Crítica | Padre
Em certo dia, uma mulher de classe média resolveu exercitar a pouca imaginação que tinha. Então, nada melhor que escrever um livro para aquecer a mente. Mas um livro era pouco – por que não uma saga? E foi assim que esta mulher destruiu a reputação de todos os vampiros da história do homem. Abandonando as capas sombrias para peles fluorescentes depiladas, os vampiros estavam reclusos em um canto escuro olhando toda sua glória ir para seres nefastos adolescentes. Mas, no fim do túnel, havia esperança. Após “Deixe Ela Entrar”, o tempo finalmente parece clarear para as criaturas sempre famintas.
O mundo já não é mais o mesmo. Os homens são confinados a viver sob a dura ditadura da Igreja em várias cidades cercadas de muros gigantescos. A causa deste futuro pós-apocalíptico foi à guerra travada entre os homens e os vampiros. Os homens, por fim, venceram a carnificina graças aos Padres – treinados pela Igreja com um único propósito, destruir vampiros. Após anos sem conflitos, um grupo de supostos vampiros rapta Lucy, sobrinha de um Padre. Com isso, este Padre deserta a cidade a fim de encontrar sua sobrinha, mas no meio do caminho encontra um parceiro, Hicks. Sabendo que o Padre havia desertado, o Clero ordena o grupo restante de Padres a caçar o fugitivo.
Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte…
O roteiro do novato Cory Goodman adapta vagamente o mangá de Hyung Min-Woo. No início, sua escrita é praticamente perfeita localizando o espectador em um universo completamente novo. Tudo é pensado: economia, energia, religião, política e a rica sociedade segmentada em diversas classes. Ele também elabora algumas questões sociais muito interessantes que revelam um pouco mais do psicológico da amedrontada população. O contraste que cria entre as cidades do deserto com as protegidas pelos muros funciona perfeitamente. Fora isso, a ditadura apresentada remete muito a de George Orwell em “1984” e seu Big Brother.
Os problemas começam quando seus personagens começam a falar. Os diálogos são esquisitos e desprovidos de propósito sobre sua existência. Aposto que se o filme fosse mudo, todos entenderiam perfeitamente sua historia. Outro aspecto interessante de sua escrita é que em sua adaptação pouquíssimos personagens têm nomes próprios – apenas dois. O resto é referido por suas características e seus cargos públicos como Priest, Black Hat, Monsignor, etc.
Entretanto, o maior problema do enredo é sua total falta de desenvolvimento. Todas as características que listei acima não são minimamente desenvolvidas. Simplesmente são jogadas ao público com desdém. Alguns podem achar um pouco ofensivo a maneira que os vampiros são retratados. Aqui eles são seres bestiais, sem olhos, puramente selvagens muito diferentes dos elegantes, cultos e sofisticados vampiros do tempo clássico. Porém, se a intenção do roteirista era intensificar o contraste social dos humanos com as criaturas – vide a filosofia de liberdade que Black Hat defende no fim do filme, pode-se dizer que funciona perfeitamente.
Outro problema do roteiro é o clímax. Durante a cena tudo indica um desfecho fantástico e empolgante, mas, na realidade, o que acontece decepciona o espectador com uma resolução simplória. Também no clímax, destrói a imagem inteligente do antagonista para mais um vilão raso tão desprezível quanto o resto dos vampiros do longa. Além disso, ele consegue ser extremamente clichê em várias partes. Algumas possuem até diálogos praticamente iguais a de outros filmes como a indubitável referencia a “Piratas do Caribe: A Maldição do Perola Negra”. Outras passagens remetem muito a “Matrix”, “Blade” e “V de Vingança”. Ironicamente, ele não conta com nenhuma que remete ao universo de faroeste que o filme é ambientado. Também é importante citar que a história do filme é muito diferente da apresentada nos manhwas em que os vilões eram demônios, não vampiros.
Silas 2.0
Paul Bettany é um ator competente como ficou provado quando encarnou o esquisitão Silas em “O Código da Vinci”. Neste caso, sua atuação coincide muito bem com o personagem silencioso e misterioso. Ele consegue despertar o interesse do espectador a respeito do passado e futuro do protagonista. O carisma que conseguiu dar ao personagem também é impressionante visto que trabalha muito pouco as suas expressões faciais, além de não variar o tom sereno e monótono de sua voz. Fora isso, as poses que realiza nas cenas de combate são bem orgânicas e dão muito dinamismo em cada cena.
Já Cam Gigandet não chega nem perto de tornar seu personagem memorável ou interessante. Ele é um ator fraco então não há muito que se falar sobre sua atuação. Seu personagem é chato e diversas vezes o espectador nota que a razão de sua existência é causar empecilhos na jornada de Priest. Já Karl Urban tenta criar um personagem um pouco melhor que os outros. Seu antagonista não esbanja crueldade, mas também não deixa o espectador no ócio. Já citei que o filme é clichê, mas aqui aconteceu uma coisa que eu nunca havia visto. Em determinada cena, Urban atua somente com sua expressão corporal que coincidentemente é igualzinha a de Hugo Weaving em “V de Vingança”. Apesar disto, o movimento de Urban é muito mais fluido é bonito tornando sua execução melhor que a de Weaving.
Maggie Q tem a melhor personagem do longa. Ela esbanja sensualidade apesar de não arriscar nenhuma pose provocativa. Assim como Bettany, Q não trabalha nada suas expressões e sua voz levando a crer que todos os Padres tem a mesma característica serena e triste. Christopher Plummer dispensa apresentações, está fantástico como sempre. Colocou profundidade em um personagem completamente raso e clichê – velho truque do governante velho iludido pela história de que o perigo está extinto quando na verdade está na porta ao lado.
Estética da Catedral
Desde o começo de sua divulgação, “Padre” mostrou-se ser apenas uma promessa visual. Isso ele cumpre em todos os aspectos. A fotografia de Don Burgess não desmerece sua indicação ao Oscar por “Forrest Gump”. A atmosfera de sua iluminação é extremamente sombria e gelada puxando várias tonalidades de azul e de vez em quando utiliza o verde – isso reforça bastante a ambientação gótica. Entretanto, a maior surpresa não é esta, mas sim é que ele não opta por deixar sua palheta de cores apenas com estes tons. O filme possui cenas extremamente iluminadas com forte predomínio de tons brancos deixando praticamente impossível distinguir o chão e o céu. Assim, cria quadros infinitos que revelam a devastação “nuclear” da guerra e a inospitalidade do deserto escaldante. Para mostrar isso, opta pelo gigantismo de suas imagens pegando planos baixos e muito abertos.
Ele também é consagrado por sua cinegrafia inteligente. O seu trabalho com sombras é impressionante. Algumas vezes, ele as projeta em objetos criando formas fantásticas de se olhar como na cena da parada do trem em Jericó. Porém, é possível notar com mais facilidade essa característica na forma de como a luz incide na face de Karl Urban – muitas vezes seu rosto é encoberto pelas trevas da sombra de seu chapéu deixando a mostra apenas o olho amarelado. Fora isso, ele também auxilia o diretor em vários planos-detalhe incríveis. Destaque para a transformação fotográfica que ocorre na cena que se passa em Jericó.
Os efeitos visuais do filme também não ficam para trás. Com um orçamento mediano, pode-se dizer que fizeram milagres. O nível de detalhamento das cidades digitalizadas é impressionante. Além da destruição das metrópoles, a animação e o visual das criaturas acompanham a qualidade restante do visual da obra. O tratamento dado a elas é magistral. Todos os vampiros têm uma caracterização orgânica absurda contando até com a pele úmida e a saliva esvoaçante quando berram – destaque para a sonoplastia.
A direção de arte não pode ser esquecida. A recriação de vários cenários como a cúpula, as grutas onde os vampiros vivem e a própria cidade de Jericó são exemplos do cuidado conferido ao tratamento dos cenários. Destaques para a moto e as armas que os personagens empunham durante a projeção. O figurino também é outro aspecto a ser ressaltado. Todas as personagens contam com uma caracterização marcante sendo a melhor delas a do personagem Black Hat – menção honrosa ao espírito “faroeste” que o filme carrega.
Mediocridade divina
A música em “Padre” não é um ponto forte. As composições são assinadas pelo medíocre Christopher Young.
Sua música não é forte o suficiente para chamar a atenção do espectador. Ele claramente se baseia em Hans Zimmer neste caso. Suas escalas de violinos lembram consideravelmente as de “A Origem”, mas mesmo assim não consegue elevar o ânimo do espectador. Poucas vezes consegue soar original. A única composição que consegue sair da mediocridade é a que abre o filme. Nela a criatividade do compositor é posta a prova. Ele mistura o som inigualável de órgãos clássicos mais um coro de vozes surpreendente com um fundo musical elaborado arquiteto por violinos e trombones. A música “Fanfare for a Priestess” também consegue sair da mesmice graças à bela composição das vozes do coral.
Todavia, ele cumpre a função de preencher as cenas com suas músicas. É incrível perceber como vários compositores de hoje não chegam aos pés dos músicos clássicos. Isso é provado pela força do conjunto de obra na cena “maximum clichê” do filme. O uso de “Réquiem” de Mozart ajuda muito a torna-la a melhor parte do filme. Isso também é copiado de “V de Vingança” na cena em que V orquestra a destruição do Parlamento Inglês ao som de “1812 Overture”, de Tchaikovsky.
Falta de Fé
O diretor também é novato no cargo. Com apenas o fraco “Legião” no currículo, já era de se esperar que Scott Charles Stewart não surpreendesse neste projeto. Diversas vezes a falta de experiência se mostra presente. Ele poderia ter censurado vários ápices clichês do roteiro e das coreografias das batalhas – estas claramente inspiradas em “Matrix”.
Felizmente, consegue manter um ritmo agradável em sua projeção, mas isto se deve muito a curtíssima metragem do filme (1h26m). Algumas vezes o diretor escolhe enquadramentos incomuns e sem significado o que acaba prejudicando o andamento de algumas cenas.
Para mascarar sua total falta de presença, insere vários elementos populares do cinema atual. Por exemplo, o uso de slow motions durante as cenas de ação e a conversão desnecessária do 3D estereoscópico – utiliza poucas vezes o efeito de maneira inteligente e elas demoram a aparecer. Além disso, deixa passar vários elementos que dariam um resultado inteligente se tivessem sido casados corretamente com o efeito.
Entretanto, às vezes, consegue ser esperto e poupar recursos do orçamento. Prova disso é a brilhante animação que apresenta o universo fantasioso da trama ao público. Outra característica muito presente em seu filme é a ultraviolência – espere ver muitos desmembramentos e sanguinolência.
A primeira faísca
“Padre” tem potencial para vir tornar-se uma franquia de sucesso. Porém, a falta de originalidade do roteiro e da direção condenam o filme ao esquecimento e ao fracasso. Ele é esteticamente incrível e algumas atuações não desapontam. Os fãs do graphic novel podem ficar muito desapontados devido a total falta de fidelidade da adaptação, mas aqueles que estão procurando uma miscigenação de gêneros sci-fi, western, terror e ação não sairão desapontados. A sensação durante o fim da projeção é a de que tudo saiu melhor do que o esperado, portanto “Padre” é um filme mediano que agrada no meio de seus tantos erros.
Crítica | Passe Livre
É interessante ver o desenvolvimento do humor ao longo das décadas no cinema. No início dos anos 20, Chaplin, Os Três Patetas (estes foram para os filmes nos anos 30) e o Gordo e o Magro faziam sucesso com sua ousada comédia pastelão. Conseguiram alegrar o povo contido, muitas vezes preconceituoso e escravo de seus princípios. Entretanto, com o passar do tempo a comédia foi se adaptando, chegando hoje em dois tipos distintos – a comédia romântica e a comédia besteirol. Alguns diretores realmente se consagraram em fazer besteiróis como Todd Phillips, Steve Pink, Adam McKay, Judd Apatow, Jay Roach e os desaparecidos irmãos Farrely que retornam agora em uma comédia tão divertida quanto sua melhor obra, “Quem Vai Ficar Com Mary?”.
Rick e Fred são dois amigos que estão com uma crise sexual em seus casamentos. Um por causa dos filhos que roubam o tempo de sua mulher e o outro por causa do mau humor de sua esposa. Além não terem mais o sexo como pilar da relação, ambos tem que atender as vontades desatraentes de suas mulheres. Após algumas discussões, eles conseguem um “passe livre” – uma semana de folga do casamento para fazer o que quiserem. Todavia, eles não esperam que “voltar para o jogo” fosse um pouco mais difícil do que pensavam.
O surpreendente “inusitado”
O roteiro de Bobby e Peter Farrely, Pete Jones e Kevin Barnett é extremamente criativo conseguindo criar piadas inéditas e francamente, inimagináveis. Ele é perito em deixar os protagonistas em situações constrangedores e conseguir transmitir ao público a sensação da famosa “vergonha alheia”. Ele assume descaradamente o estilo besteirol da comédia e consegue não deixar o espectador sério por mais de dois minutos. E claro, não esquece as piadas “cretinas”, sendo que algumas são exageradas para alguns espectadores.
Apesar de ser bem interessante e divertida, a história não impressiona em seu desfecho caindo no clichê previsível. Entretanto, os meios que o roteiro toma para chegar a sua conclusão são absolutamente imprevisíveis para o divertimento do público. Infelizmente, a narrativa paralela das esposas de Rick e Fred, Maggie e Grace não chegam a empolgar o espectador dificilmente arrancando algumas risadas.
Ele retrata bem o cotidiano da vida dos casados em uma rotina inalterável e evidencia algumas verdades sobre o casamento, além de inserir o cômico devaneio paranoico de Rick – uma das melhores piadas do filme. De vez em quando, consegue até ser profundo quando apresenta a diferença de maturidade dos casais principais do filme denotando a importância do fato de ser pai acaba influenciando muito nas decisões do protagonista.
Dupla implacável
Owen Wilson e Jason Sudeikis são os maiores destaques do filme. A química desenvolvida entre eles é muito boa conseguindo divertir o público a todo instante com suas atuações imprevisíveis – principalmente, pela parte de Sudeikis.
Owen cumpre seu papel sem exageros, ou seja, não apela para a palhaçada sendo que, muitas vezes, sua atuação demonstra uma seriedade nunca vista antes revelando um lado um tanto desconhecido do ator, tornando-se bem descontraída diversas vezes. Já Sudeikis é o completo oposto de Owen, atuando da forma mais caricata possível cheia de caretas muitas vezes acompanhadas de gestos para enfatiza-las. Outro ator que revela um grande talento para a comédia é o inglês Stephen Merchant quase sempre roubando a cena. Richard Jenkins também tem uma breve participação especial muito carismática encarnando o personagem mais interessante do filme contando com uma caracterização marcante. Derek Walters também diverte o público com seu personagem neurótico e bipolar.
Já o elenco feminino não acompanha a sintonia e qualidade do masculino. Dominado por Cristina Applegate e Jenna Fisher, dificilmente conseguem arrancar risadas do público nas cenas que contracenam. Isso se dá muitas vezes graças a antipatia e falta de inspiração em suas atuações.
Efeito comédia
A fotografia de Matthew A. Lionetti é bem ordinária neste filme, não passa nem perto daquela envolvente apresentada em “Efeito Borboleta”. Segue o padrão da fotografia apresentada nos filmes de comédia, ousando apenas em seus belos planos aéreos. A única vez que sua fotografia realmente se transforma e fica criativa é na última cena do filme que é simplesmente fantástica contando até com uma iluminação um pouco mais elaborada. É bom citar que ele gosta de trabalhar com a iluminação natural dos interiores dos lugares visitados pelos personagens. O figurino também é um aspecto interessante de ressaltar, sempre vestindo seus atores com roupas típicas de americanos de meia idade, vide os trajes de Wilson durante o filme.
