Crítica | X-Men: O Filme
Há 17 anos, era lançado o primeiro filme com o grupo de mutantes da Marvel. Com um orçamento simples e com um diretor que não era conhecido na época, o primeiro filme do X-Men se tornou um divisor de águas dos filmes de quadrinhos. Não foi só um elemento, mas a junção de vários que o deixaram como algo diferente do que havia isso feito até então com os filmes de super heróis.
Acompanhamos toda a narrativa pelos olhos de Vampira (Anna Paquin) e Wolverine (Hugh Jackman). Como ambos estão conhecendo os mutantes e entendendo os ideais de Charles Xavier (Patrick Stewart), o espectador vai vendo junto com os personagens aquele universo. O diretor Bryan Singer junto com o roteirista David Hayter são os grandes responsáveis porque esse primeiro filme foi tão importante para os filmes de super heróis: porque pensam em cinema.
Singer, que não tinha experiência em dirigir blockbusters, decidiu evitar transformar o filme em um comic book movie. O foco não eram os heróis evitando que Magneto (Ian McKellen) domine o mundo, por mais que aja uma batalha pela humanidade e ela seja física, ela é feita por uma diferencia de ideologias. Enquanto Xavier é um idealista com a sua ideia de igualdade, Magneto é um realista e percebe como os humanos temem os mutantes ao ponto dele querer dar o primeiro golpe, antes que os humanos o façam. É importante falar que em momento algum Singer utiliza maniqueísmos baratos para transformar Magneto é um vilão. Ele tem um ponto de vista que é argumentado e desenvolvido durante todo o longa, embora descordamos dos seus métodos.
A maneira como é desenvolvida essa diferença de ideologias e como os personagens secundários ficam no meio dessa batalha é muito interessante, pois alunos de Xavier acreditam mais na visão cínica de Magneto do que a dada pelo bom professor, entre eles o próprio Wolverine. O roteiro de X-Men não é quer apenas criar sequências de ação. Ele se interessa em personagens, desenvolvimentos, conflitos, arcos dramáticos e motivações, o que mostra que foi roteiro diferente dos outros filmes de heróis na época que estavam interessados em apenas colocar o herói na tela. Isso já demonstrou além de um bom entendimento do material que tinha em mãos, como a equipe foi madura.
A maioria dos personagens estão muito bem desenvolvidos. O Wolverine de Hugh Jackman é muito interessante, mesmo sendo diferente dos quadrinhos, que é mais esquentado e não é o grande protagonista da história. Mas no cinema, essa adaptação do personagem funcionou muito bem. Não só graças a performance de Jackman que mostra carisma e um cuidado em criar vários detalhes físicos para a composição do Wolverine, mas como o personagens tem um mistério em seu passado que se mostra muito envolvente. Já foram falados de Xavier e Magneto, que são feitos com muita dignidade – respectivamente – por Patrick Stewart e Ian McKellen, que ambos mostram uma forte presença e imponência quando estão em tela. Famke Jensen cria uma Dra. Jean Grey que mostra ao mesmo tempo que namora Scott Summers/Ciclope (James Marsden) sente algo a mais por Wolverine, além de demonstrar charme.
Já Ciclope e Tempestade (Halle Berry) foram prejudicados. O primeiro se mostra um completo banana, que enfraquece completamente o conflito entre Jean Grey e Wolverine, enquanto a segunda é muito pouco explorada como personagem. O mesmo vale aos ajudantes de Magneto que servem mais para serem rivais dos heróis e criarem ótimas cenas de luta, mas como personagens não há um desenvolvimento muito interessante entre eles. Mística (Rebecca Romjin) e Dentes de Sabre (Tyler Mane) são personagens que poderiam ter apresentado mais substância.
A direção de Singer é muito clássica. Em toda sua carreia – nos seus melhores e piores momentos - o diretor sempre mostrou que sabia filmar com elegância. Notem a calma em que Singer prepara as cenas de ação, com tudo ocorrendo de uma maneira que o espectador perceberá quando acontecerá a luta, sem que perca a elegância. O diretor mostra também inteligência e imaginação em mostrar como cada poder está sendo utilizado. Além do cuidado em deixar claro a geografia dos locais o quais ocorrem as batalhas, deixando claro aonde ocorre e quem está em relação a tal lugar ou pessoa. É uma das principais características do Bryan Singer como diretor.
Se tem algo que envelheceu no filme são os efeitos especiais. Não por culpa de Singer e sua equipe, mas pelo estúdio ter dado pouco tempo e dinheiro para a produção. Custou 75 milhões de dólares, que para um filme como esse é um orçamento muito pequeno se pensar o quanto de maquiagem, figurantes e efeitos necessita esse universo. Se notarem bem, no clímax claramente os metais da Estátua da Liberdade são de espumas, além do efeito nos olhos da Mística serem muito artificiais.
Apesar desses problemas de tempo, X-Men foi um filme que mudou o pensamento no filmes de super heróis, que não era um gênero na época do seu lançamento. Vemos que é um filme pensado não apenas para os fãs, mas como obra cinematográfica. Se Singer não tivesse a personalidade e a competência em realizar esse filme, dificilmente teríamos Sam Raimi no Homem Aranha e Christopher Nolan no Batman que deram visões pessoais desses personagens. E é isso o que falta nos filmes de heróis de hoje.
X-Men: O Filme (X-Men, EUA – 2000)
Direção: Bryan Singer
Roteiro: David Hayter
Elenco: Hugh Jackman, Patrick Stewart, Ian McKellen, Halle Berry, Famken Janssen, James Marsden, Anna Paquin, Rebeca Romijn
Gênero: Aventura, ação, super heróis
Duração: 134min.
https://www.youtube.com/watch?v=REynEUnNaQE&ab_channel=FilmesHQ%27s
Crítica | Logan
Obs: há exposição de características importantes sobre os personagens
Uma vida para um personagem. Foi assim que Hugh Jackman se comportou com Wolverine ao longo de nove filmes lançados durante dezessete anos. Uma dedicação ímpar que lhe rendeu uma carreira repleta de papéis importantes em filmes como Os Suspeitos, O Grande Truque, Austrália, Os Miseráveis. Mas tudo começa, de fato, tanto para Jackman quanto para Wolverine, com o pioneiro X-Men: O Filme em 2000. A adaptação que mudou o jogo e deu margem para toda a indústria bilionária que existe hoje.
Em termos de qualidade, a franquia X-Men praticamente se apagava a cada novo filme. Até mesmo longas poderosos como X2 e Primeira Classe passam batido nas listas de melhores do gênero das quais quase sempre discordo integralmente. Faltava em X-Men, um filme que alçasse a franquia para um patamar nunca visto antes, um patamar conquistado não somente por importância história, mas principalmente por qualidade. Não digo que Primeira Classe ou Dias de um Futuro Esquecido sejam medíocres – claramente são longas excepcionais, porém nunca antes houve uma grande unanimidade entre crítica e público para obras da franquia mutante.
Enquanto X-Men dividia opiniões entre altos e baixos muito baixos, outras obras passaram a revolucionar cada vez mais o gênero seja firmando thrillers realistas como O Cavaleiro das Trevas, dramas existenciais como Homem-Aranha 2 e até criando universos compartilhados com o ótimo estreante Homem de Ferro.
Isso agora é história. Com Logan, os X-Men conseguiram mudar o jogo e, com certeza, estará muito bem cotado nos corações nerds até mesmo de quem não é fã do Carcaju. Muito disso vem por sua proposta crua e realista repleta de nuances complexas que todo bom drama deve ter. Assim como Hugh Jackman afirmou em sua coletiva, de fato, Logan não é um filme de super-herói. É algo que aspira ser maior que isto. E consegue.
Inverno da Alma
Em 2029, o mundo já não é mais o mesmo. Os X-Men foram extintos e novos mutantes praticamente já não nascem em uma terra intolerante que só pensa em utilizá-los como poderio militar. Logan, decrépito, alcoólatra e amedrontado, vive como chofer de limusine alugada a qual tem maior valor do que a própria vida do ex-herói. Entre suas corridas noturnas dirigindo para pessoas com vidas melhores que a dele, Logan tem que se preocupar em arranjar remédios e comida para Charles Xavier, completamente debilitado e muito afetado por esclerose e mal de Alzheimer.
Temendo pelo descontrole dos poderes de Xavier, Logan droga o telepata para evitar ataques que resultem na morte de dezenas pessoas. Porém, para quebrar sua rotina maldita, uma jovem mexicana clama para que Wolverine ajude a esconder sua filha, Laura, que também é uma mutante com os mesmos poderes do Carcaju. Sem escolha, Logan acolhe a garota e parte para uma viagem com ela e Xavier em busca de um refúgio. Porém, Donald Pierce, um misterioso vilão, está muito interessado em sequestrar a pequena mutante e fará de tudo para cumprir sua missão.
Ao contrário de Wolverine Imortal, é James Mangold quem elabora o argumento do filme. A inspiração em Velho Logan é bem óbvia para a atmosfera, porém a narrativa é muito mais concentrada em dramas e vícios pessoais. Mangold aborda, com muita competência, temas complexos como paternidade, violência, terceira idade e fracasso pessoal.
