
P.T. Anderson tem praticamente a mesma idade de Christopher Nolan e, se seguir os passos do outro talentoso e bem-sucedido diretor de sua geração, tem tudo para levar um Oscar de Melhor Filme ou Melhor Direção por um título que nem de longe é seu melhor trabalho: Uma Batalha Após a Outra seria seu Oppenheimer, um prêmio individual que vale pelo “conjunto da obra” até o momento.
Partindo de uma novela do escritor consagrado Thomas Pynchon, P.T. Anderson constroi um roteiro vertiginoso que parte da crítica social em tom satírico (e que em alguns momentos desce sem medo à mera caricatura) para acabar em um filme com ação, humor ferino, trilha musical e ritmo de tirar o fôlego – porém, que para ser mais levado a sério precisaria se aprofundar em tópicos onde resvala bastante superficialmente.
Filme usa temas espinhosos em uma abordagem de entretenimento
Na trama, um grupo de revolucionários de extrema esquerda que “libertam” imigrantes ilegais através de operações paramilitares financiadas por roubo a bancos é desmantelado depois que Perfídia (Teyana Taylor) é obrigada a delatar seus companheiros – entre eles, o namorado Bob (Leonardo DiCaprio), com quem tem uma bebê recém-nascida. Perfídia entra no programa de proteção a testemunhas, mas logo foge e, mais de 15 anos depois, reativa involuntariamente a célula revolucionária adormecida que precisa fugir dos militares liderados pelo Coronel Steven Lockjaw (Sean Penn), um sociopata obcecado por pureza racial mas ao mesmo tempo atormentado por um desejo obsessivo pela própria delatora fugitiva. Quando o governo arma uma operação artificial para perseguir os antigos guerrilheiros, Bob tem que proteger a filha (agora, uma adolescente) que se torna o principal alvo da missão do Coronel.
A ambientação e os personagens constroem uma crônica ligeira do terrorismo na América durante a década de 1970, notadamente de grupos como o Weather Underground e os radicais ligados aos Panteras Negras – embora a temporalidade fique um pouco deslocada, misturando um tema bastante atual como a imigração ilegal a uma atmosfera e um tipo de preocupação que referencia o final do século XX. Na outra mão, o roteiro faz um retrato cômico do extremismo de direita ligado ao supremacismo, xenofóbico e antissemita. Tudo isso numa velocidade que deixa bem poucas lacunas para o espectador se acostumar com os personagens ou mesmo problematizar o carrossel de preocupações que o diretor faz desfilar à sua frente.
Em uma abordagem relativamente parecida ao que Ari Aster tenta fazer com Eddington, P.T. Anderson mascara a sátira social e política em um formato de gênero: o filme tem explosões, tiroteios, perseguições, muita ação física e uma edição vigorosa, que remete também ao Scorsese de Cassino, por exemplo, e ao Robert Altman de Nashville e M.A.S.H. Diferente daquele, entretanto, Anderson tem um domínio exuberante da forma cinematográfica, e mesmo quando escorrega nesse equilíbrio delicado entre política e espetáculo, o filme sofre pouco porque a narrativa se sustenta sozinha (quando em Aster, ela facilmente desmorona). No entanto, como tudo que se coloca na tela cobra seu preço, o cineasta paga o seu aqui diluindo qualquer profundidade dos tópicos que parece querer abordar, oscilando entre a caricatura banal e uma superficialidade quase irresponsável.
Quando chega ao terceiro ato, o roteiro precisa “amarrar” a trama que propôs nas duas horas anteriores e, embora a ação funcione excepcionalmente bem, a lógica mais uma vez é sacrificada, quando os personagens parecem descobrir telepaticamente aonde ir e quem encontrar, o que se torna dramaturgicamente sofrível. E, quando finalmente termina, Anderson faz uma celebração um pouco ingênua do “amor familiar” e a mentalidade revolucionária (a qual ele talvez quisesse compreender melhor ao filmar tal enredo) está reduzida a uma aventura juvenil sem maiores desdobramentos.
Ao não “pesar a mão”, Anderson reforça suas qualidade como diretor e mira o Oscar
Embora o final do filme seja bem discutível por converter temas sérios em material para o entretenimento escapista, ele reforça as apostas no Oscar porque de alguma forma “pacifica” a temática ao gosto da indústria enquanto se aproveita de uma preocupação midiática e política que replica a polarização existente na sociedade norte-americana sem, contudo, tornar-se didático ou fazer proselitismo barato.
Um dos maiores acertos de Uma Batalha Após a Outra está em excelentes escolhas de elenco. DiCaprio parece apresentar uma fusão entre o Grande Lebowski de Jeff Bridges e outros papéis que ele mesmo interpretou, aquela energia caótica e irresistível do Lobo de Wall Street que se tornou sua marca registrada; Sean Penn prova mais uma vez o ator excepcional que sempre foi e, embora sofra com a caracterização mais caricata de todo o filme, consegue dar consistência a um personagem difícil de engolir; e Benicio Del Toro confere charme e presença no papel de uma espécie de “samurai” latino que ajuda Bob em sua fuga. O esmero se estende a uma meia dúzia de coadjuvantes com atuações muito orgânicas, conforme tem sido uma das maiores qualidades de Anderson como diretor.
Não é natural ao cinema e aos filmes de modo geral oferecer discussões mais aprofundadas sobre tópicos de interesse da sociedade, a tela funcionando melhor como um catalisador provocativo de tais debates que depois se estendem em outros ambientes e formatos. Apesar disso, quando um filme como este resvala em assuntos sensíveis, se espera que sua abordagem seja a mais madura possível – e nem sempre é o que se pode ver aqui.
Em nome do entretenimento, do ritmo e mesmo da “piada”, o roteiro nem de longe chega perto de outros retratos mais consistentes da mentalidade revolucionária e de sua relação com a conformidade e o autoritarismo vigentes, como se vê, por exemplo, nas obras de Doris Lessing (e seu dificilmente superado romance “A Terrorista”) ou em “Os Demônios” de Dostoiévski. P.T. Anderson é melhor diretor cinematográfico que “comentarista” político ou social, e isto fica claro quando Uma Batalha Após a Outra funciona enormemente como espetáculo – mas bem menos como crônica da realidade.