Mesmo em suas humildes origens, Guillermo del Toro já demonstrava algumas das características que formariam a perceptível identidade de seus filmes. Em Mutação, seu segundo longa-metragem e primeira produção falada totalmente em inglês, o diretor novamente mergulha no gênero terror, com traços de ficção científica, em uma trama que não somente faz uso de elementos de outros clássicos do gênero, como introduz alguns recursos estilísticos que veríamos sendo usados, posteriormente, pelo realizador. O grande problema é que, mesmo com tais pontos, a obra não consegue fugir da mesmice, não sendo capaz de se firmar como um filme facilmente reconhecível de seu diretor, sendo apenas mais uma entre centenas de longas do gênero.
De início somos apresentados uma Nova York vítima de uma grande epidemia, que tem sido a causa da morte de inúmeras crianças. Na tentativa de combater a doença, a doutora Susan Tyler (Mira Sorvino) e o Dr. Peter Mann (Jeremy Northam) criam uma nova espécie de inseto, que há de acabar com a população de baratas, transmissoras da doença, na cidade. A estratégia dá certo e poucos anos depois vemos os dois casados, tentando ter um filho. O que os pega de surpresa é que esse novo inseto, que deveria ter sido erradicado, em virtude de alguns genes nele inseridos, acabou passando por mutações. O resultado são novos seres do tamanho de humanos que caçam os cidadãos incautos, conseguindo se disfarçar facilmente dentre a população geral.
Um dos grandes problemas de obras que tentam oferecer explicações científicas para suas tramas tresloucadas é que, muitas vezes, essas informações que os roteiristas tentam oferecer não fazem o menor sentido, entrando em conflito não somente com a lógica interna do filme, como com a própria realidade. Evidente que, se tratando de uma obra de ficção, a suspensão de descrença jamais deve ser descartada, mas Mutação é um daqueles filmes que exigem doses cavalares dessa suspensão para que possamos, ao menos, levar a sério o que o texto de Matthew Robbins e Guillermo del Toro, que adapta o conto de Donald A. Wollheim, busca nos contar.
Já pela sinopse podemos levantar a sobrancelha diante desse argumento típico de filmes B, algo que funcionaria plenamente se não se levasse a sério como Mutação o faz. O problema é que toda a metamorfose do inseto tenta ser explicada cientificamente, algo que apenas termina de quebrar por completo a nossa suspensão de descrença. Estamos falando de insetos gigantes (o que por si só já exige mais tolerância do espectador), que adotaram formas de parecerem humanos e que chegaram nesse nível em menos de cinco anos. Como dito, é demais para engolirmos e, considerando a seriedade demonstrada pelo texto, que faz questão de colocar como protagonista uma entomologista, não podemos simplesmente relevar a falta de realismo na proposta da obra.
Não bastasse isso, a narrativa assume uma notável hesitação em diversos trechos, especialmente os iniciais, que fazem uso de elipses explícitas a fim de demonstrar a erradicação da doença, que fez necessária a criação do inseto geneticamente modificado. Tais saltos temporais apenas criam uma estrutura demasiadamente fragmentada, agravada pelo fato de todo esse prelúdio ser desnecessário à trama geral, podendo ser resolvido de maneira mais sofisticada, através dos créditos iniciais, que já mostram a evolução da doença e, claro, posteriores diálogos. Com isso, o filme acaba demorando consideravelmente para chegar onde realmente interessa, tendo um enredo bastante inchado.
Não podemos deixar de levar em conta, também, a inclusão de diversas subtramas que, no fim, nada acrescentam – essas são: o arco do menino e seu pai / avô engraxate; toda a história do casal principal tentando ter um filho (evidente diálogo com a doença que afetava só crianças, mas que somente faz a narrativa ficar inchada); a subtrama do colega de trabalho de Susan; a história das crianças que colecionam insetos (simplesmente esquecidas após serem devoradas). Tudo isso, além de dilatar a obra como um todo, acaba tornando o texto mais frágil, já que, notavelmente, insere elementos que, posteriormente, são meramente descartados ou mal trabalhados. No fim, a impressão que nos é deixada é que praticamente todos os personagens só funcionam como buchas de canhão, presentes apenas para que os insetos possam matar alguém.
Felizmente, salvando seu filme da tragédia completa, del Toro consegue criar alguns elementos que podem ser enxergados como elementos positivos. Um deles é o sábio ocultamento dos insetos gigantes durante a maior parte do filme, gerando interesse no espectador, além de não quebrar a atmosfera de terror completamente ao revelar tais seres, tornando-os, imediatamente, menos aterrorizantes. De fato, ele sabe bem guiar nosso olhar, criando um bom suspense nas horas devidas, enquanto cria certa ansiedade para descobrirmos o que, de fato, aconteceu com tais criaturas. Evidente que a revelação quase destrói toda essa expectativa, mas, ao menos, até chegarmos aí, não temos consciência da ausência de sentido da trama.
Devemos levar em conta, também, a criação dessas criaturas, tanto no design de seus “disfarces”, quanto na execução em si, que, quando não faz uso do CGI, funciona plenamente, passando a impressão de estarmos vendo, de fato, um inseto real. Claro que muito se deve à pouca iluminação, que mascara os defeitos desses seres, mas mesmo quando em evidência, em certos trechos, eles nos convencem, trazendo o pouco de realismo que o roteiro não consegue.
Surpreendentemente, a maior ressalva em relação a Mutação é a forma como a obra se torna completamente genérica quando próxima de seu desfecho. Claro que Del Toro faz proposital uso de conceitos de Alien, possivelmente mais como homenagem do que cópia descarada, mas o real problema está na mesmice do desenrolar dos acontecimentos. No fim tudo vira uma grande fuga pela sobrevivência exatamente igual a inúmeros outros exemplares do gênero. Com isso, rapidamente perdemos nosso interesse, tanto pela clara sensação de já termos visto isso, repetidas vezes, anteriormente, quanto pela previsibilidade do fim do filme.
Com isso, somos deixados com aquele gosto amargo na boca, como se o final, “feliz” demais, tivesse sido realizado às pressas, deixando de lado muitos pontos mal explorados pelo filme. Por mais que Guillermo Del Toro consiga abordar esses insetos gigantes da maneira certa (tecnicamente falando), ele jamais consegue criar a necessária imersão no espectador. Mutação, dessa forma, falha em se categorizar como uma obra com a nítida identidade de seu diretor e acaba sendo só mais um filme de terror, como outro qualquer.
Mutação (Mimic, EUA – 1997)
Direção: Guillermo del Toro
Roteiro: Matthew Robbins, Donald Wollhaim
Elenco: Mira Sorvino, Jeremy Northam, Alexander Goodwin, Josh Brolin
Gênero: Ficção Científica, Terror
Duração: 105 minutos