Acima da qualidade de sua história, Logan é um filme que se sustenta inteiramente pelo poder construído através das relações entre personagens ou em momentos silenciosos. Aliás, esse é um dos blockbusters mais quietos do ano, apresentando seletos diálogos competentes e muito fortes entre Xavier e Wolverine.
Além das ótimas relações, cada personagem desse filme consegue possuir um drama interno muito forte que revela que os seus maiores inimigos são eles mesmos. Comecemos por Logan, o personagem mais rico de todo o filme.
De certo modo, Mangold consegue frisar elementos do passado do herói, levando em conta suas aventuras passadas e muito de seus fracassos. É impossível não lembrar de Jean Grey e de todo o trauma que ronda a tragédia amorosa a la Shakespeare. Isso torna o personagem muito mais complexo, pois é o inverno de sua vida, o momento de reflexão sobre seu legado.
O roteiro nunca dá alguma explicação razoável de como todo o grupo X-Men e os mutantes foram limados e perseguidos. Esse mistério ajuda a modelar ainda mais esse sentimento de culpa que Logan carrega extravasando através de muita bebida. É nítido que o herói já não sente mais a menor vontade de viver e se mata aos poucos para fugir de seus problemas. Seu fator de cura está completamente debilitado e nem mesmo suas garras de adamantium conseguem ser projetadas de modo adequado. O motivo indicado por esse aspecto tóxico na saúde do herói é bastante cruel e também consegue reviver os traumas de seu passado.
Wolverine talvez seja um dos heróis mais sofridos das HQs e Logan consegue refletir isso com perfeição. Este velho e calejado Logan não foge somente das grandes responsabilidades e do heroísmo. Foge de si mesmo e da violência que marcou sua vida desde a infância. Mangold faz o roteiro conversar muito com Os Imperdoáveis, clássico de Clint Eastwood. Todo o discurso sobre um passado manchado pela violência e o cume das consequências do protagonista conversa brilhantemente com o arco de Bill Munny, o pistoleiro outrora implacável do filme de Eastwood.
Não por coincidência, o discurso de violência e passado recai diretamente em sua relação com Laura. As semelhanças são mais do que óbvias: a menina é um Wolverine recém-liberto do experimento da Arma-X. Logo, funciona como uma personificação completa das assombrações de seu passado. A garota reflete o espírito selvagem violento que agora Logan vê como prejudicial. Sua aversão a ela não passa de uma projeção do ódio e decepção que sente consigo mesmo. E com o surgimento dela, é preciso que Logan volte a ser o homem honrado que era antes. Algo difícil de retornar depois de tantos anos de ócio, depressão e fuga.
Detalhe: isso tudo é depreendido pela clareza cinematográfica que Logan é. O grosso e as sutilezas dessas relações se encontram somente no visual. Mostre, não conte. Isso é levado bastante a sério por James Mangold e só pela capacidade de transmitir toda essa riqueza sem o menor diálogo melodramático, Logan já está no panteão do gênero.
Porém, agora quebrando a lógica do texto, aproveito para comentar um dos míseros defeitos que o roteiro de Logan possui. Estranhamente, para situar os espectadores sobre o passado e circunstância de Laura, Mangold e seus roteiristas inserem um vídeo “amador” repleto de exposição barata nada condizente com a atmosfera inteligente e introspectiva apresentada até então. Felizmente, apesar dessa passagem ser muito rasteira, o filme retoma sua qualidade investindo em mais camadas através das relações do trio protagonista.
O inverno da alma, do luto e do remorso não são centrados apenas em Logan. Xavier sofre e amarga em seus últimos anos de vida. Novamente, a memória preservada do personagem é evocada e entra em completo contraste com o que vemos. Xavier, assim como Logan, tem atitudes que visam certo escapismo de sua realidade – algo sempre muito dúbio por conta de sua demência.
Mangold consegue oferecer um estudo valioso sobre a terceira idade com este retrato de Xavier. Sobre abandono, dificuldade de locomoção, de ser indesejado, da inacessibilidade dos remédios, viver na tristeza completamente sem perspectiva. O poderio visual é importante, porém os diálogos delineiam essas características com mais acuidade. São momentos poderosíssimos capazes de te deprimir ferrenhamente. Em um dos mais impactantes, Xavier explode e grita que todos só esperam que ele morra de uma vez.
O homem que mais preza por suas fundações, agora lida com a morte completa do seu sonho X-Men. Novamente, a interação com Laura provoca um renascimento para o sonho há longo tempo adormecido do telepata. Um dos acertos do roteiro é justamente o contraste entre o entusiasmo de Xavier contra o desprezo de Logan para com a garota.
A 23ª Arma
Com Laura, o desenvolvimento também é bem-feito. Mangold mantém a personagem calada até o terceiro ato do filme quando enfim há um desenvolvimento apropriado com Logan que assume, enfim, sua relação paternal com a garota. Porém o desempenho de Dafne Keen é tão surpreendente que é possível decifrar e compreender a personagem apenas pelos olhares de ódio e ternura que a atriz distribui. Uma presença de cena tão fantástica que coloca todo o amado elenco-mirim de Stranger Things no chinelo.
Além disso, assim como todos os outros heróis do filme, ela possui um enorme conflito interno em conseguir encontrar seu lugar no mundo, um propósito – uma recorrente nos filmes X-Men. É algo belo que também é satisfatoriamente apresentado entre as ações e conversas com Wolverine – uma pena que isso ocorra tão brevemente no pior ato do filme. A personagem é tão marcante que certamente seria um desperdício a Fox não continuar apostando em Dafne Keen e sua X-23.
Até mesmo com Caliban, o único mutante que vive no esconderijo com Xavier e Logan, tem seus bons momentos, além de um conflito interno genuíno sobre o uso de seus poderes. Porém, uma maldição do gênero ainda persiste em Logan. Mangold e os roteiristas falham em conseguir cativar um bom núcleo antagonista.
O carniceiro Donald Pierce apenas se sustenta pela excelente atuação de Boyd Holbrook, pois o personagem é deveras superficial. O mesmo acontece com Dr. Rice – pelo menos, os roteiristas quebram o clichê durante um monólogo para vomitar exposição barata. E, para piorar, o vilão que propõe o desafio máximo para Wolverine – o qual não irei revelar, é uma daquelas derrapadas mambembe que os filmes X-Men quase sempre proporcionam.
Embora traga maior dinamismo de ação e melhores coreografias de lutas, o inimigo é uma ideia bastante estapafúrdia. Porém, ainda assim, rende dois elementos simbológicos especiais. O primeiro se trata da personificação completa da luta que Wolverine tem com ele mesmo. A segunda, aborda a destruição mútua de figuras importantes em suas vidas.
Heróis na Estrada
A estrutura do roteiro de Logan é devidamente simples: trata-se de um bom road movie como Pquena Miss Sunshine, Thelma & Louise entre outros. Como havia dito, realmente as características únicas sobre os personagens e as nuances dos conflitos bem elaborados praticamente eclipsam a qualidade da história. Basicamente, as circunstâncias dos poderes debilitados e da perseguição modelam a progressão da narrativa.
Algo recorrente que também é apenas mostrado, nunca contado, é a vida amaldiçoada de Wolverine. Não importa o que ele faça, onde ele vá, sempre alguém irá persegui-lo e destruir a paz que nunca esteve presente em sua história. Novamente, é um momento forte. Outras passagens da história abordam aspectos de “gente como a gente”. Pausas para aproveitar uma refeição, comprar roupas, assistir a um filme – no caso, a importância de Os Brutos Também Amam é primordial para compreender a mensagem do longa: a violência e suas consequências. Outra jogada inteligente é usar de modo muito pertinente à trama, as HQs originais do grupo – no caso, a comic que aparece em tela, foi escrita especialmente para Logan.
Os problemas da narrativa surgem mesmo com o fraquíssimo terceiro ato e de um clímax não muito inspirado. Os roteiristas elaboram uma curva estranha que remete muito a Mad Max: Na Cúpula do Trovão. Os personagens introduzidos também são fracos, pouco marcantes. Mesmo assim, algumas boas ideias surgem aqui e ali prestando homenagens muito delicadas para a franquia original.
Uma Última Vez
Escrever sobre Logan e não comentar da atuação magnifíca de Hugh Jackman seria uma afronta. Jackman consegue entregar a melhor performance de sua carreira aqui. Mescla diversos momentos que mostram o que há de pior e de melhor no personagem. Essa mistura de amor e ódio tornam Logan um dos personagens mais apaixonantes do gênero até então.
Finalmente é possível ver, em detalhes, o lado humano do Carcaju. De seus cuidados com Xavier, da divisão da dor dos sonhos frustrados. Fora isso, Jackman tem um empenho muito sólido em manter o estado de saúde debilitado e das expressões faciais que indicam a depressão e exaustão revelando o completo desprezo com a própria vida.
Jackman mantém crises de tremedeira nas mãos sempre feridas, anda um tanto curvado, está lento e pesado. A atenção aos detalhes é minuciosa para favorecer a proposta de um Wolverine completamente vulnerável. Quando o personagem se machuca feio em alguma luta, Jackman se comporta como alguém realmente ferido. Seja mancando ou apertando com as mãos os lugares mais mutilados de seu corpo.
