Crítica | Peter Pan (2015) – Uma reinvenção desnecessária e vergonhosa

Sobrou até pro Nirvana.

Em maio de 2011, recebíamos a notícia animadora de que Peter Pan ganharia uma nova releitura. Intitulada simplesmente como Pan, o projeto traria Aaron Eckhart como Capitão Gancho, mas o eterno vilão seria aqui um detetive que investiga o rapto de crianças por uma misteriosa figura que “nunca iria crescer”. É uma ótima e sombria ideia que poderia explorar temas complexos e originais dentro do imortal conto de fadas. Como esse thriller acabou convertido em uma bizarra e fantasiosa história de origem, é um mistério.

Assinada por Jason Fuchs, a trama parte para criar uma inédita história de origem para os personagens de J.M. Barrie, nos apresentando a um órfão (o estreante Levi Miller) que é abruptamente raptado por um navio pirata voador, controlado pelo cruel Capitão Barba Negra (Hugh Jackman). A viagem o leva pela primeira vez à Terra do Nunca, onde os piratas estão em constante guerra com os nativos liderados pela Princesa Tigrinha (Rooney Mara) e o reino das Fadas, e Peter acaba jogado no meio do conflito para servir à uma antiga profecia.

Uau. Quem diria! Peter Pan era o escolhido de mais uma das trocentas profecias que já serviram de muleta temática para o cinema desde sempre. Não seria um problema muito grave se o texto de Fuchs fosse capaz de explorar bem os conceitos básicos da jornada do herói, mas não há absolutamente nada de original – bem, excluindo o fato de termos um protagonista muito mais, como dizer, “burro” do que a habitual ingenuidade dos tantos “Neos” e “Lukes Skywalkers” da cultura pop. E já que citei o protagonista de Star Wars, é gritante a semelhança temática com o primeiro filme de George Lucas, com Peter, Tigrinha e o ainda amigo Gancho (Garrett Hedlund), cobrindo perfeitamente os personagens de Luke, Leia e Han Solo, chegando ao nível de copiar descaradamente uma das mais marcantes reviravoltas daquele filme. As explicações para a origem das fadas (então quer dizer que o pó de pirlimpimpim é extraído de grandes pedras de crack?), da liderança de Tigrinha e o “gancho” que o futuro capitão pirata carrega não empolgam, e perigam manchar a história original com um pano de fundo genérico e sem graça, ainda que o filme seja uma produção absolutamente caprichada e impressionante.

LEIA TAMBÉM  Crítica com Spoilers | Esquadrão Suicida - Um festim diabólico para o espectador

Afinal, Joe Wright é um diretor que se sai bem quanto ao visual e escala de seus projetos (vide seu impecável uso dos cenários teatrais em Anna Karenina), e com a ajuda da designer de produção Aline Bonetto, cria uma Terra do Nunca exótica e fantasiosa, com forte presença de elementos circenses e a criação de um universo pirata que beira a ficção científica com seus barcos voadores e esferas flutuantes de água, quase como um Baz Luhrmann sem toda a purpurina. Wright só não se sai bem na condução de suas cenas de ação, que acabam melhores aproveitadas pelo cenário ou a boa música de John Powell, ao invés de uma montagem confusa que deixa bizarros reaction shots (quantas vezes teremos que ouvir algum personagem interrompendo a ação para dizer “Ah, qual é?”) e efeitos visuais nem sempre tão convincentes, especialmente nas cenas de voo que transformam Pan num horroroso boneco digital.

LEIA TAMBÉM  Joaquin Phoenix revela casamento secreto com Rooney Mara em entrevista surpreendente

Quanto ao elenco, é uma pena constatar que o talentosíssimo Hugh Jackman fique limitado a uma figura muito mais caricatural do que o filme exigia, limitando-se em muitos momentos a uma cópia da performance de Johnny Depp em Piratas do Caribe. Rooney Mara deveria ter vergonha de um trabalho tão desleixado e mal escalado (nem vou entrar em méritos de etnia, o buraco é mais embaixo) e o estreante Levi Miller não mostra à que veio, carecendo do carisma e a malandragem que tornam Pan uma figura tão divertida. O destaque fica mesmo para Gancho, que Garrett Hedlund transforma num adorável canastrão aos moldes de Indiana Jones, e confesso que sua futura transformação no arqui-inimigo de Peter Pan é um dos únicos motivos que me fariam querer uma continuação.

LEIA TAMBÉM  Crítica | F1 é aula de entretenimento saindo diretamente dos anos 1990

Peter Pan é uma releitura descartável e danosa ao mito original de J.M. Barrie, apoiando-se demais em estruturas que por si só não funcionam. Tem bons valores de produção e algumas boas ideias, mas sem dúvida é uma Terra do Nunca para qual eu não teria interesse de retornar.

Obs: Esta crítica seria originalmente de Matheus Fragata, mas este tragicamente perdeu a visão devido ao forte contato com o brilho colorido das fadas.

Peter Pan (Pan, EUA – 2015)

Direção: Joe Wright
Roteiro: Jason Fuchs
Elenco: Hugh Jackman, Garrett Hedlund, Rooney Mara, Levi Miller, Cara Delevingne, Adeel Aktar, Amanda Seyfried
Gênero: Aventura

Duração: 111 min

Add a comment

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Sobre o autor

Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

Ler posts desse autor