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Crítica | Kong: A Ilha da Caveira

Não demorou muito para que 2017 trouxesse seu primeiríssimo blockbusters dirigido por um nome vindo diretamente do cinema indie: Jordan Vogt-Roberts, cineasta que trouxe Reis do Verão para as telonas. A aposta da Warner foi mais correta e adequada do que seu experimento com Godzilla e Gareth Edwards. Roberts, apenas em seu segundo filme na carreira, consegue trazer nova vida ao macaco favorito, já quase centenário, dos cinemas.

Desde 2005, fazia tempo que Kong não retornava para os cinemas. O diferencial de Kong: A Ilha da Caveira é trazer uma história inédita para erguer o universo compartilhado dos kaijus que a Warner pretende trazer nos próximos anos. Mas será que a nova história consegue fazer jus ao nome antológico do macaco? Afinal, o que há de realmente novo para ser dito sobre King Kong?

A história nos traz o cientista Bill Randa, fundador da Monarch, uma subdivisão governamental de mapeamento de território desconhecido. Depois de conseguir, a muito custo, o financiamento necessário para explorar sua nova descoberta: a Ilha da Caveira, o cientista arranja escolta militar de veteranos da guerra do Vietnã, além de recrutar outros estudiosos para pesquisar a ilha. Enquanto todos navegam em direção ao desconhecido, Randa tem conhecimento que existe algo muito tenebroso e gigantesco habitando o lugar.

Apocalypse Kong

A proposta do argumento de John Gatins desenvolvido no roteiro de Gilroy, Borenstein e Connolly é bem óbvia: incutir atmosfera e sentimento para a Ilha da Caveira e Kong. Com competência a referência base chega ao espectador sem a menor poluição. O roteiro traz diversos momentos que buscam mimetizar algumas cenas do clássico de Coppola além de conversar de modo inteligente com situações icônicas da história original de King Kong.

São momentos diversos como a apresentação do personagem James Conrad, um mercenário escondido em Saigon, ao desbravamento dos helicópteros invadindo e bombardeando a ilha e, o mais óbvio, a semelhança da situação que se encontra um sobrevivente na ilha, Hank Marlow, interpretado vividamente por John C. Reilly.

Em seus méritos originais, os roteiristas elaboram mensagens bem superficiais anti-guerra, do embate entre o homem e a natureza ou discursos políticos pouco pertinentes ao conteúdo mostrado em tela como uma boa metáfora de como criamos nossos inimigos através das próprias ações equivocadas destrutivas. Dentre todas as tentativas falhas de tornar a obra politicamente relevante, apenas as poderosas imagens de destruição contra o ecossistema e a natureza tem seu devido valor graças aos esforços do diretor e sua câmera.

De narrativa, trata-se da grande jornada em direção ao desconhecido. Assim como a maioria dos filmes de monstro, o núcleo humano decepciona. É compreensível que haja tantos personagens para que haja maior entretenimento nas cenas de ação (mais gente morrendo de diversas formas possíveis), porém, impressiona como o tratamento para absolutamente todos eles é deveras vazio, quando não tosco

Muitos se baseiam na força do carisma do ator como Tom Hiddleston, Toby Kebbell e John Goodman. Nem mesmo o relacionamento ou conexão forçada entre a personagem riponga de Brie Larson com Kong funciona – clara alusão ao romance improvável inerente a figura do gorila.

Boa parte dos núcleos são preenchidos por personagens estereotipados: os militares preconceituosos e burros, o sargento que busca vingar todos os homens mortos por Kong, a fotógrafa de “humanas”, o líder, o nerd, o militar esquisitão que toma ações inesperadas, etc. Mesmo personagens que até tenham certo potencial como Bill Randa são esquecidos e desperdiçados pela narrativa.

Então, o que raios funciona no roteiro de Kong: A Ilha da Caveira? Na verdade, tudo. É um texto básico, mas totalmente fiel à proposta estabelecida aqui. Não há o que exigir num blockbuster de monstro como esse, apenas coerência narrativa e nada que realmente ofenda a inteligência de quem assiste.