Precisa-se de um compositor
Surpreendentemente este filme não conta com um compositor e isso resultou em uma total decadência musical no longa. A música original – se assim posso chama-la no caso – é completamente irrelevante e quando aparece dificilmente é notada. Como sempre a trilha licenciada salvou mais uma vez a música do filme contando com vários sucessos pop, rock e folk recentes e clássicos, entre eles “Walking On A Dream”, “Wouldn’t Be Nice”, “Art isn’t Real”, “The Best of Times” e “Monkberry Moon Delight” sendo que algumas conseguem até ser cômicas graças às cenas onde são inseridas.
Um bom retorno
Os Irmãos Farrely – Bobby e Peter – estavam um tempo longe dos filmes. Para dar uma noção, o último filme que ambos dirigiram foi o fraco “Antes só do que Mal Casado”. Felizmente, retornaram a todo vapor e com um senso de humor bem aguçado. Eles entregam um filme tão inspirado quanto “Quem Vai Ficar com Mary?”.
A direção deles foi bem criativa e tentaram de todas as maneiras extrair o ridículo de cada cena provando o bom humor de sua direção. Fora isso, a escolha da edição em como dividir a jornada dos protagonistas consegue ser uma piada por si só, sempre aparecendo em horas inesperadas. Uma coisa bem interessante da direção deles foi ter mascarado muito bem um filme que, na essência, é uma comédia romântica disfarçada. Muito dos méritos deles também estão contidos no roteiro como as cantadas ensaiadas de Fred.
Precisando de um passe livre?
“Passe Livre” é um filme que diverte a todo instante com suas piadas únicas, mas algumas podem ultrapassar o limite do bom-senso e ofender alguns espectadores. É um filme que oferece um bom entretenimento para o público e começa a aquecer o terreno para o próximo besteirol “Se Beber, Não Case 2”. É uma pena que não consiga ser mais do que isso porque potencial e criatividade tinha de sobra.
Crítica | Fúria Sobre Rodas (2011)
Alguns gêneros nunca deixarão de existir. Os filmes trash, B, exploitation (filmes super exagerados) fazem parte da cultura cinematográfica e me orgulho em dizer que sou fã desse tipo peculiar de “arte”. As homenagens mais recentes (que valem a pena de se mencionar) foram o interessante “Planeta Terror” e o excelente “À Prova de Morte”. Agora, o diretor Patrick Lussier ressuscita este tema misturando carsploitaition (filmes exagerados com carros) com o uso correto e comercial do 3D estereoscópico.
Milton escapou do Inferno a procura de vingança. Sua filha foi assassinada por um líder de uma seita satânica que visa trazer o tinhoso em pessoa para explodir o planeta. No meio de sua viagem desesperada para “involuntariamente” salvar o mundo, conhece Piper e seu Dodge Charger – dois acompanhantes que se mostrarão muito úteis em sua jornada do “além da vida”. Ele tem até a próxima lua cheia para se vingar do satanista antes do fim do mundo.
Renovando a homenagem
O roteiro de Todd Farmer e Patrick Lussier sabe muito bem dar continuidade a idiotice divertida praticada por George Romero, Ed Wood e Sam Raimi. Conta com um protagonista tirado diretamente do Inferno, loiras, nudez explícita, sexo, violência gratuita, explosões, muscle cars voadores, vilões caricatos e consequentemente uma narrativa fraca. Até mesmo o próprio roteiro tem dificuldade de explicar a história para o espectador utilizando inutilmente flashbacks maçantes. Infelizmente, isso resulta em uma falha notável no roteiro – por exemplo, como Jonah (é a quinta vez que vejo um filme trash com um vilão “satânico” chamado Jonah) reconhece logo de imediato Milton sendo que os dois nunca haviam se encontrado antes? Outra coisa injustificável é a participação de Piper na história, visto que ela é uma personagem apêndice – Milton conseguiria ter cumprido sua missão com ou sem ela, já que ele é from hell.
Entretanto, ele diverte ao criar a cena mais memorável do filme inteiro – a parte que Milton dá um novo significado ao título de masculinidade em que realiza quatro proezas ao mesmo tempo. Seus personagens também são interessantes, sendo o melhor deles o único e original “Contador” em que aproveita para fazer críticas a seitas e inserir os momentos mais absurdos do filme. Ele também tem a esperteza de resolver rapidamente os conflitos secundários da narrativa, além de sempre ser criativo nas matanças de Milton. Mesmo assim os problemas superam suas qualidades. Diversas vezes, me senti desinteressado a respeito da conclusão previsível da trama, fora o cansaço mental das reviravoltas que mantém o desenvolvimento do filme inteiro – as pausas para desenvolver os personagens são quase inexistentes e quando aparecem, apenas servem para encher os minutos da projeção do longa.
Diretamente do Inferno
Nicolas Cage está amaldiçoado há algum tempo. “Caça as Bruxas” foi o fundo do poço e, consequentemente, não havia como ele afundar mais. Entretanto, aqui está muito bem no papel de bad ass chegando até a revelar algumas expressões inéditas, sem abandonar, claro, sua marca registrada, a famosa “cara de caçar mosca”. Sua atuação é caricata, ele é o típico anti-herói que conquista todas as garotinhas da lanchonete. Além disso, criou um sotaque forte, grave, pesado e pausado para enfatizar as diversas frases de efeito provenientes do roteiro. Infelizmente, não soube medir as horas que deveria atenuar e largar o sotaque de lado – o melhor exemplo disso é a cena que ele comenta como é a vida no Inferno com uma fala tão trágica que chega a ser cômica.
O melhor da atuação de Amber Heard é sua beleza estonteante. O máximo de esforço que fez foi criar um sotaque tipicamente caipira, soltar umas lágrimas aqui e bater nos membros da seita satânica (aliás, isso ela faz muito bem). Billy Burke é responsável em partes pela péssima pose de vilão que criou. O roteiro é o maior culpado. Suas falas são ruins demais, sempre com um tom bíblico, poético, profético, épico e vários outros “ico” que possa imaginar. E ele conseguiu deixa-las ainda piores, graças ao seu modo de falar completamente inusitado e esquisito. Para completar, sua atuação recheada de expressões ridículas deixou seu personagem com um ar mais patético que do que já possuía. A única coisa bem feita em seu personagem é a caracterização esplêndida que o figurino o conferiu.
William Fichtner salvou o filme. Seu personagem é o melhor do longa inteiro graças a sua participação digna de aplausos. Sempre elegante com sua atuação cheia de manias, gestos suaves e com uma movimentação interessante, mas de poucas caras (uma coisa muito boa), anseia o espectador por cada cena em que participa sendo que sempre são as mais divertidas e marcantes.
Luzes, câmera e ação?
A fotografia de Brian Person é praticamente ausente. O único destaque de seu trabalho é a passagem no bar onde Piper e Milton se hospedam. Lá ocorre o único, mas impressionante, trabalho da modelagem de luz e sombra do filme inteiro. Só é necessário reparar na face de Heard e notar como a luz incide sobre ele, ajudando-a e muito a transmitir a emoção retratada, além de criar um incrível clima de suspense e perigo. Merece também um destaque pela grande variedade de planos nas complexas cenas de perseguição. Person é no mínimo uma pessoa inteligente e aproveitou a escolha do roteiro para filmar a maioria das cenas exteriores durante o dia, diminuindo, desse modo, o esforço de seu trabalho. Visto que sempre é um belo desafio simular artificialmente a iluminação noturna característica das estradas.
Os efeitos visuais são horrorosos e dão aquele ar trash extreme assumido pelo ridículo clímax que diverte o público. Alguns são tão ruins que até contam com falhas de renderização. Entretanto, eles impressionam na criação da “rodovia do Inferno”. A maquiagem também surpreende pela sua eficiência, em alguns casos.
Ouvidos do Rock
A música original composta por Michael Wandmacher rouba a cena a todo instante. O rock predomina soberano em sua trilha com batidas viciantes e frenéticas ajudando bastante a dar um dinamismo maior nas corridas cheias de explosões. As distorções pesadas da guitarra misturadas em harmonia com o som dos tambores deram resultados bastante interessantes de se conferir. Entretanto, aquelas que ele compôs com o intuito de envolver o espectador nas cenas de suspense falharam brilhantemente!
A trilha licenciada acompanha a qualidade da original contando com sucessos rock e pop. Como é impossível encontrar essas músicas comprando a trilha, vou lista-las para conferirem o ótimo som: “Raise a Little Hell”, “F*ck the Pain Away”, “Laserlove”, “I Like to Rock”, “You Want The Candy”, “That’s The Way I Like It” e “Stone in My Hand”.
3D EXPLOITATION
Patrick Bessier é um diretor horrível, isso não é novidade. Com filmes como “Dia dos Namorados Macabro” e “Drácula 2000”, provou sua total falta de talento. Entretanto, não há como negar que este cara é inteligente e que seu novo filme tem estilo e assumir que é apenas uma experiência visual tosca sem se levar a sério em algum instante.
Ele aproveitou todas às influencias dos filmes trash anteriores ao dele e fez uma mistura de “Corrida Contra o Destino” e “Evil Dead”, além de satirizar o misticismo ridículo do rock dos anos 80. Fora isso, utilizou o 3D estereoscópico formidavelmente jogando nos olhos da plateia cacos de vidro, machadinhas, balas, carros voadores, pedaços de gente mutilada, entre várias outras coisas. Então, já deu para entender que a maior diversão de assistir este filme são os efeitos 3D.
Às vezes, o diretor tem um lampejo de decência com a sétima arte e consegue enquadrar seus atores para a câmera de forma genial. Por exemplo, existe um plano consideravelmente longo quando o amigo de Milton chega para rebocar seu Dodge. E aí, nessa hora é que o enquadramento torna-se uma obra de arte. Enquanto ele acerta neste quesito, revela uma estética horrível durante os flashbacks sobrepondo várias imagens na tela misturadas com um filtro visual de péssimo gosto.
Além de tudo isto, adiciona com vontade e excesso vários slow motions em sua obra que desafiam todas as leis da física. Apesar de a gravidade não gostar de ser desafiada, o público se diverte com os capangas satânicos voando, explodindo e caindo em câmera lenta. Entretanto, o uso decorrente deste recurso acaba por tornar algumas cenas de ação bem maçantes devido à falta de dinamismo.
Cuidado ao estacionar
“Fúria Sobre Rodas” é um filme B engraçadíssimo que divertirá os fãs do gênero. Se você estiver procurando explosões encadeadas com o mínimo impacto, muscle cars dos seus sonhos, muita violência gráfica, personagens inexpressivos, história rasa, nudez, tiroteios, efeitos visuais abismais acompanhados de uma música sensacional, este é o filme certo e a diversão é garantida. Ele certamente é um filme que deixaria Charles Bronson orgulhoso, ou não…
Crítica | 127 Horas
Histórias de superação, pessoal ou espiritual, existem e, de uma maneira ou outra, acabam em livros, músicas e, consequentemente, em filmes. Às vezes são fictícias, outras não, como este caso. Ao contrário de Liz Gilbert, aquela de “Comer, Rezar, Amar”, Aron Ralston redescobriu o sentido de sua vida e sua redenção em uma viagem bem desconfortável. Ele não se empanturrou de massas na Itália, nem rezou na Índia e, certamente, não encontrou o amor em Bali. Mas ficou preso num período de cinco dias em uma fenda perdida no meio de um cânion.
Aron Ralston é um engenheiro que adora praticar esportes. Como de costume, viaja para o Blue John Cânion e, depois de algumas horas de escaladas, um acidente acontece, deixando seu antebraço preso em uma rocha. Durante cento e vinte e sete horas, fica aprisionado na fenda do cânion enquanto luta pela sua sobrevivência, contra seus próprios demônios e tenta escapar de sua situação preocupante.
Cada palavra importa
Danny Boyle e Simon Beaufoy escreveram um roteiro dinâmico e muito fluido. Ele não enrola ao jogar o que o espectador quer ver: Aron prende-se na rocha com dezesseis minutos de filme e, durante uma hora, o público conhece um pouco mais de sua história. O aspecto mais interessante é a desconstrução de Aron durante as horas nas quais fica preso. No início do filme, é apresentado como um símbolo de independência, confiança, arrogância, livre arbítrio e liberdade ou, como ele mesmo se ironiza, “big fucking hard hero”. Mas depois do acidente, começa a perceber, aos poucos, que, na verdade, não existe ninguém que realmente é dono sobre o próprio destino – isso fica bem explicito durante sua reflexão sobre a rocha. Também começa a perder a confiança e a fé em si mesmo. E isso pode ser notado em que toda vez que ele tenta realizar alguma coisa, sempre profere diversos “por favor”. Fora isso, a escolha do vídeo testemunho para manter os diálogos e o ritmo do filme foi muito inteligente.
Nunca uma frase foi tão válida para descrever um filme como neste caso. Aqui a ideia principal é “dê valor as pequenas coisas”. E, é baseado nesse principio, que o roteiro se sustenta durante bons minutos do filme. Para sobreviver e achar alguma força interna/vontade de viver, Aron recorda-se de momentos de sua vida ilustrados por meio de flashbacks. Muitas vezes, essas memórias são bem superficiais e algumas repetidas demasiadas vezes como, por exemplo, não atender os telefonemas da mãe. Essas recordações poderiam ter sido amplamente exploradas e ganhado um fundo psicológico mais interessante do que apenas o arrependimento de ter errado no passado.
Existe uma coisa um pouco clara na história do filme. Assim que ele fica preso na rocha, Aron prova ser um montanhista muito bem equipado com lanternas, relógios, infinitos metros de corda, cartões de crédito etc. Mas uma coisa que todos seres humanos carregam todos os dias em seus bolsos, ele não tem em mãos, um celular. Isso prova a imprudência do protagonista que viaja sozinho ao cânion – muitos montanhistas viajam em grupos para evitar acidentes e geralmente carregam pistolas de sinalização de luz, as famosas flare guns. Apesar destes deslizes, existem muitas coisas interessantes como os devaneios e as alucinações de Aron, a ironia que se faz presente algumas vezes e a crítica ao nem tão novo hábito da sociedade: documentar digitalmente todos os momentos vivenciados e claro, o emocionante clímax de tirar o fôlego ou, até mesmo, a consciência de alguns.
Carregando a rocha nas costas
James Franco nunca teve a oportunidade de mostrar realmente seu talento sempre se reduzindo a papéis medíocres. Finalmente, ele provou que nasceu para atuar e nunca esteve tão fantástico como neste filme. Ele se supera a cada cena, mas a melhor delas é sua interpretação caricata no “talk show” que beira a genialidade. Seu timing entre momentos de pânico, insanidade, medo, tristeza, alegria, etc. é perfeito. Como na maioria das cenas do filme, ele fica preso entre duas rochas, era de se esperar que apostasse nas expressões faciais, e foi o que fez. É uma gama tão vasta de caras e olhares representando um turbilhão de emoções que poucos atores conseguiriam fazer com tanta competência e profundidade quanto fez. Ele realmente entrou no papel, entregou um carisma incrível e realizou um feito inestimável em sua carreira.
Um dos contrastes mais antigos do cinema
Os diretores de fotografia, Enrique Chediak e Aenhony Dod Mantle, entregaram um trabalho bem polido e limpo visualmente.
No primeiro ato do filme, todas as imagens são bem abertas e claras, predominando o tom alaranjado das rochas, com um forte contraste com o azul do céu. Além disso, muitos planos são diagonais criando uma identidade para o filme. Ela se transforma a partir do segundo ato assumindo uma tonalidade fria, pálida e tenebrosa com closes bem próximos e tremidos ao rosto de Franco. Não chega a ser claustrofóbica, graças as escapadas para os flashbacks, mas certamente é bem desconfortável. Também conseguem criar efeitos de iluminação extraordinários – o melhor exemplo que posso citar é a luz do Sol invadindo a fenda do cânion durante os quinze minutos diários de luz que Aron recebe. Para complementar, a maioria das cenas em que Aron está preso foi filmada em estúdio, ou seja, a iluminação é inteiramente artificial.