Porém, é absurdo dizer que apenas Hugh Jackman dá um show em Logan. Também marcando sua última participação como Professor Xavier, Patrick Stewart está absolutamente impecável. A sua abordagem para um Xavier em plena decadência entrará nas listas das melhores atuações em filmes do gênero. Stewart transmite uma pureza de sentimos que raramente vimos dentre tantos lançamentos. Bastante atrofiado e limitado a cadeira de rodas, Stewart modela o terror e medo que este Xavier sente de si mesmo, além de carregar um semblante de alguém que não está em paz. O lado mais leve de sua atuação surge justamente quando os personagens caem na estrada.
Ali, Stewart passa a apostar em pequenos momentos brilhantes como a satisfação de dominar seus poderes por um momento breve ou pelo carinho que sente por Laura.
O Ouro de Mangold
Sem sombra de dúvida, James Mangold se superou em Logan. Conhecido por criar ótimas atmosferas visuais como em Os Indomáveis, Identidade e Wolverine Imortal, o diretor revisita sua paixão pelo western aqui.
Logan é um filme que mistura gêneros a partir de suas proezas visuais e de encenação. A mistura, claramente é do faroeste com o road movie. Essa impressão do faroeste é imediata. Mangold trabalha com diversos enquadramentos clássicos do gênero como planos americanos ou emoldurando, parcialmente, figuras na profundidade de campo destacando uma mão mecânica repousando na cintura.
De certo modo, não há muito o que falar sobre a qualidade da direção de Mangold. Logan é um filme desenhado com cuidado em sua encenação. Não fosse o trabalho muito eficiente da decupagem, a maioria dos conflitos internos que dependem somente do visual para funcionar seriam completamente vazios. Felizmente, tudo é claro como água. Esse elemento de Mangold conseguir extrair o melhor de seu elenco, principalmente de Dafne Keen, merece ser destacado.
Em termos de simbologia visual, Logan é um filme apenas satisfatório e não brilhante como poderia ter sido. Mangold consegue passar a atmosfera dura, seca e sem esperanças do terreno árido e desorganizado onde Logan vive escondido. O diretor é muito preocupado em calcar essa obra em um cenário bastante cru e realista de cores acinzentadas e beges tão bem fotografadas pelo cinematografo John Mathieson. Logo, toda aquela inventividade visual dos filmes X-Men é basicamente ignorada. Pela proposta do filme, é algo bastante adequado, além de Mangold apostar bastante em planos contemplativos que exploram a intimidade do herói pela primeira vez.
Um detalhe muito interessante é o local onde o protagonista encontra Laura pela primeira vez: Liberty Motel. O sinal luminoso da Estátua da Liberdade faz uma referência bela ao primeiro filme do grupo, além de servir como foreshadowing para a importância que Laura terá para esta narrativa: virar um símbolo de libertação e liberdade. Não somente para ela, mas para Logan também.
Porém, acima de tudo isto, por incrível que pareça, há grande expectativa para a abordagem da violência neste filme. Pois então, é impossível ficar decepcionado, pois Mangold finalmente entrega o Wolverine que todos queríamos ver: implacável. Há tanto mortes bastante gráficas quanto outras mutilações disfarçadas pela montagem. A violência e o gore são absolutamente necessários para adequar o drama e a vulnerabilidade que Logan propõe, edifica o drama do filme. Algumas são realmente chocantes, principalmente as que envolvem Laura durante algumas perseguições.
Adequando atmosfera, tom, atuações, visual, música e encenação, Mangold comete algum equívoco? Sim, principalmente no apressado final do filme. A estranheza da diferença de tom é explícita, além de Mangold recorrer em excesso a diversas elipses para apressar ainda mais a conclusão da história. Apesar de ser um defeito consideravelmente grave, o diretor fundamenta tão bem a sua obra que consegue uma das proezas mais dignas que um cineasta pode almejar: provocar reações emocionadas muito genuínas do espectador.
Sim, é óbvio, Logan é um filme emocionante que já se inicia em clima de despedida. A emoção não vem apenas por marcar um final definitivo para este Wolverine de Jackman, mas sim pelo fato de uma compreensão tão marcante sobre os personagens extremamente humanizados.
Eu, Logan
Hugh Jackman, James Mangold e a Fox arriscaram com Logan. Diria que muito mais do que o proposto em Deadpool. Não temos um filme explosivo com diversas peças de ação, seu tom é depressivo, além de apostar no drama inspirado entre seus personagens. Em um gênero quase inteiro hegemonizado por filmes esquecíveis que sempre se tornam as “melhores” obras do gênero quando lançadas, ir na contramão disso seria suicídio em mãos menos capazes.
Felizmente, Logan é algo muito acima de tudo isto. É um filme que marca e oferece um fim muito digno para dois atores que eternizaram seus personagens no cinema. A obra consegue transcender sua mensagem. Assim como o objeto de seu discurso, é impossível ignorar a presença marcante que Logan se torna ao término da sessão.
Logan (Logan, EUA – 2017)
Direção: James Mangold
Roteiro: James Mangold, Scott Frank, Michael Green
Elenco Hugh Jackman, Patrick Stewart, Dafne Keen, Boyd Holbrook, Stephen Merchant, Elizabeth Rodriguez, Richard Grant, Eriq La Salle, Elise Neal
Gênero: Drama, Ação, Road Movie
Duração: 137 minutos.
https://www.youtube.com/watch?v=RWSuAC9CYxo
Crítica | A Jovem Rainha
A ascensão do racionalismo na Europa, que abriria caminho para, no século seguinte, o Iluminismo nos traz inúmeras possíveis abordagens no cinema, já tendo nos proporcionado excelentes filmes, como O Amante da Rainha. A Jovem Rainha nos leva exatamente para esse período, através das lentes de Mika Kaurismäki. Infelizmente, uma ótima proposta não significa, contudo, que veremos um bom filme e a obra do diretor finlandês acaba sendo vítima dele próprio, visto que os outros elementos, em sua maioria, atuam de maneira orgânica e o que desestabiliza a obra é a maneira como são colocados em tela.
A trama acompanha a rainha Kristina da Suécia (Malin Buska), nos apresentando brevemente a sua juventude para, posteriormente, focar no seu reinado em si, mostrando suas intenções de reformar todo o país, colocando a Razão acima de todo o resto. O problema é que estamos falando de um país praticamente dominado pelo protestantismo e que ainda se encontra em guerra contra o cristianismo. Kristina deve, portanto, lutar contra os membros do clero, algo ainda mais dificultado pela sua crescente paixão pela condessa Ebba Sparre (Sarah Gadon), que, naturalmente, vai de encontro com o desejo de seus conselheiros de que a rainha encontre seu marido logo.
A Jovem Rainha segue por um caminho já visto anteriormente em outras obras de maneiras bastante similares, o que já atua contra sua originalidade. Figuras femininas de destaque na História e que ainda buscaram abalar o pensamento retrogrado dos religiosos, contudo, sempre é algo bem-vindo nos cinemas. De fato, o problema da obra em questão não se encontra em seu roteiro, já que ele estabelece uma narrativa lógica e coesa, que consegue, por si só, nos manter engajados pelo longa-metragem, algo reiterado pelos deslumbrantes figurinos, capazes de nos levar direto para o século XVII nos fazendo sentir como se estivéssemos diante de (impossíveis) gravações da época.
O verdadeiro problema está na direção de Mika Kaurismäki, que imprime um drama incrivelmente exagerado em toda e qualquer cena. Diálogos orgânicos se transformam em momentos de vergonha alheia, transmitindo ao espectador grandes doses de artificialidade. Isso, naturalmente, acaba prejudicando o trabalho dos atores, especialmente de Malin Buska. A atriz, durante a maior parte da projeção, realmente dá o melhor de si, passando a imagem perfeita da mulher forte, resoluta, que não desiste de seus objetivos. Mais de uma vez, seus esforços, todavia, são prejudicados com aproximações desconfortáveis da câmera, enquadramentos que realçam alguns maneirismos na atuação e outros problemas.
A direção de arte, em alguns momentos, também não ajuda, parecendo cair ao máximo no ridículo ao colocar, por exemplo, um crânio na mesa de Descartes, fazendo parecer um quadro de Caravaggio. Curiosamente, enquanto exagera em alguns momentos, ela poupa todos os seus esforços em outras, ocasionando em inúmeros cenários decorados apenas com paredes brancas, que fazem todo o filme parecer como uma produção de baixo orçamento. Muitos dos planos são prejudicados por essa questão, tirando qualquer profundidade do quadro através de corredores apertados sem absolutamente nada para olharmos a não ser os personagens em si.
Apesar de sua ótima premissa, portanto, A Jovem Rainha falha em nos entregar algo que consigamos acreditar. Através de planos excessivamente dramáticos, ora preenchidos por uma direção de arte igualmente exagerada, ora por uma total ausência de mais elementos em quadro, não conseguimos permanecer envolvidos por essa obra que tenta nos contar uma excelente história, mas cujo roteiro é tristemente mal-executado. Os amantes de História, contudo, ainda podem tirar um bom proveito, se conseguirem se desvencilhar dos evidentes problemas que permeiam toda a narrativa.
