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Crítica | Dois Caras Legais

Shane Black é um nome que parece sempre prestes a explodir. Em seu roteiro de estreia, nos presenteou com uma das melhores franquias policiais de todos os tempos ao nos apresentar a Martin Riggs e Roger Murtaugh  com o primeiro Máquina Mortífera. Anos depois,  foi um dos responsáveis por trazer Robert Downey Jr do limbo com a divertida comédia Beijos e Tiros, e, curiosamente, retomou a parceria com o ator para entregar a aventura mais fraca do Homem de Ferro em 2013.

Mas o problema de Homem de Ferro 3 era simplesmente ser uma obra que não pertencia a Black, e sim à Marvel Studios, que não tem um histórico de colaborações criativas muito inspirador. Agora, Black retorna à sua zona de conforto do buddy cop com Dois Caras Legais, levando toda sua invejável verbarrogia e estilo para os anos 70.

A trama se inicia aos moldes de um bom noir, até lembrando a abertura do primeiro Máquina Mortífera. Uma famosa estrela pornô é encontrada assassinada em seu carro, com uma frase misteriosa ecoando por seus lábios antes de seu suspiro derradeiro. Então partimos para o detetive particular Holland March (Ryan Gosling), que explora clientes com casos fáceis que possam ser manipulados por si próprio. Do outro lado, temos o investigador Jackson Healy (Russell Crowe), que também atua de forma privada para resolver pequenos delitos de vizinhança. A improvável dupla se une quando o desaparecimento de uma jovem envolve o trabalho dos dois, levando a uma investigação que envolve o misterioso homicídio e uma rede que envolve toda a indústria de entretenimento adulto.

É uma história intrincada e que parece uma cria bizarra entre Chinatown e Boogie Nights, mas que se move com engenhosa habilidade. Black move as peças com eficiência e inteligência, tal como um bom thriller do gênero, mas sem nunca complicar demais para o espectador. Todas as reviravoltas que se desenrolam são instigantes e envolventes, ainda mais quando a personagem de Kim Basinger entra na jogada. Aliás, é pela simplicidade da resolução que todo o mistério agrada tanto, e também pelo gigantesco sarcasmo provocado ali.

Afinal, o grande atrativo da fita reside no carisma de seus dois protagonistas; convenhamos, nunca lembramos da história de Máquina Mortífera, mas sim de seus personagens. E Black acertou novamente com sua nova criação. Ryan Gosling faz de seu Holland March um policial completamente atrapalhado e fanfarrão, do tipo que grita como uma garotinha ao ver um corpo e consegue e audácia de se cortar e ir parar no hospital ao quebrar a janela do local onde invade – o fato de March ficar o resto da projeção inteira engessado é sensacional. Mas Black não transforma March em um mero estereótipo, oferecendo bons momentos em que o sujeito é capaz de um raciocínio lógico revelador e o sutil arco dramático que é bem representado por uma tatuagem em seu punho.

Já Russell Crowe oferece uma bússola mais estável à Jackson Healy, definitivamente atuando como o cérebro da operação, e também como a força bruta que é capaz de chutar alguns traseiros quando a situação lhe exige. Crowe se sai muito bem nessa performance mais sóbria, oferecendo um perfeito contraponto ao caráter mais estabanado de Gosling.

E muito se deve a Black, que parece ser um mestre em criar tiques para seus personagens. Por exemplo, notamos como os calçados de Healy se destacam dentre seu figurino mais imponente, quase como se o conforto fosse a preocupação número 1 de Healy, ao mesmo tempo em que é divertido apresentá-lo em seu apartamento com um calendário que traz uma “palavra nova” diariamente e sua curiosidade instantânea em apanhar o dicionário e conferir o significado – em uma cena que, de recompensa, nos oferece um rápido insight sobre seu passado.

Mas ainda que os dois protagonistas sejam incríveis, quem rouba absolutamente todas as cenas é a jovem Angourie Rice, que interpreta a filha de 13 anos de March. É mais um daqueles casos em que temos uma criança madura e que se sai incrivelmente melhor do que os adultos, mas Rice o faz com tanto carisma e ironia que é impossível não se divertir; a mera imagem de Rice mal enxergando o painel do carro enquanto dirige um Gosling acabado no banco de passageiros já é de um simbolismo incrível quanto à inversão de papéis dos dois. A maneira como a personagem afeta o arco de Healy é outra surpresa agradável, em mais um exemplo da habilidade de Black em amarrar toda as pontas de roteiro.

Como diretor, Black surge muito mais à vontade do que em Homem de Ferro 3. Sua mise en scene é elegante, os movimentos de câmera são eficientes e a paleta de cores que adota com o diretor de fotografia Philippe Rousselot abraça o aspecto vibrante dos anos 70 e valoriza o riquíssimo design de produção do longa. Minha única ressalva para a condução de Black fica em algumas sequências de tiroteio, que acabam se perdendo em uma montagem um tanto confusa e um ritmo que acaba se esgotando graças à extensa duração destas.

Dois Caras Legais é uma grata surpresa em um ano perdido em blockbusters falhos, reboots, continuações e uma enxurrada de filmes de super-heróis. Tal como acontecia no primeiro Máquina Mortífera, é o carisma divertidíssimo de seus protagonistas que garante uma obra memorável e com potencial de tornar-se algo especial.

Dois Caras Legais (The Nice Guys, EUA – 2016)

Direção: Shane Black
Roteiro: Shane Black, Anthony Bagarozzi
Elenco: Ryan Gosling, Russell Crowe, Angourie Rice, Kim Basinger, Matt Bomer, Margaret Qualley
Gênero: Comédia, Aventura
Duração: 116 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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