Com a ajuda dos efeitos visuais, conseguem capturar imagens sublimes como a interessante transformação do clima árido para o chuvoso em questão de segundos. Aliás, vários planos são criados totalmente pelos efeitos, como o interior do tubo de hidratação da mochila, o interior da filmadora e o interior do braço de Aron.
Outras áreas que merecem belos destaques encontram-se a maquiagem sublime, complexa e detalhada apresentada no clímax e a direção de arte que recria com perfeição o espaço que Aron ficou confinado durante sua agoniante prisão.
Indian Millionaire
A.R. Rahman volta a trabalhar com Boyle após conquistar dois Oscar por seu trabalho em “Quem Quer Ser Um Milionário?”. Superando todas as expectativas, Rahman novamente entrega um trabalho fora do normal criando trilhas versáteis, ecléticas, memoráveis e, quem sabe, imortais.
Durante os segmentos que Aron tenta escapar da rocha, a música “Liberation” e suas variações encantam os ouvidos do espectador, graças sua evolução. Ela é composta por uma batida viciante proveniente de uma guitarra elétrica. Na primeira vez que toca, passa despercebida, assim como a primeira tentativa de Aron para sair da rocha. Já na segunda vez, fica mais agressiva em seu final, ajudada por solos de violinos. A terceira e última vez é impetuosa, desesperada, acelerada, cruel e hipnótica e mais complexa com várias escalas crescentes e decrescentes do violino, além de uma bateria incessante com distorções da batida da guitarra. Todas as músicas do filme são inspiradas, originais e belas – principalmente a indicada ao Oscar – “If I Rise”.
A trilha licenciada é tão boa quanto à original. Porém, se for procura-la para ouvir mais tarde é provável que não saia tão satisfeito quanto no cinema onde as imagens ilustram o ritmo das músicas. A ironia também é expressa criativamente com o uso da música “Lovely Day” de Bill Withers em um dos melhores segmentos do filme.
Boyle Merchandising
Danny Boyle é um diretor único na atualidade se superando a cada trabalho realizado. Ele já começa seu filme dinamicamente ajudado pela edição fundamental de Jon Harris, dividindo a tela em três imagens paralelas, bombardeando o espectador com filmagens da correria cotidiana lotada de pessoas. E isso contrasta bem com a solidão de Aron durante o filme.
A propaganda é bem presente em seu filme, no começo, imagens de vários fast-foodsaparecem na tela e no meio, brinca criativamente com a publicidade fantasiosa e ridícula dos refrigerantes, tornando-a uma antagonista do filme, quase mais cruel que a rocha em si. Esse uso de dividir a tela em três aparece diversas vezes durante o filme. Mas, não se preocupe. Ela é feita competentemente sem confundir o público.
O tão polêmico segmento que todos falam é, sim, forte e Boyle não poupa o espectador do festim de sangue. Porém, ele realiza com rapidez deixando a cena com pouco mais de um minuto quando, na verdade, Aron demorou quarenta e quatro minutos para realizar o ato mórbido. Ele consegue criar uma atmosfera envolvente e emocionante familiarizando rapidamente o espectador com o protagonista.
A água é muito enfatizada em seu filme que poderia se chamar até de “Ode à Água”. Boyle gosta de filmar com closes a água movimentando-se de todos os ângulos possíveis e imagináveis, isso quando não entra dentro dela com a camêra em um movimento fantástico. Ele também sabe ilustrar bem as alucinações e desejos de Aron sem deixar o espectador perdido ou desapontado no meio dos devaneios. Fora isso, merece o destaque de conseguir transformar James Franco em um ator fora do normal.
127 Horas em 94 minutos
“127 Horas” é um filme surpreendente que traz uma história real de superação, força de vontade e desejo pela vida de uma forma completamente única. É bem forte e não é recomendado para sensíveis ou cardíacos, mas os que não sofrem de tais problemas e encaram o horror de frente, não deveriam perder por nada essa obra contemporânea do cinema e começar a olhar com outros olhos os programas sensacionalistas de sobrevivência transmitidos pela tevê a cabo. Apenas, prepare-se. Você vai participar de uma situação sufocante e única!
127 Horas (127 Hours, USA, UK – 2010)
Direção: Danny Boyle
Roteiro: Danny Boyle, Simon Beaufoy, Aron Ralston (Livro)
Elenco: James Franco, Kate Mara, Amber Tamblyn, Sean Bott, Koleman Stinger, Treat Williams, John Lawrence, Kate Burton
Gênero: Aventura, Biografia, Drama
Duração: 94 min.
https://www.youtube.com/watch?v=ivp3I_8shRg&ab_channel=127horas
Crítica | Bravura Indômita (2010)
A partir do século XIX, junto com a iniciativa governamental de Thomas Jefferson, o tão chamado “velho oeste” foi o palco da expansão da fronteira dos EUA, local onde ocorreu o maior genocídio indígena da história. Visando o lucro, assim como zumbis, fantasmas e super-heróis, os cowboys não demoraram muito para serem endeusados pelo sensacionalismo do cinema, em especial, o de Hollywood. Após muitos filmes western spaguetti, especialidade de Clint Eastwood, os irmãos Joel e Ethan Coen lançam sua versão de Bravura Indômita para o público e ainda arrancam dez indicações ao Oscar.
Mattie Ross é uma garota de quatorze anos completamente destemida e está à procura de vingança. Um homem chamado Tom Chaney assassinou a sangue frio seu amado e querido pai. Para vingar-se, Mattie contrata o caçador de recompensas Rooster Cogburn, um homem de bravura indomita. Prestes a partir para o perigoso território indígena, encontram outro homem, um texas ranger, LaBoeuf que oferece ajuda já que ele também procura Chaney.
Explorando territórios explorados
O roteiro de Joel e Ethan Coen adapta fielmente o filme clássico de 1969 e consegue ser um retrato distinto da sociedade da época do velho oeste. Relembra superficialmente o preconceito existente contra negros e índios e a falta de argumento das mulheres sempre desrespeitadas.
Apesar de a trama ser interessante e cheia de reviravoltas, existe algumas falhas. Os diálogos são muito bons e cativam por sua qualidade, mas podem ser demasiadamente maçantes para alguns espectadores. Também existe um problema na falta de sensação de desenvolvimento na jornada dos três personagens, sendo que o desfecho ocorre muito ao acaso e quando acontece, não causa o impacto esperado. Infelizmente, com um universo tão amplo como o faroeste, o roteiro desaponta ao não reapresentar ao público os lendários duelos de pistolas, as confusões e tiroteios no saloon e os clássicos assaltos as carruagens e bancos.
A caracterização criada para os personagens é incrível e marcante. Todos se lembrarão de Cogburn com seu tapa olho e sua mira imprevisível e de LaBoeuf com suas botinhas cheias de sininhos e sua matraca dispare daqui a alguns anos. O humor quase raro no roteiro é existente, porém quando vem é recheado de sarcasmo e humor negro – aquele que todos moralistas “adoram”. Por exemplo, a tragicômica cena dos enforcados.
Bad Bridges
Jeff Bridges realmente encarnou Cogburn durante sua célebre atuação, tanto que conseguiu livrar-se de seus tiques nojentos como suas fungadas bizarras em Tron: O Legado e Coração Louco. Seu personagem é um dos mais legais do filme, assim como sua atuação divertida. Ele é o cara mais bad ass e machão de toda história do gênero, sempre bêbado e pronto para atirar em alguém, porém com um lado sensível que desconhecia. O maior destaque de sua atuação, além do seu andar e de seu jeitão irreverente, é o trabalho com o sotaque que ficou absolutamente perfeito e condizente com seu personagem.
Matt Damon ficou novamente desmerecido no Oscar este ano porque LaBoeuf é um personagem cativante. Ele atua sempre com certa petulância visto que seu personagem é um texas ranger – um posto de luxo para os militares do Texas na época. O sotaque é uma característica diferenciada em todos os personagens, por isso citarei como ele se comporta com cada ator. No caso de Damon, o sotaque de LaBoeuf é legitimamente texano, cheio de curvas, ríspido e um tanto lento, porém ele consegue torna-lo em algo completamente elegante.
A novata Hailee Steinfield nunca havia protagonizado um longa metragem, e, logo de cara, participa de um projeto milionário com dois atores formidáveis e um pouco intimidantes, mas mesmo assim ela conseguiu que não ofuscassem sua presença. Com a marcante característica da teimosia, ela sustenta sua personagem e desbrava seu talento. Novamente, aqui acontece um sotaque diferente dos outros dois, ela cria uma fala rápida e tipicamente caipira.
Infelizmente, Josh Brolin não teve tempo de mostrar seu valor durante o filme – acredito que ele apareça apenas trezes minutos no longa. Graças a isso não é possível associar aquela dimensão de vilania criada pelo roteiro com o personagem devido sua breve aparição. Um ator que provou sua competência e seu timing foi Barry Pepper interpretando o caricato Lucky Ned, esse sim pode assumir o posto de antagonista principal do filme, sabendo medir seus níveis de crueldade.
Novas paisagens às terras desconhecidas
O diretor de fotografia, Roger Deakins, já foi indicado nove vezes para o Oscar e, por algum infortúnio do destino – ou da Academia –, nunca conseguiu por as mãos em um. Isso já dá uma dimensão de sua genial fotografia, afinal nove indicações não são para qualquer um.
Aqui, ele redimensionou suas cores na tela para o amarelo meio bege, o azul claro da noite, branco capturado da neve e, de vez em quando, um tom esverdeado. Também utiliza vários planos clássicos do gênero do velho oeste – planos americanos e conjuntos. O vazio ou o nada da paisagem hostil é utilizado diversas vezes em seus planos abertos. Inserindo os três personagens nesse meio, transmite uma dimensão impactante da solidão e também do perigo que eles vivem. Fora isso, gosta de trabalhar com silhuetas dando um resultado original e interessante ao filme, sendo que o segundo melhor plano que vi na minha vida é resultado do uso dessas silhuetas – espere até a cena da última cavalgada para entender do que falo.
Não é à toa a indicação ao Oscar de melhor direção de arte deste ano. Realmente, o resultado é fantástico. Toda a cidadezinha onde ocorre a primeira parte do filme é recriada com extrema perfeição em todos os aspectos. Até mesmo nos objetos, papéis de parede e claro, o belo figurino detalhado completamente condizente com a época.
O destaque ficou para outro
A música, quando aparece, é boa. Conseguem casar com as cenas e principalmente com a época do wild west. Em especial a primeira música do filme, “The Wicked Flee” é marcante graças à composição feita pelo piano. É interessante citar que as outras composições do filme são apenas variações deste tema alternando o ritmo e os instrumentos. Apesar de a trilha ser composta por Carter Burwell, Iris DeMent marca sua presença com a melhor música da película “Leaning On The Everlasting Arms”.
Entretanto, mesmo com a música muito bem trabalhada e agradável, são os efeitos sonoros que realmente impressionam e indicados ao Oscar – Mixagem e Edição de Som. O melhor exemplo que posso dar de como são bem feitos, são os sons abafados dos tiros. Existe uma cena que Bridges anda até uma aparente mina de carvão e atira para dentro dela. É ali que acontece o melhor efeito sonoro do filme inteiro onde o som da bala reverbera nas imperfeições da mina enquanto se distancia.
The proud of Sergio Leone
Os irmãos Coen já haviam explorado o faroeste antes com o seu neowestern Onde os Fracos Não Têm Vez. Como esta versão de Bravura Indômita é uma refilmagem do filme de 1969, eles quase se viram de mãos atadas por não deixarem suas características na sua versão.
Entretanto, conseguiram o ultrapassar a barreira psicológica e alterar o inalterável. Suas marcas estão lá, uma delas o absurdo e o inusitado – o homem-urso montado em um cavalo. A violência relâmpago também aparece.
Eles sempre foram uma dupla de diretores que valorizam muito a atuação de seus atores e seus esforços realmente dão um belo resultado conseguindo criar uma harmonia perfeita entre seus atores. Um trabalho tão bom quanto o de Sergio Leone na direção de Três Homens em Conflito. Fora isso, a dupla consegue criar uma atmosfera envolvente e profunda de tão detalhada e caracterizada.
Mais uma vez no oeste
Bravura Indômita é um ótimo retorno ao mundo caricato do faroeste e consegue consagrar novamente o gênero que andava esquecido. Apesar de parecer parado e monótono, vale a pena pelas belas atuações, suas alegorias técnicas e a direção dos Coen que fica cada vez melhor. Eles provaram não serem necessárias oitocentas mil balas para fazer um ótimo filme de velho oeste.
Bravura Indômita (True Grit, EUA - 2010)
Direção: Joel Coen e Ethan Coen
Roteiro: Joel Coen e Ethan Coen, baseado na obra de Charles Portis
Elenco: Hailee Steinfeld, Jeff Bridges, Matt Damon, Josh Brolin, Domnhall Gleeson, Barry Pepper, Dakin Matthews, Paul Rae, Elizabeth Marvel
Gênero: Faroeste
Duração: 111 min
https://www.youtube.com/watch?v=qIJ4OJ1wH3o
Crítica | A Árvore da Vida
“Haja Luz”, disse Deus no primeiro dia da criação de todos os seres do Universo. No sexto dia, Deus cria o homem a partir do nono comando. “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança: domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todo o réptil que se arrasta sobre a terra.” Logo após, o Criador recita outro comando direcionado aos homens, “Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra e sujeitai-a(…)”. No sétimo dia, exausto pela sua magnífica criação, Deus descansa.
Tudo está bem para o homem. Adão caminha de pés descalços pelo solo verde e fértil aquecido pelos raios solares. Está protegido por Deus e nada é capaz de lhe fazer mal. O Criador permite que Adão desfrute de todas as maravilhas do Jardim Sagrado com exceção de somente uma. Deus proíbe que o homem chegue perto da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, pois possui o fruto proibido da morte. Adão obedece veemente a Deus e continua a viver harmoniosamente com todos os seres que habitam o paradisíaco Jardim do Éden. Porém, Adão possuiu um problema de comunicação com os animais. Então, eis que Deus cria Eva a partir da costela de Adão.
Adão e Eva estavam nus e não se envergonhavam disto. Adão explorou os arredores do Éden enquanto Eva era abordada pela serpente, o animal mais astuto do campo. Com suas palavras sibilantes e capciosas, o ardiloso ser convence Eva a tomar do fruto proibido da Árvore do Conhecimento. Convencida pelo argumento ganancioso de que iriam se tornar deuses após comer o fruto, Eva dispara ao encontro de Adão para contar as novidades. Adão, ignorante, não reluta a antiga tentação. Após uma mordida no fruto maldito, Adão e Eva percebem que estavam nus e se escondem nos arbustos. Deus percebe que há algo de errado e pergunta por que suas criações estavam com as vergonhas cobertas. Deus sabia que sua pergunta era retórica e a raiva lhe sobe o intelecto.
O tempo fecha, tudo escurece, os animais se agitam, a Terra treme com a ira do Todo Poderoso. Então, o Senhor procura o animal maldito. Encontrando-o, amaldiçoa a serpente ao posto de animal mais desprezível e a obriga a se arrastar e comer pó até o dia do Apocalipse. Depois, Deus pragueja violentamente contra Adão e Eva condenando-lhes ao trabalho pesado e as horríveis dores do parto. Depois de expulsar os homens de seu Jardim Sagrado, o Criador posiciona um querubim armado com uma espada de fogo na entrada do Jardim e ordena que destrua quem ousar adentrar em tal reduto. Adão e Eva lamentam-se pela terrível escolha que tomaram. Deus havia permitido que comessem do fruto da Árvore da Vida. A árvore que garantia a vida eterna.