A Jovem Rainha (The Girl King) — Finlândia/ Alemanha/ Canadá/ França/ Suécia, 2015
Direção: Mika Kaurismäki
Roteiro: Michel Marc Bouchard
Elenco: Malin Buska, Sarah Gadon, Michael Nyqvist, Lucas Bryant, Laura Birn, Patrick Bauchau
Duração: 106 min.
Crítica | A Lei da Noite
Alguns gêneros do cinema precisam de certos cuidados para serem executados. Claro que todos esses gêneros possuem seus respectivos clássicos – mas alguns clássicos são mais clássicos que outros. Alguns filmes definem elementos do gênero, e não fugir muito a esses elementos pré-determinados pode tornar um filme enfadonho e previsível. Esses são alguns dos problemas que afetam aquele que deveria ser a “menina dos olhos” do diretor em ascensão Ben Affleck – A Lei da Noite.
A maior dificuldade de Affleck na sua segunda adaptação de um romance de Dennis Lehane – tendo sido o primeiro Medo da Verdade – é justamente o fato de que ele não conseguiu decifrar com tanta precisão o gênero de filmes de máfia, construindo uma narrativa genérica, que em nada acrescenta a essa linhagem com tantos clássicos. E isso tem motivo – por aqui, nós chamamos de “não querer largar o osso”.
Affleck pisou no caqui em A Lei da Noite, cometendo um erro muito comum – acúmulo de tarefas. Astros hollywoodianos também são gente como a gente, e, assim como a gente, quando eles entram em um modo multitask, as chances de eles fazerem besteira aumentam exponencialmente. No filme, ele não apenas dirige e atua, o que por si só já é um fenômeno, como também produz E assina uma parte da adaptação do roteiro. É como uma daquelas bandas de um homem só – mas ao invés de o seu equipamento custar algumas centenas de dólares para ser ignorado por algumas dúzias de pessoas, Affleck gastou milhões de dólares para apresentar algo genérico para milhões de pessoas.
O período é a Lei Seca entre os anos 20 e 30 nos EUA, época de ouro dos mafiosos americanos. Joe Coughlin é um bandido independente, com um certo senso de honra, que decide aprontar para cima de Albert White, um dos chefões do crime de Boston. Após o golpe bem sucedido, ele chama a atenção de outro chefão, Maso Pescatore, que tenta alicia-lo sem sucesso. No decorrer dos golpes, Goughlin se apaixona por Emma, mulher-bibelô de White. O envolvimento dos dois vai custar caro para Coughlin, que terá que ir para a Flórida, onde sua vida começar a mudar.
E esse é realmente apenas o início da trama. Porque outro dos grandes problemas do filme é a dificuldade na transição entre os seus episódios. Dividir o filme entre partes não e necessariamente algo ruim, mas essa transição precisa de fluidez, coerência e um certo peso das consequências de um ato para o outro. Personagens são apresentados e somem. Atos graves, de grande impacto, ocorrem, mas suas consequências não são sentidas.
Tudo se cria como tudo se resolve com a mesma facilidade, com uma transição truncada que faz parecer que nada realmente importa, e que o filme poderia ser reduzido ao encerramento de cada ato, e tudo ficaria na mesma. Cada parte de A Lei da Noite, salvo por um ou outro aspecto específico, é completamente independente da outra. E isso não é algo bom quando a óbvia intenção do filme é fazer você se envolver com a trajetória do protagonista.
O que apresenta outro problema grave – a atuação do seu protagonista. Não necessariamente porque ele seja ruim – este catastrófico crítico não chega nem perto de pegar no pé de Affleck por birra como fazem muitos outros – mas porque existe um evidente desnível entre ele e seus coadjuvantes.
Enquanto todos parecem se esforçar, com grande sucesso, para construir personagens críveis e vivos desse período dos EUA, o Coughlin de Affleck parece perdido no tempo – em muitos sentidos. Ele fala como Affleck, tem sotaque de Affleck, se porta como Affleck. Mas seus coadjuvantes mergulham nos seus personagens, dragando toda a atenção para esse desnível. Não obstante, é inevitável pensar se o sucesso dos coadjuvantes não é resultado da boa direção de atores de Affleck, e como teria sido se ele tivesse se restringido a essa função ao invés de querer abraçar o mundo.
E essa não é a única evidência nesse sentido. Toda a direção de arte e trilha sonora são muito belas, e ao menos pincelam o ar épico não realizado pelo resto do filme. As tomadas em ambientes tão distintos como Boston e Tampa, na Flórida, recebem as fotografias apropriadas, e os cenários se mesclam aos personagens. Saber que o filme é esteticamente belo, sem conseguir realizar sua proposta muito provavelmente pelo acúmulo de tarefas do seu diretor, torna A Lei da Noite um processo ainda mais frustrante – mesmo que um deleite para olhos e ouvidos.
Affleck é um diretor de estilo clássico – correto e firme, sem grandes afetações, valorizando a beleza natural que a arte audiovisual oferece. Ele não é tolo, nem ignorante. O que nos leva a crer, objetivamente, que A Lei da Noite é um velho caso de boa ideia/má execução. E a razão disso foi seu idealizador e realizador ter transformado um belo projeto em uma egotrip. Os motivos são incertos, mas o pensamento de que Affleck está querendo escapar do estigma de um certo Morcego, principalmente dadas as declarações recentes sobre o assunto, é bastante contundente.
Só podemos esperar então que Ben Affleck aposente a capa logo – antes que a capa comece a aposenta-lo.
A Lei da Noite (Live By Night, EUA - 2016)
Direção: Ben Affleck
Roteiro: Ben Affleck, Dennis Lehane
Elenco: Ben Affleck, Elle Fanning, Brendan Gleeson, Chris Messina, Sienna Miller, Zoe Saldana, Chris Cooper
Gênero: Gangster, Drama
Duração: 129 minutos.
https://www.youtube.com/watch?v=SEexVO9P0Fo
Crítica | Monster Trucks
Em algum momento da vida, o leitor deve ter se perguntado por que um número considerável de filmes apostam em clichés para contar as suas histórias. Afinal, um dos sentimentos mais decepcionantes que um espectador pode ter enquanto assiste a uma obra cinematográfica é o de saber logo no início como os personagens serão construídos e quais serão os desdobramentos da narrativa. No entanto, se acompanhar uma história previsível e cheia de elementos reconhecíveis pode ser decepcionante, pelo outro lado, caso essas características estejam bem integradas à narrativa, pode gerar um sentimento prazeroso de conforto e familiaridade.
Monster Trucks, o novo filme de Chris Wedge (um dos codiretores do primeiro A Era Do Gelo), felizmente, se encaixa nessa segunda categoria. Escrito por Derek Connely a partir de um argumento inicial concebido por Matthew Robinson, Jonathan Aibel e Glenn Berger, a sua trama está repleta de personagens e coisas que o espectador lembrará de ter visto em outras obras de fantasia: o adolescente rebelde insatisfeito com a vida que leva, a garota tímida e estudiosa, a aparição de uma criatura estranha e vilões maldosos e obcecados. Mas, ao invés de levá-lo ao bocejo, o filme fará você sair da sessão com um sorriso nos cantos dos lábios.
Se beneficiando do sucesso recente de Stranger Things, os realizadores de Monster Trucks investem numa atmosfera oitentista deliciosamente invocativa e nostálgica (embora seja situado nos dias de hoje). Os céus estrelados, as cidadezinhas norte americanas, a trilha sonora mágica, a jornada de amadurecimento do protagonista e o romance improvável entre duas figuras aparentemente distintas são alguns dos elementos que farão marmanjos e mulheres que viveram a sua juventude na década dos cortes de cabelo cafonas retornarem brevemente aos seus 20 anos de idade. O público mais jovem, por sua vez, assim como aconteceu com a série da Netflix, será apresentado ao estilo de filme sobre o qual os seus pais tanto costumam falar.
Também trabalhando com referências cinematográficas na construção dessa atmosfera saudosista, o roteiro do filme inteligentemente constrói o seu ponto de partida a partir da junção de duas obras: Christine - O Carro Assassino e E.T. - O Extraterrestre. Do filme de John Carpenter, Connely emprestou a figura do carro como um símbolo da maturidade e libertação do protagonista (aliás, o próprio nome do personagem, Tripp, também é um indicativo do seu desejo de sair da cidade natal para viajar e conhecer o Mundo). Já do filme de Steven Spielberg, o roteirista usou no seu texto a ambientação e os homens de negócio como os verdadeiros vilões (no caso de Monster Trucks, os personagens que trabalham numa petrolífera).
No entanto, se engana quem acha que o filme só funciona em razão dos seus clichés e das suas referências. Interpretados por atores talentosos e conhecidos do público geral (Jane Levy está apaixonante), os personagens são carismáticos, com os seus interesses e arcos dramáticos eficientemente trabalhados ao longo da narrativa. A história se desenvolve sem nenhum grande percalço no meio do caminho, indo do seu ponto de partida até a sua conclusão de maneira objetiva e concentrada. Os momentos cômicos funcionam perfeitamente (Wedge sabe como manter o timing cômico através da decupagem) e os efeitos digitais são competentes (além de ser perfeitamente criada, a criatura é adorável!). Além disso, tem um título cuja literalidade é saborosamente bizarra.
