Jurassic World: Recomeço busca fazer uma junção entre passado e presente na condução da franquia a um novo caminho que permita mais dois filmes em sequência. O resultado é um filme de ação bastante tradicional, cuja atmosfera se comunica mais com produções do início do século que com os atualmente habituais filmes de super-heróis, “multiversos” e “realidades paralelas”.

O passado está representado na autoria do enredo, que é do brilhante David Koepp, roteirista responsável por alguns das melhores dramatizações audiovisuais das últimas décadas – entre elas, novos clássicos como O Pagamento Final e O Jornal, além de muitas bem-sucedidas parcerias com Steven Spielberg (como no excepcional Guerra dos Mundos, além do Jurassic Park original) e filmes menos reconhecidos (como o intrigante Efeito Dominó) e muitos outros. É pela escrita de Koepp, provavelmente, que Jurassic World: Recomeço exercita um tom “spielberguiano”, o que significa que o roteiro dará mais atenção às relações e ao passado dos personagens (especialmente as familiares) e menos ao constante cinismo e autoironia tão em voga entre os blockbusters da atualidade – gastando pouco tempo, ademais, com as autorreferências, com as quais o filme vai jogar muito discretamente e logo no início, para não distrair o espectador mais adiante, quando a ação pega para valer.

O presente, por sua vez, vem representado na direção do jovem Gareth Edwards, de Godzilla, Resistência e Rogue One: Uma História Star Wars. Edwards esforça-se para integrar os efeitos visuais a cenários e composições mais orgânicas, mantendo a ação num nível razoavelmente realista que, se não rivaliza com a dos filmes de James Bond ou F1: O Filme, por exemplo, conduz o espectador numa atmosfera de verossimilhança bastante aceitável. A sequência de abertura faz jus discretamente também ao legado de Spielberg, lembrando de passagem a abertura de Indiana Jones e o Templo da Perdição (que é, evidentemente, muito mais elaborada cinematograficamente). De toda forma, é louvável que ele tente desenvolver uma encenação mais sofisticada do que se vê normalmente no cinemão de entretenimento.

Roteiro oferece algum espaço para as relações familiares e o passado dos personagens sem atrapalhar a ação

Na trama, Martin Krebs (Rupert Friend) é o representante de um conglomerado farmacêutico que contrata a agente especial Zora Bennett (Scarlett Johansson) e o cientista Henry Loomis (Jonathan Bailey) para que liderem uma expedição a uma ilha equatorial com o objetivo de recolher amostras de DNA de dinossauros descartados pela indústria de entretenimento iniciada (e atualmente decadente) nos primeiros filmes da franquia. A expedição escapa do planejamento inicial quando a equipe de barco tem que se desviar para salvar uma família recém-atacada por uma criatura marinha, o que faz com que os dois grupos sigam caminhos paralelos tentando escapar das ameaças, ao mesmo tempo que uma intriga interna define o destino do DNA a ser recolhido.

Diferente do que muitas vezes se espera de um filme fantasioso como este, o roteiro aqui pouco foge de sua premissa inicial: os personagens não se enfiam num buraco que na verdade se revelará uma “passagem interdimensional” ou algo do gênero. Estamos diante de um filme de aventura tradicional, em que os personagens encontram-se fragilizados num ambiente hostil e precisam escapar das criaturas que ele revelou razoavelmente desde o início – exceto pelo mutante do clímax, que lembra algo como um alien gigante misturado com o monstrengo de Cloverfield – Monstro. 

Detalhes que remetem ao cinema de Steven Spielberg ajudam a elevar o conjunto sem se exceder nas “referências”

Há um espírito levemente Indiana Jones na tocada do filme (sem, entretanto, os “choques culturais” que eram comuns às aventuras do personagem e lhes davam um sabor particular), uma montanha russa bastante física, “realista”, com um balanço acertado entre correria e pausa, barulho e silêncio, que ajuda a construir algum suspense. 

Um produto de franquia dificilmente ofereceria algo realmente novo, e não se sabe se era este o objetivo para este “recomeço”: uma diversão sólida e familiar, cuja baixa ousadia é compensada por um enredo com personagens dotados de humanidade e algum conflito interno. Se pensarmos no que é oferecido habitualmente ao espectador de blockbusters, isto é quase um banquete.

Mostrar menosContinuar lendo

Daniel Moreno

Cineasta, roteirista e colaborador esporádico de publicações na área, diretor do documentário “O Diário de Lidwina” (disponível no Amazon Prime e ClaroTV), entre outros.

Mais posts deste autor