Explode o Big Bang. Gases e fluídos se condensam em um processo natural para formar o nosso misterioso Universo. Bilhões de anos depois, os planetas tomam formas. A Terra ainda estoura em magma escaldante em sua atmosfera inóspita. Conforme o tempo passa, o planeta se acalma e resfria permitindo que a vida se forme. As bactérias surgem e começam a evoluir para as mais diversas e complexas formas de vida que conseguimos identificar e categorizar atualmente. Os seres começam a deixar o meio aquático. Os répteis conquistam definitivamente o meio terrestre, porém seu reinado é curto. Os grandes sauros são extintos assim que um meteoro gigantesco colide com a Terra devastando toda a biosfera. A vida, novamente, encontra outro caminho para ressurgir mais uma vez em uma atmosfera tóxica e vil. O pulo evolucional continua. É aniversário de morte do irmão de Jack. O homem de meia-idade ainda lamenta a perda e relembra dos queridos anos 50. Lar de sua juventude e de sua família texana, os O’Brien. Com seus pensamentos, Jack faz uma busca para confortar sua decepção. Em suas memórias, ele se reencontra com sua família e com seu irmão falecido em busca de sua redenção.
O choque de dois mundos
Terrence Malick escreveu uma breve história do universo intercalada com a narrativa da família O’Brien em seu emocionante roteiro. O roteirista e também diretor da obra, provou ser mestre em transmitir as várias mensagens de seu filme com poucos diálogos. Malick traz de volta a boa forma para o cinema que andava meio perdida com diversos lançamentos blockbusters semanais. Ele entende que o bom cinema é aquele que traz ótimas histórias sobre a humanidade de seus personagens.
A história evoca a natureza da mente humana de uma maneira bem subjetiva, mas muito interessante. O teor religioso da obra é elevadíssimo, assim como o natural. Malick divide muito bem esses dois opostos. A natureza é presente com o arco narrativo da formação do Universo e do nosso planeta. É fantástico o modo que o roteirista respeitou a linhagem temporal proposta pelos cientistas atuais a respeito da criação do Universo. Tudo começa com o Big Bang e continua a evoluir até os dias de hoje. Existe, sim, uma linearidade nesse segmento do filme. Isso é notável pela evolução dos seres aquáticos que começam a dominar o meio terrestre. Felizmente, esse segmento não ficou completamente alheio à trama majoritária do filme graças a proposta divina/natural da obra.
A aura religiosa encontra-se na história dos O’Brien. Malick transmite explicitamente os pensamentos de três personagens: o pai, a mãe e o filho, no caso, Jack. Graças a esta exposição dos sentimentos e dos ideais de cada um através de uma narração em off, Malick cria a oportunidade do espectador analisá-los psicologicamente. É aqui que o Id, o Ego e o Superego tomam forma absoluta na história cinematográfica, pois nenhum roteiro conseguiu encará-las em sua plena totalidade. Antes, vou explicar o significado destes termos nunca abordados antes em uma crítica do blog.
Freud propôs que a mente humana é composta por duas partes, a consciente e a inconsciente. O lado consciente apresenta apenas a porção superficial que temos sobre o nosso intelecto. Nenhum ser humano é capaz de analisar perfeitamente seu aspecto inconsciente de sua personalidade. Depois de alguns anos, Freud analisou novamente essa divisão entre o consciente e o inconsciente e criou os termos “Id, Ego e Superego” para defini-la com mais cuidado.
O id é a parte mais selvagem, primitiva e inacessível da personalidade. Sempre busca a satisfação imediata sem ter noção de seus atos. O id busca eliminar a tensão constante da busca pelo prazer. Ele contém a nossa energia psíquica mais básica da personalidade e como está sempre à procura de algo, é preciso de um mediador que controle os atos violentos que poderiam ser causados por uma pessoa que não consegue manter o equilíbrio de sua personalidade. O doente que tem o id em excesso é o psicopata.
O ego é o mediador das ações desreguladas do id. Ele consegue controlar os instintos primitivos da personalidade mantendo um equilíbrio teoricamente perfeito com as consequências do mundo externo, o mundo material. O ego representa a razão, o contrário da paixão irracional do id. Busca, também, o prazer, porém obedece aos princípios da realidade. Ele atinge o prazer ao encontrar o objeto apropriado para lhe satisfazer. O ego não existe sem o id, aliás, extrai suas forças dele. E luta constantemente contra o id para satisfazer as necessidades dos instintos mais primitivos do homem.
O terceiro componente da personalidade é o superego. Ele representa a moralidade e é desenvolvido desde o nascimento da criança. O superego é formado pela educação que o indivíduo recebe de seus pais. Distingue o certo e o errado, o bom e o ruim e cria os valores e a moral do intelecto da pessoa. Também estabelece uma relação entre a recompensa e a punição merecida proveniente de seus atos. De uma maneira mais simples, o superego é aquele lado que grita dentro da sua cabeça “não faça isso ou aquilo. Isso é errado!”. Ou seja, freia seus atos a fim de alcançar a perfeição do ser. A religião está diretamente ligada ao superego dependendo da educação do indivíduo.
Explicados os termos psicológicos, vamos a análise da segunda parte do roteiro impecável de Terrence Malick. Ele trabalha muito com metáforas e sugestões ao longo da narrativa. Entretanto, alguns aspectos prefere deixar bem explícito a fim de tornar sua obra relativamente fácil para todos os públicos. De início, Malick apresenta Mrs. O’Brien em sua juventude. Ele explica que a mulher teve uma criação religiosa o que define muito bem seu perfil bondoso e ingênuo. Mrs. O’Brien é um retrato da mulher dos anos 50. Religiosa, dona de casa e calma, uma pessoa que se preocupa apenas com a educação caseira de seus filhos. Ela é o ego perfeito. Aceita sua rotina e quase nunca transparece sua personalidade primitiva. Suas mensagens sempre relevam o amor e a religião e contam com um leve ar de didatismo. Fora isso, Malick faz uma crítica inigualável ao homem em relação ao modo que tratamos a natureza através da mensagem de Mrs. O’Brien.
Eis então que entra o autoritário Mr. O’Brien. Malick trabalha espetacularmente esse personagem. A personalidade do personagem é imprevisível. Ele é o ego que permite que o id comande por alguns momentos. Mr. O’Brien tem um discurso mais áspero, ganancioso e extremamente didático. Ele tem convicção no que faz e acha seus métodos eficazes, porém é cego pelo orgulho e não percebe que está criando uma atmosfera incômoda no relacionamento com seus filhos. A educação que o homem dá aos filhos é rígida, exigente e intolerante, mas ele não é um monstro. O’Brien só percebe que está extrapolando quando o meio externo atinge diretamente seu orgulho, seja com um abraço desesperado do filho ou com conflitos no trabalho.
O personagem também tenta se informar sobre tudo e todos para tentar reprimir um sentimento ignorante que é evidenciado apenas uma vez no filme. Além disto, o personagem busca constantemente ser gratificado por suas conquistas denotando uma grande necessidade de atenção e uma carência afetiva. Afinal, é um homem que carrega a decepção do “sonho americano” nas costas. Além disto, Mr. O’Brien é levemente hipócrita e invejoso. Ele não percebe que o dinheiro não traz, obrigatoriamente, a felicidade.
E o personagem mais rico do filme inteiro, Jack. O espectador acompanha a infância instigante do garoto e breves momentos de sua fase adulta. Malick trabalha com opostos ao apresentar o Jack adulto, amargurado e triste, e o Jack jovem, energético e amável. O psicológico dele é o mais trabalhado e interessante. Malick introduz questionamentos que todos nós fazemos através dos discursos de Jack. O personagem questiona os métodos suspeitos e cruéis de Deus e pragueja contra o pai.
Jack é o ego instávelem formação. Há momentos que o garoto precisa extravasar e liberar seu id. Porém, o arrependimento do ato realizado e o medo de suas consequências deixam o superego elevadíssimo. Assim, a ansiedade é uma característica constante no intelecto de Jack graças à tensão que seu ego recebe a todo o momento.
Ele sofre com a censura paterna e só tem liberdade quando seu pai se ausenta. Aliás, o conflito parental que Malick constrói é um dos melhores que já vi. Jack é um misto de paixões com a necessidade de explorar. Conforme a relação com o pai piora, ele fica mais agressivo. Suas brincadeiras passam a ficar mais perigosas e cruéis, porém, assim como seu pai, não é um monstro. O personagem também é carente e por ser jovem, não sabe lidar com a decepção, culpa e, principalmente, com a raiva. As traquinagens são uma válvula de escape para liberar todo esse sentimento preso. O garoto sente uma obrigação de descobrir um talento para agradar o pai, afinal, é o mais velho e é o “patinho feio” da família. Por isso, sente uma notável inveja de seu irmão que consegue se comunicar melhor com os pais. É interessante notar que Jack busca o perdão, porém não consegue perdoar os outros.
Com personagens tão bons, a história narrativa não poderia ser diferente. Malick trabalha com a vida e suas situações. O filme traz vários momentos que todos nós já vivenciamos e, consequentemente, o espectador sentirá uma nostalgia de sua infância, de seus pais, de seus amigos, de suas brincadeiras… A linearidade da história pode ser confusa para alguns, pois alguns segmentos não têm muita relação com o que o precede. Entretanto, isso é uma característica única no filme de Malick. A história é feita de memórias do protagonista e, por isso, elas não seguem uma linearidade expressiva. Afinal, nossos pensamentos não seguem nenhum padrão pré-estabelecido. O nome desta característica é “fluxo de consciência” e ela raramente aparece em filmes ou livros.
Praticamente nada escapa dos olhos atenciosos do roteirista. Ele, de fato, conseguiu realizar um breve resumo da vida e de suas paixões – em dado momento do filme, pensei: “Ele tem tudo!”. Porém, nem tudo é perfeito na escrita impecável de Malick. Existe uma versão do longa com a decupagem original com seis horas de material pronto. A versão dos cinemas tem apenas duas horas e vinte minutos. Obviamente, várias relações saíram prejudicadas por isto. É evidente que várias cenas receberam mais atenção na versão do diretor.
O primeiro amor de Jack é um exemplo perfeito disto. Fora isso, alguns personagens também não recebem nenhum aprofundamento. Steve, o irmão mais novo, é minimamente explorado. No fim do longa, senti que Malick conseguiu contar e transmitir a principal mensagem do filme. Mas tenho certeza que tinha muito mais ali a ser explorado.
A humanidade como ela é
O elenco de “A Árvore da Vida” é de cair o queixo. Todas as atuações possuem uma naturalidade inacreditável. Brad Pitt deixou seu semblante de galã há tempos. Ele tornou-se um sinônimo de qualidade, um ator excelente. O psicológico de Mr. O’Brien só fica explícito desta maneira por causa de sua atuação – é impossível imaginar o papel nas mãos de outro ator.
Pitt tem um ar severo no seu olhar. Carrega uma atmosfera tenebrosa enquanto contracena com as crianças. O espectador sente que a instabilidade temperamental do homem pode explodir a qualquer instante e fazer mal para as crianças. Entretanto, mesmo com essa atmosfera tensa nas cenas que acompanham o relacionamento do pai com os filhos, Pitt transmite subjetivamente que nunca seria capaz de fazer mal a sua mulher transpondo uma relação de respeito e amor.
“Os olhos são a janela da alma”, disse uma vez Leonardo da Vinci. E como ele estava certo. Os olhares de Brad Pitt transmitem todas as características do personagem, mas isto não torna Mr. O’Brien um homem superficial. É uma complexidade compreensível, um claro enigma. Uma antítese em movimento. Ao mesmo tempo em que Pitt molda olhares fascinados e apaixonados pela perfeição física de seu filho recém-nascido, também constrói expressões de extrema fúria e ira. O ator trabalha a característica instável do personagem muito bem ao longo do filme. Ele apazigua seu temperamento assim que percebe a amplitude de seu conflito com Jack.
A linguagem corporal do ator é outro espetáculo e também reforça o tom autoritário do personagem – repare como ele sempre aponta, ameaçadoramente, o dedo indicador quando corrige as atitudes de seus filhos. A atuação de Pitt é composta de vários acertos como a cena em que ensina seus filhos a lutar. Os únicos momentos em que o ator deixa as expressões preocupadas e autoritários são aqueles em que contracena com Jessica Chastain, Mrs. O’Brien.
Chastain encarna o espírito da maternidade com uma suavidade fantástica. Ao contrário do pesado Mr. O’Brien, Mrs. O’Brien é a leveza pura, o lado gracioso da película. A mulher conta uma beleza clássica para ajudar a construir sua personagem que não vê maldade nas atitudes naturais do marido. A atriz emana bondade e felicidade, mas também sabe construir expressões naturais de desconfiança. É incrível notar como Chastain incorpora o espírito da mãe. A linguagem corporal da atriz é expressiva. Em uma cena, foge da brincadeira dos filhos com movimentos estabanados e mornos explicitando que também estava se divertindo com as palhaçadas dos garotos. Mas também sabe assumir poses inquisitoriais. A feição levemente emburrada acompanhada com a pose em que ela coloca as mãos na cintura deixam claro o sexto sentido da mulher quando desconfia das atitudes de Jack.
O elenco mirim não compromete chegando até a surpreender em vários momentos. Hunter McCraken torna Jack O’Brien um personagem único. Como ainda é criança, a naturalidade de sua atuação é apenas uma consequência bem vinda. Não é exagero chamar a atuação deste moleque nada menos que perfeita. Repare como muda sua feição toda vez que Brad Pitt entra em cena ou quando ele o abraça. O incômodo é perceptível em sua face assim como na postura encolhida. Ele tem medo e ódio do pai. Até sua dicção chama a atenção do espectador quando ele discursa em off. Ao contrário de seu pai e de sua mãe, Jack sussurra para o espectador evidenciando a grande censura e retração que o personagem sofre. O garoto trabalha muito com sua expressão corporal. Uma criança nunca consegue mentir, seu corpo sempre diz a verdade que o cérebro tenta esconder. Quando Jack exagera nas suas brincadeiras ou faz mal a alguém, McCraken assume uma expressão torta, nervosa, assustada e curvada. O ator não deixa de impressionar a todo instante. Responde muito bem as cenas dramáticas e as cômicas – a cena que ele encarna o tom de Mr. O’Brian é impagável. O melhor de tudo é a sutileza do ator – nada fica caricato ou indigesto em seu personagem.
Laramie Eppler vive o irmão do meio da família O’Brien. O ator cria uma figura misteriosa, amável e bondosa para o personagem que se assemelha muito com a mãe – ao contrário de Jack, parecido com o pai. Sean Penn detonou o filme em algumas entrevistas. A causa disto deve ter sido seu tempo curtíssimoem tela. Penn trabalha muito com olhares desolados e melancólicos com uma feição que pouco varia. Penn trabalha poucas vezes com sua linguagem corporal. Somente duas vezes ela se torna relevante. Uma, quando o personagem tem uma dificuldade absurda ao atravessar uma porta no limbo de suas memórias – a porta representa o perdão, a anistia, a redenção espiritual de Jack. E outra, quando Penn cai de joelhos, exausto e estupefato, por ter conseguido encontrar a memória que tanto procurava. Ou seja, a atuação de Penn é composta de metáforas e significados. Porém, não deixa de ser decepcionante não conhecer um pouco mais do personagem em sua fase adulta – novamente a decupagem cinematográfica comprometeu alguns segmentos do filme.
