MMA: Meu Melhor Amigo é o tipo de filme que, imediatamente ao se saber de sua existência, nos leva a pensar em grandes sucessos do cinema ou filmes famosos dentro da indústria, e imaginar de que forma ele será relacionado com estes. A lista de “filmes sobre lutadores” não é pequena ou tampouco inexpressiva: desde a saga Rocky até Touro Indomável, passando por filmes mais recentes, como Nocaute (com Jake Gyllenhaal), a trilogia Creed (derivada do universo de Rocky) e o também nacional 10 Segundos para Vencer, do mesmo diretor (José Alvarenga Júnior).
Quando o filme começa, entretanto, a produção que vem à cabeça nada tem a ver com aqueles títulos. O que realmente lembramos é outro lançamento nacional recente: Silvio (a cinebiografia estrelada por Rodrigo Faro), e por uma série de motivos. São dois projetos apoiados na figura de um apresentador de TV bastante carismático (mas com carreira tímida como ator), o envolvimento de grandes players da indústria (a Paramount, no caso de Silvio, e a Globo e Star+ – atualmente incorporada pela Disney – aqui) e um certo clima de desacerto generalizado, o qual não se ignora desde os primeiros instantes de projeção.
Um projeto aparentemente pessoal de Marcos Mion que limita seu próprio alcance
Marcos Mion, o protagonista, é um apresentador de TV com extensa e bastante bem-sucedida carreira em programas de entretenimento, mas que jamais se estabeleceu – e não parece ter sido este seu objetivo – como ator dramático. Este é só o primeiro de uma série de problemas que MMA: Meu Melhor Amigo irá trazer ao público em suas menos de duas horas de projeção, embora longe de ser o único. Mion aparece também como autor da ideia e “supervisor de roteiro” (o que quer que isso possa significar no contexto), o que desde o começo poderia eximir os roteiristas de responsabilidade por decisões tomadas ao longo do filme e que contribuem para o resultado final.
Mion não é exatamente um ator, e possivelmente também não é exatamente um lutador. A tela de uma sala de cinema é sensível em relação a esse tipo de coisa, de modo que ele parece estar atuando quando luta e lutando quando atua. Um festival de expressões exageradas, olhos arregalados, reações que deveriam denotar sarcasmo mas só reforçam no espectador a impressão de que ele está diante de uma pegadinha alongada em forma de filme. A zombaria típica do Mion apresentador funciona muito mal quando transportada para o drama de um longa-metragem ficcional e, embora o restante do elenco ofereça sua carga de esforço, a discrepância dentro das próprias cenas entre atores realmente profissionais e uma celebridade e animador de auditório dificilmente seria ignorada.
Interesse educativo do filme se perde em meio a decisões erradas dentro do enredo
O filme termina construindo uma ponte entre a ficção e realidade, mas provavelmente a ideia funcionaria melhor como documentário, onde Mion poderia contar sua experiência e os desafios nada desprezíveis de educar uma criança com condição especial, inspirando outros familiares e informando pessoas alheias sobre a forma mais humana e inteligente de lidar com certas situações que o roteiro apresenta. Ao escolher, por outro lado, o caminho bem mais árduo da ficção, noções de encenação, ritmo e ponto de vista devem ser levadas em consideração – do contrário, repete-se, um documentário poderia ter funcionado melhor.
Na trama, Mion é Max Machadada, um lutador rebelde e mulherengo de MMA que se vê repentinamente na condição de pai biológico de um menino autista, cuja mãe (da qual Machadada pouco se recorda) acaba de falecer vítima de câncer. O campeão tem pouca informação sobre a condição do garoto e suas peculiaridades, o que converte a rotina de pai e filho num exercício de paciência. Ao mesmo tempo, Max tenta retornar ao circuito de lutas num evento milionário, mas sua rotina de treinos tem dificuldade em se adequar à vida doméstica. Ao mesmo tempo, ele engata um romance com Laís (Andréa Horta), amiga da mãe do pequeno Bruno, que por sua vez introduz Machadada ao universo do autismo e suas novas responsabilidades.
