Crítica | Jorge da Capadócia – Épico nacional mistura novela da Record, Game of Thrones e axé music

Muitos irão defender “Jorge da Capadócia” pelo seu evidente esforço de produção; mas, convenhamos, de “Plano 9 do Espaço Sideral” a “Oppenheimer
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Ju Marelli

Verdadeiro “tour de force” de seu realizador, Alexandre Machafer (diretor e protagonista do filme), “Jorge da Capadócia” é uma produção singular dentro da cinematografia nacional, uma vez que não foi realizado nem com verba pública, nem por algum canal de TV ou plataforma de streaming.

O roteiro (de Matheus Souza, o mesmo do sensível “Eduardo e Mônica”) parte da história de Jorge da Capadócia, também conhecido como São Jorge, soldado romano nascido no século III, na região da Capadócia (atual Turquia). Jorge converteu-se ao cristianismo e, devido à sua fé, enfrentou perseguições sob o imperador Diocleciano. Após sua execução em 23 de abril de 303, São Jorge se tornou um dos santos mais venerados no cristianismo, especialmente como patrono da Inglaterra e de Portugal. Sua história inspirou diversas tradições culturais e religiosas ao redor do mundo e envolve ainda a lenda do dragão.

Conforme se pode imaginar, a proeza de Machafer não é das menores: fazer um épico, de forma independente, dirigindo e estrelando, num gênero com pouca tradição no Brasil, filmando na Turquia, tendo por tema um personagem relacionado à religiosidade popular, ou seja, na contramão da crítica de cinema (predominantemente materialista).

Enquanto aposta no realismo, o filme se sai relativamente bem: as cenas de tortura, por exemplo, conseguem provocar impacto mesmo com a habitual banalidade que a violência adquiriu no meio audiovisual atual. Seria mais fácil, simples e inteligente caprichar nesse registro, aproveitando-se das impressionantes locações turcas utilizadas. Em vez de resolver problemas que tal aposta realista apresenta (por exemplo, o sotaque carregado do elenco, que se sobressai e faz o filme lembrar uma novela da Record ambientada nos dias de hoje), a direção se propõe a um salto ainda maior quando introduz a figura mítica do dragão, um número reduzido de cenas escuras em CGI que simplesmente não encaixam com o resto do filme e não acrescentam nada ao produto final.

O resultado final é uma salada desequilibrada, que ora pretende lembrar “Gladiador”, ora rivalizar com “Game of Thrones”, mas que termina oscilando entre o cinema de temática cristã, a dramaturgia da Record (da qual o filme herda alguns defeitos além do sotaque, como o visual excessivamente “arrumadinho” dos guerreiros, que parecem ter saído da barbearia cinco minutos depois de se envolverem numa “batalha sangrenta”), e encerra com uma canção-tema ao estilo “axé music”, o que reforça a atmosfera nonsense e desarticulada da produção, numa confusão bastante incômoda de tons (entre o excessivamente “solene” e o relaxadamente “popular”).

Muitos irão defender “Jorge da Capadócia” pelo seu evidente esforço de produção; mas, convenhamos, de “Plano 9 do Espaço Sideral” a “Oppenheimer”, esforço é um elemento indispensável a qualquer realização cinematográfica – e não nos parece sequer que “falta de orçamento” seja um problema para Machafer. Todo filme é o resultado e a soma de trabalho em equipe, recursos e a incrível energia humana envolvida. Aqui, maior que o “esforço de realização” foi a pretensão do filme, tentando matar uma dúzia de dragões ao mesmo tempo e terminando ainda mais machucado que seu personagem-título.

Jorge da Capadócia (Jorge da Capadócia, Brasil – 2024)
Direção: Alexandre Machafer
Roteiro: Matheus Souza
Elenco: Alexandre Machafer, Roberto Bomtempo, Ricardo Soares
Gênero: Ação, Drama, Histórico
Duração: 119 min

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