personagem Ann Darrow do filme de 1933, ambas são aspirantes a atriz e foram sequestradas pelo gigantesco gorila Kong. A apresentação da intérprete de Lange foi totalmente forçada, nada orgânica e as suas falas são totalmente indignas e clichês, e ela também rende péssimos momentos para longa, porém, o problema da personagem está no roteiro e não na atuação de Lange. A atuação de Lange para uma estreante está muito boa, ela chegou a receber um globo de ouro de melhor estreia feminina por sua atuação no filme
King Kong, o grande astro do filme, ganhou vida aqui por meio de um ator fantasiado, neste caso o ator Rick Baker que veste a fantasia, bem diferente do filme de 1933 que foi feito pela técnica de animação Stop Motion. O visual da fantasia em si é muito bom, mas quando o ator a veste e o vemos em ação, o resultado não é nada satisfatório, chegando a parecer risível e nada orgânico em várias cenas.
Quanto a trilha sonora composta por John Barry, considero ela um dos maiores acertos do filme. Os temas que ele criou são marcantes e conseguem dar vida as cenas.
Enfim, o remake de King Kong não é uma decepção completa como muitos falam, mas suas falhas grotescas são totalmente perceptíveis e atrapalham a experiência. Mesmo mantendo parte da essência do filme original, ele nem chega perto de ser o que o original foi. Um bom filme de aventura, mas também ele não passa disso.
King Kong (King Kong, EUA – 1976)
Direção: John Guillermin
Roteiro: Lorenzo Semple Jr
Elenco: Jeff Bridges, Charles Grodin, Jessica Lange, Rick Baker, John Randolph, Rene Auberjonois
Gênero: Aventura, fantasia
Duração: 134 minutos.
Crítica | King Kong (1933)
Todos, com certeza, já devem ter ouvido falar do gigantesco gorila King Kong, o mesmo que sequestrou uma jovem moça indefesa e escalou até o topo do Empire State Building com ela. O personagem se tornou um grande ícone do cinema, criando uma legião de fãs ao redor do mundo. Até hoje ele é homenageado e referenciado em diversos filmes e programas, mas tudo se iniciou graças a este clássico lançado em 2 de março de 1933, sendo considerado por muitos cinéfilos como um marco na história do cinema e da história dos filmes de Kaijus também.
Dirigido por Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack, a trama segue o famoso diretor de cinema Carl Denham (Robert Armstrong) que após encontrar um mapa para a desconhecida Ilha da Caveira, segue viagem para ela junto de sua equipe de filmagens. Chegando lá eles se deparam com uma tribo indígena que acaba sequestrando a jovem atriz e estrela do filme de Denham, Ann Darrow (Fay Wray) para ser oferecida como oferenda ao gorila gigante que habita a ilha e, então, a equipe é obrigada a adentrar a floresta para resgatarem ela.
Ao passar que vão desbravando a floresta em busca da jovem atriz, descobrimos que o Kong não é o único monstro que vive por lá. Várias criaturas pré-históricas passam pelo caminho da equipe de filmagens e do próprio Kong também, todos feitos pela técnica de animação Stop-Motion, hoje é considerada como uma técnica datada para uma indústria dominada por efeitos visuais computadorizados, mas para a época, foi o único jeito de fazer os monstros na ilha, isso incluindo o próprio Kong e o resultado foi muito satisfatório. A utilização do Stop-Motion ao invés de pessoas fantasiadas foi um acerto em cheio pois confere mais dinâmica e realismo as criaturas. Todos os bonecos e maquetes confeccionadas são fascinantes, dando um verdadeiro espetáculo a combinação de ambos, principalmente nas cenas de luta.
O filme consegue transmitir muito bem a visão que os homens têm do Kong. Para eles o gorila gigante não passa de uma criatura irracional e com intenções nefastas. O filme consegue passar essa sensação também ao assistirmos, mas ao analisarmos o que o Kong faz durante o filme, vemos que a única coisa que ele queria era deixar a Ann Darrow a salvo e não a matar, tanto que ele a protege quando ela grita ao ver o Tiranossauro-Rex se aproximando. Essa ambiguidade presente é excelente, pois faz o espectador racionar sobre as ações que o gigantesco gorila toma ao longo do filme.
