Crítica | Velho Logan

Aviso: Esta crítica analisará aspectos do quadrinho e da história, portanto, contém spoilers

Ao saber da notícia que a dupla Mark Millar e Steve McNiven estavam se juntando para escrever um arco de histórias para a série regular de Wolverine, é normal criar um pouco de expectativa. Estamos falando da dupla responsável pela excelente Guerra Civil e do autor de Superman: Entre a Foice e o Martelo, afinal. Mark Millar já criou para si a linha Millarworld, onde ele está atualmente publicando alguns projetos, como Huck e Chrononauts, através de editoras como a Image Comics.

Millar cria seus quadrinhos como storyboards para o cinema. O enquadramento e a própria diagramação é muito semelhante ao que se esperaria de um filme. Seus ângulos e estrutura narrativa favorecem essa comparação. Outras obras de Millar já foram adaptadas recentemente para a tela grande, como O Procurado, Kick-Ass e Kingsmen. Seu talento e nome já lhe permitem vender direitos para o cinema de projetos antes dele sequer lançar a primeira edição, como Chrononauts.

Steve McNiven é um desenhista consagrado da Marvel. Já trabalhou em títulos como Capitão América, Guardiões da Galáxia e Homem Aranha. Também foi o responsável de capas para incontáveis obras dentro da Casa das Ideias. Seu desenho é feito com linhas fortes e muitos detalhes para cenas, mostrando especial talento para quadros mais violentos e as famosas splash pages.

Espere algumas cenas deste tipo

Tendo dito isso, temos em mãos Velho Logan. Uma história que ocupou 8 edições da série mensal de Wolverine entre Junho de 2008 e Setembro de 2009 e que nos agraciou com uma versão interessante do personagem em um mundo alternativo bem rico.

Uma História já Conhecida

Essa história serve como um Cavaleiro das Trevas para Wolverine. Somos apresentados ao personagem título como um homem velho e pacifista, cuidando de sua esposa e filhos em uma pequena fazenda no deserto da Califórnia. Ele hoje não usa mais suas garras desde um misterioso evento em seu passado. Os Estados Unidos foram divididos por distritos, cada um governado por vilões famosos dos quadrinhos, que venceram todos os heróis de uma vez só em uma trágica noite. O ambiente, então, é um caos digno de cenários pós apocalípticos como Mad Max, com muitos ambientes áridos e perigos em cada esquina.

Wolverine se encontra em problemas de pagamento do aluguel do terreno à gangue dos Hulks. Gangue esta formada por descendentes do Hulk, dotados de grande força bruta e que dominam sobre o distrito. A casa de Logan será destruída junto com sua família caso ele não consiga o dinheiro em um determinado prazo. Eis que somos apresentados ao Gavião Arqueiro Clint Barton deste universo. O único vingador a sobreviver ao ataque dos vilões por não ser considerado um risco surge com uma proposta financeira que exigirá justamente que Logan aja como Wolverine.

A obra inicia como uma homenagem aos antigos clássicos de faroeste de Clint Eastwood. Este tema é antigo em Hollywood e já foi abordado extensivamente. É revigorante ver uma história do Wolverine nesta jornada mas a história em si não chega a ser nenhuma novidade. Logicamente é natural ver a influência dos cinemas nos quadrinhos. Quando se trata de Mark Millar, porém, a barra de expectativa é um pouco mais alta.

De Tudo um Pouco

Após este encontro e o aceite da proposta com o velho clichê de "somente se eu não precisar usar minhas garras" (que todos sabemos que ele acabará usando) acompanhamos a aventura da dupla por este mundo hostil, recheado de personagens e referências à história de Wolverine e dos X-Men. No entanto, muitas aparições são extremamente gratuitas, como por exemplo o Tiranossauro Rex Venom:

Uma bela cena e só

O personagem ocupa uma página final inteira somente para ser facilmente destruído no início da outra edição. Isso ilustra o maior problema dessa saga. Belas e incríveis cenas com personagens de potencial imenso para desenvolvimento que servem somente de cliffhangers. Meros obstáculos a serem superados ao longo do caminho. Quase uma Odisséia Marvel pelo catálogo de personagens famosos da editora.

McNiven entrega um trabalho consistente e marcante, aliado à decupagem cinematográfica e à grande equipe de coloristas formada por nomes como Justin PonsorChristina StrainMorry Hollowell. E essa composição de talentos e um ou outro detalhe da história acabam sendo o grande destaque e o que faz esse quadrinho ser famoso. É um pouco triste que não seja nada mais além disso.

