Crítica | Jurassic World Domínio é a despedida mais genérica possível ao legado de Jurassic Park

Em suma, Jurassic World: Domínio só tinha um bendito trabalho para fazer: mostrar a história do mundo após o surgimento dos dinossauros

Poucas franquias são tão queridas à minha memória afetiva como Jurassic Park. O impacto do longa de 1993 de Steven Spielberg moldou muitos dos meus sonhos e nutriu completamente o meu amor pelo Cinema. 

Com diversas boas memórias da minha infância, vivi algumas das minhas melhores tardes apreciando toda a criatividade das páginas de Michael Crichton para as telinhas – afinal, foi Jurassic Park 3 o primeiro filme da saga que conferi nos cinemas. 

Na onda dos soft reboots que tomaram Hollywood por tempestade nos anos 2010, a que eu mais aguardava certamente era a de Jurassic World. E como diz o ditado, “quanto maior a expectativa, maior a frustração”. Na época, fui um dos poucos a realmente destacar a qualidade insossa da obra comandada pelo igualmente insosso Colin Trevorrow

Felizmente em 2018 com a sequência Jurassic World: Reino Ameaçado, não fui mais uma voz solitária e a maioria do consenso da crítica apontava um longa realmente abismal. Até mesmo os fãs veteranos da franquia não perdoaram as ideias pavorosas apresentadas na obra aberrante e deixaram a peruca da nostalgia finalmente cair.

Agora estamos em 2022 e parece que Jurassic Park finalmente encontrará sua merecida extinção. Dessa vez, fui sem expectativa alguma para conferir a nova aventura, mas não me traz qualquer alegria afirmar que Jurassic World: Domínio é tão ruim quanto o atroz Star Wars: A Ascensão Skywalker – ambos com Trevorrow envolvido na produção, chegando perto de ser o pior dos seis filmes produzidos até então. 

Dinossauros entre nós, mas apenas uma mera inconveniência

Assim como acontecia com Reino Ameaçado, o roteiro de Colin Trevorrow e Emily Carmichael aguarda pouquíssimos minutos para trazer o pior tipo de exposição narrativa cinematográfica possível: a de telejornalismo. Jogando o espectador direto no noticiário fictício, conhecemos então o que acontece no mundo após a destruição da Isla Nublar há quatro anos. 

Com dinossauros retornando ao ecossistema terrestre após 65 milhões de anos, alguns problemas acontecem. Há dezenas de mortes de humanos envolvendo os répteis gigantes, novos mercados negros se formaram e uma solução para o problema ainda não foi definida – acredite, a narrativa se torna mais coerente se você tiver jogado a campanha do game Jurassic World Evolution 2.

As criaturas mais perigosas foram realocadas para uma reserva natural criada pela gigante de biotecnologia BioSyn que, assim como toda grande corporação criada nos cinemas, tem intenções secretas para lucrar horrores.

Na reserva são conduzidas pesquisas genéticas envolvendo os dinossauros na busca de respostas para usar os genomas a fim de curar doenças graves dos humanos. Nesse santuário, os bichos estão isolados do caos urbano e conseguem ter um habitat mais próximo do natural. 

Enquanto o mundo se indaga com o que raios fazer com as criaturas jurássicas, Owen (Chris Pratt) e Claire (Bryce Dallas Howard) vivem reclusos tentando salvar o maior número de dinossauros possíveis das mãos de caçadores e exploradores enquanto conciliam seu tempo para proteger a menina-clone Maisie Lockwood (Isabella Sermon) – a herança bizarra de Reino Ameaçado. Por ser o primeiro clone perfeito de um humano, ela é visada pela BioSyn para conduzir testes de edição genética. Para isso, alguns traficantes de dinossauros entram em jogo para capturar a menina.

Ao mesmo tempo, há Ellie Sattler (Laura Dern) investigando uma nova praga que assola as colheitas americanas: um gafanhoto gigante do cretáceo que, de modo nada suspeito, nunca ataca as plantações de sementes da BioSyn… 

No rumo da investigação, Sattler pede ajuda para o grande Alan Grant (Sam Neil). Juntos, eles partem para o santuário onde a empresa tem sua sede, na tentativa de expor os experimentos envolvendo os gafanhotos gigantes – felizmente eles podem contar com a ajuda de Ian Malcolm (Jeff Goldblum) que agora trabalha na gigante de biotecnologia.