Tirando alguns diálogos pavorosos, exposições cheias de preguiça para explicar certos pontos nem tão óbvios para o espectador, um momento horroroso de monologo para o pior personagem do filme interpretado por um cansado Samuel L. Jackson, eliminações arbitrárias de personagens vazios e a insistência em um recurso dramático sobre uma carta de um soldado para o filho – Dear Billy… é um porre e você vai sentir isso também, além do alivio cômico insuportável vindo do soldado Brooks, o roteiro é orgânico e satisfatório.

Porém, é inegável que além da presença de C. Reilly, o texto encontra sua força através de Kong, sua relação com a ilha que revela um inteligente jogo sobre ecossistema que define o conflito principal da obra e das novas criaturas que infernizam a vida dos humanos. O macaco é bastante presente na trama longe de ser aquela chatice sem fim que Edwards fez com Godzilla em 2014. Entretanto, boa parte de seu curto desenvolvimento vem pelos méritos da potência visual aplicada na direção de Roberts.

Assinatura Monstruosa

Imagine você ser chamado para dirigir um longa que carregue enormes expectativas, além de muitos milhões de dólares, com apenas uma obra no currículo? É um frio na barriga que já atingiu diversos nomes que agora fazer partem da indústria. Desses todos novos diretores que surgiram nos últimos quatro anos, Jordan Vogt-Roberts talvez seja um dos mais promissores deles.

O motivo é muito simples: Kong: A Ilha da Caveira é um dos blockbusters menos engessados dos últimos anos. Mesmo contando com um roteiro simples e raso, Roberts transforma a narrativa desse longa em uma viagem extremamente divertida. Já nos primeiros segundos de projeção é possível perceber a tão falada paixão que ele carrega por videogames. Estes, influenciam muitos momentos do filme de modo orgânico.

Roberts consegue encaixar planos e encenações clássicas da linguagem de games de aventura e shooters na gramática visual como planos de ponto de vista dos soldados atirando em aranhas gigantes. As referências são diversas, mas há muita presença de Battlefield, Turok e até mesmo, Shadow of the Colossus. É algo que certamente dá um vigor de encenação estupendo trazendo uma ação bastante inventiva e menos manjada, mesmo que não chegue a ser uma revolução de linguagem.

Não somente os games guiam a decupagem e encenação de Roberts. O diretor busca muitas referências de filmes de guerra dos anos 1970, conseguindo conversar com diversos deles em momentos cruciais como a primeira batalha de Kong contra os humanos viajando em helicópteros. É uma sequência fantástica que tira o filme de certo marasmo provocado pelos minutos iniciais, apesar dos esforços do diretor em tornar mesmo as cenas mais realistas em algo completamente cinematográfico repletos de cores e esquemas de iluminação mais criativos.

De modo geral, Apocalypse Now também guia diversas enquadramentos, principalmente os que seguem o grupo quando embarcam em um bote para atravessar os rios da ilha. Temos o grande sol amarelo em poente ou nascente nas diversas imagens, além de imbuir significados excelentes como o plano em contraluz que apresenta o gigantesco Kong encobrindo a estrela indicando sua superioridade, seu reinado máximo. Também é fácil perceber influências do cinema japonês de Kurosawa e da linguagem dos westerns. Características inteligentes que mantém boas interações com a carga cinematográfica do espectador.

Roberts sempre traz elementos criativos para elaborar as ótimas cenas de ação que conseguem envolver o espectador com competência. Absolutamente nenhuma chega a ser parecida com a anterior. Seja com o uso de coqueiros, motores de barco, machetes ou flashs fotográficos, cada sequência tem um traço excepcional, além de situações fotográficas muito interessantes trazidas pelo sempre competente Larry Fong – tome como exemplo as cenas do ataque no cemitério e durante o último embate entre Kong e os soldados. Aliás, elogio a escolha de mascarar as imagens com grãos gordos para simular o efeito da imagem viva dos longas filmados em 1970.