Um Final Constrangedor

Logan abandona sua zona de conforto ao se lançar em mais uma aventura com Gavião Arqueiro, que o guia por este ambiente selvagem. É interessante o conceito de Clint estar cego e também ser ele o motorista. Nas primeiras páginas da segunda edição ele já lança o veículo barranco abaixo, evocando a passagem bíblica de Lucas "Pode um cego guiar outro? Não cairão ambos no barranco?". É dessa forma que os dois são jogados (e posteriormente entregues) à selvageria deste inóspito lugar. Acrescento também que a cegueira de Clint é um aceno à obra de Frank Miller. Em Cavaleiro das Trevas o maior arqueiro da DC também possuía uma incapacidade que o impedia de exercer sua função; o braço direito amputado.

Em sua volta pra casa, Logan descobre que sua família foi morta pela gangue dos Hulks. Com mais este traumático momento, ele decide acertar as contas de uma vez por todas com a gangue inteira. Wolverine então descobre que o líder da gangue dos Hulks é uma versão insana e demente de Bruce Banner, que enlouqueceu devido à radiação gama e teve filhos com sua prima, a Mulher Hulk. Após esta revelação de incesto, Wolverine é devorado pelo vilão ressurgindo poucos quadros depois, matando Bruce em uma cena reminiscente à Alien:

Ao fim, Wolverine então resolve seguir pelo mundo como um herói de faroeste, cuidando do último bebê Hulk sobrevivente.

Conclusão

E é este final que faz todo o resto do quadrinho ser meio desnecessário. Ora, se a morte de sua família era o que precisava para ele se entregar totalmente ao seu lado selvagem e aceitar o Wolverine novamente, Logan não precisava se lançar ao deserto por 8 edições. O final deveria ser melhor desenvolvido sem necessidade dessa revelação que gerou grande polêmica ao lançamento.

Para fechar, temos sim uma obra de Millar e McNiven. Ótimos enquadramentos, desenhos e arte, com um personagem que hoje faz parte do universo regular da Marvel. Também um mundo vasto e rico em referências e interessantes versões distorcidas de personagens. No entanto, é apenas uma história que garante divertimento na leitura. Não sobra muita coisa para ser digerida. Com excessão do choque gráfico da última edição que pode lhe fazer evitar o jantar.

Essa dupla pode entregar mais.


Crítica | True Detective - 2ª Temporada

A HBO havia conseguido novamente. Sob a alcunha do relativamente desconhecido Nic Pizzolatto, a estreia de True Detective no começo de 2014 conquistou uma nova legião de fãs e fez a festa com os críticos, sendo rapidamente considerada uma das melhores séries de televisão dos últimos anos, principalmente pelas performances centrais de Matthew McConaughey e Woody Harrelson e a direção afiada de Cary Fukunaga.

Quando a emissora obviamente renovou a série para uma segunda temporada, muitos esperávamos um retorno de Marty e Rust, mas Pizzolatto surpreendeu ao anunciar que True Detective seria uma antologia, com casos e personagens sendo alterados a cada nova temporada. A ideia foi bem recebida, mas muitos começaram a torcer o nariz com as contratações de Justin Lin para comandar os primeiros episódios e Colin Farrell e Vince Vaughn para protagonizar a série, nomes que - convenhamos - não são do calibre de McConaughey e Harrelson, ao passo em que muitos esperavam mais do que o diretor de Velozes & Furiosos para assumir a brincadeira. Porém o otimismo foi se reerguendo quando Rachel McAdams, Taylor Kitsch e Kelly Reilly se juntaram ao projeto.

Sai o interior decadente da Louisiana da primeira temporada, entra o labirinto urbano e complexo de Vinci, uma cidade fictícia localizada na Califórnia. Somos apresentados a Ray Velcoro (Farrell), um desequilibrado detetive da polícia local que trava uma batalha judicial com sua ex-esposa para manter a custódia de seu filho, que pode ou não ser de outro pai. Do outro lado da lei, o gângster Frank Seymon (Vaughn) planeja uma mudança de carreira ao iniciar uma parceria de negócios com o administrador municipal de Vinci, Ben Caspere, que envolve um investimento milionário na construção de uma nova ferrovia

E tem mais. No Condado de Ventura, a oficial Ani Bezzerides (McAdams) trabalha fervorosamente para fechar operações de pornografia ilegal ao mesmo tempo em que resolve os complicados problemas com seu pai e sua irmã. Por fim, o patrulheiro de estrada Paul Woodrugh (Kitsch) recebe uma injusta suspensão depois de ser falsamente acusado de assédio sexual após se recusar a aceitar suborno de uma atriz que violava os limites de velocidade.