Como geralmente acontece num veículo para um astro (no caso, Mion) toda crítica que se faz aos envolvidos corre risco de ser injusta, porque pouco se pode intuir do processo de realização e até onde decisões tomadas pelo criador do projeto atrapalharam diretor e roteiristas. Mas é inevitável perceber que o filme tem muitos problemas, tanto na concepção geral como aqueles específicos de enredo. Alvarenga Júnior fez um trabalho notável em 10 Segundos para Vencer, de modo que saber dirigir não parece ser um problema. Aqui, no entanto, a direção sofre quase o tempo todo, seja no visual “amassado” resultante do exagero dos planos fechados, seja em alguns cortes incômodos dentro das próprias cenas ou na escolha de efeitos muito deslocados (como por exemplo na sequência final, quando repentinamente a edição faz Machadada parecer um ciborgue, com a tela “pixelizada”, um elemento totalmente alheio e contrastante ao resto do filme).
Em outras cenas, fica difícil compreender a mixagem sonora, como por exemplo no fliperama, em que a banda musical está tão alta que os diálogos tornam-se quase ininteligíveis. Este é um problema difícil de aceitar numa produção que, repetimos, envolve players destacados dentro da indústria.
Como é de se imaginar, o enredo não se sai muito melhor. O filme falha até mesmo em sua função “didática”: há pouca evolução de Machadada ao longo da narrativa, e sua tendência em expressar raiva com violência ( a qual ela claramente defende em pelo menos duas passagens do roteiro) não parece ser exatamente a melhor escolha para um filme com pretensões de “conscientização social”. Da mesma forma, o autismo aparece de maneira esquemática: pouco se aprende sobre a condição ao longo do filme, que prefere reduzir tudo a uma visão moralizante e meramente comportamental.
É difícil comentar algumas escolhas de roteiro sem revelar spoilers, mas o fato é que Max Machadada é um esportista terrivelmente ruim (o que contraria a imagem de campeão que o filme precisa vender para tornar a história minimamente verossímil): ele não treina, não se dedica, abandona a luta mais importante de sua vida minutos antes do início para namorar, entre outras barbaridades. Nada se compara, contudo, ao completo absurdo do desfecho, uma cena completamente fantasiosa (no pior sentido do termo) e que retira do filme qualquer possibilidade de se comunicar com a realidade – o que parecia ser seu objetivo, uma vez que ele tem pretensão de sensibilizar o público sobre um tema que nada tem de fantasia e que é uma questão social relevante e imediata.
Elenco segura o filme como pode embora receba pouco material
O que se salva de MMA: Meu melhor Amigo apenas reafirma a imensa qualidade dos atores e atrizes brasileiros (o que a recente premiação de Fernanda Torres no Globo de Ouro apenas torna mais visível). Antonio Fagundes ilumina a tela assim que surge como o pai ranzinza de Max; Andréa Horta é uma atriz excelente, que segura qualquer cena praticamente sozinha (até porque Mion pouco devolve a ela em sua interação); e mesmo Vanessa Giacomo, que atua poucos minutos, tem uma chance de entregar um desempenho comovente num mar de trivialidades e cenas mal ajambradas.
Como “filme de esporte”, MMA: Meu Melhor Amigo falha por optar pelo caminho fácil das “viradas espetaculares”, que para funcionar melhor necessitam de uma preparação mais cuidadosa ao longo do enredo. Não é o caso aqui, com o desfecho estapafúrdio e que cumpre o papel de devolver “equilíbrio ao universo” – o que talvez sirva aos propósitos de um projeto que parece altamente pessoal, mas o cinema não tem culpa disso, e a tela cobra, minuto após minuto, quando a luz se apaga na sala de projeção.