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Crítica | Lingui – Os debates entre aborto e religião

Os laços de sangue são difíceis de desatar. Lingui, novo filme de Mahamat-Saleh Harou presente na 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, é uma demonstração de amor entre mãe e filha, onde a linhagem de sangue é um mero detalhe.

Amina é uma mulher batalhadora. Ela sobrevive vendendo artesanato que fabrica a partir de ferro presente em pneus velhos, tem uma filha de 15 anos chamada Maria, e pratica o islamismo. Sua vida parece ordinária, até o dia em que sua filha lhe confessa estar grávida e querer um aborto.

Haroun, que também escreveu o roteiro, realiza um filme direto e não lhe diz para onde vai. Ele constrói toda a trama como o trançado da personagem em seu artesanato, começando pela base sólida, passando pelo expressionismo e terminando em algo real e compreensível. O maior acerto vem pela crítica em relação ao aborto e amadurecimento, sem deixar de focar na região do Chade ou até mesmo na religião, e sim na universalidade da relação mãe-filha.

Achouackh Abakar faz uma interpretação coesa e daquelas que desaparece na personagem. Amina é uma mulher durona, que precisou se virar sozinha com a filha em crescimento. Não quer dizer que ela precisa ser carrancuda ou uma Sarah Connor da vida. Abakar leva com jeito as escolhas em buscar alternativas para a filha, ao mesmo tempo que precisa tomar decisões sobre a própria vida.

Rihane Khalil Alio, que interpreta a filha Maria, também ajuda nesse processo de evolução da mãe. Ela trabalha com menos material, sendo o maior causador dos conflitos, mas tem como bagagem essa juventude nova, que liga para fofoca de amigos do colégio, acredita que os pais são distantes e mergulham em smartphones. Alio joga todas essas caraterísticas na personagem, utilizando até da própria situação como um catalizador para um início de relacionamento entre ela e a mãe.

Há um dinamismo no filme, fazendo-o uma digestão leve para os que sempre desviam do tema ou evitam. Tem uma certa graça na busca de Anima por um local para realização do aborto, mostrando o mundo da ilegalidade médica, onde qualquer um diz que faz qualquer coisa. Há quedas de empenho quando desviamos o tema central, que em certos momentos fazem o filme parar a sua narrativa.

Como uma experiência lúcida sobre relacionamentos familiares, Lingui oferece ao público uma chance para entender a discussão do aborto de uma maneira mais intimista. Será que ele se refere à uma criança que não nasceu, ou à uma que já cresceu a já fez suas escolhas? Para isso, cada um terá sua resposta.

Lingui (França, Chade, Alemanha – 2021)

Direção: Mahamat-Saleh Harou
Roteiro: Mahamat-Saleh Harou
Elenco: Achouackh Abakar Souleymane, Rihane Khalil Alio, Youssouf Djaoro, Briya Gomdigue, Hadjé Fatimé Ngoua
Gênero: Drama
Duração: 87 min

Acompanhe mais da nossa cobertura da 45ª Mostra Internacional de São Paulo

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Publicado por Herbert Santos

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