É uma intrincada rede de personagens e subtramas que se conecta graças à Caspere. Quando o administrador desaparece repentinamente, os negócios de Frank vão por água abaixo e grande parte de sua fortuna é perdida. Secretamente um informante de Frank, Velcoro é enviado pelo departamento para localizar o desaparecido Caspere, que é enfim encontrado morto pelo patrulheiro Woodrugh em uma rodovia que cruza Ventura, atraindo a presença de Bezzerides.

Inicia-se a partir daí uma complexa trama que une esses três detetives extremamente diferentes entre si, mas igualmente problemáticos, e a investigação paralela de Frank Seymon, que vai aos poucos retomando contato com sua persona criminosa. É uma premissa radicalmente diferente da primeira temporada, que apostava em flashbacks e um serial killer com elementos sobrenaturais, ao passo em que esta nova temporada é essencialmente um thriller noir. E como a maioria dos noirs, a trama não faz muito sentido. O próprio ícone da literatura policial Raymond Chandler uma vez disse que não entendia por completo os elementos de uma história que ele mesmo havia criado, e que a chave para o sucesso desse estilo de narrativa estava na construção do mistério.

Este novo True Detective de certa forma acerta nisso. Toda a complexa investigação que envolve diversos personagens, locais e nomes complicados não é a coisa mais empolgante do mundo, e nem de longe provoca a angústia e ansiedade do sombrio caso abordado por Marty e Rust na temporada anterior. Ao longo dos quatro primeiros episódios, a trama chega a ser sonolenta e confusa, ao passo em que expande o nível ao envolver a corrupção na prefeitura de Vinci, as relações policiais e até uma bizarra rede de sexo secreta que deixa a desejar; assim como a resolução do caso Caspere.

O que torna esta temporada tão agradável, porém, são seus excelentes personagens e o elenco que lhes dá vida.  Colin Farrell tem um dos melhores papéis de sua carreira na pele de Velcoro, sempre com uma garrafa de bebida na mão e uma expressão triste e depressiva no rosto. Os arcos do personagem acabam por cativar muito mais do que a investigação central, desde o dilema sobre a paternidade incerta de seu filho e a complicada relação que isso provoca nos dois até a parceria dúbia com Frank, o que rende alguns dos diálogos mais memoráveis da série e coloca Velcoro no centro de situações muito questionáveis. O fato de Velcoro sempre estar documentando seus pensamentos em um gravador também é muito revelador, especialmente pelo desfecho dramático desta subtrama no episódio final.

Rachel McAdams oferece à série a protagonista feminina forte que os fãs teorizavam desde o final da primeira temporada. Bezzerides é durona e violenta, e é justamente esse comportamento que acaba gerando alguns problemas pessoais da personagem. Bezzerides é viciada em sexo e pornografia, tendo dificuldade de se relacionar com aqueles próximos a ela, características que McAdams desempenha muito bem em uma performance crível e convincente. Fica mais interessante quando temos pistas de seu passado abusivo através de alguns flashbacks perturbadores durante uma cena que detalharemos mais à frente.

Depois de tantos fracassos e oportunidades perdidas, essa parecia a chance de Taylor Kitsch mostrar do que era capaz. Woodrugh revela-se uma figura muito contida e com sentimentos repreendidos, aliado ao fato de uma passagem traumática pelo Iraque e de uma antiga paixão homossexual que sempre tentou manter escondida voltar à tona, para seu desespero. Kitsch se sai bem e sua voz grave e o olhar arregalado sempre parecem dar a impressão de que o personagem está prestes a explodir. Mesmo que seja o detetive que menos cativa, Woodrugh ainda garante bons momentos e seu desfecho em tela rende um dos melhores momentos da temporada.

Mas a grande surpresa fica à cargo de Vince Vaughn. É sempre interessante quando vemos um comediante se aventurar no drama (esqueçamos por um momento a vergonhosa performance de Vaughn no vergonhoso remake de Psicose), e o ator mergulha de cabeça em Frank Seymon. Seus monólogos sobre a infância - causado por uma mancha na parede - e as explosões de violência que o personagem vai revelando são impressionantes, e Vaughn consegue fazer de Seymon uma figura ameaçadora sem apelar para gritaria ou elementos expressivos que o tornassem caricato. A força de Vaughn está no olhar e no discurso suave. Sua relação com a esposa (a ótima Kelly Reilly) também é muito interessante, ainda mais quando começamos a perceber como as relações de poder variam entre os dois.

