Crítica | As Tartarugas Ninja: Fora das Sombras
Provavelmente para o meu azar e definitivamente para a sorte de minha mãe, eu não entrei na febre consumista gerada pelo sucesso das Tartarugas Ninja. Mesmo tendo nascido em plenos anos 1990, o grupo de répteis ninjas nunca me despertaram grande fascínio ou curiosidade. Estava ocupado demais cuidando de meus Pokémons e assistindo religiosamente aos episódios do infindável Dragon Ball Z. Hoje, por mais que eu fosse desinteressado pelas aventuras reptilianas na infância, não consigo negar a audácia e espírito empreendedor de Kevin Eastman e Peter Laird.
O primeiro longa concebido na produção de Michael Bay após a compra da Nickelodeon sobre os direitos autorais do grupo ninja se aproximava do tom mais sombrio idealizado por seus corajosos criadores. Mesmo apostando em um público diferente, o filme foi um sucesso de bilheteria. Agora, a sequência abandona esses ares mais densos e aposta na pegada mais leve oferecida pelo seriado animado de 1987.
Com a prisão de Destruidor, as tartarugas mutantes Raphael, Michelangelo, Leonardo e Donatello aproveitam a vida noturna de Manhattan – ainda que escondidos no anonimato. Porém, logo esse período de tranquilidade é suspenso. O invasor alienígena Krang libertou Destruidor de seu encarceramento para que ele auxilie na construção do portal para a Dimensão X a fim de transportam sua máquina de guerra suprema para dominar o mundo. Além disso, os brutamontes geneticamente modificados, Rocksteady e Bebop, tornarão tudo ainda mais complicado.
Appelbaum e Nemec retornam com um roteiro menos deplorável do que apresentaram anteriormente. Aliás já é ótimo deixar claro que Fora das Sombras é um avanço em relação ao As Tartarugas Ninja de 2014 – porém isso não salva o novo trabalho dos recorrentes erros da dupla atrapalhada. Agora visando um público mais infantil, os autores parecem não se preocupar em oferecer boas soluções para os inúmeros problemas que criam visando inserir reviravoltas para injetar vida ao filme. Para reparar na “qualidade” dessas resoluções segue um exemplo: Casey intima um bartender a fornecer um GPS para localizar Bebop e Rocksteady. Como ele não colabora com seu pedido, Casey passa a destruir o bar até que ele ceda o dispositivo. Inacreditavelmente, o plano do vigilante dá certo. Ao longo do filme, outras soluções mais absurdas, fáceis, de cunho deus ex machina estão presentes.
Essas escolhas são dúbias demais por três motivos: tudo é muito previsível, tudo é muito clichê e tudo é muito preguiçoso. Isso atinge diretamente o trabalho com os novos personagens – principalmente Casey Jones, já que Bebop e Rocksteady sempre foram personagens de alívio cômico com desenvolvimento pífio até mesmo no seriado animado. A dupla mutante de capangas cumpre bem o seu propósito ainda que os roteiristas recorram, ocasionalmente, a piadas sem graça, escatologia e pouca ou nenhuma variedade de linhas de diálogo para os criminosos.
Com Casey Jones, a dupla arrisca elementos novos na história do personagem agora representado nas telonas como um policial impaciente que sonha em se tornar detetive, mas que mantém uma segunda vida como vigilante mascarado. Muito do núcleo pede bastante da suspensão da descrença, porém rende ótimos momentos cômicos em seus encontros com as tartarugas. Passado isto, há um interesse romântico com April, mas nada consegue elevar o personagem. É o equivalente a Rocksteady e Bebop do lado dos heróis, só que desprovido de carisma e interesse. A atuação de Stephen Amell, um dos piores atores da safra, não colabora em nada, mas é risível vê-lo contracenar com Megan Fox, outra atriz tão “boa” quanto Amell.
Felizmente, as tartarugas possuem muito mais tempo em tela trazendo um ótimo conflito que move um drama interno no grupo, ainda que seja inteiramente copiado de Shrek 2. Trata-se do velho dilema do ser ou não ser monstro, já que a gosma que energiza o portal de Krang tem a capacidade de reverter a mutação das tartarugas – algo que não faz muito sentido se pensarmos melhor. Logo, esse conflito tem relevância por abordar situações – muitas vezes forçadas, que tangem o preconceito, a intolerância, a honestidade, honra, liderança e integridade do grupo o que afeta diretamente Leonardo que é a única tartaruga que recebe algum desenvolvimento adequado para a história. Claro, tudo muito superficialmente tratado, mas exposto satisfatoriamente, afinal, é complicado esperar algo surpreendente em Fora das Sombras. Infelizmente, o conflito inteiro é redundante, a jornada não se conclui apropriadamente.
Já Destruidor, Krang, April O’Neil, Vernon e Baxter Stockman são personagens de uma nota só. Não há nada que salve, incluindo a atuação bem medíocre do elenco “humano”. Só Tyler Perry salva com bons momentos de comédia e caricatura.
Na direção, por nossa sorte, sai Jonathan Liebesman, entra o desconhecido Dave Green. Assim como Liebesman, Green mimetiza os vícios de Michael Bay. A diferença mesmo se encontra no tom cômico, caricato e infantil que o longa assume. O diretor mexe bastante a câmera, optando por alguns planos sequência logo no primeiro ato – um desperdício aliás, já que a ação de combate só vem a partir da metade do filme. Algo que ele mantém e que continua bizarra é a movimentação das tartarugas que sempre se movimentam com acrobacias radicais. Aparentemente, é impossível para elas andarem no simples passo de tartaruga.
A ação, em grande parte, também é boa e diverte bastante. Mesmo que ele utilize muitos instrumentos bizarros ou que não casam com a continuidade da cena, consegue montar a sequência de modo que o espectador entenda perfeitamente o que se passa na tela. Todavia, todo o cuidado em organizar uma boa sequência some quando o clímax da obra chega. Investindo muito pesado no CGI e com vários elementos acontecendo entre as lutas corporais das tartarugas, é praticamente impossível compreender as coreografias.
O único elemento técnico artístico que pode comprometer é a trilha musical de Jablonsky, o compositor mais desonesto de Hollywood. Quando suas composições não copiam seus trabalhos anteriores de Transformers, plagia o trabalho de outros profissionais. Antes, seu alvo favorito era Hans Zimmer. Agora, é Junkie XL. Em algumas das cenas de ação, é impossível não notar que Jablonsky está copiando descaradamente os ritmos frenéticos da trilha de Mad Max. Com isso, não é só o roteiro que consegue ter seus momentos de vergonha alheia...
Não há muita coisa que sustente esse As Tartarugas Ninja: Fora das Sombras. É um filme bem banal, clichê, previsível e bastante irrelevante, mas que funciona bem como entretenimento fácil e divertido. A ação, em sua maioria, é boa e os efeitos visuais devem agradar. Os problemas, como de costume, se concentram mais no roteiro que burocratiza demais uma narrativa simples oferecendo soluções e desenlaces ainda mais frágeis. Certamente não é o filme que os fãs do quarteto mutante de tartarugas ninjas renascentistas tanto clamam, mas é uma obra que pode se revelar um prato cheio para uma nova geração de crianças.
