Quem assistiu a algum dos teasers de A Hora do Mal, novo filme do diretor e roteirista Zach Cregger (do brilhante Noites Brutais), certamente ficou curioso e impressionado com uma imagem em movimento muito forte: aquela das crianças correndo na madrugada sem destino identificado. 

O cinema é feito de imagens fortes, que penetram no inconsciente da plateia e lá persistem por décadas. Uma premissa ousada, sintetizada numa marca visual impactante, é meio caminho andado para chamar atenção do público e posicionar seu filme numa lista de espera dos lançamentos da temporada.

No caso de Cregger, não estamos falando apenas de uma imagem, mas de uma premissa, uma aposta alta que o realizador fez em seu segundo longa dentro da grande indústria. E, como toda aposta, um risco calculado que poderia trazer retorno ou não. Neste caso, o hype envolvido no lançamento (fruto, é justo que se diga, da imagem poderosa que deu início a tudo) pode eventualmente fazer da produção um sucesso de bilheteria. 

A bilheteria move a indústria e não há nada de errado nisso. Porém, se a pergunta do leitor é se a aposta foi ganha em termos puramente cinematográficos, a resposta é um dolorido (mas sonoro) “não”.

Ideias desconexas prejudicam a atmosfera de “horror” que caracteriza o gênero

Conforme facilmente se conclui ao pensar em roteiros de cinema, é relativamente simples encontrar uma “premissa original”, inquietante ou perturbadora. Mas um longa-metragem é composto de muitos minutos (aqui, cerca de 120) e é preciso montar uma estrutura sólida que leve a premissa até um final razoavelmente satisfatório: e, no meio disso, há todo um desenvolvimento necessário…

Em resumo, A Hora do Mal falha amargamente em desenvolver uma premissa provocativa em um enredo convincente, e a impressão que fica é que, bem, o roteirista e diretor visualizou a imagem que deu fama ao filme antes mesmo de seu lançamento – mas não tinha a menor ideia do que aconteceria depois.

Quem se recorda de Noites Brutais deve ter em mente que o enredo trabalhava com uma ideia central muito sólida e usava a noção de tempo e ponto de vista para desconcertar o espectador, com resultados indiscutíveis. O filme era realmente “brutal”, surpreendente, incentivava a identificação com os personagens e tinha pouco espaço para digressão dramática. Nada disso está presente aqui: o filme parece um passeio por temas, gêneros e preocupações onde o realizador usa diferentes mapas para tentar chegar ao seu destino. E, como seria de se prever, não chega a lugar algum.

Na trama, que talvez neste momento seja relativamente conhecida por boa parte da audiência, mais de uma dezena de estudantes do ensino médio da classe da professora Justine (Julia Garner) desaparece simultaneamente no meio da madrugada sem deixar pista ou motivo aparente. Um dos pais dos desaparecidos, Archer (Josh Brolin) desenvolve sua própria investigação enquanto a polícia parece não saber em qual direção seguir (este é um caminho que o filme não explora).

O argumento é excelente e o filme poderia escolher o ponto de vista de Justine ou Archer numa história típica de investigação, mas a escolha da direção é quase oposta: o enredo resolve brincar com os pontos de vista e, como tem pouco enredo de fato, precisa transitar no que parece ser uma crônica dos subúrbios envolvendo personagens com quase nenhuma conexão com a premissa e tópicos que, num suposto “filme de horror”, soam desarrazoados: adultério, abstinência, moradores de rua, bullying, etc.

O resultado é que o desenvolvimento do filme tem pouca conexão com a premissa, um tom satírico que assusta pouco (exceto em cenas previsíveis de “sonhos” que supostamente devem “surpreender”) e que culmina num desfecho ridículo, levando ao riso (não nervoso) a partir de uma encenação que beira o grotesco.

Como não tem muitas ferramentas para assustar o espectador, o filme apela para a violência gráfica bastante gratuita, mas o estrago está feito. Resta pouco quando o filme termina, numa carnificina que poderia ter sido mais bem trabalhada e que, enfim, soa gratuita e deslocada.