Em termos de direção, True Detective sofre um pouco pela ausência de um diretor único para todos os 8 episódios, como fez Fukunaga no ano anterior. Justin Lin ficou a cargo dos dois primeiros episódios, com o restante sendo dividido entre Janus Metz, Jeremy Podeswa, John Crowley, Miguel Sapochnik e Daniel Attias. Isso gera uma falta de personalidade própria da temporada, que experimenta uma série de coisas diferentes e o resultado pode ou não funcionar.

Justin Lin surpreende pela direção contida e que captura bem o estilo de Fukunaga, acertando ao trazer uma paleta de cor mais vibrante e alaranjada para as cenas noturnas, um padrão que seria seguido pelo resto da temporada. Miguel Sapochnik tem seu momento de brilho no sexto episódio, A Church in Ruins, durante uma sequência memorável que envolve Bezzerides infiltrada em uma festa sexual que traz leves ares de De Olhos Bem Fechados, mesmo que não seja chocante como deveria, fornece um momento de desespero no momento em que a personagem é drogada e acompanhamos seu ponto de vista retorcido.

Janus Metz merece menção pela abertura completamente inesperada e surreal do terceiro episódio, Maybe Tomorrow, que traz Velcoro em uma alucinação bizarra que parece saída de Twin Peaks, enquanto John Crowley retoma esse aspecto de sonho durante o longuíssimo season finale Omega Station, que traz uma bela tomada de Frank caminhando em um deserto enquanto tem visões de todos os demais personagens lhe provocando. A cena em que Velcoro prepara um encontro decisivo em um terminal rodoviário também é outro ponto alto, sendo beneficiado pela ótima canção de Lera Lynn - que empresta sua voz sombria para diversas músicas memoráveis ao longo dos episódios.

Mas é mesmo o quarto episódio que traz o ponto alto absoluto da temporada. Em Down Will Come, Jeremy Podeswa surpreende na condução de um tiroteio altamente visceral que envolve os três detetives e uma batida policial, que acabam em um furioso confronto com traficantes em pleno centro da cidade. Temos reféns, sangue e mortes descontroladas que levam a um total fracasso da operação, culminando em um excelente plano final no qual os protagonistas contemplam em desespero o horror da violência que os levou até ali.

A segunda temporada de True Detective não atinge o mesmo nível de qualidade estabelecido pela primeira, apresentando uma trama confusa que acaba se perdendo dentro de suas subtramas e complexidades como as próprias rodovias californianas. Porém, faz valer a visita pela força e as multi camadas de seus ótimos personagens.

True Detective - 2ª Temporada (EUA, 2015)

Criado por: Nic Pizzolatto
Direção: Justin Lin, Janus Metz, Jeremy Podeswa, John Crowley, Miguel Sapochnik, Daniel Attias
Roteiro: Nic Pizzolatto, Scott Lasser, Amanda Overton
Elenco: Colin Farrell, Vince Vaughn, Rachel McAdams, Taylor Kitsch, Kelly Reilly
Emissora: HBO
Episódios: 8
Gênero: Suspense, Crime
Duração: 60 min aprox

https://www.youtube.com/watch?v=4OfU7CGY5DQ


Crítica | Orphan Black - 4ª Temporada

Depois de três temporadas repletas de reviravoltas e informações desconexas, Orphan Black chega à sua quarta temporada de maneira simples, linear e fácil de seguir.

Embora a temporada anterior tenha começado com um estrondo, a introdução de clones do sexo masculino – e um enredo repetitivo para Helena – resultaram diretamente em uma série decrescente, cheia de perguntas e poucas respostas.

Demorou, porém os showrunners, Graeme Manson e John Fawcett, conseguiram fechar vários pontos abertos deixados nos outros anos, como as ligações entre os Projetos LEDA e CASTOR e as instituições Dyad e Topside, além da Neolution – que mesmo depois de esquecida, mostrou-se como crucial para o andamento da série após mudarem o conceito de simples organização para ideais de modificações corporais, experimentos científicos e diversas coisas inimagináveis como a Brightborn de Evie Cho (Jessalyn Wanlim).

Optar pela recolocação da Neolution como antagonista e descartar os Proletheans e os remanescentes do CASTOR foi uma atitude coerente, já que diminuiu os riscos de confusão em quem assiste e acrescentou a ideia de que a organização pode ser várias coisas diferentes, mantendo o inimigo tão intrigante quanto necessário.