A pintura feita de luz
Emmanuel Lubezki é o diretor de fotografia de “A Árvore da Vida”. É a segunda vez que o cinegrafista trabalha com o antissocial Terrence Malick. A característica mais gritante da fotografia de Lubezki são os opostos cheios de significado que cria no início da projeção. Primeiro, o cinegrafista apresenta os saudosos anos 50 estadunidenses. As cores são saturadas e o verde de sua paleta, exuberante ao extremo. Logo depois, o espectador é jogado no mundo atual. Lá, os tons assumem cores metálicas, pálidas, monocromáticas e completamente sem-graça. O verde, que preenchia a tela nas cenas anteriores, desaparece. E os tons cinzentos reinam absolutos. O branco, que representa o vazio no caso, também é muito presente nos segmentos que acompanham Jack já envelhecido.
Com isso, Malick e Lubezki criam uma aura nostálgica, viva e mística para o passado. E o presente fica retido apenas no trabalho exaustivo. Os homens deixaram o altruísmo e abraçaram o egoísmo. Não vivemos mais pelos outros, mas sim pelo trabalho. Pelo nosso próprio ganho e mérito. Apenas com as cores certas, Lubezki consegue criar várias críticas ao mundo contemporâneo.
Raramente o cinegrafista se encontra limitado aos tons azulados e amarelados tão comuns nos filmes atuais. Quando trabalha com essas cores, insere-as no segundo ou no terceiro plano criando contrastes entre elas. E é criativo ao criar esses contrastes. Tome o seguinte plano como exemplo: quando Jack espiona a briga dos vizinhos, nota-se que as paredes exteriores da casa recebem tons azulados. Já no interior do cenário, os tons são predominantemente amarelados. Assim, além de inserir o contraste belo, Lubezki adiciona uma ilusão de profundidade exemplar.
O mundo cheio de vida do passado também conta com outro grande manejo de iluminação de Lubezki. O cinegrafista e iluminador pinta obras de arte em movimento com sua luz incidente. A artística incidência é a mais natural que já presenciei. Ele a incide no cenário e nos atores de maneira levíssima permitindo uma modelagem de sombras peculiar e mais atenciosa. Com o auxílio de cortinas, Lubezki consegue suavizar a luz natural do Sol nas cenas internas diurnas. O fotógrafo também gosta de trabalhar diversas vezes com projeções de sombras muito inspiradas.
Lubezki também dá significado em técnicas que acabaram banais no cinema hollywoodiano. O efeito contraluz é bem expressivo em sua fotografia e a partir dele, consegue moldar silhuetas impecáveis. Outro manejo de iluminação muito inspirado são os flashes de luz que aparecem apenas uma vez durante o longa. Lubezki mimetiza a iluminação típica de faróis. Ou seja, a luz percorre todo o cenário permitindo uma modelagem de sombras fantástica. O truque adiciona uma teatralidade inestimável para a cena. Os reflexos também são inspiradíssimos.
Entretanto, a técnica de Lubezki não se resume apenas a iluminação. Ele usa diversos tipos de lentes para capturar as imagens. Em vários momentos do filme, utiliza um recurso chamado deep focus. Assim, deixa algumas imagens completamente nítidas sem nenhum desfoque. Perceba que em todas as cenas diurnas, interiores ou exteriores, a presença do Sol causa uma superexposição de luz belíssima. Graças a isto, o cinegrafista encontra oportunidade de aproveitar artisticamente, a refração de suas lentes. Malick usou três casas para filmar as cenas interiores. Fez isso para que a luz do sol sempre incidisse diretamente no cenário. O manejo do diafragma das lentes é igualmente bem feito. Isso é perceptível em um plano que mostra R.L. tocando violão na varanda. Repare que assim que a câmera se aproxima do garoto, Lubezki abre o diafragma constituindo uma atmosfera espiritual para a cena.
Douglas Trumbull é o responsável pelos magníficos efeitos visuais do longa. O homem estava afastado desta área cinematográfica por trinta anos e seu retorno não poderia ter sido melhor. O primeiro trabalho em efeitos visuais de Trumbull foi “2001: Uma Odisséia no Espaço” e muitos sabem que esse aspecto do filme é fantástico, aliás o filme inteiro é. O melhor de tudo isto? Trumbull criou a maioria dos efeitos visuais de “A Árvore da Vida” com o auxílio mínimo de computação gráfica – ele utiliza apenas para compor profundidade na imensidão negra com poeiras cósmicas virtuais.
Trumbull criou toda a exuberante sequência da criação do Universo com líquidos, fluidos leitosos, pós-coloridos, tintas, químicos, soluções fosforescentes, flares, CO2 e luz, muita luz. As formas geométricas abstratas feitas para a cena são belíssimas. É a harmonia no meio do caos. As hipnóticas imagens criadas são a noção perfeita da Gestalt. Tudo é belo, cósmico, espiritual, físico, colorido e cheio de textura nesta sequência. Para gravar essas cenas, Lubezki utilizou câmeras especiais com zooms ópticos gigantescos, além de contar com uma velocidade de captura aceleradíssima. O espetáculo da computação gráfica acontece nas cenas que envolvem os dinossauros.
Quando um compositor não basta…
A música original do filme foi composta pelo competente Alexandre Desplat. É difícil perceber o que é trilha original e licenciada no meio das diversas músicas do filme. Entretanto, após escutar pela internet, reconheci quais eram as músicas de Desplat. Novamente, o compositor explora notas repetidas no piano – isso aconteceu na trilha de “O Discurso do Rei”. O piano é o instrumento mais expressivo em várias composições. É importante ressaltar que algumas músicas assumem um tom muito ameaçador através dos acordes graves e lentos dos violinos.
Na verdade a trilha do longa é muito parecido com a de “O Discurso do Rei”. Essa característica de repetir escalas, tons e notas é constante nas músicas do filme. Elas são bem tranquilas e sempre contam com um fundo musical constante de violinos. Várias são cíclicas e bem monótonas explicitando o clima pacífico dos anos 50. Às vezes, Desplat utiliza harpas para fugir da mesmice. Em suma, a trilha original não surpreende e é bem calma. Entretanto, a música de Desplat não chega nem perto da qualidade da trilha licenciada composta de inúmeras composições clássicas.
Desplat e Malick selecionaram músicas imperdíveis para a trilha sonora licenciada. São inúmeras as composições, entre elas “Funeral Canticle”, de John Tavener; “Lacrimosa”, de Zbigniew Preisner; “Siciliana Da Antiche Danze Ed Arie”, de Ottorino Respighi; “Hymn to Dionysu”, de Gustav Holst; “Má Vlast Moldau (Vltava)”, de Bedrich Smetana; “Symphony No. 4 em E menor”, de Brahms; “Lês Barricades Mysterieuses”, de F. Couperin; “Toccata e Fuga”, de Johann Sebastian Bach; “The Well Tempered Clavier”, de Johann Sebastian Bach; “Requiem – Agnus Dei”, de Hector Berlioz, entre outros.
Transcendendo Malick
Terrence Malick é conhecido por ser desconhecido. O diretor é completamente misterioso e existem pouquíssimas fotos dele. Ele não aparece em eventos nem para ser premiado. O cara é completamente antissocial. Não se importa se gostam dele ou não e tampouco se gostam de seus filmes, mas a verdade é esta, ele faz cinema como ninguém.
Sua obra bate de frente em termos de genialidade com a obra-prima de Stanley Kubrick “2001: Uma Odisséia no Espaço”. Obviamente, Malick não conseguiu atingir o nível de sacadas brilhantes que Kubrick atingiu em seu longa, mas chega perto – na minha opinião, a melhor sacada da história do cinema é o salto evolucional do osso para o espaço que Kubrick esculpiu num belo slow motion. As sacadas de Malick são mais humanas e observadoras. Isto é claro quando filma a oscilação débil de um balanço acompanhada de um movimento genial de câmera – Malick maneja sua câmera como ninguém. Os movimentos são fantásticos. Outro exemplo é quando filma as sombras das crianças brincando na rua.
Quem conhece as obras antigas de Malick – quatro longas no total – sabe que é um diretor que ama filmar paisagens e a natureza. Primeiro, Malick explora várias cores com imagens estonteantes da criação do Universo e da Terra – aqui a contraluz é ainda mais expressiva. Se Kubrick preencheu seus devaneios cômicos com “Danúbio Azul” de Richard Strauss, Malick enche os ouvidos do espectador com “Lacrimosa” de Zbigniew Preisner enquanto filma supernovas e nebulosas. Tudo é mágico no filme de Malick.
A água aparece diversas vezes nas imagens da natureza. A vida só existe por causa da água e o diretor realça isto em excesso. Malick filmou a natureza de todas as maneiras possíveis — em tomadas submarinas que capturam a majestosa formação das ondas e a dança das algas impulsionada pela correnteza fluvial, em tomadas aéreas que esbanjam a dimensão grandiosa da paisagem e em tomadas terrestres que mostram a terrível fúria da natureza que supera a fúria do homem. O diretor gosta de trabalhar com abordagens filosóficas ao inserir diversas vezes a imagem de um rio ao longo do filme. Todos nós conhecemos ou estudamos o famoso provérbio de Heráclito, “Nós não podemos nunca entrar no mesmo rio, pois como as águas, nós mesmos já somos outros”. Aqui a imagem é recheada de significado.
Por que Malick abordou a criação do Universo em sua obra? Ora, isso é simples de responder. Imagino que o diretor quis criar um paralelo entre os arcos que acompanham a infância de Jack com a infância do Universo. Ambos são explosivos, intolerantes e ansiosos para começar a viver sem que algo os limite ou censure. As metáforas são outro aspecto muito relevante de “A Árvore da Vida”. Seja nas rápidas imagens dos palhaços ou da figura misteriosa do homem no sótão, o diretor sempre levanta questionamentos e interpretações para todos os espectadores.
O teor religioso é elevadíssimo como havia escrito na parte do roteiro. Malick questiona Deus e seus métodos e, principalmente, a fé dos homens. Entretanto, não deixa de responder seus próprios questionamentos. Seja no dinossauro misericordioso que poupa a vida do outro ou no desfecho onde todos os personagens aprendem a perdoar – até Mrs. O’Brien perdoa Deus. Aliás, Malick mostra a divindade diversas vezes no decorrer do filme através de uma figura misteriosa, quente, abstrata e bela. Repare que quando a imagem aparece, Malick remove a sonoplastia da cena deixando tudo em um breve e profundo silêncio a fim de causar um momento de reflexão para o espectador.
O diretor também sabe aproveitar as técnicas disponíveis para tornar seu filme ainda mais envolvente. Malick é criativo ao utilizar o time lapse e ao filmar as diversas árvores que aparecem no filme – sempre de baixo para cima –, lembre-se que é assim que você vê uma árvore. Apenas uma vez, o cineasta filma as árvores com um ângulo diferente.
Outra comparação que Malick cria é bem interessante. Repare que com distorções de lentes, o diretor deixa os arranha-céus ainda mais altos. Com isso, o cineasta deixa subentendido que, no passado, os objetos mais altos do mundo eram feitos pela paciente modelagem da natureza e não pelas mãos apressadas do homem.
O filme de Malick é sinestésico, ou seja, mistura sensações físicas. O tato é a sensação mais explorada pelo diretor. Os personagens sempre estão em contato com alguma coisa. Seja no abraço quente da terra, no toque refrescante da água, na textura áspera da rocha, na suavidade da grama, etc. Outro trabalho exemplar de Malick é a construção dos personagens. Seu envolvimento com o elenco é tão bom que o público cria uma empatia fortíssima com os personagens. A plateia se preocupa com os garotos e com o futuro da família O’Brien. Aliás, o diretor lança sugestões a todo instante deixando o espectador tenso e curioso em descobrir o desfecho da cena ou do conflito. Malick entende que uma imagem vale mais que mil palavras, mas acho que não captei bem a mensagem ao escrever este texto.
Mas e a tal “Árvore da Vida”? Ela aparece no filme? Sim, surge rapidamente no desfecho do longa. Ela é visível em terceiro plano e a imagem dura apenas alguns segundos. É frágil, escondida e pequenina. Exatamente como algo precioso deve ser. O mais interessante disto tudo é que nenhum personagem percebe sua existência em meio à cena. Ali, o homem não tem ganância. Ali, tudo emana bondade. Ali, o altruísmo e o amor vêm em primeiro lugar.
Ode à vida
Estamos encarando o melhor filme do ano ou talvez da década ao assistir “A Árvore da Vida”? Sinceramente, não sei responder. O filme é excelente e repleto de simbolismo. A mensagem é inspiradora e bela. A fotografia é uma das mais bonitas que já vi e a música toca a alma. Entretanto, este longa é uma experiência completamente pessoal. Existem pessoas que não sentirão nada ao assisti-lo, mas outras acharão outro significado para sua existência. Eu não tive uma crise de existencialismo no meio do filme, mas o achei um entretenimento de primeira qualidade. Ele explora sua inteligência e suplica para que você o interprete. Até mesmo ateus podem gostar do longa, apesar de seu cunho religioso. O que tenho certeza sobre este filme é que estamos encarando uma obra de arte. Difícil, lenta e confusa, mas nunca deixará de ser uma obra-prima lindíssima. Ame ou odeie, mas Terrence Malick provou ser um diretor de extrema precisão.
A Árvore da Vida (The Tree of Life, EUA – 2011)
Direção: Terrence Malick
Roteiro: Terrence Malick
Elenco: Brad Pitt, Jessica Chastain, Sean Penn, Tye Sheridan, Hunter McCracken, Fiona Shaw, Kelly Koonce, Laramie Eppler
Gênero: Drama
Duração: 139 min
Crítica | Invasão do Mundo: A Batalha de Los Angeles
Já é longo o antigo romance da raça humana com os alienígenas. Seja na fantasia ou na realidade, eles sempre despertam um enorme fascínio para nós, afinal são o segundo maior mistério de nosso Universo cheio de segredos. E logo em um piscar de olhos o desconhecido tornou-se o inimigo interplanetário número 1 dos humanos no cinema. São raros os casos em que são tratados como bonzinhos, vide “Cocoon” e “E.T. O Extraterrestre”. Entretanto, os que mais se dão bem nas bilheterias são aqueles que os abordam como invasores, como este filme.
Los Angeles está sitiada. O pânico e o pavor dominam as ruas. O governo age rápido manobrando o exército inteiro da terra hollywoodiana contra a ameaça desconhecida. O sargento-ajudante Nantz recebe a missão de resgatar civis em um D.P. antes que a força aérea exploda Santa Mônica com os ETs malignos. Porém, no meio de tantas correrias, seu esquadrão revela-se ser a única esperança de retomar Los Angeles dos invasores.
Até que a morte nos separe
O roteiro de Christopher Bertolini tenta de todas maneiras criar vínculos emocionais entre o público com seus personagens maçantes, a ponto de até inserir o nome de cada no canto da imagem enquanto apresenta um a um os estereótipos dos mocinhos clichês: o “pai em breve”, o “prestes a casar”, o “novato – prove seu valor”, além do originalíssimo “sargento – estou velho demais para isso”. Isto foi um esforço completamente desnecessário, pois quando algum personagem morre fica difícil de lembrar de quem realmente se trata. Após esta perda de tempo, finalmente insere os ETs em uma história que você já viu e terá de rever.
Quando a enrolação sentimentalista acaba, o roteirista finalmente apresenta os vilões. Bertolini escolheu uma narrativa interessante em que o espectador acompanha os militares em ação sem desfocar deles em nenhum instante. Entretanto, isto prejudicou muito a participação dos alienígenas durante o filme. Ironicamente, aparecem raramente e sempre distantes, ou seja, é praticamente impossível vê-los em detalhes graças a escolha do roteirista. Por causa disto, quase nada é explicado sobre a origem dos seres, apenas que eles vieram detonar o mundo por uns galões d’água, que possuem uma hierarquia social e uma complexa rede de combate. Para os olhos atentos, também é possível perceber que também têm uma linguagem de gestos nas batalhas.
