Com a aparente disposição de encerrar seu protagonismo como ator dentro da franquia, Tom Cruise oferece em 2025 com Missão: Impossível – O Acerto Final um espetáculo grandioso (no limite da megalomania), de metragem extensa (embora nunca lento ou enfadonho), que busca resumir todas as histórias anteriores e sintetizar o estilo característico. Como desfecho, sem a necessidade ou pretensão de apresentar nada de novo – mas sim aperfeiçoar ainda mais a própria noção de espetáculo -, o oitavo filme da série é um bem equilibrado balanço de suspense, ação física e meia dúzia de bons personagens bem interpretados.
Iniciada em 1996 com Cruise no papel do agente Ethan Hunt, Missão Impossível transformou-se ao longo das décadas em um dos pilares do cinema de ação contemporâneo. Baseada na série de TV dos anos 1960, a saga foi se reinventando a cada novo filme, apostando em diretores com visões distintas e cenas de ação cada vez mais ousadas, frequentemente protagonizadas pelo próprio Cruise sem uso de dublês. Além de consolidar o astro como símbolo de comprometimento físico extremo, a série combinou espionagem clássica com tecnologia de ponta e tramas labirínticas, conquistando um público fiel em todo o mundo.
No aspecto econômico, esta é uma das franquias mais lucrativas da história da Paramount Pictures, superando US$3,5 bilhões em bilheteria global até 2023. Cada novo lançamento se converte em um evento internacional, sustentado por uma estratégia de marketing agressiva e filmagens em locações reais, que reforçam o caráter global da narrativa. Com orçamentos frequentemente acima de US$150 milhões, os filmes têm se mantido rentáveis graças ao apelo internacional e ao prestígio técnico das produções, fazendo da franquia não apenas um sucesso de crítica e público, mas também um ativo financeiro de peso dentro da indústria hollywoodiana.
Como se sabe, Tom Cruise não é apenas um astro carismático, mas também um promotor do espetáculo cinematográfico para ser apreciado na sala escura e todos os seus esforços para que o espectador seja brindado com um produto diferenciado ao se dispor a sair de casa (inclusive na época da pandemia, quando muitos acovardados decretaram a morte – falsa – do circuito exibidor pela enésima vez) merecem ser recompensados ao menos uma vez mais assistindo a esta produção onde ela certamente funcionará melhor: numa tela grande.
Uma franquia à altura de 007
A franquia Missão: Impossível notabilizou-se durante as últimas décadas como uma espécie de concorrente da franquia de James Bond – pela dimensão do espetáculo e preferência por uma dinâmica mais realista e orgânica, especialmente se comparada ao dos blockbusters de super-herois – , apresentando, contudo, peculiaridades. Enquanto os filmes do 007 de Daniel Craig sempre soaram mais “operísticos”, trágicos e solenes, os de Cruise como Hunt pareciam mais “folhetinescos”, mais leves em termos de dramaturgia, mais ligeiros e exagerados – quase “autoparódicos” por causa da obsessão do ator-produtor em se colocar à prova em façanhas físicas de alta periculosidade.
Tanto uma quanto outra franquia, entretanto, compartilharam da típica neurose pós-moderna de “fim do mundo”, normalmente uma ameaça vinda de uma organização ou de um vilão brilhante maquiavélico. No oitavo Missão: Impossível, tal pŕeocupação é elevado ao nível estratosférico (como já preparado no anterior de 2023) na ameaça de uma inteligência artificial capaz de controlar a rede mundial de computadores e que lança mão de uma legião anônima de cooptados digitais. A entidade entende o ser humano como uma ameaça e pretende provocar uma guerra nuclear para que toda a raça seja exterminada. Evidentemente, o único agente capaz de evitar a destruição total é Ethan Hunt.
A trama nada tem de original, mas mesmo assim é extremamente rocambolesca e elaborada, de modo que é preciso parar o enredo algumas vezes para que os personagens expliquem pacientemente o que está acontecendo (num recurso tipicamente ao estilo de Christopher Nolan). Dificilmente este expediente irá incomodar a audiência (como provavelmente não incomodaria se esta não entendesse nada do que está acontecendo) porque o forte do filme não é a trama, mas sim a ação física desenfreada que dispensa explicações, além da identificação imediata com personagens tão humanos quanto é possível conceber numa produção como esta.
Filme dialoga com o cinema clássico em um de seus gêneros mais tradicionais
Diferente da maioria dos filmes de super-heroi, por exemplo, como os oferecidos habitualmente por Marvel e DC, cujo universo imaginário deve mais aos quadrinhos e ao videogame, aqui a referência parte de um gênero muito tradicional de cinema, e remete ao seu primórdio, ao suspense primitivo, sensorial, dos primeiros filmes mudos com trens ameaçando a plateia e garotas amarradas prestes a serem atropeladas. Essa comunicação não apenas com o espectador atual, mas também com a memória coletiva de um século de imagens em movimento, é talvez o maior mérito de Missão: Impossível – O Acerto Final – ser suficientemente atual para o público de 2025 e, ao mesmo tempo, profundamente cinematográfico em sua noção de espetáculo visual, de proeza física facilmente compreensível, ao mesmo tempo despretensioso e vigoroso na tela.
Embora tenha quase três horas de duração, o filme não se arrasta em nenhum momento, porque acontece coisa o suficiente para preencher toda a projeção. Não há digressões, tempos mortos, subtramas paralelas desimportantes para dar “substância” ao espetáculo. Estamos diante de um potencial fim do mundo e o filme se agarra a isso ferozmente até o último minuto.
Há ainda algum tema de interesse que eventualmente emerge em meio à ação (a responsabilidade individual, a ameaça do poder total concentrado, etc.), mas nada que termine por merecer maior atenção que a cadência visual de um típico filme de ação: realista (dentro do possível), com perfeita integração entre o que é efeito prático e o que é computação, uma direção que pouca atenção atrai para si mesma (embora talvez a edição exagere em algum momento na vertiginosidade), a batida do tema musical que rememora a todo momento: é novo, mas você já viu isto antes, é confortável confiar em Hunt e sua turma para salvar o mundo mais uma vez. E talvez o cinema em tela grande também.
Cineasta, roteirista e colaborador esporádico de publicações na área, diretor do documentário “O Diário de Lidwina” (disponível no Amazon Prime e ClaroTV), entre outros.