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Crítica | A Guerra dos Sexos – Uma conquista do feminismo sem a força que merecia

Os tempos estão mudando. Questões sociais que há alguns anos seriam consideradas tabus, agora são temas de discussões e também de entretenimento, e é importante que o cinema acompanhe essas mudanças a fim de jogar luz em acontecimentos pouco lembrados ou simplesmente oferecer uma reflexão. Com a força de movimentos feministas e a cada vez mais presente luta do gênero na contemporaneidade, A Guerra dos Sexos parecia a oportunidade perfeita para explorar ainda mais do assunto com uma história surpreendentemente atemporal, mas que tristemente acaba recebendo um tratamento confuso em suas próprias intenções.

O título faz referência a uma modalidade no tênis onde um homem e uma mulher se enfrentam em um jogo, e o roteiro de Simon Beaufoy concentra-se em uma das manifestações mais famosas: a partida de Billie Jean King (Emma Stone) contra Bobby Riggs (Steve Carell). Mais do que uma mera partida, o jogo foi uma chance de King mostrar o valor e a força das mulheres – subvalorizadas e com salários inferiores ao dos jogadores homens -, ao passo em que Riggs tentava recuperar seu prestígio após ficar afastado das quadras.

Premissa básica do gênero esportivo, com a bela oportunidade de trazer um paralelo bem atual com os tempos atuais. Pois, de fato: o retrato que Beaufoy faz aqui só causa a realização sobre como a posição da mulher em relação ao homem não melhorou; com a diferença de que, nos anos 70, jornalistas e comentaristas não tinham o “charme” de esconder o machismo, falando abertamente como o lugar das mulheres é na cama e no quarto; vide a coletiva de imprensa onde Riggs assume uma postura – adotada por ele mesmo – de chauvinista. Por ainda mostrar o trabalho de ativismo de Billie Jean, esta definitivamente é uma história que merecia ser contada.

Dupla Falta

Infelizmente, A Guerra dos Sexos acaba sofrendo de um problema cada vez mais constante em longas dessa linha de produção, de histórias movidas por bem intencionados retratos de uma luta por direitos e conquistas de minorias. Tal como Histórias Cruzadas e Estrelas Além do Tempo, o filme de Jonathan Dayton e Valerie Faris é extremamente apelativo e cartunesco em seu retrato, que traz uma balança irregular entre o drama sério e uma abordagem humorística desconfortavelmente cartunesca. Os antagonistas são todos malvados demais, enquanto as protagonistas ganham um tratamento multifacetado, o que garante um resultado incongruente, quase como se não pertencessem no mesmo filme. Fico surpreso que um roteirista competente como Simon Beaufoy (parceiro habitual de Danny Boyle, que é creditado como produtor), apesar de realizar um trabalho louvável de pesquisa e manter-se verdadeiro aos fatos, tenha se limitado a tantos diálogos bobos e que parecem motivados apenas a criar frases de efeito.

Diversos pontos interessantes e que renderiam uma profundidade considerável acabam sendo abordados superficialmente. O triângulo amoros entre Billie, seu marido Larry (Austin Stowell) e a cabeleireira Marilyn (Andrea Riseborough), por exemplo, acaba resolvido da maneira mais abrupta e anticlimática possível; com a presença de uma relação homossexual sendo considerada um perigo para a vida pública de Billie, mas que acaba soando como um mero acessório. Claro, temos um belo diálogo entre Billie e o personagem de Alan Cumming, sobre como um dia seriam livres para amar quem bem desejarem, e a cena realmente é admirável, mas sem efeito algum por dar luz a um personagem que mal recebeu qualquer tipo de desenvolvimento anteriormente – uma pena, visto que Cumming faz um bom trabalho mesmo em seus microscópicos minutos de participação. Outro ponto decepcionante também é quando Larry aborda Marilyn e fala, bem superficialmente, sobre o caso que a cabeleireira tem com sua mulher, enfatizando que tanto ela quanto ele são “meras distrações”, e que o amor maior de Billie é o tênis. Bem, pessoalmente não encontrei nada no filme que ilustre tão bem essa paixão da tenista pelo esporte (com exceção de Bille constantemente falar que “precisa se concentrar no jogo”), e parece mais motivada pelo que sua participação no esporte representa.

