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Crítica | To the Moon

Quantas foram as vezes nos últimos dez anos que você encontrou um jogo que lhe surpreendeu ao ponto de você o colocar como um dos melhores jogos que você já experimentou na sua vida?

Hoje em dia, a barra para games está mais alta que nunca. Temos gráficos cada vez melhores, dublagens de ponta, consoles potentes, realidade virtual chegando com força total… São tantos itens que um game precisa cumprir hoje, por obrigação, que muitas vezes uma boa história e narrativa ficam em segundo plano. E é na contramão desta tendência que surge To the Moon (2011).

Proveniente de uma empresa independente, Free Bird Games, o jogo obedece a regra de sua categoria; é diferente e artístico. Seu criador, Kan Reives Gao, com experiência em outros games indie como The Mirror Lied e The Quintessence, entregue uma história mista de ficção científica e drama, com o correto balanço de leveza. A engine, RPG Maker XP, lembra muito os jogos da época de Super Nintendo como Zelda e Final Fantasy, até as emoções representadas por símbolos sobre a cabeça dos personagens, tudo neste jogo traz a ideia de nostalgia e carinho pelos velhos tempos. A diferença é que não existe um princesa a ser resgatada ou um monstro a ser a combatido, sequer níveis ou habilidades. Em To the Moon a narrativa é o principal ponto do jogo.

Início

A trama acompanha dois doutores da Sigmund Corp, uma empresa de medicina/tecnologia que vende aos clientes que estão em seu leito de morte uma chance de realizar o sonho da vida deles. O processo? Ao melhor estilo MatrixA Origem, os doutores entram na mente do paciente através de um equipamento especial e viajam por suas memórias, da mais recente até a mais antiga, coletando lembranças chave. Ao ter uma quantidade suficiente de informação, o computador reescreve todas as memórias, criando uma nova história de vida. Uma história onde o paciente realizou seu sonho, qualquer sonho que seja.

O paciente em questão, Johnny Wyles, se encontra em uma mansão próxima de um farol. De cama, o viúvo senhor de idade recebe acompanhamento diário de uma cuidadora, que vive na mansão com seus dois filhos. Ao entrar em sua mente, temos a primeira conversa com o personagem que iremos conhecer profundamente ao longo das aproximadamente 7 horas de jogo. Esse primeiro momento com o personagem de Johnny age como um verdadeiro gancho para o que há por vir. A estranheza de discutir as questões de um serviço tão incomum quanto este, aliado ao detalhe que toda esta interação se passa dentro de um sonho que Johnny está tendo, instiga nossa imaginação de uma forma interessante. Queremos saber mais sobre a história. O paciente, ao nos ver, já sabe do que se trata nossa visita. Foi ele quem nos contratou, afinal, quando ainda estava em boas condições de saúde.

E é nessa situação que descobrimos qual seu sonho:

Johnny não sabe explicar porque, mas ele quer ir para a Lua.

Os personagens não recebem a notícia com surpresa, afinal o computador consegue gerar qualquer simulação possível, tendo a quantidade de memórias chave suficiente. Mas como não sabem de onde vem esse desejo, existe muito trabalho a ser feito.

Impressão Realista

A partir desta interação começamos a conhecer mais sobre Johnny, sua vida recente, as pessoas da casa e, claro, os dois personagens que controlamos ao longo de todo o jogo; Dra. Eva Rosalene e o Dr. Neil Watts. A decisão de colocar dois personagens centrais para serem controlados é um acerto em cheio por parte de Kan. A viagem pelas memórias de Johnny é cheia de solidão. Apesar de você conseguir interagir com os personagens que são relembrados, nada se compara às conversas dos dois doutores sobre a investigação e seu trabalho. Eva e Neil se questionam, debatem, discutem o significado e importância da vida e se perguntam se o trabalho deles realmente é correto ou não. Eles respondem ao que está acontecendo e à jornada se desenrolando à frente deles.

Sem falar que existe química entre eles. Não romântica, mas uma genuína química de colegas de trabalho. Por mais irreal que seja duas pessoas entrarem na mente de outra como uma rotina, o jogo lhe passa a sensação de que é somente mais um dia para os dois. Eles se desconectam do aparelho após certos progressos, para dormir, ligar para o escritório, pensar em soluções para os problems que surgem. É incrível como que a Sigmund Corp não parece uma empresa de um futuro distópico ou distante. Ela é, dentro do jogo, de uma realidade incrível.

A Narrativa

Falando em realidade, a história e sua carga dramática é digna dos melhores JRPG que já foram lançados. Um jogo com a ausência de batalhas e momentos dinâmicos precisa de uma narrativa e personagens com muito carisma para criarem momentos de catarse como os que nos são apresentados. As reviravoltas são bem construídas e geram as sensações certas. Somos jogadores, mas ao mesmo tempo somos meros espectadores do espetáculo que se desenrola à nossa frente.

Viajamos por uma vida inteira, por diversos momentos importantes, enquanto acompanhamos mudanças em Johnny sob o aspecto amoroso, amadurecimento, família, infância… É a jornada de uma vida, começando pelos seus últimos suspiros até seus primeiros passos.

Durante uma cena em que eu segurava as lágrimas para não chorar, me perguntei como que este jogo criado com gráficos de quinze anos atrás e que possui somente linhas de diálogo escritas (os personagens falam por caixas de texto e não voz) podia me gerar esta sensação.

Que alegria perceber que existem desenvolvedores realmente colocando coração em suas obras e se dedicando à histórias marcantes com personagens interessantes.

Outro ponto altíssimo deste game é sua trilha sonora. Composta por Kan Gao e Laura Shigihara, ela adiciona a carga dramática de uma forma tremenda. São leves toques no piano, em ritmo melancólico, mas simples e suave. Toda a trilha, inclusive a canção criada para o jogo, enriquecem a obra e fazem To the Moon se destacar ainda mais de outros games indie.

Conclusão

To the Moon pode não ter ganho as capas de jornais ou bilhões de dólares em seu lançamento mas com certeza se tornou marcante para todos os jogadores que tiveram oportunidade de conhecer. Com narrativa redonda, personagens interessantes, jogabilidade restrita mas criativa e bem aplicada e uma trilha sonora emocionante, merece nossa nota máxima e é altamente recomendado.

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Publicado por Lucas Voltolini

Eu escrevo sobre filmes, jogos e dou uns pitacos sobre a indústria do entretenimento sempre que posso

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