É unanimidade para todos que a melhor cena do filme é a que o King Kong sobe até o topo do Empire State Building e luta com os aviões, realmente uma excelente cena, com um desfecho totalmente trágico e inesperado, não é à toa que ela se tornou tão icônica. Outras cenas muito bem executadas do filme são as cenas de luta dele, principalmente a contra um Tiranossauro-Rex. A única cena em que ele realmente ficou ridículo, na verdade a única cena ridícula do filme todo é quando eles dão um close na cara dele sorrindo, totalmente risível e sem necessidade.
Todo o núcleo humano do filme é excelente, nenhum personagem fica deslocado ou perdido na trama, mas os que mais se destacam no filme são Fay Wray, Robert Armstrong e Bruce Cabot. Fay Wray interpreta a aspirante a atriz, Ann Darrow que é capturada pelo poderoso Kong, ela entrega uma atuação digna para a personagem, conseguindo colocar na tela todo o horror que a personagem passa nas mãos do temível gorila. Robert Armstrong interpreta o famoso diretor de cinema, Carl Denham, ele traz uma atuação um tanto excêntrica para o personagem, mostrando todo o lado interesseiro e aventuroso dele. Já Bruce Cabot que interpreta o corajoso marinheiro Jack Driscoll, de início pensamos que seu personagem será desprezível e arrogante, mas ao passar do filme vemos que na verdade ele é muito amoroso e que fara de tudo para resgatar a Ann, com isso conseguindo tirar essa primeira impressão que temos dele.
A trilha sonora composta por Max Steiner para o filme é bem caprichada e marcante. Ela consegue passar muito bem toda emoção necessária as cenas, dando um bom clima a elas, principalmente na cena em que o King Kong aparece pela primeira vez no filme e sequestra a Ann. O trabalho de mixagem de som também não fica atrás, com os barulhos e rugidos das criaturas na ilha da caveira e dos aviões na cena final do filme.
King Kong é com toda certeza um verdadeiro marco do cinema. Ele é inovador e corajoso considerando a época em que foi produzindo, não cansa o espectador e é ótima pedida para qualquer fã de filmes de monstros gigantes. O filme só não irá receber nota máxima por conta dos horríveis closes que dão na cara do King Kong durante o filme, mas esse também é o único demérito que enxergo no filme, de resto ele é excelente, ninguém ira se decepcionar ao assistir este clássico.
King Kong (King Kong, EUA – 1933)
Direção: Ernest B. Schoedsack, Merian C. Cooper
Roteiro: James Creelman, Ruth Rose
Elenco: Bruce Cabot, Fay Wray, Robert Armstrong, Frank Reicher, Noble Johnson, Sam Hardy
Gênero: Aventura, fantasia, terror
Duração: 105 minutos.
Crítica | X-Men Origens: Wolverine
Lá no final dos anos 2000, parecia até redundância a ideia de um filme solo do Wolverine de Hugh Jackman, visto que o mutante carcaju praticamente roubou a cena de todos os filmes da primeira trilogia X-Men nos cinemas. Com o suposto encerramento da saga com X-Men: O Confronto Final, a Fox inauguraria o selo de X-Men Origens, apostando em derivados de alguns personagens icônicos da franquia para explorar histórias anteriores à do primeiro filme de Bryan Singer. Wolverine, claro, foi o primeiro a testar a fórmula, que resultou na catástrofe que atende o nome de X-Men Origens: Wolverine, e serviu para matar de vez o selo de origens.
A trama volta bem cedo no passado do personagem, para quando James Logan era apenas um garoto no século XVII e tem a trágica revelação de suas garras de osso quando acidentalmente mata seu pai, obrigando-o a fugir com seu meio-irmão, Victor. Crescidos e acostumados com seus poderes bestiais e de regeneração, os irmãos atravessam as principais guerras americanas até serem encontrados pelo Coronel William Stryker (Danny Houston), que os coloca em sua equipe secreta de mutantes que realizam missões ocultas para o governo americano. Quando Logan abandona a equipe, Victor se sente traído e jura vingança a seu meio-irmão.