Quando são precisos seis parágrafos para organizar uma sinopse para fazer a crítica ter sentido, é um dos sinais claros que temos uma bagunça absoluta entre nós. Trevorrow assume a difícil tarefa de unir duas gerações em uma só aventura e para fazer esse encontro acontecer, uma narrativa de múltiplos protagonistas realmente se faz necessária e prejudica imensamente qualquer vislumbre de arco narrativo que possamos ter com os seis protagonistas da obra.

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Mesmo assim, com o retorno de ótimos personagens, Trevorrow insiste em tentar desenvolver Maisie, a menina-clone que causou o caos no mundo e que também não foi muito bem aceita pelo público. Aliás, a mente sádica de Trevorrow devia ser estudada, afinal ele sempre apresenta ideias verdadeiramente estúpidas em suas narrativas: seja os dinossauros usados como armamentos, o leilão de dinossauros vendidos a troco de pinga e agora o arco da menina-clone com a ameaça dos gafanhotos mutantes.

Enfim, Maisie conta com todos os comportamentos intempestivos clichês de uma adolescente, a personagem é uma caricatura completa e o tempo que o roteirista dedica para trazer o convívio dela com Owen e Claire sempre pende para o brega, tentando realizar uma metáfora mal concebida de Rapunzel.

Para Owen e Claire, o arco é essencialmente o mesmo, em uma aventura a la Busca Implacável com dinossauros para conseguir reaver Maisie e também Beta, a filhote velociraptor de Blue que acaba sequestrada junto por um motivo não muito crível realizando um eco genérico do filhote de tiranossauro de O Mundo Perdido.

Trevorrow martela muito a tecla de edição genética e a resposta das doenças humanas na fisiologia jurássica, mas é uma linha medíocre jogando novamente Dr. Henry Wu (BD Wong) como um Dr. Frankenstein nessa nova trilogia malfadada. 

Inexpressivos, Claire e Owen só se movem nessa jornada que termina na BioSyn através de conveniências narrativas: uma mais absurda que a outra. Prepare-se para rever personagens que ninguém se importa como Franklin, Barry e Zia surgindo como dispositivos de narrativa para resolver alguns entraves em Jurassic World Domínio. 

Entretanto, nenhum deles chega a beirar o cúmulo do absurdo como acontece com a nova personagem Kayla Watts, uma espécie de anti-heroína badass que trabalha para traficantes com seu avião capenga. Com absolutamente nenhuma motivação, ela decide colocar a vida, carreira e pertences em risco para ajudar a dupla de heróis desesperados atrás da filha adotiva. 

O mais bizarro de tudo é notar o cinismo absurdo de Trevorrow que tem plena ciência de que seu roteiro é de quinta categoria, pois as falhas grotescas são citadas em diálogos pavorosos. Owen indaga para Kayla algumas vezes sobre a razão de ajudá-lo e ela desconversa até dar a resposta menos crível possível. O mesmo acontece quando Maisie fala o quão brega são as declarações motivacionais de Claire enquanto ela lida com uma crise existencial em sua adolescência clônica.

Infelizmente, o mesmo pode ser dito do núcleo narrativo envolvendo o trio clássico com Alan, Ellie e Ian. Além de existir só o flerte de um romance entre Alan e Ellie, a investigação envolvendo os gafanhotos não engata por culpa da informação que Trevorrow fornece logo no começo do filme.

Como crer em uma ameaça global de gafanhotos que devastam colheitas sendo que não tocam nos produtos da BioSyn se nenhum governo se indagou sobre uma característica que qualquer estúpido pensaria? É uma escrita precária demais em uma franquia que já levou surra de roteiro ruim até dizer chega. 

Como os personagens não fazem nada de interessante, cabe apenas fazer algumas piadas com o humor tradicional de cada um deles, principalmente de Ian que é o alívio cômico pedante de sempre – embora suas melhores tiradas estejam no trailer. 