Crítica | O Sangue dos Elfos - A Saga do Bruxo Geralt (Livro 3)
Após escrever dois livros de compilação de contos sobre o bruxo Geralt de Rívia, Andrzej Sapkowski partiu para um território técnico inexplorado na saga até então: um romance completo. Depois de ler os contos, importantíssimos para entender a história de O Sangue dos Elfos, é muito improvável que restem dúvidas do talento e criatividade de Sapkowski em criar universos fantásticos e épicos repletos de histórias rápidas, cativantes e muito divertidas.
A qualidade apresentada em O Último Desejo e A Espada do Destino é tão monumental que deixaria qualquer leitor ávido para ler mais sobre as aventuras de Geralt. Porém, já tinha receios enquanto essa primeira empreitada de Sapkowski nos romances, afinal contos de pequenas narrativas são muito diferentes de uma aventura que engloba um livro inteiro.
Em parte, meus medos se confirmaram com O Sangue dos Elfos. Incluindo o maior deles: o autor não consegue fazer a narrativa fluir como se deve. Até chegarmos na trama principal do livro, temos que aguentar cinquenta páginas sobre a batalha de Cintra e uma trova de Jaskier – o Dandelion dos games, para um grupo multiétnico intolerante entre si. Esse capítulo de Jaskier tem dois propósitos: demarcar para o leitor como a região de Teméria é fragmentada – semelhante à Europa da Idade Média, e de resumir os contos anteriores para que o leitor de primeira viagem não fique tão perdido com a narrativa.
Quando enfim a narrativa engrena, descobrimos que um grupo está caçando Ciri, a garotinha prometida pelo Destino a Geralt. Como os dois estão juntos em Kaer Morhen, fortaleza decrépita dos bruxos, Geralt terá de protege-la e treiná-la para se preparar para o pior. Porém essa rotina subitamente muda com a chegada da feiticeira Triss Merigold, antigo caso amoroso de Geralt, que pretende levar Ciri para treinar feitiços já que ela possui o cobiçado sangue antigo, o sangue dos elfos.
Quem leu as narrativas anteriores notará logo nos primeiros capítulos como Sapkowski se atrapalha na estrutura do livro. Os capítulos não se comportam como verdadeiros trechos contínuos de uma história só, mas sim como episódios – assim como nos contos. A diferença é que os “contos” não se fecham por si só, mas contribuem para uma grandiosa narrativa de múltiplos protagonistas. Logo, o leitor é onisciente com todos os planos e acontecimentos que ocorrem em Teméria, seja no pequeno escopo com Geralt ou nos grandes plots cínicos envolvendo uma reunião chatíssima dos diversos reis do território que se vem obrigados a colaborar entre si para deter os avanços do exército de Nilfgaard.
Entre os sete capítulos, notamos as embasbacantes diferenças de qualidade que eles carregam entre si. Na verdade, há somente dois que são verdadeiros testes de paciência de tão chatos e burocráticos: o que acompanha a reunião dos reis do Norte e outro que traz a reunião dos magos e feiticeiras do Capítulo das feiticeiras. De modo curto e grosso, são um porre. Ambos têm objetivos similares e chegam nas mesmas conclusões depois de muitas páginas de diálogos pacatos. É o pontapé inicial para a narrativa de grande escopo que Sapkowski pretendeu fundamentar com O Sangue dos Elfos. Os dois núcleos tramam na captura de Ciri.
Caso aguente superar esse miolo morfético do livro, o leitor é recompensado com as boas histórias envolvendo Ciri e Geralt que agora se torna coadjuvante de sua própria história. O melhor “conto” envolve a rotina de Ciri e seus treinamentos com Eskel e Geralt. Nesse capítulo, diversas características novas são apresentadas para os personagens, principalmente para Triss Merigold que recebe contornos muito marcantes em seu conturbado relacionamento com Geralt. Diálogos impagáveis envolvendo a biologia feminina e o constrangimento que essa causa nos bruxos fazem o capítulo brilhar nos arrancando boas risadas.
Porém, é trata-se de uma jornada mais sombria que as anteriores. Os constantes pesadelos de Ciri envolvem todos os personagens em um bom drama, assim como as palavras não ditas entre Triss e Geralt – sempre apaixonado por Yennefer. A adição dos outros bruxos certamente é bem-vinda. Coen, Eskel, Lambert e o velhaco Vizimir trazem o alívio cômico e informações necessárias para deixar a mitologia desse universo ainda mais rica.
Depois, acompanhamos uma jornada longa até Oxenfurt com Geralt, Ciri e Triss unindo forças com a trupe do anão Yarpen Zigrim, também um personagem explosivo de alívio cômico que torna a aventura um pouco mais leve. Apesar de ser uma narrativa bem melhor do que os outros capítulos burocráticos, após um tempo, também se torna um tanto enfadonha. Mas também serve para agregar mais conhecimento sobre a história de Teméria e seu longo conflito com os elfos, agora reunidos numa gangue chamada Scoia’tael e sua conexão com Ciri. Logo, é um capítulo funcional, mesmo se comportando como um filler de narrativa.
Quando finalmente chegamos à Oxenfurt, a narrativa se separa entre Geralt que concentra seus esforços em encontrar o mago Rience que também procura por Ciri. No geral, o capítulo também é parado, com pouco destaque para Geralt. O capítulo é abarrotado de personagens, novos e antigos, como Jaskier, Phillipa Eilhart, Shani e o espião Dijkstra. Ao clímax, finalmente o leitor ganha o payoff esperado com bastante ação e magia, porém a história com Rience não tem conclusão. Tudo termina em um flácido e inexpressivo cliffhanger.
No fim, voltamos a acompanhar o ponto de vista de Ciri, agora morando no orfanato de Neneke em Ellander. Ela aguarda por Geralt, mas sabe que ele está em busca dos grupos que querem matá-la. Já avisada que estudaria magia com Yennefer, ela espera pela chegada da feiticeira. O retorno da personagem com arome de lilás e groselha é um dos pontos altos do livro. Adiciona bastante comédia e o dinamismo necessário para salvar o capítulo.
Ler como Cirilla aprende a se tornar feiticeira, a se comunicar na língua antiga enquanto tenta preservar o treinamento de bruxa ensinado por Eskel e Geralt mantém nosso interesse ativo. Nisso, já com seus 13 anos e se tornando cada vez mais bela, é curioso como Sapkowski cria os diálogos com Yennefer, uma feiticeira que se mantém bela graças ao uso da magia. Então temos diversos diálogos das duas conversando sobre sexo, virgindade e principalmente de Geralt.
Como as duas personagens são extremamente marcantes e cáusticas, o último capítulo do livro se revela também o melhor. Mas também apresenta o maior porém do romance inteiro. Ao contrário de grandes escritores de sagas gigantes como Tolkien e J.K. Rowling, Sapkowski não oferece nenhuma conclusão para a aventura fundamentada aqui.