Foram usados flashbacks, de forma rápida e inteligente, para unir os acontecimentos da atualidade com o período “pré-Sarah”. A temporada se inicia focando nos tempos de Beth e introduzem uma nova personagem, Mika, MK. Por ter presenciado a Helsink de 2006 e ser uma hacker, é a chave que ajudou Beth a tomar consciência de sua jornada em relação a si mesma e aos outros clones. No momento atual também é uma aquisição extremamente útil para Sarah, que precisa sempre estar um passo à frente da Neolution, sendo através de informações ou evitando intercepções de sinais. Além de unir as duas pontas da série, os flashbacks também foram úteis para atender aos pedidos dos espectadores em rever Paul (Dylan Bruce) – no qual sabíamos que deixaria saudades após ser morto na terceira temporada – e ajudaram a entender mais sobre a personalidade de Beth.

Tornam-se claras as semelhanças entre Elizabeth Childs e Sarah Manning – ambas se mostram determinadas, facilmente irritáveis, ferozes, com alto espírito de liderança e extremamente protetoras sobre si mesmas e suas irmãs clones – assim, o papel principal de Sarah acaba se auto justificando. A ligação entre as duas vai além da “clone que roubou o cadáver na estação”, pois Sarah começa a se perder mentalmente e, com as mesmas reações de Beth, busca auxílio nas drogas, no sexo e na ideia de suicídio. Ou seja, as fases de declínio e válvulas de escape de ambas as personagens se conectam de maneira sutil e desafiadora, traçando um paralelo interessante entre o passado e o presente. No entanto, Manning se mostra mais forte que sua antecessora no momento em que escuta Felix e não se suicida, provando, então, que é o clone mais controlado.

A entrada de MK e as aparições de Beth e Krystall – que começa a fazer parte do Clube dos Clones, porém de maneira indireta e divertida, acompanhando apersonalidade da personagem – prova, novamente, o incrível poder de atuação de Tatiana Maslany. A atriz criou uma química específica com cada personagem e parceiros de cena; a expressão de Helena e Doonie (Kristian Brunn) é totalmente diferente do que com Allison, mesmo quando Helena precisa se passar por Allison. O mesmo ocorre com Sarah e Felix (Jordan Gavaris), Allison e Felix, Cosima e Delphine (Evelyne Brochu) e muitos outros exemplos.

Depois de usar Helena excessivamente na temporada anterior, Graeme e John minimizaram o espaço da personagem e a inseriram sabiamente em pontos de tensão, relembrando o quão sangue frio nossa clone assassina pode ter quando suas “sestras” precisam de ajuda.

A quarta temporada também abriu espaço para dramas em torno de alguns personagens secundários com grande potencial, como Felix e Scott. Felix começa a ter sentimentos de abandono depois da revelação de que Sarah é realmente relacionada com Siobhan (Maria Doyle Kennedy), tornando-o o único filho adotado. Futuramente essa abertura poderia ser mais explorada, já que Maslany e Gavaris apresentam uma ótima relação em cena, gerando um enredo muito mais interessante do que Felix encontrando sua irmã biológica, totalmente desconexa a série, e despachando-a depois de alguns episódios.

Scott (Josh Vokey) teve poucas aparições, mas foram essenciais em despertar curiosidade sobre o que devemos aguardar de sua relação com Cosima, depois que ela claramente o ofende ao demonstrar que não o considera como parceiro de laboratório. John e Graeme jogaram com as expectativas dos fãs e esperaram o momento certo para confirmar e reviver a Dra. Cormier – o que certamente agradou aos admiradores do casal – e chamaram a atenção para esses sutis atritos de Scott e Cosima, abrindo a possibilidade dos três trabalharem em conjunto ou surtir mais brechas para dramas.

Como a quinta temporada será a última, talvez não dê tempo para a solução de tantos enredos abertos, pois além de Felix e Scott, ainda faltam explicações sobre as estranhas habilidades de Kira (Skyler Wexler) – como estar ligada a todos os outros clones –; a real identidade do mensageiro e quem são os outros habitantes da ilha de Dr. Moreau; como e o que Delphine fez em todo este tempo; Rachel fazendo parte da Neolution; o sumiço repentino de Cal (Michiel Huisman) e muitas outras questões. Levando em consideração que só restam dez episódios, os showrunners precisarão tomar decisões certeiras para amarrar a trama ou há a possibilidade de pontos serem pouco explorados e deixados em aberto novamente.

Pondo as suposições de lado, podemos nos contentar com os acertos e consertos da quarta temporada, que não só fez sentido com o que foi visto até agora – e onde paramos com os personagens – mas se preocupou com o espectador e o satisfez com alguns de seus anseios.