Os seus únicos deméritos ficam por conta do uso equivocado do 3D (nem mesmo a profundidade do campo das longas planícies e montanhas é explorada) e pelo design de som desastroso. Enquanto David Sardy, o compositor, se sobressai com os seus acordes fantásticos, tensos e edificantes, a equipe de som chama atenção negativamente pelo seu trabalho surpreendentemente ruim. Em filmes como Monster Trucks, não costuma haver deficiências sonoras dessa magnitude. O barulho de explosões em campos petrolíferos e acidentes automobilísticos são pobremente ouvidos (às vezes, o espectador não consegue nem escutá-los), culpa da fraca captação e do aumento indevido da trilha e de outros elementos sonoros pela mixagem.
Projeto da Nickelodeon (há um jabá interno envolvendo o Bob Esponja), Monster Trucks é um filme que nunca busca esconder as suas intenções. E como o público percebe que os realizadores estão cientes do tipo de história que estão contando (clichés e referências estão incluídos nisso), ele nunca se sente enganado. Compramos a sua proposta, nos divertimos durante a exibição e saímos da sala satisfeitos com o que vimos. Para um filme cujo único desejo é divertir o seu espectador, podemos dizer que a intenção foi plenamente atingida.
Monster Trucks (Idem, 2016 - Estados Unidos)
Direção: Chris Wedge
Roteiro: Derek Connelly (história de Matthew Robinson, Jonathan Aibel e Glenn Berger)
Elenco: Lucas Till, Jane Levy, Barry Pepper, Danny Glover, Rob Lowe
Gênero: Aventura
Duração: 105 minutos.
https://www.youtube.com/watch?v=vJhcwSlNm5U
Crítica | Moonlight: Sob a Luz do Luar
Durante diversos momentos de Moonlight: Sob a Luz do Luar, o protagonista Chiron é questionado por outros personagens sobre sua identidade: sobre quem de fato é, sobre como ele precisaria decidir o tipo de pessoa quem seria na vida, e que isso deveria vir de sua própria índole; não daqueles ao seu redor. Ao longo de três atos distintos, Barry Jenkins parte para um estudo de personagem fascinante e belissimamente executado. Mas, e isso pode ser analisado como demérito ou qualidade, eu não sei quem é Chiron.
Partindo do argumento de Tarell Alvin McCraney e do roteiro do próprio Jenkins, toda a trama gira em torno de Chiron, que é interpretado por Alex Hibbert em sua infância, Ashton Sanders na adolescência e Trevante Rhodes durante a fase adulta, todos os três períodos no qual a narrativa é dividida. Nessa passagem de tempo, vemos a criação sofrida de Chiron em um bairro pobre de Miami, a relação complicada com sua mãe viciada (Naomie Harris) e a descoberta de sua homosexualidade, que o torna alvo de agressões e bullyings na escola. Os únicos que realmente contribuem para a formação do rapaz são o traficante Juan (Mahershala Ali), sua namorada Teresa (Janelle Monáe) e o amigo Kevin (Jaden Piner, Jarrel Jerome e André Holland, em seus três períodos), que é seu primeiro interesse amoroso.
É impossível não levantar comparações do projeto com Boyhood: Da Infância à Juventude, épico indie de Richard Linklater onde acompanhávamos a vida e o crescimento de um menino ao longo de 12 anos de material. É uma semelhança que pára por aí, já que o filme de Barry Jenkins estabelece uma separação estrutural entre cada período, além de trocar os atores para cada personificação do protagonista, que por sua vez é uma figura radicalmente diferente daquela interpretada por Ellar Coltrane. Todo o contexto e ambientação também é diferente, com o enfoque na perigosa criação no subúrbio de Miami, um elenco todo negro e uma direção muito mais estilística e provocadora do que a de Linklater, além de ser muito mais perturbador e depressivo; mas, acima de tudo, humano.
Ainda mais seguindo a polêmica do Oscars So White em 2016, a onda de racismo nos EUA e a eleição de Donald Trump, é corajoso que vejamos uma obra desse teor e que aborde diversos tabus dentro do cinema americano, especialmente em seu retrato da homossexualidade em um ambiente do qual não estamos acostumados a ver; chega a ser uma desmistificação, de certa forma, da figura do gangbanger: a figura imponente e durona de Chiron em sua fase adulta é algo que remte ao rapper 50 Cent, e vê-lo abraçar a sensibilidade e a vergonha de uma situação delicada como essa é algo realmente poderoso, em um desempenho absolutamente sensível e multifacetado de Trevante Rhodes; assim como ver dois adolescentes negros com um dialeto típico da região, composto de gírias, palavrões e outros termos, compartilhando uma noite inquestionavelmente romântica em uma praia - o que também é desafiador e gera performances genuínas de Ashton Sanders e Jharrel Jerome.
Os diálogos de Jenkins são dos mais simples possíveis, o que acaba gerando um certo clichê quando acompanhamos o óbvio bullying escolar e toda a reciclagem temática do núcleo da mãe viciada, mas que ao menos ganha uma boa catarse em sua resolução e força graças à perturbadora performance de Naomie Harris. O texto ganha alguma substância quando o personagem Juan está no meio, que acaba tornando-se uma espécie de figura paterna para o protagonista e introduz a questão da identidade na história. A cena em que tenta delicadamente explicar a Chiron o que significa a palavra "bicha" é um ótimo momento, e que termina com uma sutil inversão de poder quando o jovem lhe pergunta se vende drogas como ofício - uma pergunta que o desarma e rende uma resposta envergonhada, admitida, em apenas um dos ótimos momentos de Mahershala Ali no longa.
Mas é mesmo com o visual que Barry Jenkins se mostra um talento ímpar. Durante uma história contada por Juan para Chiron, ele comenta como uma idosa cubana comentava que "quando um negro fica à luz do luar, ele fica azul", e a partir dessa frase altamente simbólica (que sabiamente também é usada no título), a estética do filme abraça a cor azul de forma sutil, mas impactante. Por exemplo, os detalhes azuis nos uniformes escolares, a mochila de Chiron, a invasão da cor em pilastras, portas e janelas de um corredor durante o momento decisivo na vida do Chiron adolescente até a cena final, onde um dos personagens deliberadamente troca sua camisa branca por uma azul. É um cuidado preciso da direção de arte e dos adereços, que são sábios em não trazer nenhum elemento azul na sufocante casa de Chiron.
A câmera de Jenkins é fluida e mergulha o espectador naquele universo, como no longo plano que abre o filme ao praticamente "dançar" entre os personagens enquanto cineticamente nos apresenta ao ambiente da história e à boca de fumo, usando uma estratégia similar para criar tensão e antecipação quando um dos bullies escolhe sua vítima em meio a uma multidão, nos jogando em infinitas panorâmicas que rodeiam o agressivo personagem. Os planos mais contemplativos e que quebram o eixo ao sugerir uma abordagem mais sensitiva a algumas cenas são impactantes, como uma troca de olhares entre Chiron e Kevin na praia ou o denso plano que traz sua mãe gritando diretamente para a câmera, sem som.
Então voltamos à questão que o roteiro tenta responder ao longo de seus três atos: quem é Chiron? É curioso notar como sua fase adulta traz fortes influências de Juan, desde a touca preta, os dentes de metal e a carreira infeliz como traficante, já nos deixando claro que o jovem usou sua figura paterna mais forte como inspiração para sua própria identidade. O fato de não sabermos quem é Chiron ou qual é a motivação que o mantém seguindo é um fator interessante e que deve agradar outros observadores, mas que pessoalmente me provoca um sentimento de vazio e subjetividade: não consigo me importar com o personagem, com exceção dos momentos em que a mão de Jenkins interfere para gerar empatia ou suspense.
Moonlight: Sob a Luz do Luar é uma história impactante e familiar, mas que ganha força graças ao poderio técnico e narrativo de Barry Jenkins, que explora cantos e raízes de um contexto que raramente é explorado no cinema americano. Não só sua câmera é infalível, o elenco perfeitamente dribla e nos faz ignorar os clichês da história, tornando esta uma experiência memorável.
Moonlight: Sob a Luz do Luar (Moonlight, EUA - 2016)
Direção: Barry Jenkins
Roteiro: Barry Jenkins
Elenco: Alex Hibbert, Ashton Sanders, Trevante Rhodes, Mahershala Ali, Naomie Harris, Janelle Monáe, Jaden Piner, Jarrel Jerome, André Holland
Gênero: Drama
Duração: 111 min
https://www.youtube.com/watch?v=cYFIBxizOW0
Crítica | A Garota Desconhecida
A fórmula é inimiga da arte. Pelo menos quando essa fórmula já curta e simplória (diferente de simples) é pouco, ou simplesmente não é derivada, com o passar dos anos e dos resultados que gera. Um bom uso de técnicas e visões impostas quando mal usadas geram obras ou popularescas, ou intelectualistas – extremos nunca satisfatórios. Cineastas como Godard, Truffaut, Paul W. S. Anderson, Wes Anderson, Woody Allen e tantos outros são exaustivamente (e muitas vezes de forma injusta) taxados de formulaicos, mesmo quando reorganizam, exacerbam ou redundam, com sutileza magistral as suas próprias idiossincrasias. É o caso também do irmãos Dardenne, que mesmo com idas e vindas, assumem um gênero, um método capaz de articular os comentários presentes em seus roteiros.