Mas nem tudo é uma desgraça no previsível roteiro de Bertolini. Torna-se bem criativo nas diversas maneiras de matar os invasores e nas proezas de batalha que os protagonistas realizam. Resumindo, a história que escreveu é extremamente patriótica, repleta de diálogos sentimentalistas, adora se autoexplicar e descrever o que acontece na tela. Tem também muitas frases de efeito e, infelizmente, inconclusiva com o resto do Planeta visto que os aliens invadiram vinte países e ele só finaliza a luta em L.A. deixando um grande ponto de interrogação na cabeça do espectador.
Harvey One-Face
O maior destaque do elenco é, sem duvida alguma, Aaron Eckhart, mas isso não significa que sua atuação fora de outro mundo. Eckhart se manteve com somente uma expressão de boca torta o filme inteiro tornando seu personagem apático e desinteressante. Ele não se esforça em nenhum momento para destacar seu personagem dos demais colocando em questão a escolha suspeita do posto de protagonista.
E adivinhem so quem fez o papel de Maria-macho/homem da história novamente? Sim! Michelle Rodriguez reprisando sua especialidade e entregando a mesma porcaria de atuação que todos já cansaram de ver. Até mesmo suas frases já soam familiares. O único que consegue expressar algum drama no fim do mundo é Michael Peña incorporando o civil Joe Rincon, praticamente o único personagem que desperta o interesse do público, além dos aliens. Noel Fisher, Ne-Yo, Cory Hardrict e Ramon Rodriguez completam o elenco divertindo de vez em quando.
Seguindo tendências
A fotografia de Lukas Ettlin é acima da média. Predominantemente bege-amarelada – a iluminação favorita de guerras contemporâneas –, começa muito mal utilizando indevidamente a técnica da “câmera nervosa”. Depois quando o circo começa a pegar fogo, o efeito fica bom e casa com as cenas transmitindo todo o nervosismo e medo dos personagens, além da ação incessante. As câmeras que filmaram o longa também são de um tipo especial. Trata-se de filmadoras 4K, aquelas que têm uma resolução de 4000 pixels. Isto conferiu uma resolução e nitidez monstruosa para o filme deixando as imagens mais belas e polidas.
Ele também trabalha com referências ao mundo dos jogos – alguns de seus movimentos de câmera lembram muito o game “Call of Duty”. Fora isso, consegue entregar planos abertos, auxiliados pelos efeitos visuais eficientes, magníficos mostrando toda a impactante destruição de L.A. Muitas vezes, sua fotografia remete a de “Guerra ao Terror”, principalmente quando joga poeira em suas lentes ou quando captura com belos closes as cápsulas de balas caindo em um inteligente slowmotion.
Os efeitos visuais e a direção de arte também acompanham a qualidade fotográfica do filme. Um realiza com maestria o trabalho de destruir digitalmente L.A. e criar alienígenas bem modelados, enquanto o outro se consagra na reprodução do cenário destruído e sujo do departamento de polícia.
A música que salva Los Angeles
Brian Tyler é um compositor perito em fazer trilhas de ação consagrando-se no gênero. Aqui a história não podia ser diferente, mas suas músicas inspiradas evidenciam seu melhor trabalho até agora. Ao mesmo tempo em que faz músicas para encher os ouvidos e energizar o espectador nos tiroteios, consegue compor outras que soam com um tom épico patriótico desde a primeira nota se assemelhando muito a hinos. Várias vezes essas músicas conseguem elevar o ânimo do espectador conseguindo conferir um entusiasmo bom de sentir – eu sou meio suspeito de escrever esta frase, visto que sempre tenho uma satisfação pessoal e uma euforia exagerada em ver esses malditos ETs voando pelos ares. Tenho que admitir que me contive várias vezes para não sair gritando calamidades no cinema.
Os efeitos sonoros também são surpreendentes. Eles ajudam muito a envolver o espectador na atmosfera do filme e a conferir vários sustos graças à imprevisibilidade dos tiroteios, além de explicitar a importância da audição na sobrevivência dos soldados.
Mudança de hábito
O diretor Jonathan Liebesman é bem conhecido no gênero do terror – dirigiu “O Massacre da Serra Elétrica: O Início”, entre outros. Graças a experiência obtida em seus projetos passados, conseguiu criar um clima interessante cheio de sustos que, embora previsíveis, são, na maioria das vezes, eficientes.
Ele possui uma mania de dirigir muito parecida com a do sempre exagerado Michael Bay. Ou seja, em todas as cenas de ação existe um certo gigantismo e várias explosões atômicas, além da mania patriótica ilustrada pelos feitos macgyverianos de seus soldados. Sua edição é extremamente frenética lotada de cortes rápidos com incontáveis planos em apenas uma cena. Isto de inicio é muito bom deixando a fita bem dinâmica, porém depois de uma hora desse “pisca-pisca” de imagens, o filme começa a apresentar sinais de desgaste e conferir um cansaço visual para o público tornando-se razoavelmente maçante. Seu trabalho com os atores dispensa comentários – pareceu que ele se importou mais com os aliens gosmentos do que com as emoções transmitidas pelo elenco.
Entretanto, há um elemento muito interessante em sua direção que foi pouco explorado. Ele se arriscou a adicionar elementos corriqueiros no meio da ação desenfreada e isso deixou seu trabalho um pouco mais original. Os melhores exemplos que posso dar onde esses elementos aparecem são as cenas da piscina, da lavanderia e do ônibus – estas citações não comprometem de forma alguma a surpresa.
Invadindo o mundo
“Battle: L.A.” é uma tentativa de desafogar o tema decadente de invasão alienígena. Tecnicamente o filme é bem trabalhado acompanhado de uma música ótima, mas sua essência é clichê e previsível. Definitivamente é um filme que vale muito a pena de assistir se você adorar cenas de ação hipertensas lotadas de tiroteios com alienígenas, mas vá convencido que você já sabe a história inteira. Agora só resta esperar “Super 8”, de J.J. Abrams, para ver se, enfim, o gênero decola novamente.
Invasão do Mundo: Batalha de Los Angeles (Battle Los Angeles, EUA – 2011)
Direção: Jonathan Liebesman
Roteiro: Christopher Bertolini
Elenco: Aaron Eckhart, Ramon Rodriguez, Will Rothhaar, Cory Hardrict, Jim Parrack, Noel Fisher, Michelle Rodriguez, Michael Peña
Gênero: Drama, Ficção Científica
Duração: 116 min
Crítica | Quero Matar Meu Chefe
Milhões de temas essencialmente humanos já foram explorados pelas histórias fantásticas criadas pelo cinema. A comédia abraça as ideias rejeitadas por outros gêneros. Imaginar o assassinato de seu chefe deve ser uma prática recorrente de inúmeros profissionais ao redor do mundo. Diversos são os filmes que abordam esse desejo ilícito do homem de maneira bem-humorada. “Como Eliminar Seu Chefe” de 1980 e “Como Enlouquecer Seu Chefe” de 1999 são exemplos disto. O violento crime também já viu sua glória cinematográfica com “Vida Bandida”, “Matadores de Velhinhas”, “Meu Vizinho Mafioso” e “Um Peixe Chamado Wanda”. Agora, o tema volta com o interessante “Quero Matar Meu Chefe”.
Se você pensa que seu chefe é insuportável, calma! Você não conheceu ainda os de Nick, Kurt e Dale. Nick é o primeiro ao chegar ao trabalho por causa das ordens do tirano Dave Harken. Ele tem esperança de que Harken o promova a vice-presidente graças ao esforço tem dedicado nos últimos anos, mas isso prova não ser suficiente quando seu chefe se auto-promove assumindo os dois cargos. Kurt não tem o que reclamar de seu chefe. A relação entre eles não poderia ser melhor, mas tudo isto muda quando este, repentinamente, falece, deixando a empresa para seu filho, um imbecil viciado em cocaína. Dale trabalha como ajudante da dentista Julia. Seu maior sonho é ser marido e está de casamento marcado. Tudo seria mais simples se sua chefe tarada e ninfomaníaca não tentasse estuprá-lo a todo instante. Cansados dos abusos e humilhações que seus chefes os obrigam a passar, Nick, Dale e Kurt resolvem contratar alguém para assassiná-los. Eis que surge Mother Fucker Jones, o seu consultor de assassinato. Com o auxílio de MF. Jones, o trio encontra sua oportunidade de matar seus chefes.
Como Matar Seu Chefe
Michael Markowitz, John Francis Daley e Jonathan M. Goldstein entregam um humor bem diferente daquele apresentado por outras duas das comédias de peso deste ano – “Se Beber, Não Case: Parte II” e “Passe Livre”. Ele é muito menos escrachado e apelativo ampliando o possível leque de espectadores. Os roteiristas não falham nas piadas do filme. Elas são, sim, bem engraçadas e criativas. Além disto, mantêm um ritmo cômico surpreendente ao longo do filme – é difícil ficar sério muito tempo ao assistir o longa. Contudo, o maior trunfo do filme é o trio dos antagonistas. Estereotipados ao máximo como o idiota, o maníaco e a tarada, os chefes dos protagonistas não deixam de divertir o espectador.
Já o trio principal não chega a decepcionar, mas não são únicos como seus chefes. O roteiro pouco trabalha a personalidade deles e também o motivo real para desejar a morte de seus empregadores. O único que realmente possui um chefe insuportável é Nick. Aguentar Jennifer Aniston (Julia) te assediando todos os dias no trabalho não parece um pesadelo para mim. E aturar as piadinhas e as fobias idiotas de Bobby não é algo impossível. Logo, a inevitável pergunta pode surgir na cabeça do espectador – qual o verdadeiro motivo para matá-los? O mais inquietante disto é que esta pergunta poderia ter sido extinguida com o mínimo esforço. Infelizmente, o roteiro não desenvolve ou explora satisfatoriamente as barbaridades que os patrões cometem – o que é muito triste, pois o tema vale ouro de tão bom.
O mais interessante do roteiro é sua honestidade. Ele cita, deliberadamente, suas referências e inspirações admitindo suas limitações. “Pacto Sinistro” do eterno Hitchcock e “Jogue a Mamãe do Trem” influenciaram na construção narrativa do filme. Outra característica bem interessante que os humoristas fazem é o psicológico extremamente disperso e distraído dos protagonistas. Em diversas cenas, eles começam a discutir e acabam desviando do assunto principal da conversa. O protagonista que recebe mais destaque é Kurt. Em incontáveis vezes, os roteiristas inferem que personagem é preconceituoso e possivelmente, homossexual, apesar de ser o “garanhão” do trio.
Os roteiristas fazem do humor inusitado a melhor aposta do roteiro – “I’ve just broke a rock?!” é a melhor delas. As piadas fálicas e vários trocadilhos inteligentes marcam presença. Entretanto, algumas tiradas fogem da originalidade. Usar o recurso ultrapassado da morte idealizada na imaginação de Nick é um exemplo disto. O roteiro também decepciona por nunca criar um evento em que os três chefes se encontram. Outro problema, dessa vez por parte da tradução, são as legendas. Diversas piadas ficaram perdidas no meio delas por falta de esforço na adaptação. Quem for fluente em inglês entenderá melhor as piadinhas cheias de palavrões. O melhor exemplo disto é o personagem Mother Fucker Jones que teve seu nome traduzido para Ferra-Mãe. É curioso notar que a escrita deles tem um teor crítico. Através de um personagem, os roteiristas comentam, sucintamente, sobre a crise de 2008 e o desemprego gerado por ela. Fora isso, o roteiro é lotado de momentos imprevisíveis. Todavia, o desfecho do filme é decepcionante e um tanto implausível.
“Triming”
O elenco concentra-se nos trios de protagonistas e antagonistas. Jason Bateman continua a explorar as expressões de cansaço de “Coincidências do Amor” e “Maré de Azar” – começo a me perguntar se aquela é a feição normal dele. O comediante apresenta um timing cômico melhorado daqueles apresentados nos filmes citados. Ele possui a melhor veia humorística dos três. Consegue fazer o espectador com suas tiradas geniais apenas soltando sua fala na hora certa – “You think?”, “Oh Yeah” e “Oh Toyota…” são poucos exemplos de tudo que apresenta em cena. Às vezes, o ator varia sua expressão facial. Nessas horas, revela seu dom de construir boas caretas desconstruindo um pouco o semblante adulto do personagem. Jason Sudeikis não deixa de divertir, mas é difícil acreditar que um cara tão ordinário como ele fature tantas mulheres com suas cantadas. Ele apresenta uma gama mais variada de expressões, mas devo admitir que não acho esse ator o melhor comediante que há nesses dias. Por último, o incapaz Charlie Day, ou o ator com a voz mais irritante que você provavelmente já tenha ouvido. Sua dicção é extremamente aguda, estranha e esganiçada. Fora isso, Day tem a constante mania de gritar muito alto em diversas cenas. Agora imagine isso combinado com sua voz irritante mais o som do cinema. É um efeito de explodir seus tímpanos. Entretanto, seu timing também é extremamente preciso. Novamente, todos os três atores encontram espaço para improvisar em cena – o resultado é excelente.
O ouro fica por conta dos coadjuvantes. Kevin Spacey toma conta do filme com a caricatura de seu personagem desequilibrado. Spacey é completamente instável em cena tornando o completamente imprevisível. Ele incorporou o psicopata de uma forma interessantíssima variando a atmosfera de sua atuação com muita rapidez. Em apenas um cena, o ator varia o caráter cínico de Harken para um tom de deboche para então tornar o personagem muito ameaçador. Jennifer Aniston parece se livrar da maldição “Rachel” que a assola em diversos trabalhos, mas mesmo assim, algumas expressões são muito semelhantes a da “friend”. Sua personagem é bem diferente do que ela está habituada a fazer, mas ela surpreende com a ninfomaníaca Julia. Quem merecia muito mais tempo em tela era Colin Farrel com o impagável Bobby. Ele é um dos poucos atores que explora totalmente sua expressão corporal e facial para compor a unidade característica completamente retardada do personagem. Tudo em sua atuação esbanja idiotice. Suas cenas são, de longe, as melhores do filme. Destaque para os segundos exemplares do “epílogo”. Jamie Foxx é Mother Fucker Jones. Foxx também surpreende em seu papel com um timing muito bom – a cena que ele conta a origem de seu apelido é impagável. Foxx também não tem medo de explorar o lado ridículo de seu personagem quando faz diversas caretas enquanto toma um drinque através de um canudinho finíssimo.
Donald Sutherland, Bob Newhart, Julie Bowen, Celia Finkelstein, P.J. Byrne e Ioan Gruffudd completam o elenco.
Maldito paradigma
A fotografia de David Hannings é comum ao extremo, mas bem trabalhada. É inútil comentar sobre essa característica no filme, entretanto existem alguns tons que tem um significado em sua escolha. O cinegrafista não foge do ordinário ao optar em tonalidades frias, pálidas e levemente azul-acizentadas na iluminação do escritório em que Nick trabalha. O consultório de Julia recebe tons amarelados e na empresa química de Bobby o amarelo fica mais saturado. Assim o cinegrafista cria um dégradé interessante de tonalidades conforme o trabalho fica mais rústico ou manual.
Outra aspecto da iluminação que vale a pena comentar acontece nas cenas do bar onde os protagonistas se encontram com Mother Fucker. Lá, Hannings admite cores e incidências bem artificiais. A iluminação torna-se mais forte e variada contando com focos azuis, vermelhos, amarelos e violetas incidindo no cenário e nos personagens. As cores bem saturadas ajudam a arquitetar a atmosfera pesada do bar. Entretanto, são somente estes os pontos relevantes de sua fotografia. Mais uma vez, a triste história se repete: a fotografia de filmes de comédia raramente surpreende o espectador.
