Quem assiste a um trailer de Pecadores, o novo filme escrito e dirigido por Ryan Coogler (de Pantera Negra), parece estar diante de um terror com foco na ação e nos efeitos visuais. Nada mais distante da realidade. O longa em seus intermináveis 137 minutos é uma mistura de gêneros com um balanço bastante problemático, que segue por um caminho dramático e de crônica de costumes por mais da metade da projeção para, quase no final, lembrar-se de que a embalagem prometia um produto diferente. Mas aí já é tarde demais.
O roteiro parece ter saído do Chat GPT se alguém tivesse feito a seguinte instrução: “misture Um Drink no Inferno de Robert Rodriguez numa ambientação à Na Época do Ragtime de Milos Forman e adapte tudo isso para a audiência de 2025”. O resultado – como dificilmente seria diferente – é uma maionese de gêneros que tenta compensar a bagunça dramatúrgica com uma ambientação muito rica do sul dos Estados Unidos no início do século XX sob a potência sonora de uma trilha exuberante de blues e world music. Como Coogler não é Rodriguez (e muito menos Milos Forman), o que deveria ser um filme de terror com um pano de fundo socialmente “relevante” acaba resultando num todo fragmentado e cujas partes comunicam-se muito mal entre si.
Um enredo que mistura elementos em excesso para lidar num mesmo filme
Na trama, os irmãos gêmeos Smoke e Stack (Michael B. Jordan) voltam para o interior da Louisiana cheios de dinheiro no bolso após uma temporada em Chicago. Seu plano é abrir um bar com autêntico blues ao vivo. Eles compram um casarão abandonado e, quase num passe de mágica, estão prontos para a noite de inauguração. Mas algumas pontas soltas do passado, a ameaça velada da Ku Klux Klan e uma presença sobrenatural totalmente estranha ao enredo irão tornar seu sonho rapidamente num pesadelo difícil de superar.
Até a metade do roteiro, é difícil suspeitar que se trata de um filme de fantasia – como o trailer sugere falsamente. Estamos diante de uma exposição lenta, arrastada e sem uma só pausa nos diálogos, na qual se apresenta um número exagerado de personagens que o filme terá de dar conta até o final. É difícil simpatizar com muitos deles da forma que passam pela tela, um emaranhado corrido em que a identificação torna-se quase impossível.
Porém, acredite: esta é a melhor parte do filme, que é muito bem produzido, oferece uma trilha musical empolgante e uma reconstituição de época bastante vívida. Você parece transportado para o sul em cores vivas. Mas isto é um drama realista, ou até mesmo um drama musical. E não é o que foi “vendido”. É preciso voltar ao sobrenatural, introduzir vilões chupadores de sangue que façam algum sentido. E esse sentido acaba numa forçação de barra, diálogos expositivos e flash-backs que atrapalham a montagem.
O roteiro atabalhoado e expositivo não dá conta de todos esses elementos, mas a “visão” do diretor se expande ainda mais: é preciso fazer um comentário social, e resolver a trama, e carregar de sentimentalidades os personagens. Um exagero em que nada se sobressai – exceto a produção vultosa que funciona como embalagem para um produto sem forma definida, inconsistente. Diferente do filme de Rodriguez, por exemplo, que era puro escapismo, a pretensão de Coogler é grande demais para seus braços curtos abraçarem de uma vez só.
O sucesso é quase obra do acaso, mas os erros do filme são visíveis na tela
Como bom filme da Hollywood de 2025, é preciso compensar a ruindade dramatúrgica com truques visuais, barulho e uma edição atordoante, de modo que o espectador mais atento não se perca em divagações. Para ajudar (ou atrapalhar) ainda mais, o enredo demora uns 20 minutos para finalizar, com desfechos falsos que irritam ainda mais a audiência exigente.
Além de um notável desperdício de recursos, o filme dá pouca chance para coadjuvantes talentosos, como a excelente (e de carreira pouco aproveitada ainda) Lola Kirke (de Garota Exemplar), perdida entre um grupo de vilões que estão mais confusos que o diretor em dar algum sentido para tantos elementos estranhos supostamente funcionando em conjunto.
Claro que nada disso tem muita importância para o “negócio do cinema” e o público pode eventualmente mergulhar de cabeça nesta jornada estapafúrdia (como prova o recente sucesso de Um Filme Minecraft). Como arte, entretanto, sobra pouco de Pecadores: alguns números musicais bem coreografados, a sonoridade impactante e um Michael B. Jordan que saiu de Creed, mas que continua levando Creed dentro de si. E – para complicar o que já estava complicado – aqui em dose dupla.