Poucos ícones da cultura pop foram tão desperdiçados nos últimos anos como o Predador. Após o seminal filme de John McTiernan em 1987, que ajudou a revolucionar o cinema de brucutu de ação ao acrescentar uma deliciosa pitada de slasher e sci-fi, Hollywood nunca conseguiu replicar o resultado. Predador 2: A Caçada Continua é uma sequência divertida, mas longe do mesmo impacto. 

O mesmo pode ser dito de Predadores, que trazia um belo conceito, mas também distante de realizar todo o seu potencial. Os dois filmes de Alien vs Predador foram duas bobagens com seu fator de diversão relativo, enquanto Shane Black deu a maior cuspida na cara do alienígena caçador com seu péssimo reboot de 2018, batizado simplesmente de O Predador.

Agora, tanto tempo depois, a 20th Century aposta novamente na franquia, reduzindo a escala na história e no lançamento, com O Predador: A Caçada (ou Prey, no original) servindo como um prelúdio diretamente para a Hulu – e Star+ no Brasil. O resultado, alegra-me dizer, é que finalmente temos um grande filme do Predador novamente.

A trama é ambientada na Nação Comanche em 1717, centrando-se na jovem Naru (Amber Midthunder). Por mais que todos insistam que ela se torne uma curandeira, sua grande ambição está nas caçadas pelo território, especialmente com seu irmão mais velho. Tentando provar seu valor, Naru sai em busca de um urso que aterroriza a região, mas logo descobre algo bem pior ao se deparar com um Predador alienígena, marcando a primeira visita da espécie na Terra.

O Predador: A Caçada: De volta para o passado

Um conceito simples, mas absolutamente sensacional. Partindo da imaginação do diretor Dan Trachtenberg e do roteirista Patrick Aison, ambientar o Predador nesse período histórico é genial por dois motivos: primeiro, consegue aproximar o longa ainda mais do fator instintivo e brutal do longa original de 1987, especialmente pela ambientação na selva. E segundo, a evidente limitação tecnológica dos personagens humanos (armados com machadinhas, arco-e-flecha e lanças) que precisam enfrentar uma criatura altamente armada com apetrechos extraterrestres – mas não totalmente, já que esta versão do Predador é apropriadamente mais rudimentar do que nos filmes anteriores. Tal decisão, naturalmente, acrescenta uma camada de suspense e tensão muito maior, já que os protagonistas estão severamente desfalcados.

Em essência, o texto de Aison é extremamente simples. Não é nada revolucionário e inovador, chegando até mesmo a ser formulaico, o que não é exatamente um problema. O filme gasta um bom tempo – quase 30 minutos – ambientando a história, os dilemas de Naru e a relação da protagonista com seus familiares, garantindo uma base sólida para o filme que vai se desenrolar. Temos mais um exemplar de uma narrativa com viés feminista, com Naru precisando mostrar seu valor em um ambiente dominado por homens, algo que Aison faz com certa eficiência; todos os coadjuvantes são bem cartunescos, encarnando a figura do “bully” em torno de Naru, mas é algo que ao menos ajuda a tornar a protagonista mais interessante.

Felizmente, O Predador: A Caçada tem a melhor protagonista que a franquia já teve na forma de Naru. Vivida pela excelente Amber Midthunder, a personagem domina a tela em uma performance bem silenciosa, mas cheia de nuances. Midthunder está em praticamente todas as cenas do filme – e na maioria delas, sozinha – e é ótimo observar como o longa consegue aproveitar seu talento de formas diferentes. Seu raciocínio, inteligência e capacidade de montar estratégias são muito bem traduzidos para a tela, muitas vezes sem diálogo algum. Nunca antes eu torci tanto para uma personagem humana na franquia Predador como quando Naru e seu fiel cachorro de caça estavam em cena.

O jogo mais perigoso

E por mais que eu diga que este novo filme é simples, isso absolutamente não é um problema. Afinal, a base direta e sem firulas garante que o diretor Dan Trachtenberg (do ótimo Rua Cloverfield, 10) realmente consiga se sobressair aqui, em uma direção que valoriza a imensidão das paisagens rurais, detalhes da natureza e um olhar quase “Terrence Malick” para alguns dos elementos cenográficos. É um filme que merecia ser visto no cinema, justamente por essa escala bem aproveitada, e que só fica melhor quando os embates com o Predador começam. 

Apresentado quase como um co-protagonista, o Predador da vez se destaca por sua máscara ossuda e um método de luta ainda imperfeito. De certa forma, Trachtenberg nos faz criar um tipo de afeição pela criatura alienígena, já que gasta um tempo considerável acompanhando suas primeiras caçadas na Terra, sua procura por animais e o eventual momento em que sua linha se cruza com a de Naru. Isso torna cada confronto ainda mais interessante e intenso, já que Trachtenberg é inteligente na forma como mistura a ação (onde planos abertos e longos aproveitam a impressionante coreografia de luta) e o suspense, com destaque para a forma icônica como o sangue de oponentes vai marcando a camuflagem da armadura do Predador. 

O embate final entre a criatura titular e Naru é desde já um dos pontos altos de toda a franquia, já que oferece uma sequência muito mais pautada na inteligência dos oponentes, e não necessariamente em suas capacidades físicas. 

O Predador: A Caçada é uma excelente nova entrada na franquia. Após tantos fracassos e ideias ruins pelo caminho, finalmente a 20th Century pôde honrar uma de suas grandes joias, graças a uma ideia original, uma protagonista icônica e uma condução segura. Se o futuro de Alien e Predador realmente está no streaming, então uma nova fase brilhante pode estar tendo início.

O Predador: A Caçada (Prey, EUA – 2022)

Direção: Dan Trachtenberg
Roteiro: Patrick Aison e Dan Trachtenberg
Elenco: Amber Midthunder, Dakota Beavers, Dane DiLiegro, Stormee Kipp, Michelle Trush, Julian Black Antelope, Stefany Mathias, Bennet Taylor
Gênero: Ação
Duração: 99 min

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Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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