Absolutamente todos os pontos que ele inicia não possuem desfecho. Ciri parte com Yennefer para o incerto, a última vez que vemos Geralt, ele está ferido sob os cuidados da feiticeira nada confiável Phillipa e o mistério com Rience permanece aberto. O livro inteiro é um gigante capítulo para O Tempo do Desprezo, quarto livro da saga do bruxo.
Para quem já leu os excelentes livros de contos que são absolutamente necessários para entender O Sangue dos Elfos, admito que talvez seja uma narrativa bem enfadonha que não se assemelha com as proezas de escrita que Sapkowski havia apresentado antes. Fica a promessa de que o quarto livro apresente conclusões e não crie ainda mais pontas soltas para essa aventura apresentada aqui. Já para o leitor de primeira viagem, o melhor caminho ainda é começar pelo início da grandiosa saga.
Nota: ★★★½
Crítica | Sobrenatural: A Origem
Acho uma doçura quando o destino nos dá um tapa de luva de pelica. Equivocadamente, disse que os filmes de terror que chegam aos cinemas já não conseguem mais surpreender, sustentando-se em artifícios baratos e preguiçosos para provocar o medo e o susto. Porém, com a chegada do novo capítulo da franquia Sobrenatural, notei que fui duro com a crítica ao Terror no texto de A Forca. O novo Sobrenatural tem o potencial de ser o melhor filme de terror do ano.
Abalada psicologicamente com a morte de sua mãe, Quinn Brenner procura a médium aposentada Elise Rainier afim de obter ajuda em sua obsessão em tentar se comunicar com o espírito de sua mãe. Elise, aceita ajudar a garota, mas logo desiste após descobrir que espectro maligno ronda a menina. Ela avisa a Quinn para parar de tentar se comunicar com espíritos, pois todos eles podem escutar.
A garota, ainda obstinada e intrigada com o que a médium havia avisado, insiste no erro ao tentar se comunicar por conta própria com sua mãe. Ao fazer isso, o espírito maligno que está em seu encalço se fortalece e passa a assombrar a garota com mais intensidade, chegando a machucá-la fisicamente. Agora, Quinn completamente assustada e sentindo que sua vida está em perigo pede para que seu pai, Sean, tente convencer Elise a ajudá-la a se livrar da assombração.
Leigh Whannell finalmente teve seu momento de brilhar. Desde Jogos Mortais, firmou parceria com o diretor sensação James Wan. Enquanto Wan dirigia, Whannell ficava encarregado pelos roteiros. Isso aconteceu também nos dois primeiros filmes da trilogia Sobrenatural.
Agora, com Wan entupido de projetos até 2018 e praticamente sem tempo para dirigir projetos menores, Whannell teve seu momento de glória e pôde, enfim, dirigir seu primeiro filme.
Mesmo sendo fã do trabalho de James Wan, admito que a mudança de ares na direção da franquia foi muito bem-vinda. Inclusive, rejuvenesceu o formato. Até mesmo no roteiro Sobrenatural: A Origem é muito mais denso que os filmes anteriores.
Por se tratar de um prequel, cronologicamente na temporalidade da franquia, este longa se passa antes dos outros dois. Logo, Whannell, também roteirista, teve a oportunidade de trabalhar mais com a melhor personagem da franquia: Elise Rainier – vivida pela magnífica Lin Shaye que parece ter encontrado o papel de sua vida.
Aqui, somos apresentados a um backstory rico para Elise. Seus relacionamentos, o motivo de sua aposentadoria e retorno à profissão. O roteirista também não decepciona em proporcionar uma história interessante com bons momentos, além de conectar com as tramas dos outros filmes de modo competente.
Whannell continua o trabalho que é o ponto-chave de Insidious divergir tanto em qualidade se comparado a outros filmes de terror abissais que tem chegado aos cinemas vide A Forca e Poltergeist. Trata-se da densidade da história. Ele se preocupa em criar uma mitologia única para esses filmes. Há sempre o núcleo familiar, satisfatoriamente desenvolvido, aliado à assombração e a chegada dos paranormais. Esta fórmula praticamente não se esgota pois foram retrabalhadas nos três filmes. Há sempre elementos novos e relevantes em cada um deles.
Aqui a principal característica é o luto da perda de um ente querido. A dificuldade em aceitar a tristeza. Além do confronto dos medos. O legal é notar que o trio de personagens principais possuem motivações únicas e recebem um cuidado peculiar para cada um – além de Elise e Quin, o fantasma maligno que serve como antagonista é bem trabalhado no final do filme.
Mesmo possuindo um texto tão bom, Whannell não consegue se livrar de algumas falhas. Alguns personagens só servem de muleta para justificar alguma tensão ou lançar clichês. Repare que assim que eles cumprem seus papéis narrativos, somem do filme sem alguma explicação. Isso acontece com os vizinhos de Quinn e sua melhor amiga. Seu pequeno irmão é ainda mais irrelevante para o filme – apenas é uma ponte para a dupla de caça-fantasmas.
Assim como nos outros longas, os piores personagens continuam sendo os caça-fantasmas, Specs e Tucker, que até agora só servem como alívio cômico – passou da hora de serem melhor trabalhados. Além disso, o filme soluciona rapidamente seu clímax com o uso de deus ex machina, porém, como o universo trabalhado permite o uso “racional” do macete, não é algo condenável. Mas o maior problema se concentra no final – a fala de Elise praticamente contradiz o que ela havia dito a Quinn no começo do filme.
Já na direção Whannell mostra-se alguém competente e bastante distinto de James Wan – que aliás, faz uma ponta como ator. Enquanto o malaio enche suas cenas com diversos planos, usa muitos adereços de cena “aterrorizantes” e aposta mais em jump scares, Whannell é mais sutil, aposta na encenação elaborada e destina boa parte do tempo para desenvolver a história. Não entro no mérito de quem dirige melhor – os dois se provaram bons cineastas.
Whannell constrói cenas simplesmente fantásticas como o plano sequência que sai da janela de um apartamento para a rua e vice-versa ao mostrar um suposto suicídio – essa é apenas uma cena das diversas que possuem encenações originais. Outro trabalho que já era bem explorado com Wan, foi aprimorado aqui: as boas transições entre o mundo imaterial e o real. O trabalho com pontos de vista e de escuta é sempre muito interessante.
Aliás, por um milagre, este é o primeiro Insidious que não vira uma palhaçada em seu terceiro ato. O terror se sustenta, a seriedade permanece. Agrego isso à direção de Whannell. O terror é bem construído, se baseia mais na atmosfera de tensão crescente e perigo do que o horror propriamente dito. O terror se concentra na criatura e na ambientação muito competente criada pelo design de produção e fotografia. O diretor aposta mais em deixar o espectador apreensivo com diversas sugestões e jogos de cena inteligentes do que construir os sustos baratos e idiotas que permeiam diversos filmes do gênero.
O diretor apenas peca na dosagem da música em cena da trilha musical de Joseph Bishara. Isso só se agrava no terceiro ato, durante uma perseguição em que a música preenche a cena chegando a destoar da imagem em si. Aliás, sempre o senso de urgência dessas cenas colabora para piorar o filme, afinal é possível utilizar a mesma tensão com encenações diferentes, mais voltadas para o suspense, utilizando apenas o silêncio e ambiência – algo que já se provou muito eficiente para causar medo.
