Como faz parte do seleto grupo de diretores com alguns bilhões de bilheteria no currículo, Tim Burton pode se dar ao luxo de levantar uma continuação quase duas gerações depois do original, de modo que todo um grupo etário que sequer estava vivo quando “Beetlejuice: Os Fantasmas se Divertem” foi lançado, em 1988, pode agora se divertir fingindo que nutre nostalgia por aquilo que não viu. Ou saudade do que não viveu.

A trama do primeiro filme gira em torno de um casal, Bárbara (Geena Davis) e Adam Maitland (Alec Baldwin), que, após morrerem em um acidente de carro, ficam presos como fantasmas em sua antiga casa. Quando uma nova família se muda para a residência, incluindo a adolescente Lydia (Winona Ryder), os Maitland tentam assustá-los para que vão embora, mas sem sucesso. Em busca de ajuda, eles invocam Beetlejuice (Michael Keaton), um espírito caótico e imprevisível, cuja intervenção acaba criando mais problemas do que soluções.

Na continuação de 2024, “Os Fantasmas Ainda se Divertem – Beetlejuice Beetlejuice”, Lydia – que hoje é estrela de um programa de auditório – está de volta à casa assombrada acompanhada da mãe amalucada artista plástica (Catherine O’Hara, divertida como sempre), da filha adolescente mal-humorada (Jenna Ortega, em mais uma variação sobre o tema “Wandinha”) e do candidato a padrasto enganador. A família novamente se vê às voltas com Beetlejuice (Keaton, enérgico como sempre), que por sua vez tem que se preocupar em escapar da fúria de uma antiga amante vivida por Monica Bellucci (esposa atual do diretor e que faz aqui uma “noiva-cadáver” quarentona).

Nostalgia e trilha musical empolgante seguram Beetlejuice

O roteiro é ágil e sabe que está lidando com expectativas alimentadas por algumas décadas, então tudo que estava no original parece necessariamente ter de estar na continuação (inclusive a passagem musical e sobrenatural do desfecho). Mesmo transitando num universo cujas regras já foram estabelecidas anteriormente, o enredo demonstra inteligência em não se alongar, ao mesmo tempo que introduz novos obstáculos que mantêm a trama de pé sem se repetir demais (especialmente no conflito criado pelo interesse romântico da personagem de Ortega). A única sobra parece ser o personagem de Willem Dafoe, um tardio “ator do momento” que, ao menos aqui, tem pouco com o que se ocupar em tela.

É curioso notar que a grande qualidade do primeiro filme (o universo soturno e caótico do purgatório concebido por Tim Burton) não poderia ter, em 2024, a força que tinha no século passado. São quase 40 anos de bizarrices acumuladas no cinema, na TV e na Internet, o que faz com que as extravagâncias típicas da imaginação de Burton e de seus roteiristas (os figurinos de show do Talking Heads, por exemplo, e mesmo a violência gráfica, mas cartunesca) hoje parecem uma leve repetição do que se assiste rotineiramente.

Tim Burton, contudo, é talentoso o suficiente para saber disso, e oferecer à expectativa de um público acostumado com o caos ofensivo da cultura pop as doses certas de referências cinematográficas (ao expressionismo alemão e também ao cinema de terror de Mario Bava, numa divertida passagem falada em italiano), além de uma seleção de canções antigas que dificilmente incomodarão a alguém (ou tem como qualquer coisa que esteja acontecendo com “MacArthur Park” tocando ao fundo não ficar interessante?).

Sem se aprofundar muito nos temas que costumam se sobressair em sua filmografia (a questão da “máscara social” e das aparências, presente desde sua leitura de Batman e em “Edward Mãos de Tesoura”, por exemplo), Burton consegue oferecer uma diversão leve, mas de qualidade, numa mistura bem equilibrada de maquiagem com efeitos visuais digitais e que provavelmente agradará tantos aos fãs do primeiro filme quanto a seus filhos (e, muito em breve, netos).

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Daniel Moreno

Cineasta, roteirista e colaborador esporádico de publicações na área, diretor do documentário “O Diário de Lidwina” (disponível no Amazon Prime e ClaroTV), entre outros.

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