A direção de arte tem seus momentos de glória na composição da casa de Bobby. O cenário exacerba ainda mais a personalidade imbecil do personagem – é, definitivamente, “um museu do mau-gosto”. Ela consegue até criar umas piadas bem inspiradas – repare na plaquinha “Bobby Pellitt” na mesa do escritório de Bobby.
Clima de elevador
A música de Christopher Lennetz assume um tom típico de músicas-ambiente, semelhante àquelas que tocam em elevadores ou shoppings. A maioria das composições é bem dinâmica. Todas recebem um caimento elétrico com várias distorções inspiradas. A guitarra é muito presente em sua trilha, assim como baterias muito bem ritmadas acompanhadas de saxofones ou trompetes. As músicas cumprem sua função. Elas casam com a cena, mas não são expressivas o suficiente a ponto de chamar a atenção do espectador. É importante citar que várias músicas são apenas desdobramentos da música-tema do filme variando instrumentos ou ritmos.
A trilha licenciada é ótima, mas bem seleta. Spoon abre o filme com a soberba “The Underdog”. “How You Like Me Now?”de The Heavy, “That’s Not My Name” de The Ting Tings e “Kung Fu Fighting” de Carl Douglas completam as poucas faixas da trilha licenciada.
Erros do passado, acertos do presente, promessas para o futuro
Seth Gordon decepcionou com seu primeiro longa de comédia, “Surpresas do Amor”. Porém, a experiência e as pesadas críticas mostraram-se eficazes ao mudar o trabalho do diretor. Gordon consegue um trabalho excelente com o elenco. Tem sacadas simples que deixam o ambiente da película bem cômico. Isso acontece quando pede para seus três atores protagonistas discursarem suas falas ao mesmo tempo ou com uma pequena diferença deixando-as ininteligíveis. O efeito é eficiente e divertido.
Outro exemplo disto é a rápida cena do estacionamento ou nas ótimas piadas do gato. Entretanto, com isso, o diretor acaba perdido em escolher qual é o estilo humorístico do longa. Diversas vezes, ele aposta no humor pastelão – os personagens se estapeiam constantemente, no humor negro e no humor de “situação” ou “momento”. Já sua técnica é mais interessante. Para mudar de cenas, o cineasta aposta em movimentos panorâmicos em grandes planos gerais aéreos combinados com o efeito do time lapse – truque de acelerar as imagens, aliás este é um efeito que aparece muitas vezes no longa.
O manejo do ritmo do filme é gracioso – ele passa voando. Gordon também arrisca ao explorar um pouco mais na criatividade quando insere a descrição dos chefes na imagem quando estes são apresentados pela primeira vez aos espectadores. Porém, por mais que o diretor tenha acertado a mão e tornado o filme agradável, é impossível perdoar a falta de inspiração num filme baseado em um tema tão vasto como este. Tudo acaba mal explorado e superficial deixando a experiência final do trabalho muito decepcionante.
Doce ironia
“Quero Matar Meu Chefe” é um filme divertido que apresenta uma proposta bem mais leve que as comédias já lançadas esse ano, apesar de seu tema mórbido. As piadas inspiradas funcionam e o elenco é fantástico, com exceção de Charlie Day – como havia escrito, esse cara grita demais. É uma tristeza não sair plenamente satisfeito com a rápida conclusão da narrativa que poderia ter sido muito mais explorada em sua totalidade. E, infelizmente, a situação está ficando mais complicada para o filme. Logo nesta sexta dois arrasa-quarteirões estão chegando com fome de espectadores e filmes de comédia não ficam muito tempo em cartaz. Ainda vale mais a pena assistir Jane Fonda infernizando seu patrão em “Como Eliminar Seu Chefe”
Crítica | Pânico 4
Wes Craven redefiniu o gênero do suspense quando lançou “Pânico” em 1996 conseguindo assustar, divertir e principalmente se comunicar com o público – é impossível abandonar o filme na metade. Craven salvou os filmes slasher do abismo. Foi responsável pelo boom criativo que originou “Eu Sei o que Vocês Fizeram No Verão Passado”, “Lenda Urbana”, “Premonição”, entre vários outros. E agora volta corrigindo erros do passado (“Pânico 3”) e salvando mais uma vez o suspense previsível dos filmes decadentes e estagnados de hoje em dia.
Sidney Prescott volta a sua cidade natal, Woodsboro, para lançar seu livro de autoajuda revelando as dificuldades que passou graças ao psicopata Ghostface. Justamente em seu retorno, Ghostface volta a aterrorizar os estudantes da diminuta cidade. Agora cabe a ela, Gale e Dewey impedirem que o massacre se repita novamente enquanto tentam proteger a sobrinha de Sidney, Jill.
Novo grito, novas regras, nova década
O roteiro é novamente escrito por Kevin Williamson e mais uma vez consegue surpreender a todos espectadores com sua trama essencialmente imprevisível e lotada de reviravoltas. O teor crítico de sua escrita é elevadíssimo – detona toda essa geraçãohorror gore que destruiu o gênero do terror. Os reboots ou remakes também não foram poupados. Existe também outra crítica que é mais severa e sóbria destinando-se a atualidade ávida por fama e tecnologia. A metalinguagem – identidade da série – volta em outros personagens reapresentando as regras dos plots de filmes de terror atuais. Com isso, resgata a atmosfera revolucionária inaugurada pelo primeiro filme da série em que as críticas direcionavam-se aos clichês e as infinitas sequências que amaldiçoaram o gênero.
Sua história prende o espectador do início ao fim surpreendendo a cada instante. Aqui, Ghostface apresenta-se diferente dos outros três da série. Muito mais violento, doentio, cruel e visceral, garante as ótimas cenas de mortes que preenchem o filme. É vital citar que “Pânico” nunca foi uma franquia de terror que tem o intuito de amedrontar o espectador. A carga humorística é fortíssima, por isso não se sinta mal em dar boas risadas logo após uma morte violenta.
A vantagem deste “Pânico”, em especial, é que ele nunca se leva a sério. Isso resultou em uma narrativa bem criativa com algumas piadas bem elaboradas chegando até a se autossatirizar explicitado pelo clímax. Na minha sessão ocorreu algo interessante – lá nos minutos finais do longa, Sidney solta o melhor quote de todos os diálogos e a reação na plateia (claramente fãs da série, inclui-se eu aqui) foi unânime, uma chuva de aplausos. Falando em diálogos, os clássicos telefonemas de Ghostface estão muito bem revitalizados e memoráveis como sempre.
Infelizmente nem tudo é uma beleza na escrita de Williamson. Os problemas do filme são visíveis e incomodam um pouco. A principal proposta era a reinvenção do gênero. Então por que continuar com a inexplicável e tradicional demora (eterna) de um personagem chegar a outro local para salvar seu parceiro em uma cidade minúscula? Ou até mesmo a impossível falta de mira do xerife Dewey? Outras falhas existem, mas após assistir duas vezes percebi que é plausível o teletransporte mágico de Ghostface , mais rápido que todo o elenco, em termos de transitar pela cidade. A escolha de deixar o trio principal com menos tempo em tela também foi desnecessária.
Outra coisa que foi mantida e acredito que sempre será, é a explicação do psicopata da vez sobre o porquê de toda a matança após retirar a máscara e revelar sua identidade – sempre a maior surpresa. E, neste caso, é praticamente impossível decifrar o assassino durante o longa – que para mim desde o primeiro filme da franquia se assemelha muito aos minutos finais de cada episódio de Scooby Doo.
Quando o clássico encontra o novo
O trio principal retorna. Neve Campbell, Courteney Cox e David Arquette estão bem melhores e mais a vontade em seus papéis que nos filmes anteriores. Campbell deixou de ser a adolescente indefesa e torna-se uma mulher preocupada com o futuro. Sua atuação demonstrou uma sobriedade muito interessante e até mesmo algumas caras inéditas, mas mesmo assim nada tirará Campbell da mediocridade. Courteney Cox volta mais impetuosa do que nunca com a inquieta Gale Weathers – de longe assume o pódio das atuações do trio original. Arquette deixa de mancar, mas continua com a mesma cara de idiota ingênuo do xerife Dewey. A velhice lhe ajudou a definir um pouco mais suas expressões conferindo um ar mais interessante ao personagem.
O quarteto novato também não faz mal e chega a impressionar de vez em quando. O maior destaque é Hayden Panettiere incorporando a cômica Kirby, que ganha seu momento impar durante um dos questionários de Ghostface. Emma Roberts encara facilmente seu papel dando conta da transformação necessária de sua personagem. Anthony Anderson e Adam Brody são os novos policiais de Woodsboro e soltam a melhor piada do filme envolvendo Bruce Willis.
Dane Farwell é o dublê que dá vida ao Ghostface. Infelizmente, nesse filme ele não repetiu o célebre ato de limpar a faca entre os dedos após a sanguinolência, mas continua com sua expressiva cabeça inclinada sinistra. Roger Jackson dubla o antagonista durante os telefonemas. Ele alterou a voz do psicopata, mas mesmo assim continua marcante, aterrorizante e estranhamente sexy.
Colorindo o horror
A fotografia de Peter Deming abandona as distorções das lentes usadas no primeiro “Pânico” e dá mais relevância a sua iluminação. A modelagem da luz é bem feita nos interiores e cumpre o papel de tornar tudo sombrio, denso e pesado, às vezes saturando mais um tom amarelado e outras um mais azulado. Já nos exteriores a história não se repete. Geralmente, em cenas noturnas em que o enquadramento do plano captura uma fonte de luz intensa como faróis e postes existe uma superexposição de luz que deforma a imagem. Isso poderia ter sido facilmente evitado se tivesse fechado um pouco mais o diafragma de suas câmeras garantindo um efeito de luz mais legal de olhar. A maquiagem também merece um destaque especial.
Beltrami em pânico
Marco Beltrami é um compositor muito imprevisível. Já recebeu duas indicações ao Oscar, mas alguns de seus trabalhos são simplesmente abismais. Fez a música de todos os filmes da franquia que são conhecidas por serem desconhecidas. O filme que redefiniu o gênero não ter um tema próprio é uma coisa muito triste. Na essência, a trilha original funciona raramente. As incessantes composições são extremamente melodramáticas que acabam cansando os ouvidos após alguns minutos. Existem exceções como o caso da cena do estacionamento em que a música casa perfeitamente.
Novamente quem salva a música é a trilha licenciada que conta com praticamente duas canções (a que abre e a que fecha o filme) durante toda a projeção. São elas “Something to Die For” e “Bad Karma”.
Voltando da Rua Elm
Wes Craven estava desaparecido. Voltou ano passado com o fraco “A Sétima Alma” e agora, honrando seu título de mestre do suspense da atualidade, entrega um dos melhores filmes da série. As referências a vários outros filmes slasher são muitas, além de homenagear a própria franquia ao relembrar o metalinguístico “longa” “Stab”. Como havia assistido o quarto filme antes do segundo, desconhecia a existência deste curta que conta inúmeros planos hitchcockianos – uma bela homenagem de um mestre do suspense para uma lenda do gênero.
A violência, a crítica ácida e o humor negro se fazem presentes em todos os atos da película. Craven tem uma habilidade impressionante em criar psicopatas incrivelmente carismáticos. Freddy Krueger é criação sua e Ghostface é meu vilão favorito. Ele desconstruiu a imagem mítica e inalcançável desses psicopatas – repare como Ghostface apanha de Sidney em todos os filmes da franquia e também a ausência de planos que lhe conferem um ar de grandeza, fora o grande diferencial – ele sabe falar.
Craven também sabe utilizar vários recursos sonoros para criar uma atmosfera extremamente tensa elevando o suspense as alturas. Seja com o rangido de uma porta débil como o eco do estacionamento deserto, o espectador fica completamente imerso no mundo minuciosamente criado por ele. Ele anima o público logo no inicio de todos seus filmes com aberturas fantásticas – basta assistir uma delas e você já conhece o método cinematográfico do diretor.
E conseguiu novamente remodelar o gênero que já apresentava sinais de esgotamento há tempos, vide “Jogos Mortais” e “O Albergue” que claramente esqueceram o que o terror e o suspense significam, medo, não nojo. Além disso, até mesmo suas imagens escondem críticas a nossa sociedade ávida por reconhecimento, basta reparar no último plano do filme que o fecha com chave de ouro.
Qual o seu filme de terror favorito?
“Pânico 4” cumpre o que promete. Apresenta os novos clichês em um tom debochado e tenta salvar o gênero mais uma vez. Para os adolescentes de 1996 que assistiram o primeiro filme nos cinemas, a impressão deve ser de uma nostalgia tamanha. Então se você gostava desses filmes de terror teen, não perca seu tempo duvidando se o filme merece um bilhete de cinema. Apenas vá com o intuito que você irá se divertir (e muito). Agora, eu já sei responder a pergunta de Ghostface com muita segurança.
Crítica | Meia-Noite em Paris
Talvez seja exagero dizer que Woody Allen estava perdido em uma abstinência criativa nos últimos tempos. Em 2009, lançou “Tudo Pode dar Certo” estrelando Larry David. Apesar de divertido, o filme era velho em sua essência e não trazia nada de novo na direção de Allen. Ano passado, veio “Você vai Conhecer o Homem de seus Sonhos”. Aquele longa metragem deixou claro que o lendário diretor precisava compor uma obra interessante. O filme carecia de uma história que conquistasse o espectador, Woody estava se baseando em recursos de humor já utilizados, os personagens eram chatos e os atores também não ajudavam. Comecei a me perguntar onde será que estava o Woody Allen que tive o prazer de conhecer em “Vicky, Cristina, Barcelona” em 2008. O filme rodado na Espanha revelava-se ser a obra mais sexy, física e provocante do diretor. Mantendo o cronograma de produzir um filme por ano, Allen volta completamente renovado e pronto para te conquistar mais uma vez.
Gil viaja a Paris com sua noiva, Inez, e seus sogros, John e Helen, as vésperas de seu casamento a fim de buscar inspiração para escrever seu primeiro livro. Lá o casal encontra Paul, um amigo de faculdade de Inez e logo os programas deles resumem-se a sair com Paul. Após uma degustação de vinhos, Gil decepciona-se com a noiva que tem o tratado de modo indiferente há alguns dias. Alegando que gosta de caminhar em Paris a noite para observar suas brilhantes luzes, ele tenta voltar sozinho para o hotel. Bêbado, cansado e perdido, resolve descansar na escadaria de uma igreja, mas seu mundo viria a mudar radicalmente após a badalada da meia-noite. Gil descobre que existe um mundo em que o passado é presente. Lá encontra todos seus ídolos e personalidades históricas dos anos loucos de 1920 que o ajudarão a concluir seu romance.
Paris, Je t’aime
Fazia anos que Woody Allen não escrevia um roteiro com uma história tão boa como esta. Seu roteiro é extremamente imaginativo, criativo, curioso e inteligente. Aqui a simplicidade é o que o torna absolutamente único. É praticamente impossível não se apaixonar por esta nova obra de Allen. Ele mudou radicalmente suas manias ao apresentar vários elementos novos. O principal deles é a abordagem romântica da história, poucas vezes utilizadas em suas obras. O humor também sofre alterações drásticas. Ele abandona o humor ácido evidentemente crítico para um bem mais suave, gentil e bondoso, que se revelou também ser mais agradável – finalmente as piadas abandonaram o caráter infeliz de um personagem rabugento insatisfeito com a vida.