O que prejudica é o fato de todos estarem no piloto automático, principalmente Jeff Goldblum que não parece levar nada à sério, nem mesmo em sua cena “homenagem” a Jurassic Park que mais parece uma paródia digna de Todo Mundo em Pânico. De fato, dentro dos dois núcleos, o texto não assume risco algum e, assim, qualquer sensação de iminência de perigo é flácida. 

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Uma hora, como já revelado nos trailers, é óbvio que os dois núcleos precisam se encontrar. O problema é que este dado momento acontece quando Trevorrow já se cansou da história e começa a apelar para conveniências narrativas cada vez mais absurdas a ponto de jogar um carro carregado de personagens nos pés dos outros. É literalmente o que acontece. 

O mesmo ocorre para resolver enrascadas envolvendo o risco de alguém morrer. Sempre alguém surge em um deus ex machina para salvar o dia. Em Jurassic World: Domínio, dinossauros são tão perigosos quanto chihuahuas. 

Se nem os dinossauros assustam como antes, o mesmo pode ser dito com o antagonista da vez: o bilionário Lewis Dodgson que comanda a BioSyn. Além de sua motivação ser toda atrapalhada, o personagem toma atitudes insanas causando um repeteco de eventos já explorados à exaustão com Jurassic Park e World. Pior é a caracterízação do personagem, inspirada na já batida paródia visual envolvendo CEOs de tecnologia como Steve Jobs.

No terceiro ato da obra, Trevorrow passa a repetir roboticamente situações de outros filmes com a desculpa de ser uma “homenagem” e explorar como “o passado se repete” quando na verdade se trata de preguiça criativa. Ao menos a besteira envolvendo os gafanhotos gigantes rendem uma “chuva” de meteoros na metáfora mais inteligente do filme – o que não é algo muito difícil. 

Jurassic World Domínio? Mais ou menos

Se não há salvação para o roteiro de Jurassic World: Domínio, o que realmente se sobressai na obra? Bom, por pior roteirista que seja o sr. Trevorrow, é inegável que ele melhorou significativamente no quesito de direção se comparar esse filme com a atrocidade visual que é o primeiro longa dessa trilogia. 

Não se trata de um Bayona que conseguiu dar alguma elegância cinematográfica ao péssimo Reino Ameaçado e muito menos um Spielberg que cunhou memórias verdadeiramente inesquecíveis, mas Trevorrow tem seus bons momentos, principalmente no que tange a ação. 

Ele ainda faz a pior decupagem televisiva para os diálogos, mas quando os personagens começam a correr dos dinossauros em grandes perseguições, há um ritmo excelente das viradas da ação que fazem o espectador ficar na beira da poltrona – tenso e eficaz. A perseguição envolvendo Owen e um bando de atrociraptores em Malta com inúmeras coisas acontecendo ao mesmo tempo é um grande exemplo disso.

Aliás, toda a sequência de Malta é a mais interessante do filme todo, pois traz justamente o elemento mais legal da história: o caos comendo solto com diversos dinossauros detonando a cidade repleta de humanos desesperados. É algo tão simples que deveria ser o diferencial do filme, mas, por algum motivo que nunca vou compreender, é limitado somente a essa ótima sequência.

Aqui, até o roteiro consegue se diversificar com o mercado negro envolvendo as criaturas, jogando os personagens em uma subtrama de espionagem. É um flerte bem divertido com Missão: Impossível, mas assim que tudo fica muito bom, rapidamente é deixado de lado para seguirmos com a narrativa problemática envolvendo clones e edição genética. 

Depois disso, Jurassic World Domínio não se recupera do ponto alto e muito menos a direção de Trevorrow que estranhamente assume postura menos épica, em planos de composição apertada e movimentação de câmera genérica. O design de produção então traz mais das densas florestas que sempre foram marca registrada da saga.

Também é importante destacar a quantidade numerosa de dinossauros que há no filme. São muitas espécies surgindo e, com algumas delas, Trevorrow consegue criar cenas bonitas envolvendo o “efeito Spielberg” do olhar admirado de personagens observando um colossal apatossauro em uma madeireira. 