A primeira diferença que surge é a pequena fuga da regra in media res dos outros filmes, quando a narrativa começava no meio de uma situação para que o filme usasse de toda a sua duração para desenvolver, resolver e apresentar um passado não explícito paulatinamente. Isso torna a estrutura do filme um tanto mais primária, mas justo nesse primeiro momento que os cineastas parecem criar um mundo mais interessante. Jenny (Adèle Haenel) é uma jovem médica que está prestes a trocar o atendimento em uma pequena clínica por um hospital de renome. Na sua festa de boas-vindas, uma plaquinha de metal já traz o nome da garota na porta de sua sala. Esse reconhecimento profissional representa o abandono do seu estagiário na clínica, Julien (Olivier Bonnaud), e toda uma série de pacientes das imediações que Jenny trata com muita atenção. A jovem brilha ao ver um paciente com câncer armar uma singela despedida musical, momento em que a característica câmera-sombra dos protagonistas fica leve e dá um espaço de respiro para a própria personagem.
Até aí, uma quebra catártica já tinha afetado Julien ao ver uma criança tendo uma convulsão, o que traz à tona sua incapacidade de ser médico. O profissionalismo de Jenny supre essa falha do aprendiz. É com o segundo momento de choque que a dialética entra em campo para conferir ambiguidade ao título, definindo a vertente alegórica da obra: depois do horário de atendimento da clínica, quando Jenny e Julien estão prestes a sair, alguém toca a campainha. No seu direito como profissional, Jenny não atende a porta, apesar da insistência de Julien. No dia seguinte, encontram o corpo de uma imigrante africana num canteiro próximo.
A tragédia, sem consequências legais, pesa na ética médica e pessoal da protagonista. Ela dispensa o novo emprego para tornar-se dona da clínica, preferindo o ambiente mais desconjuntado, colorido e aconchegante às paredes frias do grande hospital. Paralelamente, sua bondade, ou melhor, bom-mocismo, conduzirão o fio da sua investigação para descobrir quem foi a vítima do seu descaso. O prosseguimento é formulaico, um suspense com o motor de uma morte, mas que nem o naturalismo das atuações consegue invocar o calor dos embates dos outros filmes.
Uma desconhecida do título segue a mesma, a outra encontra reforço para a (auto)importância de sua jornada. A ambiguidade proposta pelo título é só mais um prova do egoísmo da trajetória de Jenny, do narcisismo europeu que não cessa de encontrar válvulas de escape. Pergunta-se: onde foi parar a complexidade do cinema europeu que enchia os quadros do que era e não era mostrado em A Criança? Verhoeven soube mostrar que isso ainda é possível hoje. As tentativas de invocar o Outro (vivo, num encontro face a face, sem as máscaras de uma mentira) no final só se tornam mais esdrúxulas quando a culpa recai uma outra ausência, dessa vez por parte de uma familiar da vítima.
Apesar do miolo do filme ser eficiente como narrativa episódica, é uma exibição da habilidade já bem conhecida dos Dardenne. A tensão e os sustos partem do cotidiano, são momentâneas, enquanto o que deveria guardar austeridade ganha rosto e identidade (de papel) no moralismo de uma velha Europa.
A Garota Desconhecida (La Fille Inconnue, 2016 - Bélgica, França)
Direção: Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne
Roteiro: Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne
Elenco: Adèle Haenel, Olivier Bonnaud, Jérémie Renier e Christelle Cornil
Gênero: Suspense
Duração: 113 minutos
https://www.youtube.com/watch?v=iuOln_WaSxI
Crítica | A Grande Muralha
Zhang Yimou é um dos maiores realizadores cinematográficos deste planeta. Isso é um fato. O consagrado diretor coleciona sucessos como O Clã das Adagas Voadoras, Herói, A Flor do Oriente, entre outros. Sem perder tempo e visando o massivo mercado chinês, a Universal convidou o cineasta para dirigir um blockbusters praticamente encomendado para a China, A Grande Muralha.
O épico de guerra acompanha a história de uma dupla de guerreiros, William e Tovar, que tentam a sorte nos desertos do oriente em busca de uma invenção mortal: a pólvora. Fugindo de ladrões, se deparam, por acidente, com a enorme Muralha da China. Entre morrer nas mãos dos perseguidores ante encarar o desconhecido, a dupla decide que é melhor ser capturada pela guarda da Muralha.
Porém, o que não imaginavam é que cairiam por acidente no meio de um confronto milenar entre guerreiros chineses contra uma legião de criaturas mitológicas que tentam quebrar a barreira da Muralha a todo custo a cada sessenta anos. Por séculos, os ataques continuaram repelidos, porém, desta vez, as criaturas estão mais inteligentes. Sem escolha, William e Tovar entram na batalha contra os monstros na tentativa de salvar o mundo.
Como o Oriente Venceu
Apesar de ser uma produção americana, em maioria, A Grande Muralha tem características muito enfáticas do cinema chinês no gênero de filmes kung-fu. Essa identidade cultural certamente é refletida no trabalho dos diálogos escritos no tratamento do roteiro idealizado por seis cabeças – todas ocidentais. No caso, a inspiração pode ter saído pela culatra.
Em filmes antigos de kung-fu ou wuxia do cinema chinês dos anos 1950 persistindo até hoje, o trabalho com os diálogos sempre fora literal e muito cafona – apesar de ser uma obra-prima, O Tigre e o Dragão de Ang Lee é um exemplo clássico para comprovar essa característica tão peculiar ao cinema chinês.
Esse fato é estranhamente alocado aqui em A Grande Muralha. Por alguma razão, neste wuxia, os diálogos literais e cafonas estão restritos somente ao núcleo ocidental do filme, constituído por três personagens apenas. Enquanto temos diálogos pavorosos entre William e Tovar, interpretados roboticamente por Matt Damon e Pedro Pascal, os personagens chineses conversam com naturalidade e fluidez. Digo isso, pois é impossível não perceber o quanto o trato do texto com os heróis ocidentais é truncado com poucas réplicas e tréplicas que façam sentido.
Em seu argumento, até que a história se sustenta e é interessante – ainda que haja explicações descabidas para justificar a existência dos seres mitológicos. É um filme de batalha medieval bastante pré-formatado. Os seis roteiristas se esforçam pouco em criar um conteúdo original para o exótico local que se passa a ação.
As poucas ideias originais poderiam ser creditadas facilmente para o diretor Zhang Yimou ou para os designers de produção. A principal delas é toda a diferenciação de patentes militares e funções no campo de batalha através dos belíssimos uniformes que exibem cores exuberantes que explodem na tela. Ou também sobre como as criaturas se comportam, além das estratégias militares de ambos os lados.
De resto, o núcleo ocidental inteiro poderia ser facilmente descartado, pois só consegue prejudicar o filme. O protagonista segue um desenvolvimento pífio de tão manjado que é: um arco clássico sobre lealdade e procura de identidade heroica ou um grande destino como um todo que acaba por prejudicar os planos originais de saquear a Muralha e seus tesouros com seu comparsa extremamente irritante – é impressionante o quão artificiais conseguem ser as cenas desses dois discutindo como comadres violentas.
Além dessas besteiradas, há o romance clássico de lei que não pode faltar nessas produções – mesmo que aqui seja somente pincelado. É bastante bizarro reconhecer que logo um filme de Zhang Yimou tenha esse trabalho deficitário na figura do herói já que em seus longas anteriores, o diretor se preocupava em construir esse arquétipo com precisão e qualidade cirúrgicas.
Enquanto o texto fracassa com os ocidentais, os chineses ganham o merecido destaque, afinal, é um blockbusters encomendado para o mercado deles. A heroína Lin Mae é uma ótima guia para o universo proposto para o filme e pela atuação levada a sério de Tian Jing e de todo o elenco chinês, o senso de urgência nunca sai prejudicado. Até mesmo com Lu Han, novato em filmes desse porte, as coisas saem bem. Seu personagem Peng Yong é facilmente um dos que mais provocam empatia pelo público. Mesmo falando pouco, o ator consegue expressar um medo muito autêntico pelas criaturas conseguindo se destacar entre a multidão. O perigo é real e imediato em A Grande Muralha e essa é sua melhor virtude.
Os orientais introduzem as filosofias de sua cultura e edificam o caráter do herói ocidental demonstrando sacrifício, honra, lealdade, paixão e altruísmo, além da moral do filme inteiro ser um discurso sobre a ganância. A ganância é martelada a todo momento, seja com as aspirações profissionais de um enviado do imperador, da elite chinesa, dos heróis que visam os espólios roubados, dos inimigos que querem tomar o mundo para si, etc. É um embate bem reducionista que jogando cada lado em extremos de luz e ignorância moral que comprova o quão desnecessário são os personagens ocidentais cujos conflitos somente emporcalham o filme. Para o restante dos chineses de destaque, cada personagem tem mini arcos que os distinguem entra a multidão. Nada muito original, mas bastante funcionais.
