Liam Neeson é a escolha precisa e debochada como protagonista para a retomada de um estilo de comédia que fez muito sucesso na década de 1980 a partir do hoje clássico Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu – e que depois daria origem e influência a uma lista relativamente grande de títulos como o Corra que a Polícia Vem Aí! original, passando por Top Secret!:Superconfidencial, Todo Mundo em Pânico, Não é Mais um Besteirol Americano, entre outros.

O público atual talvez não esteja familiarizado com a abordagem inventada por David e Jerry Zucker e Jim Abrahams, que misturava gags visuais, texto nonsense, uma pitada de incorreção política e a atmosfera subversiva herdada dos Irmãos Marx. Portanto, resta saber como essa audiência (muito mais propensa a ter sua suscetibilidade ferida) irá reagir a uma mistura que é, ao mesmo tempo, despretensiosa e explosiva ao nível do ultraje social.

A nova versão de Corra que a Polícia Vem Aí! acerta em cheio ao fazer de Neeson o filho do personagem original celebrizado por Leslie Nielsen, embora sejam duas personas cinematográficas distintas por natureza (enquanto o primeiro é um astro de primeira grandeza do cinema de ação, o segundo sempre foi no máximo um coadjuvante dedicado até se encontrar na comédia escrachada). O balanço acertado no novo filme certamente tem a marca do produtor Seth MacFarlane, acostumado a um gênero de comédia provocativa como da animação em série Uma Família da Pesada e de longas-metragens como Ted e Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola.

Como retomar um estilo sem assustar o espectador atual

O novo filme corria dois riscos desde o início: o mais óbvio era o de descaracterizar o tom original para não chocar o espectador de 2025; o menos óbvio era, por outro lado, de pesar a mão, desconsiderando que o cinema (assim como a plateia, o mundo, as piadas) mudou e muda o tempo todo. Mas uma direção discreta (embora dedicada) e um roteiro sem medo de mostrar por que veio garantem passar pelo desafio merecendo uma medalha de “policial do mês” ou algo parecido.

Na trama (que, como não poderia deixar de ser, é uma estrutura básica cuja real função é permitir que o humor aconteça), Frank Drebin Jr. (Neeson) é um policial veterano com as esperadas dificuldades em se adaptar aos novos tempos em seu trato com criminosos (reais e imaginários) e a opinião pública que, diante de uma investigação que envolve o magnata da tecnologia Richard Cane (Danny Huston, de Yellowstone e Sucessão), acaba se relacionando com a irmã de uma vítima de conspiração vivida por Pamela Anderson. 

Embora trate de temas bastante presentes na discussão pública da atualidade, o enredo não se aprofunda nas questões – o que é um acerto, porque o foco tem que estar necessariamente no exercício de um tipo de humor que, mesmo não tendo desaparecido, hoje é mais difícil de ser encontrado no cinema. Assistimos a uma sequência que não perde o fôlego em pouco menos de uma hora e meia de projeção: são piadas bastante visuais, diálogos que fazem referência a personagens e temas do mundo real e que demandam atenção para compreender e dar risada. Em outros momentos, as piadas vão se revelando camada por camada, num equilíbrio inteligente (embora francamente desafetado) entre refinamento formal e vulgaridade. O resultado é muito divertido e quase o oposto ao que se vê normalmente quando pensamos agora em “humor no cinema”: Corra que a Polícia Vem Aí! não se constrange em fazer piadas com filmes de ação, carros elétricos, violência policial, calças caindo e desventuras intestinais mas, por trás da grosseria colegial, há uma subversiva alternância entre a sátira (social) e a paródia (do próprio cinema) que mesmo o espectador mais mal humorado poderá reconhecer.

Quem estiver atento vai aproveitar melhor as piadas que se sucedem (e se escondem)

Quem não está familiarizado com o estilo de humor pode perder uma parcela considerável das piadas. Por exemplo: quando analisa uma cena de crime, Drebin Jr. calça meticulosamente uma luva plástica para, em seguida, comprometer a perícia usando a mão que está desprotegida para mexer nas provas. É sutil e pode passar despercebido, mas está longe de ser despropositado, evidenciando que o filme – por mais tolo e avacalhado que pareça na superfície – é resultado de uma artesania caprichada, que usa o próprio escracho para ocultar os mecanismos cênicos que estão o tempo todo em pleno funcionamento.

O mais importante, contudo, em se tratando de uma comédia, é sempre perguntar: as piadas funcionam? Os atores são engraçados? Os diálogos, provocativos? Sim: o resultado é um filme curto, divertido, com dois ou três momentos realmente hilários, provocações para todos os lados, grau nulo de proselitismo e uma boa dose de nostalgia de um tempo em que rir de si mesmo e dos amigos não produzia celeumas sociais para ninguém.

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Daniel Moreno

Cineasta, roteirista e colaborador esporádico de publicações na área, diretor do documentário “O Diário de Lidwina” (disponível no Amazon Prime e ClaroTV), entre outros.

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