Muitos usuários de internet já ouviram de alguém próximo, um amigo ou alguém da família, de que as redes sociais contam com um ambiente tóxico e de que as empresas roubam os seus dados para utilizar da forma que quiser. Eles estão certos e isso é algo que muitos desconhecem em relação as várias estratégias das empresas do Vale do Silício, estratégias essas que são empregadas para poder roubar os dados dos usuários e também para viciá-los a usar mais e mais esses ambientes digitais. E é exatamente essa a abordagem, focando em como as empresas fazem para poder pegar os dados dos usuários, que trata o ótimo documentário O Dilema das Redes, da Netflix.
Na produção dirigida por Jeff Orlowski (Perseguindo o Gelo), pode-se tirar a conclusão de que o uso excessivo das redes sociais é danoso para a saúde dos usuários e também de como são maléficas – se é que podemos dizer assim – as estratégias dos responsáveis por essas redes em criar situações que façam com que fiquemos mais tempo ligados ao celular, ficando mais tempo imersos no mundo virtual que propriamente no mundo real.
O documentário desde o início trata as empresas criadoras das redes sociais como vilãs que querem apenas e exclusivamente viciar os usuários nelas. Quando começam a apresentar, no documentário, de uma forma teatral um garoto usando o celular a todo o instante, acaba por chocar pelo jeito que é retratado o vício não apenas no celular, mas também nas redes, claro que a abordagem é bastante exagerada e em alguns momentos sem muita profundidade, dando a impressão de que o documentário queria apenas retratar como os jovens lidam com o meio digital e querendo gerar uma discussão sobre o assunto.
Outro tema que chamou a atenção, dentre os diversos assuntos discutidos pela produção, ficou por conta das estratégias de notificação e também da técnica da marcação de fotos criadas para fazer com que os usuários ficassem mais interessados e mais tempo plugados nas redes sociais. Claro que as empresas acabam por criar estratégias que façam com que o público fique mais e mais tempo nelas, isso não é novidade para a grande maioria dos usuários.
O documentário não demora muito para entrar no que realmente importa, que é como as empresas acabam por usar essas estratégias de manipulação, no caso as notificações e outras estratégias, para roubar os dados dos usuários – via algoritmos – e assim poder direcionar conteúdo e também revender os dados para empresas terceiras
A principal discussão feita por O Dilema das Redes fica em relação ao uso dos dados dos usuários que são usados para gerar receita para as empresas, pois quanto mais se usa as redes mais propagandas são direcionadas especificamente para aquele usuário. É algo que já percebemos ao utilizar as redes, até porque é impossível usar alguma sem se deparar com um conteúdo tentando te vender algo que você acabou de procurar no Google ou que acabou de dizer em algum áudio do Whatsapp. É justamente capturando esses dados privados dos usuários que as empresas acabam gerando renda para si e ficando bilionárias. É algo extremamente assustador, até porque não são todos os usuários que tem ideia de que ao utilizar o sistema de áudio, via microfone, já faz com que as empresas captem seus dados.
Em dado momento, os entrevistados pelo documentário passaram a falar sobre os algoritmos, algo que chamou a atenção. Só de curtir, comentar ou parar de seguir alguém o algoritmo já sabe que estamos chateados ou tristes e isso não é algo muito bom, pois eles acabam por ter um mapeamento do que estamos fazendo e de como estamos reagindo a certas publicações.
A produção vai mais a fundo ao falar do uso dos algoritmos, criados para outra finalidade, mas que nas redes sociais acabaram tendo outro uso. Os programadores das redes sociais criaram algoritmos para manipular o Feed (local que os usuários tem acesso a atualização do seu grupo de amigos), apresentando o que ele deve ver ou não e transformando o público em um produto para a empresa. E vai mais a fundo quando mostra que com o uso dos algoritmos é possível não apenas direcionar as já mencionadas publicidades para cada usuário, mas também criar uma rede de interesse, em que é visto apenas aquilo que se quer e assim fazendo o usuário entrar em uma bolha de desinformação.
As tão populares Fake News (notícias falsas) têm o seu espaço no documentário e Orlowski dá uma grande importância para isso ao mostrar como os algoritmos disseminam desinformação em massa, até porque quando uma fake news surge é bem provável que muitas pessoas passem a compartilhar e acreditar que aquela notícia seja verdadeira, sem ao menos abrir a matéria para ler ou até mesmo checar a veracidade do fato. Não à toa o Facebook está criando um mecanismo que sugere ao usuário que abra a notícia antes de a compartilhar.
A verdade é que estamos ficando escravos das redes sociais para ficar informados, discutir e conhecer novas pessoas e antigamente não era assim. O uso excessivo das redes acaba fazendo com que muitas pessoas, principalmente crianças e adolescentes, sofram com doenças mentais, como depressão e ansiedade.
O documentário usa de modo inteligente estatísticas para tentar aprofundar esse debate ao mostrar que aumentou o número de suicídios nessa faixa etária e cita as redes sociais como um dos motivos.
Realmente, muitas pessoas acabam se tornando escravas das redes sociais, muitos simplesmente mudam seu jeito de agir ou de se comunicar simplesmente porque receberam poucos likes ou quase nada de comentários e isso é algo que o documentário consegue discutir de forma exemplar.
Algo que a produção deixa a desejar e que salta aos olhos é o cenário pessimista que pinta, deixando de realizar um debate mais significativo e aprofundado. O que mais se ouve são entrevistados de executivos ou ex-executivos de Instagram, Facebook e de outras redes falando sobre algo negativo em relação as redes sociais e não se ouve quase nada de positivo, demonizando assim o uso delas, tornando assim o documentário completamente imparcial.
Essa imparcialidade é nítida em vários momentos, quando fala do cenário alarmante das fake news, ao mostrar que o garoto que vive vendo vídeos acaba por ser influenciado pelas redes e acaba indo em uma manifestação, são questões que são forçadas ao máximo para causar uma reação de que tudo está errado, e não é bem isso, há muitos profissionais que enxergariam também algo positivo nesse cenário e que não foram ouvidos pela produção.
Como o próprio documentário diz, há sim questões positivas na criação das redes sociais, como o uso para discutir temas relevantes e encontrar pessoas que há muito não se viam, mas são poucos motivos positivos perto de tantos fatos negativos que foram apresentados. É uma produção que todos – usuários e não usuários das redes sociais – deveriam assistir devido a sua importância.
Alguns temas poderiam ter recebido um tratamento diferente, dando mais profundidade em assuntos como fake news e até mesmo a respeito da depressão nos jovens que usam as redes sociais.
O Dilema das Redes é um verdadeiro soco no estômago, provocando uma discussão de como as grandes corporações de tecnologia estão utilizando nossos dados e como usam estratégias, não apenas a fim de ganhar dinheiro, mas também com a ideia de manter os usuários viciados, algo que é realmente assustador.
O Dilema das Redes (The Social Dilemma, 2020 – EUA)
Direção: Jeff Orlowski
Roteiro: Jeff Orlowski, Davis Coombe, Vickie Curtis
Elenco: Tristan Harris, Jeff Seibert, Bailey Richardson, Joe Toscano, Sandy Parakilas, Guillaume Chaslot
Gênero: Documentário, Drama
Duração: 94 min
Jornalista e cinéfilo de carteirinha amo nas horas vagas ler, jogar e assistir a jogos de futebol. Amo filmes que acrescentem algo de relevante e tragam uma mensagem interessante.