Sobrenatural: A Origem é um ótimo filme de terror voltado mais para o suspense chegando a virar um drama relevante em seu terceiro ato. Caso você procure um filme que vise somente a te assustar com jump scares, sinto muito, mas este longa não é para você. Certamente será uma experiência frustrante e monótona. Agora, se realmente se importa com suspense, boa história e densidade narrativa, encenação inteligente, atmosfera medonha, boas atuações e um belo final, recomendo que dê uma visita ao cinema mais próximo de sua casa. Os fãs da franquia não devem deixar de assistir, pois este é um filme acima da média.
Sobrenatural: A Origem (Insidious: Chapter 3, EUA/Canadá – 2015)
Direção: Leigh Whannell
Roteiro: Leigh Whannell
Elenco: Dermot Mulroney, Stefanie Scot, Angus Sampson, Leigh Whannel, Lin Shaye, Tate Berney, Michael Reid MacKay, Steve Coulter, Hayley Kiyoko, Corbett Tuck
Duração: 97 min
Crítica | Poltergeist: O Fenômeno (2015)
Depois da Warner ressuscitar Mad Max na semana passada, a Fox e a MGM resolveram dar nova vida para o cult Poltergeist. Filme de 1982 dirigido por Tobe Hooper e produzido por Steven Spielberg. Porém, enquanto a Warner e George Miller obtiveram sucesso com o novo Mad Max, tudo falha miseravelmente neste novo Poltergeist: O Fenômeno.
A história segue a linha do original. Uma família se muda para uma casa nova onde estranhas assombrações acontecem após fixarem residência. Entretanto, tudo se complica quando a filha caçula é sequestrada pelos espíritos malignos da casa para o plano sobrenatural. Sem entender o que acontece na casa, a família procura um grupo de paranormais para ajudar a trazer sua filha de volta.
O Poltergeist original já não é um ótimo filme, porém obteve sucesso na época chegando a ser indicado para 3 Oscar. Este novo Poltergeist consegue ser pior que o original em praticamente todos os aspectos, principalmente no roteiro.
O texto de David Lindsay-Abaire é extremamente inconsistente. Ele investe tempo em um drama a respeito do desemprego e as dificuldades financeiras que atingem a família Bowen principalmente o pai, Eric – interpretado com competência por Sam Rockwell. E também na incrível fobia de tudo que o menino Griffin sente. Esses dois pequenos arcos servem para deixar o roteiro mais denso, mesmo que os outros personagens sejam completamente clichês e derivados. Entretanto, esses draminhas não servem absolutamente nada para a narrativa, já que o roteirista desiste de praticamente todos eles do meio para o fim do filme – o que torna ainda mais evidente o desinteresse do autor pelo filme.
Não bastasse isso, a história tem uma progressão bem medíocre. A única coisa nova que Abaire e Gil Kenan, diretor dessa bomba, propõe é a interação dos fantasmas com novos objetos eletrônicos como smartphones, aparelhos inexistentes em 1982 – algo que considero tão inútil quanto obrigatório para qualquer um que estivesse no comando dessa refilmagem.
Entretanto, o pior de tudo é que Gil Kenan tem poucos vislumbres criativos – pouquíssimos. Dirige o filme todo no piloto automático. E, pior, consegue formatar sua linguagem cinematográfica para o padrão de filmes televisivos. Isso nem o filme de 1982 tinha, porém é algo estarrecedor que um filme feito para o cinema, logo em 2015, tenha roupagem de filme de televisão. Isso acontece por conta dos enquadramentos pobres, muita câmera parada e decupagem simplória.
Kenan erra o tom do filme em praticamente todas as cenas. Tudo é apressadíssimo e espalhafatoso. A construção da tensão gerada por figuras clássicas como o palhaço e a árvore são resolvidas em pouquíssimas cenas. Porém, o mais deplorável, é mistura de horror e comédia que Kenan propõe aqui. Simplesmente não funciona. As piadas são toscas, beirando o pastelão, e quebram a raríssima tensão que ele consegue construir entre uma cena e outra. Além disso, Kenan não consegue aterrorizar ninguém. Apenas alguns sustos gratuitos gerados pela edição rasteira.
Não só a direção esquizofrênica e o protótipo de roteiro são responsáveis por enterrar o filme, o design de produção praticamente faz questão de minar toda a proposta do roteirista a respeito das dificuldades financeiras que a família Bowen vive. Quase declarando falência, a família ostenta diversos televisores de última geração, traquitanas diversas, uma SUV da Dodge – ou duas, a casa inteira é decorada com equipamentos de custo razoável, etc. É simplesmente muito esquisito que uma família americana tenha tantos problemas bancários com essa diversidade de luxo, principalmente em um país onde é comum as feiras de garagem para quitar dívidas e etc. Fora isso, durante uma cena que apresenta a ideia, tanto idiota quanto interessante, sobre o uso de um drone, o espectador é apresentado para uma amostra de como não fazer efeitos visuais. Tudo aparenta um visual cartunesco, borrachudo, enfim, brega.
Talvez o único departamento que faz um belo trabalho seja o de fotografia. O cinematografista Javier Aguirresarobe ornamenta uma luz que faz referência direta ao filme de 1982 misturando as tendências do uso de luz difusa predominante nos filmes atuais. Finalmente a maldita luz estroboscópica que era tão tosca no original ganha relevância e justificativa diegética na versão de 2015 – além de ser muito bem trabalhada, é claro.
Poltergeist – O Fenômeno não apresenta nada de novo para o gênero. Trabalha com clichês em tudo, seja nos personagens ou nas situações, e ainda por cima consegue destruir todo o argumento que lançaria alguma complexidade para esta nova versão. A história não compensa graças a seus diversos furos, a direção não compensa, nada realmente compensa a sua ida ao cinema para ver essa bizarrice. É difícil compreender porque raios permitiram uma refilmagem tão porca como essa, sem nenhum respeito pela obra original. A única coisa que vem à minha cabeça é que realmente quiseram elevar o Poltergeist de 1982 para o estado de arte. Parabéns, conseguiram, pois, comparar qualquer filme sério com isso daqui é complicado. No final das contas, o novo Poltergeist sempre será assombrado pelo sucesso do filme original.
Uma lástima, pois tinha muito potencial para explorar novos arredores desta franquia tão querida e polêmica para o cinema.
Crítica | Mais Forte que o Mundo
Quando 2 Coelhos estreou em circuito comercial em 2011, tanto a crítica quanto o público começaram a prestar atenção no diretor Afonso Poyart, cujo estilo remetia aos cinemas de Guy Ritchie e Quentin Tarantino. Driblando com criatividade um orçamento apertado e desafiando as convenções do cinema brasileiro, que ainda hoje parece temer incursões assumidas no cinema de gênero, o jovem cineasta impressionou pelo uso bem dosado de cultura pop, efeitos especiais, movimentos de câmera inventivos e uma narrativa que brincava com os clichês dos filmes de ação. O sucesso do projeto o catapultou para Hollywood, onde dirigiu o thriller Presságios de um crime, com direito a um elenco estelar que incluía Anthony Hopkins e Colin Farrell. Embora seja um grande salto na carreira, segundo o próprio Poyart, ele teve muito menos liberdade por conta do controle dos produtores americanos, algo que é de fato visível no filme, bem mais contido e convencional que sua estreia na direção.
