Sem oferecer nada de novo ou se arriscar demais para não assustar um tipo fiel de público, “O Contador 2” dá conta do recado de oferecer diversão confortável por duas horas repetindo uma fórmula narrativa conhecida e bem-sucedida e cujo modelo original talvez seja o de James Bond: o filme do “mystery man”, o (anti)heroi solitário que trabalha na beirada da clandestinidade e que demonstra habilidades excepcionais. John Wick e Equalizer também fazem parte dessa tradição e cada um deles apresenta uma relativa infalibilidade que – quando é eventualmente quebrada – provoca uma reação emocional forte na audiência. Mas não é o caso aqui.

Na trama, Christian Wolff (Ben Affleck) ajuda a funcionária do tesouro Marybeth Medina (Cynthia Addai-Robinson) a solucionar o crime envolvendo seu ex-chefe Ray King (J.K.Simmons), vítima de uma quadrilha que atua explorando mão de obra de imigrantes ilegais que entram nos Estados Unidos pela fronteira texana. Wolff usa suas habilidades conhecidas do primeiro filme, contando agora com o apoio decisivo do irmão Braxton (Jon Bernthal), que tem sua própria maneira de resolver conflitos.

Um filme de ação sem vergonha de ser simples na concepção

Um dos principais méritos do filme é não se exceder em pretensões: estamos diante de uma diversão certeira na forma de um filme de ação, com perseguições, luta corporal, tiroteio, algum suspense e vilões inescrupulosos, embora a produção invista pouco neles, preferindo se concentrar mais nos personagens “do bem”. O que talvez seja, também, um elemento de limitação para o roteiro, que tem de dar conta de um número excessivo de coadjuvantes, o que não ajuda na identificação com qualquer deles.

O alívio cômico aparece na forma do irmão briguento e idiossincrático, cuja apresentação muito alongada traz à tona outro problema de O Contador 2: a edição perde um tempo precioso com cenas que, se cortadas, fariam pouca diferença na trama. A ideia é forçar simpatia do público mas sobras sempre pesam na tela, e aqui não é diferente: com 20 minutos a menos – e não é difícil imaginar onde ele poderia ser menor – o filme seria mais ágil e recompensador; afinal, estamos diante de um filme de ação, onde menos (falatório) costuma ser mais.

Ben Affleck parece cansado no papel, mas isso não atrapalha – na verdade, ajuda a construir o protagonista, que tem dificuldades de relacionamento e tenta arrumar uma namorada (conflito do qual o roteiro também abre mão com relativa impaciência e que poderia ser mais trabalhado). Como em Operação Papai Noel, J.K.Simmons tem pouco o que fazer aqui, funcionando mais como um acréscimo de prestígio ao elenco da produção. Addai-Robbinson, por sua vez, não compete com o carisma de Anna Kendrick do primeiro filme. Esse conjunto faz com que Jon Bernthal se sobressaia mais uma vez, ainda que por exclusão.

Talvez o maior mérito de O Contador 2 esteja na simplicidade com que retoma a premissa original sem tentar alçar um voo muito alto (o que a própria premissa dificilmente permitiria). A fórmula que se repete com certa monotonia (as brigas em que o público já sabe que, de alguma maneira, o protagonista sempre levará vantagem, o que elimina qualquer suspense pelo desfecho, mas que oferece ao espectador o conforto disfarçado de repetição) faz com que toda a expectativa da audiência seja em como cada situação será desenvolvida, pois dificilmente ela surpreenderá no final. Este é um dos motivos que fizeram o final da jornada de Daniel Craig como James Bond ultrajar muitos fãs, mas por outro lado reafirma a superioridade dramatúrgica da franquia 007 sobre outras (como esta, que parece estar longe de ser encerrada).

Longa deixa porta aberta para retomar os personagens em outra produção

O cinema de gênero trabalha com expectativas pré-determinadas e tanto quem faz um filme como quem assiste sabe o que esperar do outro lado: quem produz precisa lidar com a fórmula do produto (que, no final das contas, é o que atraiu aquela audiência em particular) e quem senta na sala de cinema aceita “surpresas”, mas nem tanto (volte ao 007), de modo que estamos diante de um jogo de cartas marcadas e que dificilmente poderia sair do lugar-comum sem frustrar seu público.

“O Contador 2” é um filme honesto e bem realizado naquilo que se propõe: sem muitos malabarismos na ação, sem exageros de tom no drama, uma diversão despreocupada que mantém o público desperto na sala de cinema e – como não corre tantos riscos – deixa a porta aberta para um terceiro filme sem grandes crises de consciência artística.

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Daniel Moreno

Cineasta, roteirista e colaborador esporádico de publicações na área, diretor do documentário “O Diário de Lidwina” (disponível no Amazon Prime e ClaroTV), entre outros.

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