Merda é a primeira palavra dita. É também a situação em que os protagonistas de “SalaVerde” vão se encontrar logo logo, no decorrer da trama, mas segundo a lógica do diretor Jeremy Saulnier, primeiro precisam ter algum pecado para pagar. São quatro jovens que formam uma autêntica banda punk e viajam de carro pelos país de show em show. Começam o filme sem gasolina – e xingando “merda!” – e perdidos no meio do nada, até que vão, então, atrás de algum estabelecimento próximo para roubar combustível dos automóveis estacionados. Antes da história seguir, acontecem alguns minutos de ambientação punk como tiradas sarcásticas, drunk pranks, piadas escatológicas, cervejas bebidas em latas amassadas, cigarros, coturnos, couro, mosh etc. Autenticação punk garantida. Pecados também.
O quarteto toca para uma plateia composta por skinheads neo-nazistas e escolhem, como primeira canção, um cover de “Nazis Punks Fuck Off” dos Dead Kennedys. Os garotos são provocadores, faz parte da ideologia que pregam – e seguem –, eles tiram sarro e dão risada. Eles são punks. Buscam subversão. Gostam de adrenalina, caos, violência, gritaria, último volume, quebradeira, dão e levam facadas. Eles praticamente conquistam (ainda que não mereçam) a merda em que vão se meter. Taí o que torna “Sala Verde” tão especial. Eles são recompensados com a violência que, em breve, será inserida e o telespectador, por tabela, se sente recompensado também.
Voltando à trama, após o show, um dos membros do grupo, Pat (Anton Yelchin), entra numa porta errada e testemunha uma garota morta com uma faca cravada no crânio enquanto três pessoas (os prováveis assassinos) a cercam e encaram Pat. O garoto corre desesperadamente, tenta ligar para a polícia, mas o gerente da boate, Gabe, o pega no ato e interrompe. A banda, que testemunhou o homicídio, agora tem que ficar presa no tal “quarto verde” com um segurança enorme apontando uma arma para eles. Nessa hora percebem que, finalmente, estão na bosta.
O diretor e roteirista, Jeremy Saulnier, foi muitíssimo bem recebido pela crítica com “Ruína Azul” (Blue Ruin, 2013) e sabia que o momento de fazer um longa-metragem tão violento quanto “Green Room” teria que ser naquela hora. Há muito gore em “Quarto Verde”, a ação é incrível e as mortes brutais. Há tiro na cabeça, mata-leão, lâmina no pescoço e mordida de cachorro. Não são cenas para qualquer estômago, mas um fato peculiar elas é que não são gratuitas.
A seriedade de cada uma das mortes – não são poucas – no filme é respeitada pelos personagens. Ninguém na trama é um sanguinário frio e treinado. Alguns parecem já ter lidado com óbitos, mas nenhum dos tipos se sente plenamente confortável com tirar a vida de alguém ou mesmo com toda a situação. Cada um dos falecimentos gera algum tipo de consequência moral para o resto dos vivos e mós, como público, somos permitidos a sentir cada deles. Nem mesmo o perverso vilão e dono da boate, Darcy, vivido pelo irreconhecível Patrick Stewart, está livre de tensões. “Isso é um pesadelo”, comenta Amber (Imogen Poots) em algum momento. “Para todos nós”, responde Darcy. A desgraça é democrática.
As armas – brancas, de fogo ou improvisadas – também são respeitadas. São quase personagens. O brilhantismo do roteiro se certifica que cada uma cumpra seu papel e em seu determinado momento, mostrando uma grande variação de ferir ou matar alguém. Lembra um videogame difícil em algumas circunstâncias, pois os equipamentos são escassos – valiosos, portanto –, mudam de mãos em mãos e as munições acabam. O uso das pistolas e escopetas, portanto, não é exagerado. Pelo contrário, é respeitado.
A fotografia é linda e mantém uma paleta de cor verde escura que ambienta bem a história, além de harmonizar com o título. O elenco é outro ponto alto o que dá uma certa sensação melancólica, já que esse foi o penúltimo filme lançado antes da morte do promissor Anton Yelchin (o Checov de Star Trek) num trágico acidente em junho de 2016. Patrick Stewart, o nome de maior peso contou, em entrevista, que decidiu aceitar o papel pois ao terminar de ler o roteiro em sua casa, estava tão assustado que trancou toda a sua casa, ativou o sistema de segurança e se serviu de um copo de uísque.
“Sala Verde” é feroz, mas não exagerado nem explícito. Como dito antes, cada truculência é calculada e relevante para o desenvolvimento da trama. Não há excesso de personagens e todos as informações e arcos apresentados são bem amarrados. Por exemplo, no começo do filme, Pat é questionado se ficasse preso numa ilha deserta e pudesse ter a discografia de uma só banda para escutar eternamente, qual seria. Ele não responde e, ao longo do filme, é interrogado em outras ocasiões. Ao final, ensanguentado, cansado e corrompido, ele finalmente tem uma resposta. Mas não importa, ele viveu o maior terror de sua vida e, assim como o longa começa, também termina com merda.
Escrito por Rodrigo de Assis