Muito da ação funciona devido a boa proposta do filme. É o Kong mais gigantesco da franquia, mais alto que montanhas. Porém, mesmo enorme, o macaco é ágil, assim como os lagartos Skull Crawlers que aterrorizam todas as criaturas da ilha. Ainda assim, tudo que é apresentado é muito crível, pois toda a velocidade da luta entre os monstros é adequada. Um pouco lenta, mas também nem tão acelerada.

Toby Kebbel acerta em cheio ao criar os gestos e expressões faciais de Kong. Os movimentos colossais conferem certa elegância a criatura que realmente consegue nos deixar embasbacados por tamanha a proeza do departamento de efeitos visuais por sua construção estupenda. É através dos poucos momentos que acompanham o macaco realizando algumas trivialidades como limpar suas feridas após uma batalha, bebendo água e almoçando que o personagem é desenvolvido.

Nesses ligeiros momentos, Roberts organiza um esquema de enquadramentos que conferem a magnitude de escala do bicho comparado a ilha e aos pequeninos humanos. Acredite, dimensionar de modo tão eficaz como Roberts fez, é algo bastante difícil, ainda mais contando com o uso intenso de efeitos visuais – portanto, assistir ao filme em uma sala IMAX é uma tremenda diversão.

Ainda comentando sobre a ação, Roberts utiliza alguns slow motions extremamente felizes em suas inserções, oferecendo a contemplação necessária para atribuir o quão bad ass é a porradaria entre os monstros. Outra grande força de Kong: A Ilha da Caveira é o design de produção. Tanto dos cenários interessantes quanto das novas criaturas que rendem momentos verdadeiramente violentos com mutilações e empalamentos para um filme de censura baixa. Também destaco o design deste Kong que foge bastante da sua versão clássica de gorila gigante. Aqui, o símio está muito próximo de ser uma livre adaptação do homem-de-neandertal e pode causar certa estranheza.

Mesmo acertando tanto com a encenação, o poder visual capaz de desenvolver seus personagens quando o texto falha, no ritmo da montagem que consegue criar até mesmo piadas, além de acertar o tom despretensioso da fita, Roberts comete certos pequenos equívocos. Esses, se concentram no exagero de planos para elaborar uma ação. Às vezes, o diretor joga diversos planos que emporcalham a encenação geral, que até mesmo tentam forçar alguma piada sem-graça como uma envolvendo um boneco do Nixon. Incomoda consideravelmente, mas rapidamente o diretor se livra desses vícios.

Vida Longa ao Rei

Conseguindo trazer o blockbusters de verão mais divertido agora, a Warner acertou em cheio com Kong: A Ilha da Caveira. É bastante reconfortante saber que existem nomes novos que conseguem trazer uma experiência excelente cinematográfica sem apostar em elementos engessados que tanto insistem em persistir.

Até mesmo no departamento musical saímos impressionados com trilhas licenciadas e da própria música original de Henry Jackman que visa homenagear as composições clássicas dos filmes antigos sobre essas criaturas que estão renascendo no entretenimento audiovisual.

Quem apostar seu divertimento com Kong, dificilmente sairá decepcionado, pois o que há de melhor nesse filme é justamente o que ele promete e cumpre: porrada visceral entre criaturas colossais com direito a um visual refinadíssimo.

Há uma cena pós-créditos importante para entender o que a Warner pretende trazer nos próximos anos.

Kong: A Ilha da Caveira (Kong: Skull Island, EUA – 2017)
Direção: Jordan Vogt-Roberts

Roteiro: Dan Gilroy, Max Borenstein, Derek Connolly, John Gatins
Elenco: John Goodman, Brie Larson, Tom Hiddleston, Samuel L. Jackson, John C. Reilly, Corey Hawkins, Toby Kebbell, John Ortiz, Tian Jing
Gênero: Ação, Aventura, Monstro
Duração: 118 minutos

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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