Entretanto, apesar de Woody ter inovado bastante, ainda existem algumas características que são marca registrada do roteirista. Como habitual, a carga irônica da narrativa é bem acentuada. A traição também é presente. As críticas ao nosso modo de vida, hábitos e até a própria sociedade são muito sutis – é preciso estar atento para captar todas. O modo que Allen consegue correlacionar a atualidade com o passado encantador é completamente única. Assim, adiciona mais um significado místico para a hora mágica – a meia-noite.
Além disto, o capricho mais marcante de Allen está em um estado de ebulição nunca visto antes. Existem muitos diálogos rápidos durante o filme – muita informação em questão de segundos. Existe uma falha técnica por parte de nosso País. O filme conta diversas conversações em francês que não são traduzidas pela legenda o que é uma tristeza, pois nunca o espectador vai absorver toda informação que ele oferece. O mais interessante de sua história é que ela conversa com o público. Allen não duvida do intelecto do espectador apresentando detalhadamente cada personalidade fantástica que Gil conhece. Então é necessário que a plateia tenha certo nível cultural para entender as melhores piadas do longa – principalmente a que envolve o cineasta Luis Buñuel.
A história é uma declaração de amor de Woody a Paris e toda riqueza histórica que a cidade e ele faz isso através da riqueza psicológica de seus personagens. E, mesmo com toda a vastidão de personagens interessantes, o roteirista inova com seu protagonista. No início do filme, é impossível acreditar que Gil é o personagem principal da narrativa pelo destaque que ele proporciona aos coadjuvantes ofuscando sua presença. No mundo atual, Gil é subestimado por sua noiva, odiado pelos seus sogros, carece de auto-estima e aparentemente hipocondríaco, porém tudo se transforma quando o personagem cai nos anos 20. Lá ele tem amigos, é prestigiado, sente-se importante por estar entre os maiores nomes da cultura que não o menosprezam de maneira alguma.
Assim Woody faz uma das críticas mais sutis a nossa sociedade. Atualmente, sofremos com o péssimo hábito de dar nossa opinião sobre tudo e todos mesmo que ninguém a tenha requisitado detonando a grande falta de educação. Enquanto no passado, os artistas seguram seu argumento até que alguém o peça. Alguns até preferem nem conhecer a obra do amigo para não afetar o relacionamento. Outra crítica perfeita transmitida por Gil é sobre aproveitar as coisas simples da vida como uma simples caminhada na rua durante a chuva – isso é apontado demasiadas vezes no filme. Outro argumento inteligente do roteirista é o nosso apego pelo passado independente da época vivida. Nunca vivemos o presente como se deveria, mas perdemos nosso tempo sonhando com uma época já extinta causando um sentimento de pseudonostalgia – sempre, no passado, o mundo (e seus habitantes) foi melhor.
Woody também aborda o consumismo de utensílios inúteis – desta vez é importante que o espectador interprete da forma que lhe convém. Novamente o protagonista é um dos muitos alteregos do diretor. O espectador encontrará filosofias – a melhor delas sobre as luzes da cidade – que parecem ser proclamadas da boca do próprio Allen assim como em “Manhattan”. Os diálogos que apresentam estes pensamentos têm um comportamento curioso. Os que acontecem no mundo contemporâneo não chegam nem perto qualidade apaixonante dos apresentados durante os anos 20. Isto é uma jogada inteligente do roteirista que, assim, encontra outra possibilidade de inserir mais uma crítica. Será que a inteligência dos homens regrediu?
Os franceses sempre foram ridicularizados, alvos de piadinhas cretinas em incontáveis filmes americanos, porém aqui acontece exatamente o contrário. Allen confere a maldade, o desinteresse, a ignorância, a passividade e o termo “pseudo intelectual” aos coadjuvantes americanos de sua obra. Entretanto, consegue ampliar sua crítica ao mundo. Nunca o termo “pedante” foi utilizado tão corretamente como neste caso – se pararmos para pensar, vemos que vivemos em uma sociedade pedante, arrogante, burra, cega pela ganância e orgulhosa, que insiste em cometer os mesmos erros e fingir que conhece qualquer assunto, desconhecendo a maioria dos que costuma colocar em pauta.
Voltando para a realidade fantástica da história, o roteirista entrega o conflito majoritário da narrativa – paixão impossível que o protagonista começa a viver. Além de seu affair apaixonado pela Cidade das Luzes, Woody dedica um amor especial aos personagens inspirados nos artistas da década de 20.
Aproveitando a ambientação noturna que a história segue, consegue humanizar os conceituados artistas que Gil encontra inserindo-os em ambientes familiares, coloquiais, confortáveis e despretensiosos. Assim, consegue dar uma dimensão de bondade enorme a esses personagens que esquecem as rivalidades e o stress do trabalho na utopia criada por Woody.
Outro truque inteligente do diretor, ator e escritor é a moderação dos eventos e da inserção de novos personagens em seu texto. Com isso, faz com que o espectador anseie para que o relógio volte a anunciar a meia-noite assim que o protagonista volta para o “mundo real”.
Personalidades reinterpretadas
Owen Wilson tem progredido bastante nos últimos tempos seu desempenho como ator. Ele não é ruim, é apenas mal aproveitado e mal dirigido na maioria das vezes – só que isto não acontece aqui. Sob pressão de Woody Allen, Wilson conseguiu elaborar um personagem encantador com sua interpretação simples e complexa. A linguagem corporal que o ator cria é expressiva. Com uma postura curvada, a cabeça pendida para o chão, passos vacilantes acompanhados da mão sempre enfiada no bolso reforçam a grande insegurança que o personagem sente. Às vezes, o ator pende para o lado caricato da atuação com fantásticas expressões faciais – sim, Owen consegue construir caretas únicas neste filme.
Existe a transformação necessária de seu trabalho, mas não é baseada em expressões corporais e faciais, mas sim na pronunciação de suas falas e seus olhares. Ele consegue transmitir o amor que sente pela época com o entusiasmo de seus diálogos, a inquietude de seu corpo e o olhar estupefato carregados de paixão. O contraste da emoção desenvolvida pelo ator é bem significativa. Assim que abandona o mundo fantástico e volta para o real, toda a expressão de alegria sme e voltam as de felicidade travestida. O ator também consegue trabalhar em harmonia com todo o elenco.
Obedecendo as exigências do roteiro, Rachel McAdams é detestável em cena. Sua atuação é muito boa conseguindo criar a antagonista perfeita. Ela é uma atriz que não regula ou censura os sentimentos da personagem, por isso sua atuação é muito natural e espontânea. Ela aposta em expressões faciais e gestos completamente infantis denotando a figura mimada de Liz. Marion Cotillard é outro destaque do elenco de peso do filme. Sua atuação é completamente adequada à época que a personagem vive. Esbanja elegância em suas cenas com seus traços suaves e delicados. Outro destaque feminino é Kathy Bates. Ela dá a carga humorística necessária a toda cena que participa. Carla Bruni em sua primeira atuação é uma grande surpresa – conseguiu tornar sua personagem consideravelmente interessante.
Corey Stoll também é outro espetáculo em cena enquanto desenvolve Hemingway. Aqui o trabalho com a elocução da fala truncada é bem diferente da apresentada por Wilson. É possível notar a convicção assustadora de Stoll em seus diálogos – realmente encarnou o romancista. A expressão corporal do ator é praticamente perfeita. O andar truculento e bêbado é impressionante – fidelíssimo a personalidade real visto que Hemingway é considerado o escritor americano mais alcoólatra de todos os tempos. “Um homem inteligente, às vezes, é forçado a ficar bêbado para gastar um tempo com suas bobagens” – Ernest Hemingway.
Quem merece um parágrafo totalmente dedicado é Adrien Brody. A única cena que ele aparece já vale o ingresso. Totalmente esplêndido, conquista o espectador logo na primeira frase. Não vou falar qual artista ele encarna para não estragar a ótima surpresa. Sua atuação é de longe a melhor do filme inteiro. O olhar alucinado, compenetrado e avoado proporcionado pelo artista captura a essência da figura genial que interpreta. Além disto, gesticula compulsoriamente para reforçar sua idéia inebriante com expressões faciais exageradas e divertidíssimas.
A Luz da Meia-Noite
O iraniano Darius Khondji mostrou um novo significado para a arte da cinematografia quando trabalhou com David Fincher em “Se7en”. A atmosfera carregada, poluída, porca, feia, nojenta e asquerosa de sua iluminação tenebrosa explicitou o lado visceral esquecido muitas vezes pelo cinema – ganhou um admirador naquele instante. Felizmente, Khondji fez um trabalho bem mais delicado neste filme.
Uma característica que o cinegrafista manteve durante o filme inteiro foi destacar os cabelos dos personagens. Isto é bem visível em Versalhes em que a iluminação refletida pelos cabelos louros de Wilson e McAdams contrasta fortemente o verde saturado das árvores dos jardins megalomaníacos do palácio. O cinegrafista puxa fortes tons amarelos na maioria do filme e isso fica mais intenso quando Gil entra na década de 20. O truque é bem simples, mas a realização é complexa. Ele deixa o fundo do plano bem amarelado e cheio de sombras inferindo o toque vintage necessário a obra, além de reforçar a riqueza cultural da época.
Já a modelagem da luz incidente na face dos atores é outro deslumbre. As fontes de luz são bem suaves deixando a escuridão envolver parcialmente o rosto dos artistas – o efeito comporta-se como uma pintura em movimento. Ele também insere névoas charmosas e românticas nos cenários. Assim, ele desconstrói propositalmente todo trabalho pesado para reforçar o amarelo a fim de tornar a cena palpável, lotada de texturas encantadoras para deixá-la completamente onírica, ilusória e imaterial lembrando ao protagonista que ele não pertence a aquele mundo.
O cinegrafista também aproveita para usar reflexos. Utiliza o recurso com o auxílio de um espelho fosco que embaça a imagem tornando o reflexo algo bem fantasmagórico, porém charmoso. Darius aproveita o reflexo natural da água, vide o estonteante plano geral de Giverny (Monet, realmente, escolheu a dedo o lugar para passar o fim de seus dias e deixar o seu famoso jardim com todos os tons que queria para “impressionar”quem admirasse seus quadros em qualquer ano que fosse visto). Destaque para o cuidado conferido por Khondji na simulação da iluminação interior das cabines dos carros. Nestes planos, consegue distorcer a luz deixando-a brilhante e levemente translúcida.
Todo o departamento de arte é dedicado aos mínimos detalhes para a reprodução dos anos 20. O trabalho da direção de arte é mais notável na decoração inusitada dos cenários do que a composição artística dos mesmos – Paris possui diversas locações conservadas com séculos de idade. O destaque fica para os figurinistas e para os cabeleireiros. O vestuário do elenco é fidelíssimo a época acompanhando até seus estilos musicais como o charleston e o can can. Os recortes dos vestidos mantém a silhueta tubular, sem demarcação dos seios ou quadris respeitando a moda parisiense marcada pela simplicidade e leveza daquele momento. Os penteados femininos trazem mais riqueza cultural ao filme. O estilo à La garçonne de cabelos curtos com forte apelo sexual é desenterrado do séc. XX. O novo filme de Woody é uma enciclopédia completíssima dos anos loucos.
Concepção licenciada
Woody Allen adora trabalhar com músicas licenciadas – é extremamente difícil encontrar um filme que tenha músicas originais. As inúmeras faixas que o diretor escolheu são perfeitas compondo uma coletânea única de canções dos anos 20, 30, 40 e 60. Há um grande destaque para as composições de Cole Porter como “Let’s do It”, “You do something to me” e “You’ve got that thing”.
Mas quem rouba a cena são as instrumentais francesas carregadas de emoção e sentimento. “Si tu vois ma mère” que conta com o som fantástico do sax de Sidney Bechet vira o tema principal do filme pela repetição incontável da música – característica da direção de Allen. Já a outra música que chama a atenção do espectador é a bela “Parlez moi d’Amour” construída pelo inigualável som do acordeon francês.
Infelizmente a trilha sonora do filme ainda não está disponível na internet por isso peço desculpas pela falta de análise deste aspecto do filme. Só posso dizer que a seleta música foi escolhida a dedo e funciona muito bem chegando, inclusive, a emocionar o espectador.
Bonsoir, Messier Allen!
Woody Allen é um diretor de histórias. Não importa se elas são boas ou ruins, simplesmente as transformam em filmes únicos – cada um com seu charme especial. “Meia-Noite em Paris” tem vários atrativos sendo os principais deles, a própria cidade e a vida cultural sempre efervescente . Allen fotografa várias cartões postais no início do longa como ninguém. Ele encontra pontos da cidade belíssimos que provavelmente passam despercebidos pelos próprios parisienses. O diretor enquadra os principais monumentos de Paris com planos distintos que fogem do senso comum surpreendendo pela beleza. As imagens seguem uma linearidade, desde a aurora do dia até a noite encantadora, incluindo belíssimas imagens de uma tarde chuvosa.
Outro aspecto muito interessante do diretor acontece na cena de Versalhes. O modo que ele posiciona os atores no enquadramento transmite outra mensagem. Repare que enquanto Paul anda, aprecia e disserta sobre as maravilhas do jardim, Inez anda atrás dele e atrás dela se encontra a mulher de Paul. E por último, o patinho feio do grupo, Gil acompanha sem muito interesse. Woody exige muito de seus atores e isto não é novidade, porém isso tomou outra proporção neste filme. Diversas vezes no filme, trabalha na base dos planos-sequência – planos que registram uma sequência inteirasem cortes. Utilizando a técnica da Steadicam, acompanha os atores se movimentando no espaço durante o plano-sequência a fim de quebrar a mesmice da imagem. Os planos-sequência de Woody são bem longos então imagine o condicionamento que os atores se submetem para decorar os extensos diálogos da cena.
O diretor foge das edições/mutilações frenéticas dos blockbusters atuais. Geralmente, no meio de um diálogo, a imagem segue o personagem falante. Allen não segue esse padrão. Algumas vezes, ele oculta a expressão do ator que se comunica para explorar a reação de segundos ou terceiros.
Em diversos filmes anteriores, o cineasta colocava seus alteregos para conversar diretamente com o público pelo contato direto do olhar do personagem com a lente da câmera. Com este filme, Allen deixa mais do que claro que prefere seu lado intelectual como escritor de livros e peças de teatro do que roteirista de Hollywood, tanto que ele foge para Paris e vai conversar com os grandes gênios da literatura em noites especiais e festivas do que discutir suas idéias em ambiente hollywoodiano.
Os atores também foram escolhidos de modo perfeito. Todos se parecem com os escritores, artistas e músicos dos anos loucos. Mais um ponto positivo para o diretor.
Minuit à Paris
“Meia-Noite em Paris” marca um belo retorno para o cineasta que há tempos não realizava um filme tão belo, simples, inteligente, sensível e emocionante como este. Após o termino da sessão, a vontade que fica é de assistir a que vem logo mais. É bem interessante ver como Allen se saiu com o elenco totalmente novo e o trabalho com Owen Wilson e Adrien Brody. Se você está procurando uma comédia doce com uma história encantadora e conhecimento sobre a maravilhosa década de 20, meu conselho é que não perca seu tempo. Apenas vá, delire e aproveite. Agora, só espero a primeira oportunidade de voltar para Paris, procurar a almejada escadaria, aguardar a badalada da meia-noite e embarcar em uma aventura completamente inesquecível. Afinal, a escadaria daquela igreja eu já conheço!
Meia-Noite em Paris (Midnight in Paris, EUA/Espanha – 2011)
Direção: Woody Allen
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Owen Wilson, Rachel McAdams, Michael Sheen, Marion Cotillard, Tom Hiddleston, Léa Seydoux, Adrien Brody, Corey Stoll, Kathy Bates
Gênero: Comédia, Romance
Duração: 94 min.