A Blumhouse Production ganhou exponencial território na indústria cinematográfica contemporânea pela gama considerável de ótimos filmes de terror, suspense e thriller que nos entregou desde seu surgimento nos anos 2000. Em seus dezenove anos de existência, o fundador da companhia, Jason Blum, deu início à franquia found-footage Atividade Paranormal, nos convidou para uma perseguição psicológica com O Presente, misturou gêneros a priori excludentes entre si com a mini-franquia A Morte Te Dá Parabéns e reviveu Michael Myers e Laurie Strode com o reboot-continuação da icônica saga Halloween (além de anunciar mais dois longas-metragens para os próximos anos). Entretanto, é inegável dizer que a maré de sorte não necessariamente é inquebrável – algo que foi provado mais uma vez pelo lançamento de Ma, estrelando Octavia Spencer e um elenco de adolescentes extremamente esquecível.
A nova obra é comandada por Tate Taylor, que roubou nossas atenções com a adaptação de Histórias Cruzadas alguns anos atrás. O drama tour-de-force ambientado numa pequena cidade do interior estadunidense recebeu inúmeras indicações ao Oscar e já preparou terreno para que o diretor perseguisse seu próximo projeto – e ele, no caso, é uma espécie de terror intimista de baixo orçamento que faz terrível uso de absolutamente tudo do que se dispõe. Na verdade, é até estranho compararmos as duas obras e perceber em uma grande infelicidade como Taylor errou feio ao canalizar seus esforços para um longa-metragem artificial e extremamente problemático.
Spencer dá vida à personagem-titular, conhecida também como Sue Ann. Eventualmente, ela cruza caminho com um grupo de jovens estudantes que a convence a comprar bebidas numa pequena loja, e logo eles começam a desenvolver uma espécie de relacionamento passivo-agressivo em que Ma oferece a eles o porão da própria casa para que deem festas e se divirtam sem serem incomodados por adultos. Isso é, até Maggie (Diana Silvers) perceber que a solitária mulher tem um comportamento mais bizarro do que o normal e pode estar escondendo segredos mortais – o que se confirma conforme nos aproximamos do terceiro e último ato. O problema é que a relação de causa e consequência dos acontecimentos principais é justificada de modo tão incrível (no sentido ruim da palavra) que chega a ser uma tarefa impossível se conectar tanto com a narrativa pifiamente arquitetada quanto com a performance medíocre de seus atores.
De fato, de nada adianta um elenco de ponta formado por Spencer, Luke Evans, Allison Janney, Missy Pyle e outros se a ideia é eliminá-los em uma excessiva necessidade de abraças todo e qualquer elemento do gênero explorado. A princípio, não conseguimos entender a obsessão de Ma em relação às crianças e, do início até os créditos finais, as resoluções para cada um dos personagens é tão forçada que continua sem fornecer uma explicação plausível sequer: ao que tudo indica, ela foi a mesma escola que todos os pais de seus “novos amigos” e foi humilhada por cada um deles, permanecendo décadas tramando um plano de vingança (não que isso realmente seja verdade, visto que nem mesmo os fragmentados flashbacks conseguem explanar a distorcida personalidade de Sue Ann) cuja periculosidade é prevista logo de cara.
Se Taylor explorou bem questões de foreshadowing em sua obra anterior, falhou por completo nessa investida fílmica: certas sequências, como a que envolve uma pulseira de ouro ou os brincos de Maggie, mergulham com tanta força nos prenúncios cênicos que acaba por revelar sua importância para os atos consecutivos. As brincadeiras contrastantes apresentadas com esmero considerável em iterações do terror ou do thriller deixam de existir em prol de redundâncias estéticas que se expandem para o roteiro intangível assinado pelo diretor e por Scotty Landes.
Nem mesmo as mensagens subliminares se restringem ao núcleo a que pertencem, sendo puxadas para o primeiro plano para amarrar certas pontas soltas (a questão aqui são quais pontas, visto que o conto é tão elucidativo que não deixa questões abertas para deleite ou confusão proposital do público). Dessa forma, não poderíamos também esperar que os diálogos e a construção dos arcos auxiliassem na performance dos atores principais: Spencer se rende a uma monótona e convencional entrega de uma psicótica e traumatizada mulher de meia idade; Silvers é a final girl sem sal que mal sofre arranhões ou foge de sua bolha tão exaustivamente repetida no cinema; Corey Fogelmanis dá vida a Andy, um rapaz que, na verdade, não tem importância significativa para o dinamismo narrativo; a única que consegue ao menos desviar nossa atenção é McKaley Miller como Haley, amiga de Maggie que representa a rebeldia rechaçada por Ma – mas nada que seja aproveitado o suficiente.
Ma é um filme incômodo por todos os motivos errado: poucas coisas se salvam nessa mixórdia inexplicável de ambiguidades artísticas e técnicas, e nem mesmo a aplaudível Octavia Spencer salva o longa de se render a tantos deslizes amadores. Ao menos o saldo da Blumhouse continua positivo – e esperamos que tais erros sejam meticulosamente prevenidos para as próximas obras.
Ma (Idem – EUA, 2019)
Direção: Tate Taylor
Roteiro: Tate Taylor, Scotty Landes
Elenco: Octavia Spencer, Luke Evans, Diana Silvers, Juliette Lewis, McKaley Miller, Corey Fogelmanis, Gianni Paolo, Allison Janney, Missi Pyle, Tanyell Waivers
Duração: 99 min.