Talvez isto explique algumas escolhas estéticas adotadas em Mais Forte que o Mundo,cinebiografia do lutador José Aldo que marca o retorno do diretor às produções nacionais, onde, obviamente, encontrou mais liberdade criativa. Talvez até demais.
É importante enfatizar o quão louvável é a proposta de Poyart, que busca oferecer ao público algo diferente, não se conformando com os limites imaginários que nossos cineastas invariavelmente impõem a si próprios. Por este prisma, pode-se dizer que se boas intenções fossem garantia de um bom filme, Mais Forte que o Mundo decerto faria por José Aldo o que Touro Indomável fez por Jake Lamotta. Mas não é o caso.
Da precária vida que levava nas periferias manauaras até o reconhecimento como um dos maiores lutadores de MMA, o filme retrata a trajetória do protagonista através de um frenesi que beira o absurdo. Se no início, quando o foco são os conflitos familiares de Aldo, os incontáveis planos por cena e a montagem fragmentada parecem justificáveis, a partir do segundo ato fica claro que o longa-metragem padece de um grave problema de tom.
Antes mesmo da primeira hora, a experiência de assistir ao filme se revela exaustiva. Cenas onde os personagens simplesmente conversam são filmadas com o maior número de ângulos possível, e, na dúvida de qual usar, a montagem opta por inserir frações de cada um deles. E que fique claro: não se trata de eufemismo.
Seja porque as descobriu ali, no set, e se deslumbrou além da conta, ou porque recebeu algum tipo de patrocínio (ou ainda para pagar alguma promessa, vai saber), Poyart insere tomadas realizadas com GoPro a todo instante e nos lugares mais inusitados – e desnecessários. São momentos que mesclam estranhamento e constrangimento, em um fluxo narrativo confuso e inconveniente. Os raros momentos de trégua deste compasso desvairado acontecem por meio de sequencias em câmera lenta que, por mais visualmente belas que sejam, atestam o quão descabido é a abordagem dada a história. Até mesmo as lutas dentro do ringue perdem o impacto, resultando em um final anticlimático.
E mesmo que o roteiro tenha boas ideias, como evitar ao máximo retratar Aldo como um sujeito infalível e exemplar, o tratamento histérico dado pela direção as desperdiça, assim como o faz com o ótimo elenco. Não importa o quão bem Cleo Pires, Claudia Ohana, Jackson Antunes e Milhem Cortaz defendam seus personagens, já que suas performances são mutiladas e perdem a fluidez na turbulenta montagem.
Talvez o único ileso do grupo seja José Loreto, com sua admirável transformação física. Presente em praticamente todas as cenas, o jovem ator mergulha de cabeça nos conflitos do impetuoso Aldo e impressiona pelo comprometimento.
Contudo, nada chega a redimir o caos narrativo. A impressão que fica é que Poyart se vale do projeto como cobaia de suas brincadeiras estéticas, não se importando muito se são oportunas para aquela história. E nesse sentido o diretor se afasta da malandragem inofensiva de Ritchie e Tarantino, e acaba por se assemelhar mais com Zack Snyder e Michael Bay, cujos filmes são meros pano de fundo para seus cacoetes juvenis tidos por seu fandom como “estilo”. Definitivamente, equivalentes como estes, nosso cinema dispensa.
Texto escrito por Lucas Procópio
Crítica | O Hobbit: Uma Jornada Inesperada
A primeira coisa que as pessoas me falam quando admito a elas não ser fã de O Senhor dos Anéis é “Mas você precisa admitir que os efeitos da produção são ótimos”. Admito isso sem medo, pois enxergo plenamente a qualidade técnica da trilogia comandada por Peter Jackson e até simpatizo com toda a mitologia criada em torno do Um Anel, mas meu problema é que simplesmente não me encanto com o gênero de Terra-Média (não como a ficção científica, por exemplo). O Hobbit: Uma Jornada Inesperada apresenta grandes avanços tecnológicos, mas ainda não conseguiu me seduzir pelo universo de J. R. R. Tolkien.
A trama é ambientada antes dos eventos da Trilogia do Anel e acompanha o jovem hobbit Bilbo Bolseiro (Martin Freeman) embarcando em uma aventura com o mago Gandalf (Ian Mckellen) e uma companhia de 13 anões (não vou citar todos os nomes, porque não lembro de nenhum) para reinvindicar uma terra roubada pelo poderoso dragão Smaug (Benedict Cumberbatch).
Para aqueles que (dificilmente) não sabem, Uma Jornada Inesperada é a primeira parte de uma nova trilogia. E são nada menos do que três filmes para servir de adaptação a um único livro, a primeira ingressão de Tolkien no universo que logo se expandiria monstruosamente em mais quatro obras. Fica claro ao longo dos 169 minutos de projeção do longa que Jackson e seus roteiristas não tinham muito material para sustentar uma trama que encosta nas 3 horas. Não é uma questão de o quão fiel o filme consegue ser ao livro, é pura questão de ritmo.
Para não acharem que é marcação minha com a saga, tomemos como exemplo A Sociedade do Anel (filme que adoro, independente de minha descrença no gênero), que é muito mais filme que O Hobbit. Sua duração é mais extensa e, ainda assim, consegue desenvolver muito mais sua história e seus personagens. Claro que o filme de 2001 adapta o livro inteiro, ao passo em que o deste ano só se concentra em 1/3 da obra (e até apêndices, pelo que li) e com todo o tempo disponível, a equipe criativa o desperdiça miseravelmente.
O que fazem os personagens de O Hobbit durante quase três horas? Caminham e pouco, muito pouco, de relevante acontece. Jackson erroneamente aposta em cenas dramáticas onde o protagonista enfrenta a morte (de que adianta o drama, se logo nos segundos iniciais o vemos envelhecido preparando-se para contar a história?) e todas as situações de perigo são resolvidas praticamente da mesma forma, aumentando a repetição e estendendo a narrativa sem necessidade. Fica a impressão de que se Jackson tivesse se preocupado mais com o rumo da trama do que em fazer conexões com a trilogia original, Uma Jornada Inesperada poderia ter resolvido muito mais rápido; mas ao mesmo tempo, tais momentos são alguns dos melhores do longa (como a dicussão com os três trolls, que é divertidíssima, mas inútil em termos de história) e impossível não arrepiar quando o diretor traz uma referência visual muito clara com um dos planos mais famosos de A Sociedade do Anel.
Mas se O Hobbit falha como narrativa, acerta pela inovação.