O que infelizmente acaba por tirar o espectador do filme é a falta de realismo em relação às consequências da ação, por menor que seja. No caso, o mais afetado por isso é Owen. O personagem é atirado de todos os cantos, sobrevive a queda de um avião e ainda cai em águas de temperaturas congelantes e consegue sair sem um arranhão. Não é exagero: Owen sai dos destroços de um avião como se nada tivesse acontecido, não há um pequeno corte no rosto, nada. O homem é mesmo um super-herói. 

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Essa falta de cuidado é algo tradicional da direção de Trevorrow que conseguiu fazer dos saltos da Claire correndo mais rápido que a T-Rex em Jurassic World uma verdadeira piada internacional. Também é difícil acreditar que, pela sexta vez, os personagens não conseguem ouvir ou sentir dinossauros famintos de toneladas se aproximando na distância. 

Eles só percebem um giganotossauro ou um T-Rex quando ele literalmente está a menos de dois passos de distância. É algo herdado da franquia, mas depois de quase 30 anos de existência, se espera mais atenção com detalhes já criticados à exaustão. 

As típicas “rinhas” de dinossauro que viraram moda desde Jurassic Park 3 também dão as caras por aqui. Mas de todas, a de Domínio provavelmente se trata da mais fraca. Os fãs ao menos ficarão felizes em ver Rexie em toda a sua glória novamente. Destaque para os efeitos visuais, por sinal. 

O ano de adiamento ajudou a contribuir para polir os efeitos envolvendo as criaturas que tem um aspecto crível – ainda que a qualidade visual flutue muito a depender de cada espécie de dinossauro. O fato é que os efeitos práticos seguem excelentes e é sempre divertido ver os bonecos de dilofossauro aterrorizando os personagens. Em alguns momentos, parece que Trevorrow também faz um bom uso de miniaturas, mas que é percebido pela falta de experiência do diretor com esse tipo de efeito. 

Para finalizar o gabarito técnico, a trilha musical de Michael Giacchino não é uma das mais expressivas, sendo uma das menos inspiradas de sua carreira até o momento, mas é eficaz para os momentos de ação, ajudando a impulsionar certa atmosfera. 

Em suma, Jurassic World: Domínio só tinha um bendito trabalho para fazer: mostrar a história do mundo após o surgimento dos dinossauros dentro de um ecossistema dominado por humanos. Infelizmente, a história não segue nessa linha, ainda que seus melhores momentos envolvam justo esse diferencial único da obra. 

Com muita insistência no drama da menina-clone, conseguindo até mesmo invalidar uma informação do filme anterior, Domínio não traz uma narrativa realmente memorável ou ao menos envolvente já que Trevorrow parece ter um prazer mórbido em sabotar a própria obra. Entretanto, a ação é boa e as sequências com os dinossauros conseguem divertir – embora eles sejam inofensivos aos personagens principais. 

Domínio então firma a cruz em cima da cova de Jurassic Park. Não há muita cerimônia, nem muita inspiração, mas tem dinossauros quebrando tudo e lutando entre si, assim como os bonequinhos CGI dos filmes de super-herói, o que deve agradar os fãs-torcedores que vibram nas salas de cinemas.

Dentre todos os males, o filme é inofensivo e não chega a ofender – tanto – a sua inteligência como já aconteceu antes. Agora é esperar anos até a Universal decidir escavar mais uma vez essa franquia que já ofereceu o que tinha de melhor para apresentar – lá em 1993 e somente lá. 

Jurassic World: Domínio (Jurassic World: Dominion – EUA, 2022)

Direção: Colin Trevorrow
Roteiro: Colin Trevorrow, Emily Carmichael, Derek Connolly
Elenco: Chris Pratt, Bryce Dallas Howard, Laura Dern, Sam Neill, Jeff Goldblum, Omar Sy, DeWanda Wise, Isabella Sermon, Campbell Scott, DB Wong
Gênero: Aventura, Ação, Ficção Científica
Duração: 157 min.

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Sobre o autor

Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema. Jornalista, assessor de imprensa. Apaixonado por histórias que transformam. Todo mundo tem a sua própria história e acredito que todas valem a pena conhecer. Contato: matheus@nosbastidores.com.br

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