Ryan Coogler tinha uma tarefa impossível. Não só o cineasta americano em ascensão precisava seguir o trabalho monumental de Pantera Negra, filme que arrecadou mais de US$1 bilhão nas bilheterias, foi universalmente aclamado e até indicado ao Oscar de Melhor Filme, mas também precisava fazer algo digno para honrar o legado de Chadwick Boseman, astro que morreu após uma trágica batalha contra o câncer.
O projeto foi mudado e alterado diversas vezes ao longo dos anos, até se tornar este Pantera Negra: Wakanda Para Sempre, filme que chega com as pesadas responsabilidades de continuar a história de uma lenda, homenagear outra e ainda estabelecer inúmeros novos pontos de história e personagens para o chamado MCU. Naturalmente, não é uma tarefa que seria bem-sucedida ao extremo.
A trama incorpora a morte de Boseman ao trazer a nação de Wakanda de luto, sofrendo sem a presença do Rei T’Challa, cuja ausência agora deixa o país suscetível a ataques e desejos imperialistas de todo o mundo. Uma das operações do governo americano desperta a atenção de Namor (Tenoch Huerta), um guerreiro das profundezas que pressiona a Rainha Ramonda (Angela Bassett) para formar uma aliança e levar a guerra para a superfície.
Processo de luto
Assistindo a Wakanda Para Sempre, nitidamente percebe-se a existência de dois filmes batalhando entre si. O primeiro deles é a mais honesta e emocionante expressão de luto e sentimentos complexos, que Coogler e o roteirista Joe Robert Cole o fazem com naturalidade e maturidade, em um nível desconhecido para as obras do MCU – e que por consequência transborda-se em todo o elenco, afiadíssimo. O outro filme provavelmente representa o resquício da ideia original de Coogler para o projeto, que estabelece uma guerra épica entre duas nações escondidas da humanidade, para enfim apresentar o Príncipe Namor ao Universo Marvel dos Cinemas.
São duas linhas bem diferentes entre si, e que raramente conversam de forma coerente. A introdução de Namor e diversos outros elementos, como a prodígio Riri Williams/Coração de Ferro (a ótima Dominique Thorne), a pressão do governo americano sobre Wakanda e o conflito descartável entre Everett Ross (Martin Freeman) e a péssima Condessa Valentina de Julia Louis-Dreyfus (apresentada nas séries da Disney+) garantem uma experiência inchada, excessivamente longa (são 160 minutos de filme) e desequilibrada – mesmo com as nobres intenções de Coogler e a equipe.
Infelizmente, o talentoso Ryan Coogler surge menos inspirado também na função de diretor. Trocando a diretora de fotografia Rachel Morrison por Autumn Arkapaw (da série Loki), Coogler gera um filme que visualmente é bem menos caprichado ou estimulante como o original, com Wakanda Para Sempre sendo excessivamente escuro, esteticamente lavado e sem uma grande variação de cores. As cenas embaixo da água, para retratar o reino de Namor, são escuras e escondem o bom trabalho da equipe de design de produção, que infelizmente cai no padrão da Marvel Studios de obras de paleta de cor nula.
A ação também é pouco inspirada, com Coogler e Arkapaw apelando demais para câmera tremida e cortes excessivos. As melhores sequências de ação do longa são melhoradas pela ótima trilha sonora de Ludwig Goransson e as canções licenciadas, que realmente fazem a diferença aqui. Faltou um olhar genuinamente épico e de grande escala que uma trama de guerra como a de Wakanda Para Sempre precisava.
Coração acelerado em Wakanda para Sempre
O grande alento do filme, além da sensibilidade gigante para analisar o processo de luto, é mesmo o elenco. Letitia Wright é promovida a protagonista e garante o arco mais complexo e exigente do filme, entregando uma performance poderosa, com nuances dramáticas, bem humoradas e até surpreendentemente sombrias. Angela Bassett também oferece muita força em um papel coadjuvante mais ativo, enquanto Lupita Nyong’o e Winston Duke seguem extremamente carismáticos – ainda que com uma participação muito menor.
Já o “estreante” Tenoch Huerta garante uma figura impressionante e sempre envolvente para seu antagonista Namor. Como o filme gasta tanto tempo para explicar suas origens e motivações, Huerta é bem eficiente em criar uma figura cheia de tons de cinza, que passa longe de ser um vilão comum. Toda a concepção do longa em transformar o personagem dos quadrinhos em um símbolo da cultura maia também é extremamente acertado.
Novamente, não era uma tarefa fácil tirar esse filme do papel, dadas as circunstâncias infelizes. Wakanda Para Sempre sofre com um roteiro inchado e repleto de elementos desnecessários, e também pela condução técnica aquém de sua proposta grandiosa. Porém, o filme garante uma bela homenagem para Chadwick Boseman, onde o amor e as boas intenções são presentes a cada segundo.
Pantera Negra: Wakanda Para Sempre (Black Panther: Wakanda para Sempre, EUA – 2022)
Direção: Ryan Coogler
Roteiro: Ryan Coogler e Joe Robert Cole
Elenco: Letitia Wright, Lupita Nyong’o, Winston Duke, Angela Bassett, Tenoch Huerta, Danai Gurira, Dominique Thorne, Martin Freeman, Julia Louis-Dreyfus
Gênero: Aventura
Duração: 161 min