Você deve ter ouvido muito falar do tal 48 FPS de O Hobbit. História longa abreviada, trata-se de um recurso que possibilita a visualização de imagem mais nítida, realista. Os filmes que vemos habitualmente no cinema são exibidos em 24 frames por segundo, logo o dobro de quadros permite que o olho humano enxergue um número maior de imagens. O resultado é claramente perceptível na tela: as cenas movem-se com impressionante nitidez e sua resolução é de uma definição impecável . Em diversos momentos, há um certo estranhamento pela velocidade (tem se uma impressão de que o projetor acionou o modo “fast foward”), mas logo o espectador se acostuma.
Ganham pontos com isso as deslumbrantes locações e visuais que Peter Jackson habitualmente confere às suas produções. Sejam digitais ou reais, todos os cenários são maravilhosamente retratados pela equipe, seja na toca aconchegante de Bilbo (cuja fotografia de Andrew Lesnie sempre lhe confere acertados tons quentes) ou na sombria caverna onde testemunhamos a primeira aparição do icônico Smeágol. E se na trilogia original o trabalho de captura de performance de Andy Serkis já era ótimo, aqui ele é ainda mais realista e palpável, sendo possível enxergar claramente as feições de seu intérprete.
Com Martin Freeman extremamente carismático como Bilbo e Ian Mckellen divertidíssimo como Gandalf, O Hobbit: Uma Jornada Inesperada inicia de forma lenta e maçante a nova trilogia de Peter Jackson, e fica níveis abaixo da trilogia do Anel. Com três filmes para um livro, torcemos apenas que os próximos tenham uma história que de fato sustente sua longa duração.
O Hobbit: Uma Jornada Inesperada (The Hobbit: An Unexpected Journey, EUA/Nova Zelândia – 2012)
Direção: Peter Jackson
Roteiro: Fran Walsh, Philippa Boyens, Peter Jackson e Guillermo Del Toro, baseado na obra de J.R. Tolkien
Elenco: Martin Freeman, Ian McKellen, Richard Armitage, Benedict Cumberbatch, Andy Serkis, Elijah Wood, Aidan Turner, Hugo Weaving, Christopher Lee, Cate Blanchett, Luke Evans, Lee Pace
Gênero: Aventura
Duração: 169 min
https://www.youtube.com/watch?v=9PSXjr1gbjc
Crítica | O Vingador do Futuro (2012)
Ser cinéfilo jovem na sociedade atual traz um dilema curioso quanto à remakes: assistir o novo ou o original primeiro? É certo que cada obra é um reflexo de sua época, mas sempre busquei a primeira opção. Com O Vingador do Futuro optei por encará-lo como um longa novo, sem assistir ao filme dirigido por Paul Verhoeven, e o resultado foi medíocre de qualquer forma.
A trama é inspirada pelo conto We Can Remember It for You Wholesale de Phillip K. Dick, e traz um futuro distópico/cyberpunk onde o operário Doug Quaid (Colin Farrell) sofre com sonhos misteriosos e um crescente sentimento de inutilidade. Sua vida é radicalmente alterada quando este se envolve no programa Rekall, que fornece memórias ao gosto de seu cliente. Acho que seria spoiler revelar mais do que isso.
Primeiramente, já entrei na sessão do filme receioso ao saber que Len Wiseman comandaria o projeto. O medíocre diretor da franquia Anjos da Noite (e também de Duro de Matar 4.0, seu único acerto) continua mostrando-se um “cineasta” descontrolado e previsível, decepcionando até nas monótonas cenas de ação (reparem que em todas elas, em algum ponto, um dos personagens salta dramaticamente de um nível mais alto até atingir o solo). Wiseman também é muito orgulhoso de seu casamento com Kate Beckinsale, já que insere diversos planos com o posterior da atriz como, se quisesse dizer: “Vejam só como minha esposa é gostosa!”.
E é lamentável ver (pela enésima vez) o belo design de produção do filme ser desperdiçado. Os cenários de Patrick Tatopoulos tomam referências de Blade Runner ao retratar a decadência da Colônia (constantemente castigada pela chuva, como no filme de Ridley Scott) e da estética clean de Minority Report e Eu, Robô nos arranha-céus e veículos da F.U.B. O resultado fica espetacular na tela, mas a fotografia de Paul Cameron exagera nos flares (alguém, por favor, me explique a função narrativa dessas luzes inúteis).
Quanto à história, basta dizer que ela poderia ser melhor se ousasse mais. Lembrando mais uma vez de que não assisti ao filme original, mas este parece mais um A Identidade Bourne futurista, com um agente secreto (!) incrivelmente bem treinado (!!) lutando para descobrir seu passado (!!!). Por um breve momento o longa poderia ter seguido um caminho muito interessante, quando Doug questiona se o que está acontecendo é de fato realidade ou uma fantasia proporcionada pelo Rekall. Os roteiristas poderiam ter entrado na questão da ambiguidade, mas isso requeriria que o espectador usasse mais de sua inteligência, que consequentemente, notaria a exiguidade da trama.
Trazendo um elenco que funciona (mas que não surpreende), O Vingador do Futuro teria sido fascinante se recorresse mais à ficção científica do que às genéricas cenas de ação. O lado positivo é que provavelmente aproveitarei mais o filme com Arnold Schwarzenegger, já que não pode ser pior do que a nova versão.
Crítica | 007 - Operação Skyfall
Tendo sua estreia nos cinemas em 1962 com Dr. No, o agente secreto James Bond comemora 50 anos de sua franquia cinematográfica e, nesse espaço de cinco décadas, muita coisa tem mudado. Adaptando-se para sobreviver, Cassino Royale transformou radicalmente o personagem em 2006 ao lhe oferecer uma abordagem realista e dispensar os elementos fantásticos que tornaram-se sua assinatura. Entra o premiado diretor Sam Mendes para continuar o legado e, nesse processo, acaba por reinventar (novamente) a franquia de forma brilhante em 007 – Operação Skyfall.
Tendo uma trama muito mais pessoal e centrada do que os longas anteriores, Skyfall começa quando o MI6 falha em uma importante missão na Turquia, tendo a identidade de seus agentes vazada na internet e seu quartel-general destruído. Buscando a identidade do misterioso agressor, James Bond (Daniel Craig) é enviado para neutralizá-lo, mas descobre que a missão tem uma significante relevância com o passado de sua chefe, M (Judi Dench).
O vigésimo-terceiro filme da série é, de fato, muito especial. Escrito por Neal Purvis, Robert Wade (esses já familiarizados com a franquia desde O Mundo Não é o Bastante, de 1999) e John Logan (indicado 3 vezes ao Oscar) o roteiro mergulha fundo em seus personagens, e aventura-se ao explorar de forma mais dramática a relação entre alguns deles. Bond e M, principalmente, têm mais detalhes revelados e nunca antes aprendemos tanto sobre o passado do protagonista como aqui – e com maior profundidade dramática, Daniel Craig tem a chance de explorar novas áreas, ficando bem próximo de ser datado com o intérprete definitivo do espião.
