Crítica | Ace Attorney – Duelo no tribunal

Excelência na adaptação do videogame confirma, mais uma vez, versatilidade de Takashi Miike

Um imenso “OBJECTION!” para quem afirma não existir boas adaptações de videogames para as telonas – pelo menos no mercado oriental. Se a adaptação livre de um filme cheio de qualidades como Resident Evil: Retribuição parece não envolver, Ace Attorney reformula essa estratégia da apresentação de um mundo apostando na “fidelidade”.

Sem fazer parte de quaisquer projetos transmídia ou de expansão de universo, o filme de Takashi Miike adapta Phoenix Wright: Ace Attorney, primeiro jogo da série que mistura adventure (passear por diversos cenários, coletar e investigar itens, conversar com personagens variados), e visual novel (a história que se desenrola em longos diálogos, quase em extensão de literatura), para um longa fiel, em primeiro lugar, ao cinema. Sendo Miike, não a um cinema convencional ou intocável, como sua extensa e irregular filmografia está aí para comprovar. Mas essa adaptação certamente figura entre suas melhores obras, ao lado de Ichi, o Assassino, Audition, A Felicidade dos Katakuris, The Bird People in China.

Uma das grandes inovações da série nos videogames foi justamente abordar o contexto do Direito em emocionantes julgamentos. No cinema, porém, esse tema não é novo, é um gênero bastante consolidado no cinema norte-americano, com filmes como 12 Homens e Uma Sentença, Anatomia de um Crime e Philadelphia. Essencialmente, Miike trabalha o filme investido no eixo desse gênero, mas da mesma forma como Speed Racer, das irmãs Wachowski, está para um filme/jogo de corrida – ou ainda mais perto do lirismo lúdico de Edgar Wright em Scott Pilgrim Contra o Mundo.

A audácia de Miike está em sua força e capacidade de mostrar como o narrativa de um videogame pode ser tão rica e empolgante quanto a de qualquer outra arte. Aliás, a defesa do valor dos games como arte deve permanecer uma constante, vide o tipo de debate e julgamento ridículo que o senso comum repercute e autoridades continuam a endossar. A influência dessa estética mostra-se cada vez mais inescapável, inclusive no cinema tradicional – se é que seus traços não podem já ser identificados no começo dos anos 1980, com Os Selvagens da Noite e Fuga de Nova York. certamente não quando a técnica é o balde de referências ao mundo geek, mas ao buscar-se a representação da perspectiva de um jogador.

E como não ver isso em Ace Attorney, onde o tribunal parece uma mesa de RPG ou um tabuleiro de duelos de Yu-gi-oh!. As personagens caricatas, de maneira bem particular ao exagero japonês, portam-se como peças particulares de um jogo, desde os advogados até a plateia. Depois de um testemunho, por exemplo, nosso estabanado protagonista, o advogado de defesa Phoenix Wright (Hiroki Narimiya), deve apresentar seus argumentos e provas. Seja contestando escandalosamente algum trecho do testemunho ou movendo enormes hologramas pela sala do tribunal.

A computação gráfica, tanto em cenas externas como internas, funciona como elemento decisivo da própria mise en scène, que tenta, sempre que possível, replicar os ângulos da câmera no videogame – especialmente os contra-plongées para olhar os advogados (super-heróis semideuses trapalhões) ou o preenchimento da tela por uma prova, como uma foto.

Apesar do jogo ter uma estrutura bem definida de fases (casos, com período de investigação e de tribunal), graças ao roteiro cheio de pequenos clímaces, o espectador consegue sentir o mesmo brilho da descoberta de quando joga.Não na mesma intensidade, claro, a experiência lúdica é única e inimitável. Assim como a cinematográfica. Com Ace Attorney, Miike parece demonstrar que nenhuma adaptação parece impossível. Mesmo alternando entre um tom intensamente dramático e outro livremente cômico, Miike não deixa o formalismo de sua encenação, que faz direta referência à dinâmica do jogo – que, por sua vez, já tinha muito a ver com o fluxo do cinema.

Não bastasse todo o tesão estético que o filme inspira, vale notar a piada ácida do seu conteúdo: ver a Justiça como um jogo, em um sistema em que o tribunal também está ativamente envolvido na investigação do caso. A Justiça como um jogo, em sessões resumidas, que podem durar no máximo três dias, no intuito de resolver mais casos em menos tempo – vale a corrida da eficiência, das metas. E tudo é numerado e limitado, até as vezes que o protagonista pode errar em suas avaliações. É sim uma caricatura, mas baseada em um sistema jurídico real, o inquisitorial.

Com todas as suas qualidades, abertamente ligadas ao cinema como diversão e encantamento, Ace Attorney mostra-se não só uma das melhores adaptações dos games para o cinema, assim como um dos melhores filmes de Takashi Miike. Pensar em uma continuação pode refletir em uma fórmula repetitiva, subordinada ao frescor desse longa. Mas quem sabe? A versatilidade de Miike está sempre pronta para nos surpreender.

Ace Attorney (Gyakuten saiban, Japão – 2012)

Direção: Takashi Miike
Roteiro: Takeharu Sakurai, Sachiko Ôguchi, baseado no videogame de Shu Takumi
Elenco: Hiroki Narimiya,Takumi Saitô, Mirei Kiritani, Akiyoshi Nakao, Shunsuke Daitô e Rei Dan
Gênero: Drama, Comédia
Duração: 135 min.

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