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Crítica | 15h17: Trem para Paris – Quando a Verdade Não Comove

Clint Eastwood é um dos nomes mais conhecidos dentro da indústria cinematográfico, e o seu tato para retratar histórias reais é inigualável. Não é nenhuma surpresa que, através de uma perspectiva mais humanizadora e até mesmo humanitária, ele conseguiu afastar-se das concepções patrióticas do gênero de guerra e de ação para fornecer uma visão única e muito envolvente – criando obras-primas como Sniper Americano e, mais recentemente, Sully – O Herói do Rio Hudson. Logo, só poderíamos esperar que sua próxima investida honrasse seus projetos anteriores, principalmente levando em consideração que a narrativa se passaria no controverso atentado ao trem nº 9364 que partia de Amsterdã e teria como destino Paris caso não fosse pela tentativa de um massacre impedido por dois soldados do exército norte-americano.

Tal premissa é digna sim de ser relembrada e adaptada, e inclusive abre margens para um escopo que converse com as obras anteriores do cineasta, optando por uma estética mais intimista – considerando, é claro, que o cenário principal seria a estação de trem e o próprio meio de transporte. Porém, após o final dos pouco mais de 90 minutos de 15h17: Trem para Paris, não podemos deixar de nos sentir insultados por uma produto tão desnecessário e insosso que não se consegue acreditar que realmente existe – e nos leva inclusive a duvidar da capacidade de Eastwood de escolher uma história digna e adaptá-la com a mesma emoção para as telonas.

O grande e maior deslize é sem sombra de dúvida não saber quais escolhas tomar para criar uma atmosfera catártica o suficiente para um público já saturado com narrativas do gênero – a começar pela escolha do elenco: tudo bem, é sempre muito bom realizar inúmeros laboratórios entre atores e as reais pessoas que protagonizaram os eventos, mas por que diabos o diretor desejaria elencar as personalidades reais em um filme que deveria ser supostamente denso e complexo? Eles não são performers, são militares; defensores da liberdade e da segurança dos cidadãos estadunidenses. Colocá-los em frente às câmeras para recriar algo que sem sombra de dúvida os deixou com sequelas é o primeiro ingrediente para um fracasso tremendo – e o que se tornaria uma homenagem logo cede a clichês tão brutos que fica difícil entender quem é quem em meio a tanto caos.

Apesar disso, não podemos tirar mérito do elenco infantil: os três protagonistas-mirins fazem um trabalho incrível e que tenta ao máximo inclinar-se ao naturalismo cênico, permitindo que as composições sejam o mais fluidas possíveis. Mais uma vez, as investidas dos atores enfrentam obstáculos por um roteiro bastante esquecível e parece incompleto, assinado por Dorothy Blyskal. As falas são autoexplicativas demais e prezam por uma encarnação melodramática e over-the-top, sem falar que grande parte das figuras coadjuvantes – como Judy Greer e Jenna Fischer – são essencialmente canastronas e em nada contribuem para a compreensão do arco dos “heróis”.

As coisas só pioram quando Eastwood resolve fornecer uma perspectiva no estilo Sully, buscando uma junção compreensível e lógica entre cronologias diferentes e que funcionam, ao menos em teoria, como ato e consequência. Mas a montagem é tão asséptica e tão irracional que chega a ser ridícula ao extremo: primeiramente, é quase óbvio esperar que uma narrativa que carregue um título como este traga como cenário principal o próprio trem. Porém, esse pequeno detalhe parece ter sido varrido para debaixo do tapete para forçar subtramas tanto na infância dos protagonistas quanto em seu tempo no treinamento militar, preferindo arquitetar sequências no estilo tour-de-force que basicamente são previsíveis do início ao fim.

Tudo isso sem falar nos pífios enquadramentos e direção de fotografia; Eastwood opta pelo excessivo uso da câmera na mão que, em uma trama intimista, entraria como uma técnica perfeita; porém, estamos mergulhados em uma trama de ação e de guerra contra o terrorismo, o qual necessariamente preza pela dosagem equilibrada de diversos tipos de plano e uma edição mais frenética para catalisar o público ao qual a obra se dirige. O resultado não poderia ser outro: duas visões imagéticas completamente opostas e que não conseguem alcançar nem metade do que prometem, criando um ambiente caótico e insuportável por todas as razões erradas.

Basicamente, 15h17: Trem para Paris é uma obra estupidamente ruim e que sem dúvida entra como uma mancha permanente na carreira de Clint Eastwood. Ele não apenas funciona como um ridículo panfletarismo republicano que louva aqueles a favor da guerra e a favor de um conflito armado, como coloca em cheque inúmeros ideais humanitários e pacifistas observados com tanta cautela em seus filmes anteriores – o que por um lado é risível e, por outro, infeliz e passível de rechaça total.

15h17: Trem para Paris (The 15:17 to Paris, EUA – 2018)

Direção: Clint Eastwood
Roteiro: Dorothy Blyskal, baseado no livro de Anthony Sadler, Alek Skarlatos, Spencer Stone, Jeffrey E. Stern
Elenco: Ray Corasani, Alek Skarlatos, Anthony Sadler, Spencer Stone, Jeffrey E. Stern, Judy Greer, Jenna Fischer, Irene White, William Jennings, Bryce Gheisar
Gênero: Drama Histórico, Thriller
Duração: 98 min

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Publicado por Thiago Nolla

Thiago Nolla faz um pouco de tudo: é ator, escritor, dançarino e faz audiovisual por ter uma paixão indescritível pela arte. É um inveterado fã de contos de fadas e histórias de suspense e tem como maiores inspirações a estética expressionista de Fritz Lang e a narrativa dinâmica de Aaron Sorkin. Um de seus maiores sonhos é interpretar o Gênio da Lâmpada de Aladdin no musical da Broadway.

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