O texto do trio também cria ótimos diálogos (a maior parte deles, proferidos pelo genial Silva de Javier Bardem), ainda que traga uma incrível necessidade de soltar trocadilhos sobre a série (“Será que eu compliquei demais a trama?”, diz Craig, ao passo em que Naomie Harris declara que este é “Um cão velho, com truques novos”), criando um efeito divertido, mas cujo uso excessivo o aproxima de uma paródia.
Nome que normalmente não associaríamos ao um filme do gênero, Sam Mendes mostra que seu talento não está apenas ligado ao drama e faz a diferença no comando de ótimas cenas de ação. Sua execução é segura (reparem no longo plano que apresenta o vilão Silva, onde Mendes demonstra total confiança no talento de Bardem) e muito bem equilibrada – nesse quesito, a ótima montagem de Stuart Baird é eficiente ao criar tensão e controlar as múltiplas ações – e estas são visualmente impressionantes graças à inteligente fotografia do mestre Roger Deakins. Alternando entre tons quentes nas cenas em Macau e apostando em uma Londres sempre cinzenta e nublada, o cinematógrafo atinge o auge ao iluminar uma luta entre B0nd e um atirador em Xangai apenas com luzes de outdoors da metrópole. Só esse complexo (e lindo) trabalho, já é o suficiente para indicá-lo ao Oscar da categoria no ano que vem.
Mas o grande destaque do filme é a nova reinvenção que Bond ganha. O agente continua realista e frio como em Cassino Royale e Quantum of Solace, mas aqui tem mais senso de humor e volta a protagonizar acrobacias “impossíveis”, tal como pular de uma escavadeira para um trem em movimento – finalizando com uma sensacional ajeitada no terno. Há também o retorno do quartel-mestre Q, que aqui surge como um nerd na pele do excelente Ben Whishaw, fornecendo ao espião gadgets mais críveis (talvez não tanto assim, mas a abordagem à tais elementos se assemelha à dada por Christopher Nolan em sua trilogia do Batman) e piadas que fortalecem a atualização (“o que você queria, uma caneta explosiva? Não trabalhamos mais com isso”).
007 – Operação Skyfall é uma bela homenagem aos 50 anos da série e também um filme maduro, bem executado e com potencial de agradar os mais variados fãs do personagem. Sua conclusão inicia uma nova era para James Bond, e o futuro parece muito promissor.
James Bond Will Return…
Obs: Os hipnotizantes créditos de abertura deste filme são diferentes de qualquer outra presente na franquia. E a bela música de Adele a acentua com perfeição.
007 - Operação Skyfall (Skyfall, Reino Unido - 2012)
Direção: Sam Mendes
Roteiro: Neil Purvis, Robert Wade, John Logan
Elenco: Daniel Craig, Javier Bardem, Judi Dench, Ben Whishaw, Naomie Harris, Ralph Fiennes, Bérénice Marlohe, Rory Kinnear, Albert Finney
Gênero: Ação, Aventura
Duração: 143 min
https://www.youtube.com/watch?v=6kw1UVovByw
Crítica | O Legado Bourne
Iniciada por Doug Liman em 2002, e completada por Paul Greengrass em 2007 a trilogia Bourne conseguiu se estabelecer com sucesso em Hollywood e dar nova cara ao gênero de espionagem – provocando mudanças até mesmo no concorrente 007. Com a saída do protagonista Matt Damon, entra Jeremy Renner para assumir O Legado Bourne, uma “sequência independente” que acerta em manter a chama acesa, mas falha na escolha de seu herói.
A trama tem início durante os eventos finais de O Ultimato Bourne e nos apresenta ao agente Aaron Cross (Renner), outra vítima do programa governamental responsável pela criação de super-humanos, como Jason Bourne. Agora que a tal corporação rapidamente tenta exterminar todas as “cobaias”, Cross deverá lutar por sua vida e… Só.
O que move Aaron Cross? O principal problema com O Legado Bourne é a ausência de uma motivação convincente para seu protagonista. Se o Jason Bourne de Matt Damon procurava encontrar respostas sobre seu passado e, então, expor as atrocidades do programa Outcome, a única coisa que me pareceu clara quanto a Cross é sua obsessão em encontrar uns medicamentos. Isso mesmo, a missão do super-agente que escala prédios e pula de telhados é viajar meio mundo para que os comprimidos que garantem seus “poderes” estejam novamente em sua posse.
Difícil acreditar que o competente Tony Gilroy, responsável pelo roteiro dos longas anteriores – e que aqui assume também a direção –, tenha criado uma história tão desinteressante para este quarto filme. Ainda que acerte ao manter a linearidade com a trilogia (o nome de Jason Bourne, assim como seu rosto, é visto diversas vezes durante a projeção), Gilroy não encontra um personagem à altura daquele que carrega o nome da franquia, e talvez até o encontraria se mergulhasse mais fundo no tal Cross. Sempre carismático, Jeremy Renner segura o filme com sua boa performance, mas como o personagem nunca ganha uma camada emocional eficiente, o trabalho é gravemente prejudicado.
No lugar de Cross, o longa dá espaço a diversas cenas envolvendo os bastidores da Outcome, que desesperadamente tenta controlar a situação. Há a vantagem de se ter o ótimo Edward Norton, mas o roteiro de Gilroy promove uma série de diálogos expositivos (“Você é o presidente da Agência Central de Inteligência, controle-se!”) e que comprovam a insegurança dos realizadores em promover um jogo inteligente (não é por coincidência que diversos personagens repitam frases como “Você está pensando demais” ou “Pare de pensar!”). Paradoxalmente, o filme se confunde tanto em suas próprias ambições e ações paralelas que até se esquece de algumas delas – e aquele avião que Cross é visto pilotando em certo momento?
Nem ao menos no quesito cenas de ação Gilroy acerta. Seu estilo de câmera inquieta mescla-se de forma horrorosa com os cortes incessantes de John Gilroy, o que torna as cenas de luta praticamente incompreensíveis. Aaron Cross também é infalível sabe sempre pra onde ir ou onde encontrar quem procura e, sem propósito narrativo algum, saca um par de óculos escuros durante uma perseguição de motos (claro que isso é um artifício nada sutil para facilitar o uso de dublês).
Tendo as cenas iniciais no Alaska como ponto alto, O Legado Bournetenta manter o espírito dos longas anteriores, mas carece de um protagonista comovente como Jason Bourne. Quem sabe a coisa melhore com um encontro entre Jeremy Renner e Matt Damon?
Crítica | Batman: Venom
Em 1989, encantados pelo sucesso que Batman fez nos anos 80 e, para aproveitar o embalo do lançamento do filme de Tim Burton, os diretores da DC Comics resolvem lançar outra série paralela traçando contos ligados ao universo da série de quadrinhos. Em novembro do mesmo ano, é lançada a série “Um Conto de Batman” – no original,Legends of the Dark Knight, trazendo diversos artistas para registrar sua marca e contar uma excelente história sobre o herói. O sucesso foi tanto que até hoje ela é publicada nos Estados Unidos.
Algumas edições entraram para a história ao serem ovacionadas pelos fãs do Morcego. Uma delas é “Batman: Venom” ou “Batman: Veneno” em português. Concordo que ela seja uma das grandes aventuras do herói, mas não creio que entre para a minha lista de favoritos.