O mesmo se aplica ao núcleo de Bobby Riggs, com mais uma cansada trama de casamento em crise, apelando até mesmo para o clichê da esposa (vivida por uma sumida Elisabeth Shue) jogando as roupas do marido para fora da casa. E é curioso como Beaufoy se dá ao trabalho de trazer frases expositivas como “quem te sustenta sou eu, uma mulher!” mas não explora a relação de Riggs com seu filho ou a súbita transformação para um canalha machista. Tudo nos leva a entender que todas as provocações e comentários misóginos feitos por Riggs nas coletivas de imprensa não passavam de uma forma do tenista em promover o evento e lucrar em cima dessa atenção, que chegou a níveis exagerados de fantasias, líderes de torcida e muito mais holofotes do que eu já vi na vida para uma partida de tênis. Porém, o filme nunca nos mostra essa transição. Nunca nos esclarece que Riggs não é um sujeito mau, e nada do que vimos no primeiro ato nos pinta esse retrato, e o próprio até parece admirar Billie Jean, já que em sua primeiríssima cena ele assiste a um jogo da tenista pela televisão com muito afinco; chegando até mesmo a pegar sua velha raquete da gaveta e praticar alguns movimentos.

Grand Set técnico

Sem um projeto de cinema desde 2012, com Ruby Sparks: A Namorada Perfeita (e antes disso, o badalado Pequena Miss Sunshine), o casal Jonathan Dayton e Valerie Faris entrega aqui sua obra mais requintada em quesitos técnicos. Poucas vezes nos últimos anos vi os anos 70 parecerem tão críveis e bem retratados, com um trabalho excepcional no design de produção e figurino, mas principalmente à fotografia de Linus Sandgren (La La Land), que mescla com habilidade uma paleta de tons de vermelho e azul mais intensos, com uma iluminação fria. A captação em película também garante um leve granulado que ajuda a replicar o estilo da época, e toda a equipe merece aplausos nesse quesito, inclusive pelo uso nostálgico do antigo logo da Fox na vinheta de abertura.

Porém, Dayton e Faris não demonstram muito além do básico na condução da história. As cenas que envolvem os jogos de tênis acabam sendo enfadonhas pela falta de variedade de planos, limitados a um visão geral da quadra (da mesma forma que vemos em transmissões televisivas) e alguns planos médios dos jogadores em momentos específicos; em sua maioria, de reação após alguma jogada. Tênis já não é o tipo de esporte mais empolgante de se assistir, mas basta observar como Alfred Hitchcock consegue tornar uma partida dessas como algo angustiante e empolgante com Pacto Sinistro, pela variação de planos, o jogo de fazer nosso olhar acompanhar a bolinha sendo rebatida de um lado para o outro e a montagem mais elaborada. Claro, nem todos conseguem ser Hitchcock, mas o casal ao menos traz uma ótima sacada de direção, quando Bobby conversa com seu filho em uma escada rolante que está descendo, mas ele teimosamente tenta subir. Uma perfeita simbologia de todo o arco do personagem, que insiste em voltar ao topo de sua carreira, mesmo com a vida inevitavelmente levando-o para baixo.

Por último, mas não menos importante, o elenco no geral faz um bom trabalho. Em sua primeira performance pós-vitória no Oscar, Emma Stone mostra que pode muito bem retornar ao prêmio da Academia, já que seu retrato de Billie Jean é um trabalho carismático e de muitas nuances sutis, especialmente nas cenas com Andrea Riseborough, onde toda a postura determinada e quase matemática e amolecida pelo olhar penetrante de sua amante. Cada vez mais interessado em papéis fora de seu perfil, Steve Carell entrega uma ótima performance como Riggs, e o departamento de maquiagem merece aplausos pela dentadura usada pelo ator, que jamais soa artificial e “pertencem” ao tipo de performance mais barulhenta e eufórica do ator. De restante, o elenco coadjuvante traz boas performances de nomes como Elisabeth Shue, Austin Stowell, Bill Pullman e Jessica McNamee, mas enfraquece a cada segundo em que a cartunesca Sarah Silverman aparece, dando vida a uma personagem deslocada e que serve como péssimo alívio cômico. 

É triste ver uma história tão fascinante e relevante ganhando um tratamente tão mediano. A Guerra dos Sexos é cheio de boas intenções e valores deprodução sofisticados, mas não encontra o ponto certo entre a seriedade da história que quer contar, e os toques cômicos que o levam para um estranho lado cartunesco.

A Guerra dos Sexos (Battle of the Sexes, EUA – 2017)

Direção: Valerie Faris, Jonathan Dayton
Roteiro: Simon Beaufoy
Elenco: Emma Stone, Steve Carell, Andrea Riseborough, Sarah Silverman, Natalie Moraes, Elisabeth Shue, Bill Pullman, Alan Cumming, Jessica McNamee, Austin Stowell
Gênero: Drama, Comédia
Duração: 121 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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