A Arte da Guerra
Zhang Yimou é uma das mentes brilhantes do cinema chinês. Com talento impecável para o gênero antológico do kung-fu e também do wuxia, consegue fazer nítida diferença em A Grande Muralha, mesmo se valendo de um roteiro tão fraco antagônico a seus filmes anteriores.
Yimou começa mal com uma perseguição de cavalos e outros cortes rápidos durante um acampamento noturno, mas assim que o filme firma seus pés na Grande Muralha, as coisas se transformam.
O brilho desse filme realmente são as fantásticas cenas de batalha que, embora não possuam muita lógica quando pensadas na completa extensão da muralha, são de deixar qualquer um boquiaberto. A construção de cena para a primeira batalha (que também é a melhor), é estupenda. Diversos planos riquíssimos mostram tropas com incontáveis figurantes marchando e se preparando para a luta. Yimou também aposta no mistério da função do esquadrão azul que sobem em pranchas diretamente acima do campo de batalha.
Detalhes de arqueiros, dos atiradores das catapultas escondidas em níveis inferiores da Muralha, de guerreiros de espadas e lanças, etc. Yimou cobre todas as patentes de soldados para conferir um senso único de união, organização e sincronia sobrenaturais para combater as criaturas. Tão logo, já foca no comandante que dispara ordens através do som ritmado dos tambores tão bem incorporados na trilha musical estupenda Ramin Djawadi.
Assim como sabe usar o som para elevar a expectativa que é correspondida com as ótimas coreografias de luta, Yimou também usa momentos silenciosos para gerar ápices de suspense bastante superlativos. Apesar das grandiosas batalhas na Muralha serem curtas e poucas, também há surpresas no clímax do filme que mostram uma quantidade massiva de criaturas em tela – aliás, os efeitos visuais aqui são formidáveis.
Enquanto Yimou tenta abaixar a brutalidade das lutas quando os humanos são mortos pelos bichos, o mesmo não acontece quando são os demônios que são destroçados, explodidos, mutilados e incendiados. O diretor se preocupa com essa violência e com diferentes abordagens em cada batalha para que o filme nunca se torne repetitivo. Toda vez há alguma novidade fotográfica, estratégica ou de arquitetura para manter a atenção do espectador. E funciona. Apesar das atuações canastronas de Damon e Pascal, A Grande Muralha praticamente nunca perde seu fôlego. Tudo tem a duração adequada que transformam esse filme em uma obra leve, divertida e bastante despretensiosa.
Yimou apenas falha (ou acerta) ao inserir alguns lances totalmente esdrúxulos em algumas pancadarias como um segmento onde Pascal atrai um monstro com movimentos de toureiros. É difícil saber se essa obra se leva a sério ou não por conta de momentos como esse.
Aliás, impossível não comentar uma curiosidade. É interessante ver Yimou embarcando com uma obra que, apesar de ser um wuxia graças aos malabarismos dos bungee jumps sensacionais das lanceiras, não é um filme kung-fu em geral. É um épico de guerra como há muito não se via – desde As Duas Torres e sua maravilhosa batalha do Abismo de Helm.
O Jogo dos Extremos
Em diversos momentos da obra, tentando me decidir se levava o filme a sério ou não, me deparava com o pensamento paradoxal: esse filme é extremamente estúpido, mas também é genial. Buscando na memória recente, consigo afirmar com certa segurança que nunca havia pensado que isso fosse possível além dos gêneros de filmes trash ou spoof. Eis que A Grande Muralha também consegue essa célebre conquista em oscilar entre opostos tão extremados.
Zhang Yimou salva um roteiro medíocre e preguiçoso de jogadas tontas em centrar a trama no ponto de vista ocidental. Salva através de cenas de ação absurdas de belas, bem coreografadas com manejo de câmera ímpar. Entre os muitos pensadores honestos sobre cinema, há uma grande verdade que paira o fazer desta arte: o tesão. Sem a menor sombra de dúvida, A Grande Muralha é uma obra criada pelo tesão em entregar o melhor espetáculo visual possível. E atingiu este nirvana com sucesso.
Obs: se possível, veja em IMAX. O formato faz uma tremenda diferença para o som retumbante e do poderio visual massivo que esse filme possui.
A Grande Muralha (The Great Wall, China, EUA – 2017)
Direção: Zhang Yimou
Roteiro: Carlo Bernard, Doug Miro, Tony Gilroy, Max Brooks, Edward Zwick, Marshal Herskovitz
Elenco: Matt Damon, Pedro Pascal, Tian Jing, Willem Dafoe, Andy Lau, Hanyu Zhang, Lu Han, Kenny Lin, Eddie Peng
Gênero: Wuxia, Ação, Épico Medieval, Guerra,
Duração: 103 minutos.
https://www.youtube.com/watch?v=N7v-7-yCuNw
Crítica | Internet: O Filme - Péssimo filme com youtubers
Não há dúvida de que o youtube é uma plataforma que revolucionou o modo como assistimos vídeos sob demanda pela internet. Assim como facilitou a vida de quem cria conteúdo para essa plataforma. Esse mudo paralelo ao da televisão em que pessoas comuns contam suas rotinas ou falam bobagens atraem multidões de fãs e levaram muitos para além da web.
E com a ideia de brincar com esse mundo das celebridades digitais que estréia no dia 23 de fevereiro nos cinemas de todo Brasil um filme nacional que pretende mostrar o mundo da internet, mas com ‘personagens’ reais e tenta fazer uma paródia com esse mundo composto de blogueiros e youtubers.
Trata-se de “internet – O Filme” dirigido por Filippo Capuzzi Lapietra e com auxílio do comediante Rafinha Bastos no roteiro e na produção, além de contar no elenco com webcelebridades da internet que somam juntos mais de 57 milhões de seguidores e com mais de 5 bilhões de views (vizualizações) em suas redes. Filippo é pouco conhecido no meio audiovisual. Seus principais trabalhos foram curtas-metragens e uma produção para a tv.
A grande questão que fica ao assistir esse novo longa é se o público que está acostumado a assistir vídeos pela internet de graça vai ao cinema para ver seus ídolos que eles podem assistir sem custo em outra plataforma. Filmes como Eu Fico Loko e É Fada foram fracasso de bilheteria, o de Kéfera ainda foi fracasso de crítica. O primeiro contava uma ficção adaptada para o cinema e trazia no papel principal a youtuber e o outro também baseado em livro contava a história de Christian durante o colégio.
Em "Internet" são apresentadas várias histórias curtas de youtubers pops como a de Cocielo, Igor e Teddy que fazem uma aposta para ficar com uma garota, a da garota que fica famosa por ser sincera, do casal que fica famoso por dar um beijo e ir parar na rede social de um youtuber famoso e claro a história do fã que é fanático pelo personagem interpretado por Rafinha Bastos.
São tantas histórias paralelas que não há um foco claro. Cada uma se desenrola e finaliza tudo no final do filme, mas poderiam muito bem ter se juntado. Ficou tão corrido que algumas tiveram um final fraco ou superficial. Havia muitas formas de ter feito esse filme. Ou separando por capítulos como Tarantino faz ou como ‘Clash – No Limite’ fez: várias histórias contadas com personagens diferentes que se conectam ao longo da história e tem suas vidas influenciadas pelas situações que passam. Parece que eles quiseram fazer um filme com cara de internet mesmo. Sem foco, tudo muito simples e sem apresentar nada de novo e original.
Talvez a melhor trama apresentada e que mostra bem a futilidade que se tornou esse mundo das webcelebridades é a do cão que ficou famoso por ter sua rotina apresentada em um canal e que está há alguns dias sem gravar por estar triste. O diretor Filippo perdeu uma grande chance de se aprofundar nessa discussão, esse tema poderia ser o mote central de todo o filme.
Com um elenco inchado chega uma hora que você percebe que a direção e o roteiro se perderam e tudo começa a ficar caótico e sem explicação. Histórias que começam e param para dar espaço para outras histórias e uma vai atropelando a outra. Um elenco reduzido seria mais fácil de dirigir e poderiam ter dado maior destaque para alguns personagens e suas tramas. Ficou difícil se aprofundar na vida de cada um. São tantas histórias que você se perde facilmente. Eles ficaram presos a esse modelo de tudo muito rápido da internet e deixaram de inovar e de serem originais.
Outro erro foi dar aos personagens papéis que eles fazem já em seus canais. Poderiam criar outros personagens e poderiam colocar youtubers que estão de fora da "panela" e assim a produção sairia ganhando. Cocielo sendo Cocielo não há nada de novo. Eles não usam seus nomes verdadeiros, todos tem nomes adaptados.
O ponto alto são as histórias com os três comediantes mais famosos. Maurício Meirelles, Rafinha Bastos e Paulinho Serra (sempre excelente) e a aparição relâmpago da Palmirinha, eles seguram o filme, tanto que suas histórias são as melhores (Se é que há história melhor). Paulinho Serra merecia um papel que estivesse de acordo com seu talento.