A minissérie começa com Batman tentando resgatar uma garotinha. Entretanto, a situação é mais complicada do que o imaginado. Ela está presa graças a uma imensa rocha que a impede de fugir do pequeno espaço em que foi confinada e o lugar inteiro está prestes a ser inundado. Batman tenta remover a rocha com toda sua força, mas não consegue levantar os 650 quilos de peso e a pequena Sissy morre afogada.
Devastado com sua falha, Batman vai até a casa do pai para informar sobre a morte da menina. Ele parece não se importar e oferece ao herói uma droga experimental que estava sintetizando. Diz que lhe aumentará a força de maneira descomunal e que nada mais poderá detê-lo. Batman, mesmo fragilizado, recusa, afinal ele não busca alternativas fáceis para realizar suas proezas.
Obcecado com sua falha, Batman treina excessivamente para conseguir levantar os 650 kg, mas como o previsto, não consegue. Frustrado e cheio de raiva, Bruce começa a brigar com todos ao seu redor e volta para a casa do “farmacêutico”. Chegando lá, Batman pega a droga e começa a usá-las. Quase que imediatamente o herói sente os componentes do comprimido agindo em seu organismo. Algo está diferente.
Os dias se passam e Bruce percebe que já está conseguindo levantar quase 700 quilos. Entretanto, mesmo com tanto ganho de força física, Alfred percebe que há algo de diferente no herói. Algo de maligno. Seu patrão tem sentido muita raiva e o trata como lixo. Os efeitos colaterais se intensificam a cada dia. Eventualmente, as pílulas carinhosamente chamadas de venom – SIM! A mesma droga que Bane irá utilizar no futuro, acabam e o já viciado Bruce Wayne retorna a casa de Randolph Porter para conseguir mais.
O evidente vício de Bruce se torna ainda mais claro quando aceita matar Jim Gordon para arranjar um outro punhado de pílulas. Antes de ir cumprir sua incumbência, Batman conhece o General Slaycroft que financia as pesquisas de Porter. Depois de algumas reviravoltas, o herói encontra-se completamente drogado, virou um nóia como diria a nossa gente aqui no Brasil. Não há mais ninguém para ajudá-lo. E algo pior ainda está por vir. Batman descobre que o General pretende usar a droga de Porter em um grupo seleto de soldados a fim de criar o exército perfeito – completamente sem-noção de seus atos. Super-soldados que só cumprem ordens sem sentir remorso ou compaixão. Assassinos frios, poderosos e implacáveis. Será que Batman conseguirá se recuperar a tempo e impedir que Gotham seja destruída por esses zumbis militares comandados por um homem sem coração?
Não sei se você, caro leitor, percebeu que o argumento da história de Danny O’Neil é excelente. Jogar na cara de nosso herói favorito que ele é apenas um humano e não um super-humano é uma das melhores ideias que poderia ocorrer em uma HQ de Batman. Ele tem suas fraquezas, mas não é a kryptonita, mas sim a velhice, a doença, enfim, as amargas limitações humanas. Para então apresentar-lhe algo que é capaz de melhorar sua capacidade em um de seus momentos mais frágeis é simplesmente genial.
A qualidade soberba da história segue as três primeiras das cinco edições de Venom, que acompanham o declínio de Bruce Wayne ante as drogas, começa a cair a partir da quarta edição em que Batman esbofeteia tubarões para salvar Alfred. Pois é… Quem diria, hein, senhor O’Neil, que uma premissa tão boa como esta acabasse com um desfecho tão mediano.
O principal problema da HQ é o antagonista fraquíssimo. Tudo bem que o verdadeiro antagonista seja a droga, mas o General Slaycroft é simplesmente bizarro. Até Bane de Joel Schumacher tem mais carisma que este cara. O personagem é totalmente unidimensional que deixa o leitor com raiva, só que não do vilão, mas da falta de insumo criativo para melhorar ou definir com mais cuidado a obsessão do general que nunca, em nenhuma passagem, é explicada. Suas motivações são uma incógnita. O único aspecto que consegue infligir alguma emoção no leitor é o filho do antagonista, Timothy Slaycroft Junior, que também se torna totalmente banal no fim da pequena saga.
Outro deslize cometido por O ‘Neil é o desfecho apressado e bem fraco da comic. O encerramento do farmacêutico Randolph Porter é insatisfatório sendo que este é anunciado através de um diálogo breve entre Gordon e Batman. Para um personagem, como Porter, que começa gerando suspeitas que ele possa ter sido o autor do assassinato de sua própria filha, uma conclusão como esta é completamente risível.
Entretanto os aspectos negativos param por aí. Não se deixe enganar, leitor, a história que O’Neil traz aqui seria sublime se não fosse a preguiça da concepção dos antagonistas e do desfecho. Ver meu herói favorito se afundar nas drogas em busca de suprir um desejo tão primitivo foi uma tristeza para mim. Quando Batman chega ao fundo do poço, você sente pena do herói. Anseia por entrar no quadrinho para retirá-lo de tal situação tão deplorável.
Além deste declínio angustiante, vemos Bruce agir de forma tão desnecessariamente violenta que podemos imaginar ele traindo seu juramento mais sagrado. O conflito que causa com as pessoas que mais se importam com ele também é de extrema amargura.
Sobre a arte de Batman: Venom há pouco para dizer. Os desenhos são de Trevor Von Eeden e Russell Braun coloridos por Jose Garcia Lopez. Eles não são obras-primas, mas são bonitos com certeza. Algumas imagens são épicas como a impagável passagem do morcegão estapeando tubarões. Outras, têm tanta força que causam um impacto no leitor. É o caso dos quadrinhos que retratam Bruce completamente viciado. As capas da segunda e terceira edição também são fantásticas. O sorriso demente estampado na cara de Batman causa arrepios, assim como vê-lo totalmente barbudo, derrotado e desemparado sentado em sua batcadeira.
A arte tende a ser desleixada com elementos em segundo plano – repare que os desenhistas evitam trabalhar com desenhos recheados de elementos de profundidade. Entretanto, existem algumas metáforas visuais bem inteligentes como aquela em Bruce liga para Alfred em uma cabine telefônica para depois socar o vidro extravasando sua frustração. No quadrinho seguinte, o símbolo do herói aparece bem em meio do afiado buraco que o herói “esculpiu” no vidro dando a ideia que se Bruce continuar naquele rumo, ele colocará seu legado em risco.
Entre altos muito altos e baixos abissais, “Batman: Venom” é uma história essencial para qualquer fã do herói. Com sua mensagem anti-drogas mais clara que a água, essa HQ ganhou um espaço no meu catálogo das melhores comics de Batman. Se você for um bat-fã, não tenho medo de recomendar esse belo conto. E até mesmo para quem não gosta muito do homem-morcego, pergunto: você tem certeza que não quer ler uma história em que Batman chega ao fundo do poço? Ora, se você for um leitor de Superman, aí está algo para se gabar. Como diria Batman – “Superman é escoteiro demais para essas coisas.” E ele não poderia estar mais correto.