A abertura de Lilo & Stitch deixa uma parte do público confusa: a sequência inicial é toda em desenho animado, e não é essa a expectativa de quem saiu de casa para ver a integração possível entre personagens puramente fantasiosos e atores reais. Um dos grandes desafios de uma produção como esta é integrar os elementos de computação gráfica com aqueles filmados em cenários reais, com atores humanos, e dificilmente se escapa de um certo artificialismo que pouco contribui para a suspensão de descrença (fundamental em qualquer obra de ficção).
Se no início o filme não se preocupa em superar tal desafio e solta todo seu arsenal de imagens digitais, ele rapidamente entra no eixo quando Stitch chega ao Havaí e passa a interagir com a realidade do live action. Sim, estamos diante de uma adaptação do desenho animado original, incorporando um elenco humano e paisagens reais. E o balanço encontrado pela produção tem tudo para agradar crianças e adultos.
Franquia de sucesso abre uma nova porta com elenco humano
Criado pelo cientista alienígena Dr. Jumba Jookiba, Experimento 626 é uma criatura poderosa (embora “fofa”), programada para destruição. Ele é capturado pela Federação Galáctica, mas escapa e cai no Havaí, onde é adotado por Lilo Pelekai, uma garotinha solitária que vive com sua irmã mais velha, Nani, após a morte dos pais.
Lilo acredita que 626 é um cachorro, e o batiza de Stitch. À medida que o relacionamento entre eles cresce, Stitch aprende o significado da “ohana” (família), transformando-se de uma criatura destrutiva em um amigo leal e parte da família.
O conceito do filme não tem nada de muito novo, mas é capaz de encantar na mistura engenhosa entre horror e ternura despertada pela criaturinha. A ideia revelou-se desde o início um empreendimento financeiro poderoso, rendendo expansões e spin-offs como a série animada Lilo & Stitch: The Series (2003–2006), onde acompanhamos Lilo e Stitch resgatando e “reabilitando” cada um dos experimentos para que encontrem seu verdadeiro propósito; Leroy & Stitch (2006), filme final que encerra a série americana; Stitch! (2008–2011, Japão), uma série anime em que Stitch vai parar no Japão e ganha uma nova amiga, Yuna; e também Stitch & Ai (2017, China), nova série animada com uma menina chinesa chamada Ai Ling.
Escolha do elenco é uma decisão feliz
Um dos maiores desafios da adaptação sem dúvida seria acertar a mão na escolha do elenco. A garotinha que interpreta Lilo é um achado: Maia Kealoha, incrivelmente simpática e versátil nas cenas de humor e também no drama. Sua irmã é interpretada pela também novata Sydney Agudong. A vizinha Tutu é vivida pela hilária Amy Hill (de Homem-Aranha: De Volta ao Lar), mas quem poderia se sobressair mais, porém acaba tendo uma participação bem diluída, é a dupla Jumba e Pleakley (em suas versões humanas, Zach Galifianakis e Billy Magnussen, respectivamente). Aparentemente, o roteiro tem medo de dar relevo excessivo a tais coadjuvantes (talvez para não desagradar a base do público que é fanática pela criatura que dá título ao filme), que aproveitam bem o tempo de tela, contudo – tempo este que é bem reduzido.
A trama de Lilo & Stitch importa menos que a caracterização encontrada para os personagens principais, num equilíbrio delicado mas bem-sucedido, tanto na garota quanto no falso “cachorro” por ela adotado num abrigo de animais. A química entre a criança e o desenho é tocante e divertida, sem exageros sentimentais mas com a dose exata e necessária de candura que embala uma produção familiar da Disney. Não se pode tampouco reclamar de falta de representatividade entre o elenco, que dá uma ao filme um retrato bastante autêntico da população do Havaí, sem também carregar demais no “exotismo” típico a um filme com ponto de vista “turístico”.
Sem apostas muito arriscadas, Lilo & Stitch é uma versão delicada e acertada em live action para um desenho animado adorado pelo público, que deve apreciar também a versão carne e osso dos personagens de que tanto gosta.
Cineasta, roteirista e colaborador esporádico de publicações na área, diretor do documentário “O Diário de Lidwina” (disponível no Amazon Prime e ClaroTV), entre outros.