Algumas piadas perdem a graça pela falta de experiência em atuar e de improvisar dos youtubers. Você percebe que eles estão fazendo algo que não estão acostumados, que é trabalhar com cinema. No youtube eles estão acostumados a fazer o que querem já que o canal é deles.
O longa deixa claro que o público-alvo são adolescentes e crianças que vivem na internet e não seus pais. Em nenhum momento se pensa em apresentar aquelas pessoas que estão ali na tela. Cocielo, Igor, Gusta, Thaynara, Castanhari, Cauê Moura entre outros que estão no elenco são youtubers já conceituados da plataforma de vídeos, mas não são conhecidos do grande público em geral. Principalmente dos pais que irão pagar o ingresso dos filhos.
Internet pode ser que faça algum sucesso justamente por ter vários youtubers idolatrados pela garotada no elenco, mas é daqueles filmes esquecíveis e que você se decepciona ao constatar que tudo aquilo é superficial.
Internet: O Filme (idem, Brasil, 2017)
Direção: Filippo Capuzzi Lapietra
Roteiro: Rafinha Bastos, Dani Garuti, Marco Aurelio Gois, Danilo Nakamura, Mirna Nogueira
Elenco: Rafinha Bastos, Paulinho Serra, Felipe Castanhari, Pathy dos Reis, Gusta Stockler, Cellbit, Julio Cocielo, Igão Underground, Lucas Teddy Olioti, Maurício Meirelles, Gabi Lopes, Thaynara Og, Christian Figueiredo, Mr. Catra, Raul Gil, Cauê Moura, Pc Siqueira
Gênero: Comédia
Duração: 107 min.
https://www.youtube.com/watch?v=tyty_-d7GB0
Review | Resident Evil 5
A Capcom se encontrava em uma posição delicada com "Resident Evil 5". Como dar continuidade a um jogo que estabeleceu uma nova tendência de mecânica, trazer novidades a altura, respeitar o legado da franquia e ao mesmo tempo atrair novos jogadores? Para dificultar o questionamento, o game ainda passou por vários problemas internos de desenvolvimento envolvendo troca de cast de um personagem, cortes no orçamento e de trechos inteiros de fases - até para cumprir com o prazo estipulado de lançamento - e acusões infundadas de racismo iniciadas por uma minoria de profissionais da indústria jornalística.
Definitivamente, as condições não eram as ideais para a saída do jogo que os fãs gostaria e mereciam, não é mesmo?
Mas Resident Evil 4 também contou com diversos problemas e reformulações antes de seu lançamento, o que não impediu o jogo de ser incrível, logo o mesmo pode acontecer com este, correto? Errado.
Resident Evil 5 sofre de uma enorme carga negativa, talvez o maior temor de qualquer franquia consagrada: a perda da identidade.
A começar pela mudança de cenário. Saem a mansão de confinamento , as ruas apertadas de Raccon City e os bizarros campos e castelos de da área rural espanhola para a entrada de uma África ensolarada. Claro, há de se louvar o trabalho de iluminação e texturas, bem polidos para a época de 2009, mas é inegável que o ambiente e sua atmosfera não são dos mais aterrorizantes em relação ao que veio antes.
Se a ambientação não colabora, ao menos a jogabilidade fazem jus ao terror de outrora, não? Não.
RE 5 é frenético a todo momento. As hordas - agora, ainda mais armadas - são mais numerosas, as munições não são mais escassas e encontrar uma erva para dar upgrade em sua barra de vida nunca foi tão fácil. A situação só piora conforme avançamos na jogatina e devemos enfrentar os infames infectados com armaduras e armamento militares e monstros gigantescos que abusam da suspensão de descrença. Até trechos em ambientes metálicos e industriais, desnecessariamente, possuem uma maior presença.
Com isso, todo o senso de vulnerabilidade dos protagonistas se esvai. Chris e Sheva são heróis de filme de ação. Se, ao enfrentrarmos o perigo, nos deparando com ele, não o sentimos, então qual é a graça? Um caminho vergonhoso foi seguido aqui.
Compare o trecho da batalha contra um gigante em "Resident Evil 4" e em "Resident Evil 5". Enquanto em um, o jogador se esforçava para prolongar o duelo até achar o momento ideal de ataque com a consciência de que, se resultasse em falha, o golpe seria fatal e o processo se repetiria, no outro tudo o que o jogador deve fazer é atirar com uma supermetralhadora embutida em uma caminhonete. Havia boatos de que esse se trata de um dos trechos cortados e que, na ideia original, envolveria até mesmo uma perseguição do tal gigante.
O que nos abre a brecha para falar de outro problema, a mecânica. Um jogo de ação - ainda mais em terceira pessoa - exige uma certa gama de possibilidades de movimentos e ações para o jogador acompanhar a agilidade do gameplay. Pegando emprestado as mecânicas de Resident Evil 4, o jogo falha nesse ponto crucial ao limitar demais o jogador com poucas opções de movimentos. Funciona bem para um terror mais calcado e com eventuais sequências de ação como o jogo antecessor, mas este não é o caso. E se a ideia fosse manter o jogador mais vulnerável, limitando seus movimentos frente às hordas, o objetivo também não seria cumprido, resultando em alguns bons momentos de frustração.
E a narrativa? Bom, Resident Evil nunca foi uma franquia conhecida por suas histórias e excepcional trabalho de desenvolvimento de personagens. A criação do mundo e seus conceitos e as mecânicas eram o foco dos elogios. Mas não podemos nos esquecer que estamos falando de um game de 2009, ano em que "Uncharteds" e "BioShocks" da vida já estavam disponíveis.
Sinto-lhe informar, caro leitor, mas até nisso o jogo falha. A história, que se passa 5 anos depois dos eventos de RE4, gira em torno de Chris Redfield, agora trabalhando para a BSAA, tendo de se aliar com Sheva Alomar em Kijuju para apreender Ricardo Irving e impedi-lo de concretizar uma venda de arma bio-orgânica. Obviamente, há muito mais debaixo dos panos do que aparenta, com direito a conspirações, planos de dominação global e ressureição de personagens antes dados como mortos. É tudo tão exagerado e telegrafado que, em dado momento da trama, pode prever tudo que está para acontecer com alguns poucos minutos de jogatina. A direção durante as cutscenes é, em sua maioria, terrível, com enorme apelo para cortes rápidos, shaky cam e slow motion, gerando alguns momentos bem embaraçosos de se ver e acompanhar.
Os personagens são tratados da mesma forma preguiçosa e desinteressante, sem qualquer arco crível. Chris Redfield é um personagem completamente unidimensional e profere a todo momento diálogos expositivos e didáticos a respeito da trama e do que acabamos de presenciar. Sua relação com Sheva não soa orgânica e sim uma exigência de roteiro. Há somente um momento dedicado entre ambos para falarem de sua vida pregressa e assuntos mais humanizados - momento este durante um passeio de barco para uma tribo indígena em uma tentativa pífia de desenvolvimento de Sheva ao inserir o básico de backstory - acredite, eu contei.
Albert Wesker então, vilão carimbado da franquia, coitado, surge mais canastrão do que nunca chegando atingir o nível cartunesco. Os momentos finais de batalha que o envolvem me provocaram algumas risadas tamanho nível de galhofa na escrita. Os coadjuvantes, todos subaproveitados, não agregaram muito à trama.
O melhor ponto do game e que também é sua novidade mais engenhosa, trata-se da possibilidade de jogar em cooperativo. Lembro de gastar incontáveis horas jogando com meu irmão ou com alguns amigos em revezamento por morte ou tempo durante encontros em casa. É simplesmente muito divertido. O valor de entretenimento é altíssimo e a variedade de cenários e busca por upgrades nas armas certamente manterá a dupla de jogadores engajados até o final. Claro, isso se você deixar passar todos os problemas citados e quiser apenas investir algumas boas horas na matança de zumbis.
"Resident Evil 5" não consegue ser um bom jogo de terror - o frenesi durante o enfrentamento de hordas regulares e munição fácil não o deixa - e nem um eficiente jogo de ação - a mecânica é travada e limitadora herdeira de seu antecessor. Não achando sua identidade, o game é um arremedo de ideais e conceitos passados atafulhados em uma narrativa medíocre com história e personagens genéricos. Vale pelo cooperativo mas não muito mais que isso, ainda mais hoje com tantas opções carentes de tais defeitos. Eu realmente gostaria de poder dizer que a Capcom, eventualmente em um "Resident Evil 6", aprenderia com os erros e presenteasse os jogadores com o game que faria a franquia se encontrar novamente. Infelizmente, isso não aconteceu e a situação só iria piorar. E é assim que o texto termina, em tom fúnebre e com a saudade, mesmo que fosse apenas exclusivo ao quarto game, de um certo mercador para te chamar de estranho diversas vezes durante a jornada. Até nisso, o processo se tornou automático e sem personalidade.
Resident Evil 5 (Biohazard 5, Japão/2009)
Desenvolvedora: Capcom
Gênero: Ação, tiro em terceira pessoa
Plataformas: Microsoft Windows, PlayStation 3, PlayStation 4, Xbox One e Xbox 360.