O tempo voa. Nove anos se passaram desde a estreia de Divertida Mente nos cinemas que apresentou mais um pico criativo para a Pixar. Após alguns anos bastante difíceis ao colecionar fracassos de público por causa da pandemia, o estúdio agora espera conquistar muitos dólares com a aguardada sequência que promete ser um dos campeões de bilheteria da Pixar.
Sem trabalhar sequências desde 2019 com Toy Story 4, sempre há um frio na barriga ao ver um estúdio tão conceituado se aventurar mais uma vez em narrativas extremamente originais. Com décadas de existência, não é surpresa que a Pixar já tenha seus altos e baixos – principalmente com as sequências. Felizmente, o hiato de cinco anos sem tocar nessas histórias foi um acerto, pois Divertida Mente 2 prova mais uma vez o talento da autocrítica da produtora.
Divertida Mente 2 aposta no seguro
Agora Riley já tem 13 anos e é uma verdadeira adolescente. Tendo conquistado duas grandes amigas na escola e no time de hockey, a jovem parte em viagem em um acampamento para treinar suas habilidades esportivas, além de ter a chance de integrar o time oficial do ensino médio. Entretanto, ao chegar no acampamento, Riley descobre um fato que causa uma verdadeira turbulência de emoções em sua cabeça que passa por profundas transformações.
Alegria, Tristeza, Medo, Nojinho e Raiva terão que aprender a lidar com as novas e impulsivas emoções Ansiedade, Vergonha, Tédio e Inveja que vão partilhar o centro de comando emocional da garota. Entretanto, Alegria e Ansiedade passam a entrar em conflitos sobre as ações da menina, causando uma verdadeira disrupção no cérebro dela.
A história e roteiro de Divertida Mente 2 é assinado por seis mãos trazendo a veterana do filme anterior, Meg Lefauve, de volta. As novidades são o diretor Kelsey Mann e Dave Holstein. A conjunção de talentos dá certo conseguindo entregar uma história bastante redonda – ainda que tenha uma estrutura muito similar a do primeiro filme (uma prática já bastante conhecida da Pixar desde Toy Story 2).
As ideias mais abstratas de Pete Docter, diretor do filme original, se vão para dar vez a conceitos mais fáceis para a compreensão de audiências mais novas – o que também gera o filme ter que se explicar algumas vezes, principalmente no final. Com exceção desse vício, há pouca coisa que desmerece o trabalho criativo.
Muitos dos conflitos de Riley são bastante clichês, algo totalmente compreensível para um filme que busca falar sobre a entrada da adolescência na vida de alguém cujas emoções são muito mais agridoces que as mais puras da infância. Isso é refletido até mesmo no design de cores mais opacas dos novos personagens que possuem tempo de tela o suficiente para divertir. Muitos servem apenas como alívio cômico já que a maior parte do trabalho fica concentrado em Ansiedade que se comporta como uma segunda protagonista, dividindo o espaço com Alegria.
O acerto é alto nas situações embaraçosas e escolhas dúbias que Riley faz – algo que, com certeza, fará o espectador ressuscitar algumas memórias até então esquecidas. O que é ótimo, já que Riley se torna uma personagem mais interessante e complexa do que a vista anteriormente, cumprindo a promessa da jornada de amadurecimento da garota.
Tempestade de ideias
Enquanto há sim enorme margem de segurança na estrutura do filme, isso não invalida as boas ideias apresentadas em diálogos ou piadas. O diretor Kelsey Mann aproveita ótimos momentos para variar estilos de animação trazendo até mesmo um personagem de animação tradicional para fazer piada com programas infantis como As Pistas de Blue ou Dora: A Aventureira.
São momentos de leveza em jogos rápidos de diálogo que sustentam o excelente ritmo do longa. Parece que a Pixar também puxou o freio nos seus orçamentos caros, deixando Divertida Mente 2 uma aventura bastante enxuta até mesmo no visual – descobri após a publicação que o filme custou exorbitantes 200 milhões de dólares que não estão justificados na produção. Não há grandes momentos de espetáculo visual, com exceção do clímax e uma cena de brainstorm no sentido literal.
O cerne do novo filme é a estrutura do Senso de Si, a personalidade da Riley, elementos ainda mais fortes que as memórias-chave do primeiro filme. Porém, como a puberdade acontece, isso também significa que Riley passará por mudanças intensas dentro de si mesma e do conflito de pensamentos que, em uma boa sequência, Mann resolve muito bem ao trabalhar a imaginação de diversos cenários caóticos criados pela Ansiedade.
É um tanto estranho, porém, que justamente essa peça acaba invalidando uma parte da jornada passada de Alegria, que teria aprendido com os próprios erros, quando nessa aventura, há mais uma vez a repetição desse arco. Nisso, é triste que os personagens fiquem um tanto travados nessa questão de crescimento – a única que consegue fugir disso é a Ansiedade que possui também uma jornada bastante previsível, mas que rende momentos belos principalmente por tocar com sensibilidade o tema da TAG.
No que o diretor pode errar um tanto a mão é justamente na sensibilidade imagética da obra. Existem sim os “momentos para chorar”, mas eles carecem da simplicidade emotiva do estúdio que figura em Up ou Toy Story 3, por exemplo. Aqui, nitidamente há uma mão pesada para fazer o espectador chorar – e isso é algo bastante individual. Pode ser que funcione em outros. Em mim não funcionou.
Isso também leva a remeter a trilha musical que tem a função de aprimorar a experiência visual da obra. Desta vez, Michael Giacchino não retorna para criar temas tão memoráveis quanto o original, com Andrea Datzman ocupando a cadeira de compositora. A música é boa, mas não chega perto de se tornar uma parte estrutural do filme além de cumprir suas funções primárias.
Enquanto o diretor capricha bastante no ritmo do filme e na concepção visual de diversos elementos, é um tanto estranho notar como a estrutura de ir e voltar de dentro da Riley também compromete bastante a encenação. Com esse entra e sai, temos uma montagem mais frenética e picotada, com raros momentos de respiro para os personagens ou a câmera se movimentarem em sequências mais elaboradas que já foram vistas em filmes anteriores do estúdio.
A aventura de crescer
Divertida Mente 2 é uma ótima aventura repleta de cores e bons momentos. Não se trata do filme mais original do mundo, mas seu carisma é inegável, assim como o divertimento. Aqui no Brasil, as versões dubladas devem predominar o país e a Disney segue com o comportamento de inserir diversas gírias que estão fadadas a tornar o filme mais obsoleto antes do previsto. A boa surpresa está no trabalho de dublagem, com o diretor conseguindo conter ânimos e qualquer resquício de estrelismo entregando uma experiência bastante equilibrada.
A mente de Riley, mesmo mais madura, segue tão divertida quanto antes. Fica a minha torcida para que as próximas aventuras – que certamente vão existir, tragam emoções ainda mais complexas e o olhar único da Pixar sobre a universal história de crescer.