ATENÇÃO: SPOILERS
O roteiro tem tantos problemas de verossimilhança e lógica interna que é até difícil saber por onde começar.
Estamos diante de um desaparecimento de 17 crianças, no mundo atual, fato que desencadearia uma busca altamente profissional por parte das autoridades – no caso, federais, por estarmos nos Estados Unidos. O FBI seria envolvido com o seu mais alto grau de expertise. Pois bem…
Quem viu o filme sabe que o “grande segredo”, o “esconderijo” das crianças desaparecidas, é o lugar mais banal e óbvio que o sequestrador mais amador teria escolhido: um porão de uma casa da vizinhança da escola! Mas isso não é tudo: estão todas escondidas no porão da casa onde vive a única criança da classe que não desapareceu! Chega a ser constrangedor de tão pueril.
Talvez a ideia do roteirista fosse dramatizar a pior investigação de todos os tempos, porque – não obstante – os pais da única criança que não sumiu também desapareceram! O menino que não fugiu é agora tutelado pela criatura mais excêntrica e suspeita que qualquer um poderia imaginar (Gladys Lilly, interpretada por Amy Madigan), uma tia amalucada que aparece ninguém sabe de onde e em nenhum momento desperta nenhuma suspeita por parte da cidade inteira que, supostamente, está “abalada” com o sumiço dos estudantes – a despeito de ela parecer uma recrutadora de quadrilha de tráfico infantil desde a primeira cena.
Não é preciso ter feito academia de polícia em Quantico para supor que, no mínimo, seria feita uma varredura em todas as casas do perímetro (que nem é tão grande assim, afinal, a cidade não é pequena?) e, conforme facilmente se nota, a casa onde as crianças realmente estão é um péssimo esconderijo, pois tudo nela é totalmente suspeito: jardim abandonado, os pais estão sentados no escuro, em transe, na sala, de onde onde podem ser avistados por qualquer guardinha de rua que simplesmente esticasse o pescoço. Realmente, esta é a pior investigação de um filme ficcional de todos os tempos.
Para completar o festival de absurdos, Archer conta para Justine que aquela pose do diretor da escola (Andrew, interpretado por Benedict Wong) enquanto a ataca já foi vista antes – mas ela parece não ter notado! 17 crianças correram por todas as câmeras de vigilância do bairro fazendo precisamente aquilo, numa imagem que provavelmente já teria sido vista pela cidade toda – quiçá, pelo país. Exceto, claro…por Justine, que não reconhece no ato de Andrew uma cópia daquilo, e recebe a informação como uma grande revelação.
Seria, ademais, exagero querer que a polícia verificasse as câmeras de vigilância do bairro para ao menos calcular por alto em que direção as crianças foram? Vamos insistir: a história não se passa no século XIX. A cidade é tão vigiada que metade das crianças foi capturada pelas câmeras das próprias residências. Seria muito simples traçar seu trajeto com outras câmeras da vizinhança e, ao menos, imaginar por alto para onde elas poderiam ter ido.
São muitas falhas e licenças narrativas que jamais teriam sido aceitas, por exemplo, num roteiro de 20 anos atrás, mas que hoje são engolidas como se fossem pipoca. É claro que o roteiro só poderia resolver uma sucessão tão persistente de falhas de raciocínio apelando a um “elemento mágico”, e é exatamente o que ele faz: a tia maluca não é uma traficante de órgãos, é só uma bruxa com poderes sobrenaturais que o filme não faz questão de contextualizar ou explicar minimamente.

Abordagem do diretor é ousada, mas ousadia não é sinônimo de qualidade

Cregger é um realizador ousado e que não se contenta em repetir estruturas exaustivamente testadas pela indústria, e isto é louvável. Mas um bom filme necessita de alguma unidade entre seus elementos, e não parece ser este o caso aqui. Se compararmos A Hora do Mal com Hereditário, por exemplo, que também procura extrair horror do subúrbio e da vida comum, a avaliação torna-se ainda mais negativa. 

A impressão final é que Zach Cregger não tinha uma “boa história”, nada nem perto disso, mas apenas uma ideia visual forte que dura pouco tempo na tela e não segura um filme alongado como este. Os dois bons atores centrais estão subutilizados, quando poderiam servir de guias a um belo filme de investigação de 95 minutos, sem idas e vindas no tempo que pouco acrescentam ao resultado final. 

A hora do hype irá passar, e não sabemos o quanto do filme permanecerá depois que o interesse for substituído por outra onda que a indústria cinematográfica sabe ocasionar a cada nova temporada.

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