Comentei acerca da redundância em um filme do Wolverine logo acima, mas é impossível negar que era uma fantástica ideia termos uma história sobre o passado do personagem, especialmente por sua longa trajetória que seu fator de cura possibilitou. E de fato, na sequência de créditos de abertura quando vemos Wolverine e Victor correndo na Guerra da Secessão americana, mergulhados nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial, desembarcando na Normandia no conflito decisivo da Segunda Guerra e até sobrevoando Saigon durante a Guerra do Vietnã, temos um dos pontos altos de toda a franquia, graças à condução ágil do diretor Gavin Hood, a fotografia de Donald McAlpine e a dramática trilha sonora de Harry Gregson-Williams. Infelizmente, essa talvez seja a única cena que faz jus à proposta do filme.
É uma bagunça estrutural tão grande que o filme chega a ter 3 prólogos antes de ter um início propriamente dito, e percebe-se um claro embate entre as ambições artísticas de Gavin Hood e os interesses executivos do estúdio, já que constantemente o roteiro de David Benioff (que felizmente se encontrou anos depois como o showrunner de Game of Thrones) e Skip Woods tenta oferecer um aprofundamento às emoções de Logan e o fardo de possuir um instinto animalesco, quase conseguindo criar um certo afeto entre o protagonista e o interesse amoroso vivido pela bela Lynn Collins, mas é algo impossível de se levar a sério quando Origens continua nos enfiando cenas de ação guela abaixo. Incontáveis vezes temos lutas entre Wolverine e Victor quebrando o fluxo da narrativa, quase como se entrassem ali por uma exigência do estúdio para aumentar o número de cenas de ação, vide que nenhuma delas oferece uma consequência realmente significante para o andar da narrativa - sem falar que nem ao menos a direção de Gavin Hood ali é decente, reforçando os rumores de que a Fox teria contratado um "diretor fantasma" para assumir as gravações do longa.
Além desses confrontos intermináveis, temos uma fuga de moto de um helicóptero que abraça o ridículo ao apostar no exagero (até mesmo com uma tomada slow motion de Logan caminhando de uma explosão à suas costas), uma inacreditável luta de boxe que realmente é levada a sério e um clímax que oferece um oponente digno da série Resident Evil, transformando o adorado Deadpool (antes de renascer com estilo em 2016) em um show de horrores indesculpável. Isso sem falar que praticamente todas essas cenas contam com efeitos visuais grotescos, principalmente pela artificialidade das garras do Wolverine em planos fechados - sinceramente, qual a desculpa para usar o efeito digital em uma cena onde o personagem simplesmente OLHA as garras em frente ao espelho de um banheiro? Quem lembra do notório vazamento de uma cópia incompleta do filme antes de sua estreia sabe do nível do trabalho.
Claro que Hugh Jackman torna tudo um pouco mais suportável, já que parece incapaz de entregar uma performance do Wolverine que não seja carismática e divertida, vide pela personalidade nervosa ou pelos pontuais momentos de humor. Porém, ele é o único capaz de oferecer algum personagem sustentável aqui, já que Liev Schreiber parece completamente deslocado e não ajuda o fato de que Victor seja um personagem sem motivação ou profundidade. Danny Houston assume um piloto automático funcional, Ryan Reynolds surge como um bom easter egg antes que seu Deadpool passe pela monstruosa transformação e o azarado Taylor Kistch até tenta fazer de seu Gambit uma figura memorável, mas seu papel na história é simplesmente incoerente e forçado; já se passaram 17 anos e ainda estão tentando fazer um filme do mutante das cartinhas, veja só. E o que dizer do risível will.i.am como um mutante genérico e bonachão?
X-Men Origens: Wolverine é um filme desequilibrado e claramente problemático quanto ao tipo de história que tenta contar. É um exagero de cenas de ação desinteressantes, personagens genéricos e um passado profundamente decepcionante para um dos grandes personagens dos X-Men. Realmente comprova a força de Hugh Jackman em seu retrato do Wolverine, pois até mesmo depois dos créditos terminarem de subir e nos liberarem da tortura, ainda existe interesse em ver mais do personagem.
X-Men Origens: Wolverine (X-Men Origins: Wolverine, EUA - 2009)
Direção: Gavin Hood
Roteiro: David Benioff e Skip Woods
Elenco: Hugh Jackman, Liev Schreiber, Jynn Collins, Ryan Reynolds, Danny Houston, will.i.am, Taylor Kitsch
Gênero: Aventura, Ação
Duração: 107 minutos.
https://www.youtube.com/watch?v=kd6zYnHwQWA